quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

QUEM ESTÁ POR DETRÁS DE MERKEL?




BAPTISTA BASTOS – DIÁRIO DE NOTÍCIAS, opinião

Que Europa se espera da Europa, depois da reverente entronização de Angela Merkel feita por essas sobras menores de "estadistas", reunidas numa cimeira tão desacreditante quanto insensata?

Os que nela participaram, de regresso a seus países, proferiram declarações graciosamente imbecis e desprovidas de qualquer centelha de dignidade. A alemã foi a vencedora do conclave e parece que nenhum dos presentes deu conta rigorosa dos perigos que representa. Como lucidamente Viriato Soromenho-Marques escreveu no DN (segunda-feira, 12, pág., 8), "a senhora Merkel, mãe do monstro de pobreza e proteccionismo que quer oferecer como rosto da Europa futura, tem um problema fundamental, que é a arma apontada à cabeça de 500 milhões de europeus. A sua tacanhez mental é ainda maior do que a sua influência letal sobre os primeiros-ministros que actualmente governam a Europa. Uma medrosa selecção, que parece ter saído dos lesionados das divisões de honra dos campeonatos distritais de futebol (...)."

O projecto imperial está à vista. E tanto Helmut Kohl (CDU, o partido dela) quanto Helmut Schmidt (SPD), horrorizados com o caminho que as coisas estão a tomar, vieram a público exigir que se questionasse a verdadeira dimensão do empreendimento. Não se serviram de metáforas para esclarecer os seus pontos de vista: usaram analogias históricas a fim de agitar as cabeças quadradas dos dirigentes políticos.

Aceitando-se o facto de que a senhora Merkel ser tida e havida como tonta, quem está por detrás dela?, quais os ideólogos que a impulsionam?, quais os poderes que nos querem condenar a uma espécie de desconstrução identitária? Porque é disso que se trata, quando se desarma o princípio de equilíbrio social e se o substitui por um jogo de hegemonia do mais forte, com a decorrente submissão total do mais fraco.

A Europa, nas mãos de Angela Merkel (o pobre Sarkozy faz papel de compère resignado e cortês), favorece o aparecimento dos nacionalismos e da proeminência aguerrida do económico sobre o político. O hiato criado por estas circunstâncias faz- -nos viver na ilusão de que as previsíveis derrotas da alemã e do francês, nas próximas eleições, nos permitirão respirar melhor.

Mas a questão não reside em eleições: está nas deformidades de um sistema que conduz a tudo, até a ressurreições dos fascismos. Em causa emerge não apenas a ameaça de eliminação dos padrões, sob os quais nos habituámos a viver, como a benevolência com que estes dirigentes europeus admitem a servidão. A mediocridade circundante conduz a tudo: até à imprudente aceitação do económico, não como utensílio mas como valor absoluto. Para não irmos mais longe, basta olhar Portugal e atentar na pobreza intelectual e nas debilidades éticas e políticas dos que nos dirigem.

Portugal - Desemprego: UGT CRITICA CORTE DO SUBSÍDIO PARA 18 MESES




Governo sem abertura para negociar esta redução

O secretário-geral da UGT, João Proença, manifestou-se contra a redução de três anos para 18 meses do tempo de atribuição do subsídio de desemprego, conforme pretende o Governo.

«A redução da atribuição do subsídio de desemprego para um máximo de 18 meses, quando hoje há subsídio de desemprego para trabalhadores mais idosos e que tenham trabalhado durante 20 anos na mesma empresa [cujo prazo] poderá ser superior a 3 anos, é extremamente negativo», disse João Proença aos jornalistas no final de um encontro com o ministro da Solidariedade Social, Pedro Mota Soares.

Após um encontro que durou perto de duas horas, no ministério, em Lisboa, o secretário-geral da UGT condenou o facto de se tratar de «uma redução para metade no momento em que estas pessoas não têm perspectiva de encontrar um posto de trabalho», cita a Lusa.

João Proença reconheceu que, nesta matéria específica (da redução do tempo da atribuição desta prestação social, actualmente de três anos, para um ano e meio) «não há abertura» para negociar.

«Não há abertura e acho que o Governo se considera condicionado pelo que está no memorando da troika, embora o Governo tenha utilizado muito o memorando para tomar medidas de carácter ideológico, como é o caso do aumento do tempo de trabalho» em meia hora por dia.

Todavia, e apesar de se tratar de um tema que merece «grande preocupação» da UGT, «na medida em que corresponde a uma diminuição de direitos de protecção de desemprego», numa altura em que «o desemprego dispara e vai atingir no próximo ano 14 ou 15%», João Proença congratulou-se com a tentativa do Executivo «em encontrar uma posição concertada».

«Há condições para haver diálogo, embora numa área em que há uma diminuição de direitos, em que se vai poupar dinheiro no subsídio de desemprego à custa dos trabalhadores numa altura em que o desemprego dispara, só porque é uma exigência da troika», rematou o sindicalista.

As alterações ao subsídio de desemprego são uma obrigação do Estado português nos termos do memorando de entendimento assinado com a troika e deverão entrar em vigor já em 2012.

De acordo com a proposta, que Mota Soares agora apresenta aos parceiros sociais e que será levada à reunião de concertação social, na próxima semana, prevê-se que o período máximo de atribuição desta prestação social seja, no máximo, de 18 meses, quando actualmente este [período] pode chegar aos três anos para os trabalhadores mais velhos e com carreiras contributivas mais longas.

Também o tecto máximo de atribuição do subsídio será revisto em baixa, passando dos atuais 1.257,66 euros para os 1.048,05 euros.

O valor desta prestação será igualmente reduzido uma vez que, prevê o Executivo, caso um desempregado esteja sem trabalho seis meses depois de começar a receber subsídio, terá um corte de 10% no valor da prestação mensal.

O Executivo quer ainda criar esquemas de protecção social para uma categoria específica de trabalhadores, os pequenos e médios comerciantes, pequenos e médios agricultores e pequenos e médios empresários.

Portugal: DECO DIZ QUE AUMENTO DA ELETRICIDADE NÃO É SÓ DE 4 POR CENTO



TSF

A Associação de Defesa do Consumidor afirma que o aumento da factura da electricidade, hoje anunciado, «esconde um agravamento muito superior» e exigiu uma redução de 30 por cento dos custos políticos até 2013.

A DECO lembra que a factura já foi agravada em 16 por cento, com a subida da taxa do IVA, em Outubro, e sublinha que o Governo adiou a cobrança de mil milhões de euros, correspondente a cerca de 50 por cento dos Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), mas que os consumidores terão de suportar estes custos mais tarde.

«Estes custos, resultantes de opções políticas e medidas legislativas para subsidiar o sector, já deveriam ter sido reduzidos, tal como exigiu a DECO, e 170 mil assinantes da petição entregue na Assembleia da República em 2010», reivindicou, num comunicado.

A DECO pede, por isso, «um plano concreto de redução dos CIEG com o objectivo de uma redução de 30 por cento desses custos até 2013».

A associação considera que esta é a única maneira de reduzir a factura de electricidade e caminhar para a sustentabilidade do sector, salientando que a própria troika recomendou uma revisão destes custos no memorando de entendimento assinado com o Governo.

«O Governo ignorou essa recomendação, embora tenha sido lesto a antecipar outra - a subida do IVA. É uma política de dois pesos e duas medidas, sempre desfavorável ao consumidor, que a DECO nunca poderá aceitar», conclui o comunicado.


Portugal - Manuel Alegre: Nem Salazar se atreveu a tocar no feriado de 5 de Outubro



DIÁRIO DE NOTÍCIAS

O ex-candidato presidencial Manuel Alegre acusou hoje o Governo de pretender acabar com o feriado de 5 de Outubro por razões "ideológicas" e "revanchistas", advertindo que nem Oliveira Salazar se atreveu a tocar na instauração da República.

As críticas de Manuel Alegre foram feitas em declarações à agência Lusa, depois de interrogado sobre os motivos que o levaram a encabeçar um movimento contra a extinção de feriados civis. "Um país é feito de símbolos e datas como o 1º de dezembro ou o 5 de outubro fazem parte da nossa identidade. Nem Salazar se atreveu a tocar no 5 de outubro", respondeu o ex-candidato presidencial apoiado pelo PS e Bloco de Esquerda.

Manuel Alegre acusou depois o Governo de pretender pôr em prática "uma medida ideológica e revanchista, sobretudo contra o 5 de Outubro". "Trata-se também de uma medida contra um direito que o povo português conquistou, que é o direito ao lazer, o direito a gozar os seus feriados. Nós não somos escravos", afirmou. Interrogado se aceita em contraponto a extinção de alguns feriados religiosos, o ex-dirigente socialista manifestou uma posição menos fechada, considerando no entanto intocáveis feriados como o Natal ou Páscoa. "Considero que a extinção de feriados não resolver problema nenhum de competitividade. O que resolve a competitividade é qualidade da educação ou a organização do trabalho", contrapôs.

Em relação aos feriados religiosos, Alegre vincou ainda que Portugal "é um país de maioria cristã". Portanto, é natural que alguns deles se mantenham. Mas Portugal não tem muitos feriados cívicos - e ainda falta o da fundação de Portugal com a batalha de São Mamede. Era o que faltava agora colocar-se em causa feriados como o 5 de outubro, o 1º de dezembro, o 25 de abril ou o 1º de Maio", acrescentou.

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Cabo Verde: Mais de 5% dos profissionais do sexo infetados com VIH-SIDA - estudo



JSD - LUSA

Cidade da Praia, 15 dez (Lusa) - A prevalência do vírus do VIH-SIDA nos profissionais do sexo, grupo considerado vulnerável, é de 5,3 por cento, revela hoje um estudo realizado pela Associação Cabo-Verdiana de Auto Promoção da Mulher (MORABI).

O estudo foi apresentado num atelier de dois dias, que termina hoje na Cidade da Praia, no quadro da convenção com a ENDA-SANTÉ do Senegal, para a execução do projeto regional "Fronteiras e Vulnerabilidades em VIH-SIDA na África Ocidental (FEVE)" e financiado pela Cooperação Luxemburguesa.

Segundo a presidente da MORABI, Lúcia Passos, citada pela Inforpress, o objetivo do encontro é permitir uma melhor troca de informações entre os parceiros do projeto FEVE - Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Mali e Senegal,

Lúcia Passos indicou que o estudo foi realizado nas ilhas cabo-verdianas do Sal, Santiago e São Vicente e forneceu elementos para se conhecer a taxa de prevalência do VIH-SIDA no grupo de trabalhadores profissionais do sexo.

"O resultado deixa pistas para uma caracterização de uma epidemia do tipo concentrado, pelo que, de acordo com as normas internacionais, teremos de fazer mais estudos para chegar a esta conclusão", referiu.

No dia 01 deste mês, o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, desafiou os cabo-verdianos a contribuírem para a erradicação da SIDA no arquipélago, tendo como pano de fundo atingir a "taxa zero".

Dados oficiais indicam que a taxa de prevalência do VIH-Sida em Cabo Verde situa-se em 0,8%, estando 668 pessoas em tratamento e 1500 casos em seguimento - a taxa nas grávidas é de 0,5 por cento e nos toxicodependentes de 3,6 por cento.

O atelier conta com a colaboração da Cruz Vermelha de Cabo Verde e da Associação Cabo-Verdiana para Protecção da Família (Verde-Fam), que desenvolvem, em conjunto com a MORABI, ações que visam a redução da transmissão e do impacto do VIH-SIDA nos grupos vulneráveis nas zonas de grande mobilidade das populações.

Participam no encontro, profissionais e especialistas em apoio médico e psicossocial a grupos vulneráveis em HIV-SIDA, parceiros do projeto da sub-região, Ministério da Saúde de Cabo Verde, da OMS e do CCC-SIDA.

*Foto em Lusa

O alerta que vem das Lundas. Os diamantes angolanos controlados pelos generais são mortais



FOLHA 8

O investigador Rafael Marques abriu o saco, tirou de lá toda a sujeira acumulada em informações colhidas desde há coisa de quatro anos a esta data e fez queixa contra empresas mineiras que não se fartam de abusar da sua prepotência para molestar as populações autóctones da Lunda-Norte. Do seu notável livro, “Diamantes de sangue, corrupção e tortura em Angola”, foram reunidos os fundamentos da sua acção actual, que por enquanto assentou arraiais numa queixa-crime, cujo texto o referido activista pesquisador enviou por email ao F8 depois de ela, a queixa-crime, ter sido apresentada à Procuradoria-Geral da República (PGR), em Luanda.

Sílvio Van-Dúnem & Ankara Sankara

O enfoque fundamental da sua pesquisa sobre os actos denunciados, «actos quotidianos de tortura e, com frequência, de homicídio» contra as populações dos municípios englobados nas concessões, que configurarão a prática de crimes contra a humanidade» - em particular nos municípios do Kuango e Xá-Muteba - são directa e claramente apontados como sendo da responsabilidade da sociedade Lumanhe Extracção Mineira, Importação e Exportação, Lda., com sede na Rua Comandante Dangereux, n.º 130, Luanda, que integra um consórcio constituinte da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), com uma participação de 38%.

A queixa-crime engloba as seguintes personalidades, todas elas generais, tidas como sócios da incriminada sociedade LUMANHE: GENERAL HÉLDER MANUEL VIEIRA DIAS JÚNIOR “Kopelipa”, Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República; GENERAL CARLOS ALBERTO HENDRICK VAAL DA SILVA, Inspector-Geral do Estado-Maior General das FAA; GENERAL ARMANDO DA CRUZ NETO, governador de Benguela e ex-chefe do Estado Maior-General das FAA; GENERAL ADRIANO MACKENZI MAKEVELA, Chefe da Direcção Principal de Preparação de Tropas e Ensino das FAA; GENERAL JOÃO BAPTISTA DE MATOS, ex-chefe do Estado Maior-General das FAA; GENERAL LUÍS PEREIRA FACEIRA, ex-Chefe do Estado-Maior do Exército das FAA; GENERAL ANTÓNIO PEREIRA FACEIRA, ex-chefe da Divisão de Comandos.

A LUMANHE é parte integrante de uma organização mais ampla, a Sociedade Mineira do Cuango (SMC), que contratou para serviços de segurança a TELESERVICE – sociedade de te lecomunicações, segurança e serviços, sita nas Avenida 4 de Fevereiro nº 208.

Estas três organizações interligadas na mesma empreitada de extracção de diamantes em larga escala, estão ligadas a uma organização off-shore, a SOCIEDADE ITM-MINING LIMITED, com sede em Corner House, 20, Parliament Street, Hamilton HM 12, Bermudas, e escritório de representação em Angola na Rua Joaquim Kapango, nº 19-B, r/c, Luanda. Sabe Deus para que fins!

Montado este esquema, a empreitada passou a ser funcional do seguinte modo: A SMC controla e fiscaliza toda a acção, a Limanhe é o elo forte de ligação ao terreno, com responsabilidades, portanto, no que toca às relações estabelecidas com os autóctones das zonas de extracção diamantífera, relações essas “milimetricamente”, como diria Bento Bento, seguidas pela empresa de segurança privada, a TELESERVICE.

Neste cenário mil vezes repetido, mil vezes milhares de vezes realizado na história da humanidade, num guião de exploração do homem pelo homem, Rafael Marques empreendeu de forma regular, desde 2004, uma apurada pesquisa e monitoria sobre a violação sistemática dos direitos humanos e actos conexos de corrupção, na região diamantífera das Lundas, em particular nos municípios do Kuango e Xá-Muteba.

A 15 de Setembro de 2011 apresentou publicamente o livro Diamantes de Sangue, no qual ele denuncia todas as práticas dolosas de tortura, humilhação e assassinatos cometidos por este consórcio de predadores insaciáveis, de que a empresa privada de segurançaTELESERVICE, contratada pela SMC, para protecção da área de concessão, tem sido a executora.

Segundo Rafael Marques, a LUMANHE, ao abrigo do Contrato de Exploração, é responsável, ao nível da SMC, pelo asseguramento da relação “com a comunidade local, contribuindo para a estabilidade social e o desenvolvimento harmonioso do Projecto na Área de Contrato” e assume a gestão de logística e segurança.

Mas naquilo que se passa realmente, sendo disso numerosos e concordantes os testemunhos e as provas, esses generais, sobretudo os que se encontram no activo, “têm usado o seu poder institucional para dar cobertura, por acção ou omissão, ao poder arbitrário que a Sociedade Mineira do Cuango exerce na região, o que, segundo a Constituição da República de Angola (Art. 61º, a) remete para a Lei Penal Internacional a definição e interpretação dos crimes contra a humanidade, de acordo com o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional (TPI), que define como crimes contra a humanidade (Art. n.º 7º, 1º, a), e), f), 2º, a), e) os actos generalizados ou sistemáticos de homicídio, sérias privações de liberdade, em violação das regras fundamentais do direito internacional, e a tortura contra qualquer população civil de que se tenha conhecimento”.

Ora, é exactamente isso que acontece, o que compromete até ao pescoço o Estado Angolano, que é signatário do TPI desde 7 de Outubro de 1998, tendo reafirmado o seu compromisso voluntário em ratificá-lo, a 3 de Maio de 2007, na sua bem-sucedida candidatura a um assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

De relembrar que na sua recandidatura ao referido Conselho (2010-2013) Angola reiterou, mais uma vez, a 5 de Maio de 2010, o seu compromisso voluntário em acelerar o processo de ratificação da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes.

Portanto, os accionistas da SMC (38%), operadora do projecto, pela posição que ocupam de supervisão, têm de assumir a responsabilidade directa na instrução das medidas de segurança na área de concessão, cujas consequências dão lugar à presente queixa-crime (tortura, assassinatos, etc.).

Os sócios da sociedade TELESERVICE, empresa privada de segurança contratada para prestação de serviços à Sociedade Mineira do Cuango, executora directa dos actos de violência ora expostos, são directamente responsáveis nem que seja apenas por serem os executantes dos crimes que podem ser cometidos por ordem superior ou não. Quanto aos lucros derivados da exploração de diamantes, por via da concessão atribuída à SMC, os sócios incriminados sempre tiveram conhecimento dos actos generalizados e sistemáticos de violação dos direitos humanos na região.

Em 2005, publicou-se o relatório “Lundas: As Pedras da Morte”, sobre o mesmo assunto. Ao tempo desta publicação, a Polícia Nacional, que também era denunciada como parte do problema, tomou uma série de medidas que, desde então, tem prevenido o envolvimento dos seus agentes em actos hediondos e usado mecanismos institucionais e legais para disciplinar ou punir os agentes que os cometam.

O relatório subsequente, “Operação Kissonde: os Diamantes da Miséria e da Humilhação”, de 2006, relatou a prevalência quotidiana de actos de homicídio, tortura, espoliação, trabalhos directamente executados pela Teleservice, Alfa-5 e K&P Mineira, empresas privadas de segurança contratadas, respectivamente, pela SMC, Sociedade de Desenvolvimento Mineiro e Luminas, todas a operar na mesma região.

Por sugestão da Polícia Nacional, a 1 de Abril de 2006, durante a recolha de testemunhos, para a elaboração do referido relatório, Rafael Marques apresentou uma queixa-crime contra os chefes da TELESERVICE na Secção de Investigação Criminal de Cafunfo, onde voltou a comparecer a 11 de Abril de 2006 para a prestação de mais depoimentos.

Um terceiro relatório, “Angola: A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas”, veio a público em 2008 e, no processo de elaboração de todos estes relatórios, todas as relevantes entidades, oficiais e privadas têm sido contactadas e têm recebido casos ilustrativos para a tomada de medidas, independente da publicação dos relatórios.

“A factualidade descrita no Livro Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola, que aqui se dá por integralmente reproduzida, (bem como a factualidade descrita nos três relatórios acima mencionados) configura a prática, por todos os Denunciados, de vários ilícitos criminais previstos e punidos pelo Código Penal Angolano. As condutas criminosas descritas foram praticadas pelos Denunciados de modo doloso, intencional e consciente, bem sabendo os seus agentes que as mencionadas condutas são punidas por lei”.

Neste caso denunciado por Rafael Marques é tudo tão claro que nos dá vontade de chorar por ser finalmente muito mais claro ainda que nada acontecerá a estes agentes do crime organizado ao abrigo da validade nula das leis de Angola.

*Postado por William Tonet

AS CAMANGAS DA PRINCESA TCHIZÉ



ANGOLA


A 5 de Novembro de 2010, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, autorizou o Ministério da Geologia e Minas e da Indústria a prorrogar os termos de uma concessão diamantífera, na Lunda-Norte, para benefício primário da sua filha Welwitschea José dos Santos “Tchizé”.

O Decreto Presidencial nº 296/10 de 2 de Dezembro de 2010, determina a prorrogação, por um período de dois anos, da Licença de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento de Diamantes de Kimberlitos do Projecto Muanga, localizado na província da Lunda-Norte. Inicialmente, o Presidente José Eduardo dos Santos promulgou o projecto, aos 14 de Julho de 2005, como uma associação entre a Endiama (51%), a Sociedade de Desenvolvimento Mineiro – SDM (20%), Odebrecht (19%) e Di Oro (10%). A SDM é um consórcio paritário entre a Endiama e a multinacional brasileira Odebrecht.

Por sua vez, a Di Oro – Sociedade de Negócios Limitada, criada em 2003, é detida integralmente por Tchizé dos Santos (73.34%), o seu esposo Hugo André Nobre Pêgo (16.66%), e o filho cantor do Chefe de Estado, José Eduardo Paulino dos Santos “Coreon Dú” (10%).

No entanto, por altura da assinatura do contrato de associação do Projecto Muanga, a Di Oro –Sociedade de Negócios e Alta Costura Lda. tinha outro âmbito de negócios, conforme lavrado em escritura (art. 2º): “a sociedade tem por objecto social a alta costura, modas e confecções, gestão de negócios e empreendimentos industriais, decoração, comercialização de cosméticos, vestuário para casamentos, cocktails, aniversários e brindes”.

A 30 de Setembro de 2005, dois meses após José Eduardo dos Santos ter certificado a concessão da considerável percentagem aos filhos no negócio dos Kimberlitos, os beneficiários alteraram o pacto social e a denominação original da empresa. Esta passou a chamar-se apenas “Di Oro – Sociedade de Negócios Limitada” e adoptou, como objecto social, a realização de “estudos geológicos, prospecção e exploração diamantífera, associação em participação em negócios mineiros, indústria hoteleira e de confecções, comércio geral, importação e exportação” (art. 2º).

O decreto presidencial ilustra o modo como José Eduardo dos Santos tem gerido a política de tolerância zero contra a corrupção, por si decretada, a 21 de Novembro de 2011. O presidente afirmou, na altura, que o MPLA, enquanto partido no poder, “aplicou timidamente o princípio de fiscalização dos actos de gestão do Governo, através da Assembleia Nacional e do Tribunal de Contas”.

No mesmo discurso, o Presidente da República e do MPLA manifestou-se contra a apatia do seu partido em combater a corrupção. Dos Santos referiu que a falta de coragem do MPLA foi “aproveitada por pessoas irresponsáveis e por gente de má fé para o esbanjamento de recursos e para a prática de acções de gestão ilícitas e mesmo danosas ou fraudulentas”. Dos Santos também disse: “Penso que devíamos assumir uma atitude crítica e auto-crítica em relação à condução da política do partido neste domínio”.

No entanto, o acto administrativo do Presidente em favorecer os seus filhos, em negócio com o próprio Estado angolano, configura um crime de corrupção, segundo a Lei da Probidade Pública (art. 25º, 1, a).

O Presidente da República, por interpretação extensiva, sujeita-se à Lei da Probidade Pública, que abrange todos os servidores públicos (Art. 15º, 1º). De forma mais específica, o Presidente da República também responde enquanto chefe do Executivo, de que é membro (Art. 15º, 2º, a).

Por sua vez, a Odebrecht incorre no crime de suborno do Presidente da República, ao ter garantido 10%do capital social do Projecto Muanga à filha do Presidente que, pessoalmente, assinou o contrato com o representante da multinacional brasileira, António Mamieri. O contrato do Projecto Muanga determina (Art, 25º) que a Odebrecht e a SDM assumem o compromisso de realizar todos os investimentos “para a totalidade das despesas de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento, por sua conta e risco”, assim como os prejuízos resultantes do insucesso do projecto (Art. 27º). A única justificação plausível para a Di-Oro receber 10% de negócio é o privilégio que goza na obtenção da assinatura do presidente para a promulgação do negócio.

Segundo a Constituição (Art. 127º, 1 sobre responsabilidade criminal), o Presidente responde por actos de suborno enquanto no exercício das suas funções (Art. 129º, 1, b) podendo ser destituído por crimes de suborno, peculato e corrupção.

José Eduardo dos Santos tem regularmente promulgado decretos oficiais que facilitam o enriquecimento ilícito dos seus filhos. A 30 de Novembro de 2005, o Chefe do Estado promulgou o contrato de Prospecção, Pesquisa e Reconhecimento de jazidas primárias de diamantes no Projecto Cabuia, a noroeste de Saurimo, na província da Lunda-Sul (Decreto nº 106/05 de 9 de Dezembro do Conselho de Ministros). O consórcio formado pela empresa de Tchizé dos Santos, N’Jula Investments, Miningest e Sambukila, teve direito a 5% do capital social do projecto mineiro, sem necessidade de contributo financeiro, material ou técnico pela sua participação societária. A referida concessão abrange uma área de três mil kilómetros quadrados.

Segundo o contrato do Projecto Cabuia, a Equatorial Diamonds, liderada pelo empresário Hélder Bataglia, assumiu o financiamento integral do projecto, por sua conta e risco, e ficou com 44% das acções. Coube à Endiama, enquanto representante do Estado, 51% do capital social. Em termos legais se pode aferir que a Equatorial Diamonds incorreu no crime de suborno do Presidente da República, para facilitar a aprovação do projecto.

No entanto, estranhamente, apesar do contrato ter sido celebrado por um período de cinco anos, o Decreto Executivo nº 7/06 de 30 de Janeiro de 2006, do Ministério da Geologia e Minas apresenta outra configuração ao mesmo contrato referente ao Projecto Cabuia. O consórcio de Tchizé dos Santos passou a beneficiar de 30%para o período de exploração de diamantes. A Endiama (35.5%) e a Equatorial Diamonds (34.5%) cederam considerável parte do seu capital sem valor acrescentado para as suas participações societárias. Essa nova distribuição revela a transferência directa de capital do Estado, detido pela Endiama, para benefício da filha do Presidente, e com a sua anuência.

Assim, os discursos governamentais sobre a boa governação, a transparência e o serviço público são letras mortas ante os actos abertos de corrupção do Presidente da República. José Eduardo dos Santosé corrupto.

Fonte: Maka Angola

Moçambique: "A Renamo pode eclipsar-se em definitivo nas próximas eleições" – Langa




Nova equação política

Filipe Vieira, Washington – VOA News, entrevista audio

A vitória de Manuel de Araújo e do MDM mudou a equação política eleitoral em Moçambique.

A vitória do MDM e de Manuel de Araújo em Quelimane transmitiu a ideia inequívoca de que é possível vencer a Frelimo e vencê-la com clareza – a afirmação é de Jeremias Langa, director-executivo Grupo Soico, avaliando o impacto das eleições municipais na capital da Província da Zambézia.

Em entrevista à VOA, Langa sublinha que a vitória de Araújo - a “vitória de David sobre Golias” - mudou a equação política eleitoral em Moçambique. Na sua opinião, a Frelimo ainda está em posição de vencer as próximas eleições gerais e presidenciais, mas aquele analista político admite que o MDM de Davis Simango tem possibilidades de se tornar no segundo maior partido da oposição, prevendo que a Renamo se poderá “eclipsar em definitivo” do panorama eleitoral moçambicano.

Moçambique: PGR afina máquina e garante intolerância sem contemplação à corrupção



DIÁRIO DE MOÇAMBIQUE

Contra a corrupção e saque da coisa pública

O procurador-geral da República, Augusto Paulino, garantiu ontem, na região turística de Chidenguele, em Gaza, que o sector que dirige continuará a endurecer as medidas punitivas aos corruptos e todos quantos se enveredarem em crimes de corrupção e desvio de fundos ou bens do Estado. Paulino falava durante o encerramento do 5º Conselho Coordenador da PGR, evento realizado sob o lema “O papel da liderança na dinamização do desempenho do Ministério Público” e que contou com a participação de cerca de duas centenas de convidados, nomeadamente procuradores-gerais adjuntos, procuradores provinciais-chefes, magistrados do Ministério Público, entre outros quadros do sector, oriundos de todas as províncias do país.

“Na luta contra a corrupção temos que continuar a ser intransigentes, implacáveis e sem contemplação. Devemos intimidar pelo resultado da nossa acção os corruptos e os que desviam os bens do Estado. Eles podem desviar, mas também deve-lhes faltar sono por não saberem quando lhes chegará a vez de serem indiciados, acusados, julgados, condenados e postos a cumprirem suas penas por tais infracções”, disse Paulino.

Num outro desenvolvimento, Paulino destacou o reforço do controlo da legalidade, a consolidação da representação do Estado junto dos tribunais e a defesa jurídica dos menores, ausentes e incapazes bem como a garantia da protecção e apoio às vítimas de crimes, testemunhas e outros intervenientes processuais em matéria penal como sendo alguns dos desafios que o sector ainda tem pela frente, e não só.

“Há que manter bem forte o acelerador no combate à corrupção, essa patologia nojenta que teima em manter-se no nosso país, apesar dos duros golpes que estamos dando”, acrescentou.

Reiterou a necessidade de se continuar a trabalhar com o Ministério do Interior, “tendo em conta a nossa boa relação institucional com o Governo no seu todo”, na busca de soluções para o funcionamento da Polícia de Investigação Criminal (PIC) de modo a que esta exerça condignamente a sua nobre função de auxiliar do Ministério Público.

Segundo frisou, de nada vale que cresçam as procuradorias, os tribunais ou as cadeias sem o respectivo acompanhamento através da instalação de brigadas da PIC em todos os distritos do país, tendo em conta as elevadas competências dos tribunais judiciais de distritos, em matéria penal, ao ter que conhecer e julgar até oito e 12 anos de moldura penal abstracta, consoante sejam tribunais de 2ª ou de 1ª classe.

Paulino reiterou a unidade e uma eficaz articulação entre a PGR e os órgãos subordinados, “unidade entre nós e todo o sistema judiciário” com vista ao alcance dos actuais desafios do sector.

“Como temos estado a repetir, ninguém pode içar uma bandeira sobre a qual alguém está pendurado a baloiçar”, frisou, para depois acrescentar que “tal é o raciocínio de um músico moçambicano quando canta: ‘caranguejo, porquê você está me puxar’. Justifica-se, pois, a unidade, a articulação, a luta contra a inércia de modo a elevar bem alto a fasquia do nosso desempenho”, explicou Paulino.

Num outro desenvolvimento, o procurador-geral adjunto, Taibo Mucobora, revelou que no período entre o 4º (realizado ano passado) e o 5º Conselhos Coordenadores registaram-se melhorias significativas no desempenho da PGR e órgãos subordinados no cumprimento das actividades, mercê, em grande medida, da articulação com os demais órgãos do Estado, com destaque para os da Administração da Justiça, nos domínios repressivo e preventivo, apesar das restrições orçamentais registadas no sector.

Explicou, a título de exemplo, que no campo repressivo foram tramitados 67.266 processos, tendo findado 49.376 processos, o correspondente a uma realização em 83.2 por cento, contra 64.153 processos tramitados em igual período anterior.

Do total de 601 processos registados no período em análise, 423 são de corrupção e 178 são de desvio de fundos ou bens do Estado, contra 633 em igual período anterior, e foram tramitados pelo Gabinete Central do Combate à Corrupção (GCCC) 231 e pelas procuradorias provinciais 370 processos”, explicou Mucobora.

Acrescentou que, desde Dezembro de 2010 a esta parte do ano foram detidas pelo menos 27 cidadãos, acusados no cometimento de crimes de corrupção e desvio de fundos ou bens do Estado, contra 88 cidadãos detidos em igual período anterior. Observou que pelo crime de desvio de fundos, o Estado foi lesado em 205.509.639,21 de meticais, contra cerca de 110.2 milhões de meticais em igual período transacto, tendo sido recuperados apenas 762.2 mil meticais.

“No domínio da prevenção criminal foram realizadas, à escala nacional, 790 palestras contra 641 do período anterior, o que representa um aumento de palestras em 18.8 por cento”, revelou.

Ainda no período em análise, segundo a fonte, foram nomeados e colocados 22 novos magistrados nos distritos, o que permitiu a elevação do nível de cobertura do Ministério Público ao nível do país, tendo passado de 112 para 118 distritos. “Desta forma, melhorou-se o acesso do cidadão à justiça e ao direito”, concluiu Taibo Mucobora, falando ontem ao “Diário de Moçambique”.

Moçambique – Nampula: A EXPLOSÃO DA PROSTITUIÇÃO




HÉLDER XAVIER – A VERDADE

O negócio de sexo cresce a uma velocidade estonteante na cidade de Nampula, assumindo o rosto da normalidade. A miséria, o desemprego e a necessidade de ganhar dinheiro para sobreviver arrastam centenas de mulheres para essa “indústria” que prospera na capital do norte. Do outro lado da barricada, os proprietários dos quartos, conhecidos por “escondidinhos”, facturam milhares de meticais nesse promissor mercado da prostituição.

Durante muitos anos, quase todos os moçambicanos olharam para as “muthianas horeras” como exemplo mais bem acabado de conservação da moral. Afinal, a imagem de uma mulher usando capulana e o rosto pintado com “mussiro” sempre invadiram o imaginário popular.

Muita gente ainda se lembra dos hábitos, costumes, sotaque e o “poder” de encantar os homens das mulheres dos norte. Pois bem: se há quem ainda tem essa visão em mente o melhor é arquivá-la. Agora, a situação mudou, ou seja, inverteu-se. Nampula já não é a mesma.

O crescimento sócio-económico da cidade, impulsionado sobretudo por comerciantes de origem estrangeira, transformou as jovens mulheres em “objectos” de prazer. No período da noite, particularmente nos fins-de-semana, as roupas curtas e a maquilhagem substituíram a tradicional capulana e o “mussiro”, e os passeios das principais artérias da urbe tornaram-se postos de trabalhos.

Quase todas as esquinas, bares, discotecas, esplanadas e barracas espalhadas um pouco por toda a cidade são agora locais de “venda” de sexo. É, em suma, a tragédia moçambicana em torno das grandes cidades cujo alarme já começa a soar em alto e bom som a norte de Moçambique.

História de quem se prostitui para sobreviver

O nome é Maria*. Tem 18 anos de idade e vive com a família algures no bairro de Napipine, arredores da cidade de Nampula. O súbito falecimento do seu pai, deixou-lhe – com mais três irmãos e a sua filha de dois anos de idade - com dois problemas: comer e pagar a renda de casa. Transcorria o ano 2004. Maria nasceu e cresceu no subúrbio. Teve uma infância tranquila e uma adolescência conturbada: aos 14 anos, perdeu a mãe e aos 16 engravidou.

A personagem descrita acima abraçou o mundo da prostituição aos 20 anos de idade. Presentemente, está prestes a completar 25 anos – o que acontecerá em Dezembro próximo. O pai, um mecânico bate-chapa, era a única pessoa que garantia o sustento da família.

Quando ele faleceu, Maria contava com 18 anos de idade já era órfã de mãe e frequentava a 8a classe. Sem dinheiro para obter comida e pagar o arrendamento da casa, ela, os seus três irmãos mais novos e a sua filha mudaram-se para a casa da sua avó na zona da Sub-estação.

Começou por vender bolinhos fritos no mercado da Faina para ajudar nas despesas da casa, e era frequentemente molestada por outros vendedores, principalmente estrangeiros, e alguns camionistas. Mais tarde, passou a apoiar a sua avó no negócio de bebida caseira, denominada por “Kabanga”, onde também era vítima de assédio sexual.

Inúmeros elogios ao seu lindo rosto de menina e as curvas do seu corpo esbelto, e promessas de uma vida tranquila embriagavam-na. Por dia, recebia pelo menos cinco propostas indecentes da clientela da sua avó.

Aos 20 anos, com uma filha e irmãos por assistir e à mercê do negócio não lucrativo da sua avó, Maria não resistiu às propostas, tendo obtido mil meticais no primeiro dia em que foi para cama por dinheiro. Desde então, nunca mais parou. Hoje factura entre mil a 1500 nos passeios da longa Avenida Eduardo Mondlane.

Não trabalha todos os dias, apenas as quintas, sextas e sábados e, às vezes, quando é solicitada pelos seus habituais clientes. Cobra no mínimo 300 meticais por uma sessão de uma hora. Bonita, esperta e com apenas 10a classe interrompida, a jovem diz revoltada: “As pessoas criticam por estarmos nesta vida, mas esquecem que elas se recusaram a dar o seu apoio. Ninguém pode-me julgar pelas escolhas que fiz, pois só eu sei as razões que me levaram a fazer isso”.

O negócio ao cair do dia

Como Maria, existem dezenas de mulheres que sobrevivem da mesma actividade no coração económico da capital do norte, onde o negócio pulsa mais forte. Algumas têm o nível médio completo, mas a maioria tem baixa escolaridade e tem sob a sua responsabilidade pelo menos três pessoas. E a justificação imediata para a escolha é: falta de oportunidade de emprego e a necessidade de garantir o sustento diário da família.

No cruzamento entre a Avenida Eduardo Mondlane e a Rua 3 de Fevereiro, numa zona conhecida por Bagdad – devendo o epíteto a um bar localizado nas proximidades –, num abrandar de uma viatura, meia dúzia de raparigas lança-se, qual enxame, e escruta os potenciais clientes.

Naquele ponto, a tabela de preço é definida por elas. Nenhuma aceita por menos de 200 meticais. Uma noite inteira chega a custar 1500Mt. “Este é o valor que definimos como o mínimo neste local. Quem aceitar abaixo disso, nós expulsamos deste ponto”, explica a jovem que se identificou por Jéssica.

Elas indicam os locais onde se pode arrendar temporariamente o quarto, mas não se fazem de rogadas quando o cliente define onde quer passar a noite. Apesar do ambiente de disputa entre elas, neste ponto, à semelhança de outros espalhados pela cidade, reina o espírito de solidariedade entre as colegas.

Assim que uma delas entra numa viatura, as demais registam a marca e a placa de inscrição do veículo. Mas a maior inquietação não é cair na mãos de malfeitores, pelo contrário, é a extorsão que sofrem por parte dos agentes da polícia que por ali circulam.

De estatura baixa e dona de um corpo possante, usando um vestido curto e justo, realçando os seus atributos físicos que não deixam ninguém indiferente e o rosto maquilhado ao pormenor, a prostituta Ana*, de 28 anos de idade, recusa-se a falar da sua vida e do seu trabalho, porém, depois de alguma insistência, comenta que detesta sair com homens bêbedos, a não ser que paguem antes. “Eles têm mania de dizer que não gostaram e por isso não vão pagar. Por isso, é mais seguro sair com alguém lúcido”, afi rma.

Até Julho do ano passado, Ana era uma mulher casada. Ela vivia com o seu marido a mais de 150 quilómetros da cidade de Nampula, no distrito de Angoche. Há dois anos, mudou-se para a capital do norte em decorrência da transferência do seu esposo.

Mas a infidelidade valeu-lhe a expulsão do lar com os seus dois filhos, um dos quais fruto de um relacionamento passado. Sem lugar para morar e muito menos dinheiro, recebeu abrigo de um grupo de mulheres “especializadas” em prostituição. “Todas elas dedicam-se a esta vida e não tive outra escolha se quisesse continuar a viver ali”, explica.

Há um ano no mundo da prostituição, Ana não pensa em mudar de actividade, até porque se tornou na sua boia de salvação. Não admite que ganhou o gosto pelo dinheiro fácil:

“Não faço por prazer, mas por necessidade de sustentar os meus filhos. Está a mentir quem diz que gosta desta vida. Não sei porque dizes ‘dinheiro fácil’. Você acha fácil despir a roupa e meter-se com homens diferentes todos os dias sem nenhum sentimento?”, questiona.

Quando se faz à rua, amealha por dia pelo menos mil meticais. O valor mais alto que ganhou numa só noite foi três mil há quatro meses. “Há indivíduos que, quando nos pagam cerveja, não querem pagar pelo sexo como se alguém tivesse pedido a bebida”, conta.

Poucos minutos depois das 4hoo da manhã de sábado, Joana* encontra-se à entrada de uma das mais badaladas discotecas de Nampula. Esbelta, num transparente vestido cinzento que realça o seu corpo de cintura para baixo, a noite do dia 12 de Novembro não foi de sorte para a jovem. Investiu 300 meticais – preço de entrada da boate - e não teve o retorno esperado. Mais nem sempre foi assim. Nos dias bons, amealha em média 1500 meticais num só dia.

Joana mora com uma sobrinha num pequeno cómodo de duas divisões, no bairro de Namutequeliua, onde muitas vezes leva os seus clientes. Arrenda o espaço a 700 meticais mensais. “Estou a juntar dinheiro para adquirir a minha própria casa e levar o meu filho para morar comigo”, diz.

“Escondidinhos” cresce à semelhança de cogumelos

A reboque do crescente mercado da prostituição, o negócio de arrendamento temporário de quartos, vulgarmente conhecidos por “escondidinhos”, prospera na capital do norte. Em cada bairro, sobretudo periféricos, da cidade de Nampula há pelo menos dois prostíbulos e vão emergindo outros um pouco por toda a cidade. Os espaços não só se tornaram apenas num meros sítios para a prática de prostituição mas também de adultério.

Os locais são cada vez mais procurados para o gáudio dos proprietários que investe na construção de mais cómodos para responder à demanda. Diga-se, por outro lado, os espaços são postos de trabalho de dezenas de milhares de moçambicanos. Paralelamente ao negócio de quartos, desenvolve-se o negócio de bebidas alcoólicas.

No bairro da Muhala-Belenenses, o que parece um simples bar esconde uma actividade lucrativa que cresce à margem da formalidade. Uma dezena de quartos enumerados sobressaem aos olhos de quem lá vai parar. A tabela de preços já vem colada na entrada.

Numa espécie de bilheteira, um homem de estatura alta, ostentando uma bata azul, com uma caixa cheia de preservativo no balcão, cobra a estadia. Os preços variam de acordo com os quartos. Há os que custam 50 meticais e outros 100 durante uma hora. Para quem pretende passar uma noite inteira, terá de desembolsar pelo menos 150 meticais e desocupar o espaço antes das 9h00 do dia seguinte.

O homem que aparenta pouco mais de 35 anos de idade não é proprietário dos quartos. Trabalha há dois anos naquele local e aufere dois mil meticais por mês. “Antes trabalhava como guarda-nocturno e fi quei sem emprego durante três anos. E, graças a uma amigo, consegui este trabalho”, conta. Ele não só cobra o arrendamento temporário, como também faz trabalho de vigilante.

No interior do cubículo de cerca de 2,5 por 3 metros, uma pedra – que mais se assemelha a uma campa – com um pequeno colchão por cima serve de cama. Uma almofada encardida e uma manta empoeirada sobressaem por cima cama improvisada.

O proprietário de um bar no bairro de Mutauanha construiu dois quartos há seis meses no fundo do seu quintal. Por dia, em média, factura 800 meticais e nos finais de semana chega a amealhar 1500. Presentemente, animado pela crescente procura, está a construir mais dois cubículos para o mesmo fim e já prevê a duplicação da sua receita. “Nem todos que arrendam os quartos estão a prostituir-se, a grande parte é constituída por pessoas casadas que vem se encontrar com as suas amantes”, diz.

No bar é possível ver casais sentados a aguardarem que os quartos sejam desocupados. No seu interior, um colchão estendido no chão, uma ventoinha e cabides improvisados de madeiras sãos os únicos bens que se podem encontrar.

Diga-se, nos últimos dias, em alguns bairros periféricos de Nampula, o vaivém de pessoas e veículos de locomoção nas proximidades de bares e barracas ficou mais intenso, revelando um negócio em constante crescimento.

Os preços praticados são idênticos, variando consoante a comodidade do espaço que, muitas vezes, não passam de locais imundos onde é possível encontrar preservativos usados espalhados pelo chão.

A FOME NO MUNDO É UM PROBLEMA POLÍTICO



DEUTSCHE WELLE

Em tese, há alimentos para todos. Se mesmo assim uma em cada sete pessoas passa fome, pode-se dizer que essa é uma situação politicamente tolerada, argumenta a editora-chefe da Deutsche Welle, Ute Schaeffer.

Um mundo sem fome, com 7 bilhões de pessoas bem alimentadas e bem nutridas, seria possível. Nosso planeta produz alimentos suficientes. A fome não é um problema causado pela natureza ou cuja razão está apenas nas crises. A fome é politicamente tolerada. Ela é aceita porque há "coisas mais importantes", por exemplo as vozes dos consumidores e agricultores europeus.

Se nós, europeus, levássemos mesmo a sério nossos sermões sobre solidariedade, teríamos que cortar os subsídios agrícolas no continente, revolucionar os sistemas de comércio e aumentar o preço dos alimentos nos países industrializados.

As vozes dos famintos, contudo, não contam. Eles não têm lobby. Passa-se fome sobretudo – por mais bizarro que isso soe – nas regiões onde os alimentos são produzidos, ou seja, no campo, onde as pessoas vivem da agricultura familiar e não têm seus interesses representados nas instituições econômicas multilaterais.

Quando se fala de acordos econômicos e fluxos comerciais globais, essas pessoas não têm voz. Embora sejam numerosas: ainda hoje quase metade da população mundial vive direta ou indiretamente do cultivo de alimentos. Essa grande maioria silenciosa nos países em desenvolvimento paga o preço do nosso sistema econômico: em todo o mundo 1 bilhão de pessoas passam fome ou estão subnutridas.

Bons argumentos por uma política diferente

Os políticos europeus dão sempre a impressão de não saber o que fazer e perguntam como explicar aos eleitores europeus uma mudança tributária em prol dos mais pobres.

Acredito que isso nem seria tão difícil. Se me permitem algumas sugestões: expliquem aos eleitores que o combate à fome serve também à segurança de nossos interesses e de nosso bem-estar! Pois como é que a Europa pretende lidar com os potenciais 150 milhões de refugiados da fome da África subsaariana, que poderão emigrar a partir do ano de 2020?

Expliquem aos eleitores que não queremos pagar impostos duas vezes. Pois hoje consertamos com recursos e projetos destinados à ajuda ao desenvolvimento o que nossa política econômica e nossa ordem econômica mundial destroem. E, como resultado, não produzimos nada, exceto novas formas de dependência entre o mundo desenvolvido e o não desenvolvido. Isso sem contar os ridículos subsídios a uma agricultura não sustentável no Norte.

Beneficiários da fome

Fala-se muito das consequências humanitárias da fome. Mas quem fala daqueles que ganham com a fome? Isso também precisa ser dito com todas as letras: há quem se beneficie desse sistema que produz fome. E essas pessoas somos sobretudo nós, consumidores, que gastamos hoje menos pelos alimentos do que gastávamos há 20 anos. Gostamos de comprar pão por 1 euro e leite por 70 centavos de euro, e dizemos a nós mesmos que alimentos não podem custar caro.

Há 100 anos, os consumidores na Alemanha gastavam dois terços de sua renda com alimentos; hoje são apenas 20%. Entre os que tiram vantagem disso estão os agricultores europeus, que produzem muito além da demanda do mercado e mesmo assim não precisam se preocupar. Altos subsídios lhes garantem uma renda confortável e uma ampla retaguarda política. Os agricultores nos países em desenvolvimento nem ousam sonhar com uma situação como essa.

Entre aqueles que se beneficiam da fome estão também os grandes grupos de agronegócios, que massacram todos os mercados com suas sementes e respectivos agrotóxicos. E também as elites nas capitais do Hemisfério Sul. Em muitas regiões, a política é feita sobretudo para agradar à própria clientela e aos eleitores nas capitais. Ali se decide, por exemplo, quantos recursos serão destinados ao desenvolvimento do campo.

Investimentos no desenvolvimento de regiões interioranas e na agricultura são considerados retrógrados. Países em que 80% do PIB vêm da agricultura acreditam que podem viver sem uma política agrária! Ou ainda mais grave: um país com as dimensões de terras férteis como Moçambique, por exemplo, poderia exportar arroz ou milho para todo o sul do continente africano. Em vez disso, os moçambicanos dependem de importações caras, simplesmente porque a elite política local não se interessa por esse problema.

Em situações como essa, é preciso realizar um trabalho de convencimento, em todos os encontros de cúpula bilaterais e em toda conferência internacional. E isso os países industrializados só vão alcançar quando os países em desenvolvimento estiverem cientes das vantagens que terão, ou seja: mais possibilidades de exportação do que aquelas que eles têm hoje, acesso aos mercados europeus e preços justos de produtos agrícolas no mercado internacional.

Bela mentira do mundo do bem-estar

Quem também se beneficia com a fome são os especuladores do mercado alimentício. Alimentos básicos transformaram-se em objetos de especulação, cujos preços aumentaram em torno de 30% no segundo semestre de 2010. Um mercado lucrativo, ao qual aderem investidores e especuladores, enquanto as pessoas de Porto Príncipe, Dhaka ou Agadez ficam a ver navios por não poderem pagar seus altos preços.

Vamos acabar com as belas mentiras do nosso mundo de bem-estar: a fome e a miséria são causadas apenas em parte por guerras ou catástrofes. E são raramente apenas um problema da população urbana pobre. Não! A fome é o resultado de uma exclusão que é no mínimo tolerada por amplas parcelas da população. As necessidades e penúrias de quem passa fome são colocadas de lado, politicamente apagadas por todos aqueles que se beneficiam com o problema.

Após décadas de dependência e exploração pelas potências coloniais, foram impostos aos países africanos independentes, nos anos 1980, ajustes estruturais radicais por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial: liberalizar, desregular e privatizar eram as palavras de ordem. Essa política, contudo, foi implementada em países sem infraestrutura, sem capital de conhecimento, sem uma economia em funcionamento e sem investidores nacionais. As consequências foram catastróficas, especialmente para a agricultura, mas também para os setores de educação e saúde.

Segurança do mundo desenvolvido em perigo

Com indiferença e ignorância – é assim que a comunidade internacional lida com o escândalo da fome no século 21. Um erro fatídico, não somente por razões morais. Não devemos subestimar a força dos pobres e famintos, e tampouco seu potencial político explosivo. Em 2008, os altos preços dos alimentos já provocaram revoltas dos famintos, desde o Camarões até o Egito. Já nos próximos dez anos, isso nos custará bilhões em forma de programas de ajuda e reparação. A fome põe em risco a estabilidade política – primeiro nas regiões aingidas, depois na Europa.

Quem compreende as correlações envolvidas conclui forçosamente que é necessária uma mudança política radical. Nenhuma reparação, nenhuma ajuda emergencial, nenhuma promessa decorativa, proferida num encontro de cúpula e pouco depois esquecida, será capaz de deter a erosão social e econômica provocada pela fome e pela pobreza em todo o mundo. Da mesma forma que os agricultores no Hemisfério Sul são dependentes de regras comerciais justas e preços justos, as sociedades ricas do Norte são dependentes da estabilidade política e econômica das sociedades do Sul, que crescem rapidamente.

Precisamos adiar nossos interesses de curto prazo – mais crescimento, mais conforto –, para que ninguém mais morra de fome. Já transcorreram mais de quatro décadas desde que o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, prometeu numa conferência internacional sobre a alimentação: "Em uma década, nenhuma criança precisará mais ir para a cama à noite com fome". Hoje, continuamos mais distantes do que nunca desta meta. Um verdadeiro atestado de pobreza!

Autora: Ute Schaeffer (sv) - Revisão: Augusto Valente

GUERRAS SEM VENCEDOR, EUA SEM INFLUÊNCIA




Patrick Cockburn, Counterpunch – Outras Palavras - Tradução: Vila Vudu

Fantasma das relações internacionais americanas, guerra do Iraque provou que força militar já não é sinônimo de vitória política

Os últimos soldados dos EUA estarão fora do Iraque dentro de três semanas. O presidente Obama e o primeiro-ministro do Iraque Nouri al-Maliki encontram-se em Washington,[1] para declarar ao mundo que os EUA saem do Iraque tão fortes quanto lá chegaram e deixam, ao sair de lá, um país cada vez mais estável, mais democrático e mais próspero. Só mentiras, nada além de mentiras.

A operação de desinformação foi atentamente cronometrada, para que o presidente Obama entre no ano das eleições ‘declarando’ aos quatro ventos que pôs fim a uma guerra muito impopular, sem ter sofrido qualquer derrota. Já vimos a pré-estréia desse discurso há algumas semanas, quando o vice-presidente Joe Biden visitou Bagdá, para louvar as magníficas realizações dos EUA.

Ao longo dos anos, os iraquianos habituaram-se a ver políticos estrangeiros que chegam em segredo a Bagdá, sempre cercados por monumentais arranjos de segurança e que, mal põem o pé no país, imediatamente se põem a emitir frases sobre os fantásticos progressos do país e altas realizações dos EUA em todos os campos. Imediatamente depois das tais frases, todos embarcam nos aviões que os trouxeram e escafedem-se do Iraque. Mas mesmo para esses padrões muito baixos, o desempenho do vice-presidente Biden, dessa vez, ultrapassou tudo que os iraquianos já viram; foi, de fato, cômico. Reidar Visser, especialista em Iraque, escreveu: “Biden serviu-nos o cardápio de sempre, de gafes, piadinhas e empáfia temperadas com autoconfiança arrogante e ignorância completa sobre o que se passa no mundo. Dentre outras, Biden tentou conquistar corações e mentes dos iraquianos elogiando os hospitais que os EUA teriam construído em Baku… capital do Azerbaijão, no Mar Cáspio, cidade que, para o vice-presidente, teria sido ‘transferida’, talvez, para o Iraque”.

Os candidatos Republicanos à eleição presidencial têm sido desacreditados (e ridicularizados) por gafes desse tipo. Pode-se avaliar o prestígio de Biden pela evidência de que, apesar dos longos e tediosos discursos, nenhum jornal dos EUA jamais, até hoje, percebeu que o vice-presidente dos EUA é praticamente analfabeto, no que tenha a ver com geografia do Oriente Médio. Visser destaca que Biden “disse que ‘conseguimos converter o limão em limonada’; falou do Iraque de hoje como ‘uma cultura política baseada em eleições livres e sob o império da lei’; e disse que ‘a cultura política do Iraque, emergente e inclusiva (…) é garantia absoluta de estabilidade’. Não disse coisa com coisa.” Infelizmente, os EUA deixam atrás de si, na retirada, um Iraque em ruínas, dividido e destroçado.

A verdade é que o fracasso dos EUA, que nada conseguiram de positivo nem no Iraque nem no Afeganistão ao longo de uma década, apesar de seus gigantescos exércitos e muitas armas, e apesar de ter consumido vários trilhões de dólares naquelas guerras, comprometeu muito profundamente o seu status de única superpotência. Fossem quais fossem os planos quando invadiu o Iraque em 2003, Washington jamais supôs que, ao sair de Bagdá, veria no poder partidos religiosos xiitas, com laços estreitos com o Irã. E, no Afeganistão, nem o aumento do número de soldados nem os $100 bilhões/ano conseguiram derrotar 25 mil combatentes Talibã mal treinados.

As grandes potências dependem muito da imagem de invencibilidade; e a boa estratégia manda não arriscar-se demais. O Império Britânico jamais se recuperou, aos olhos do mundo, do esforço gigantesco que teve de fazer para derrotar umas poucas dezenas de milhares de fazendeiros Boer.

A evidente incapacidade dos EUA para vencer no Iraque e no Afeganistão fez muito mal ao país, sobretudo, porque, na medida em que a vitória não aparecia, a política e as políticas dos EUA foram sendo progressivamente militarizadas. O Congresso aprovou vastíssimos orçamentos para o Pentágono, e apenas alguns bilhões para o Departamento de Estado. “O Departamento de Defesa é um gigante, comparado às demais agências federais” – observava já o Relatório da Comissão 11/9. – “Com orçamento anual maior que o PIB da Rússia, o Departamento de Defesa é um império.”

Mas é o império que fracassou, nos últimos anos, apesar do pesado peso político que pagou. Experiente diplomata dos EUA perguntou-me em tom de lástima, há alguns anos: “Que fim levou a desconfiança que os generais nos inspiravam depois do Vietnã? Hoje, todos parecem acreditar nos generais… Mas general dizer a verdade é evento raríssimo!”

Vale também para o Exército Britânico. As façanhas militares dos britânicos em Basra e Helmand foram ainda menos gloriosas que as dos norte-americanos, mas a tática de ‘incorporar’ jornalistas entre os soldados deu bons resultados, e os militares britânicos foram poupados das críticas que muito fizeram para merecer.

Apesar do longo período, agônico, antes de decidir-se a mandar mais soldados para o Afeganistão em 2009, Obama, de fato, nunca teve escolha. Leon Panetta, então diretor da CIA e hoje Secretário da Defesa, enfurecia-se com a demora, enquanto a Casa Branca discutia se enviaria ou não mais soldados. Para Panetta, a realidade política era clara: “Nenhum presidente Democrata pode deixar de fazer o que os militares resolvam fazer, sobretudo se pediu a opinião dos militares. Agora, é mandar os soldados e pronto!” Para Panetta, a decisão de mandar mais 30 mil soldados para o Afeganistão teria de ser tomada em uma semana.

O assassinato de Osama bin Laden e o fracasso dos militares, que não derrotaram os Talibã, aumentaram o espaço de manobra do governo Obama e apressaram a retirada do Afeganistão. É muito pouco provável que, em ano de eleição presidencial, depois de ter-se retirado do Iraque e sonhando com conseguir sair a tempo também do Afeganistão, Obama inicie mais uma guerra, dessa vez contra o Irã. Nos EUA e em Israel quem insista em falar grosso com o Irã perde só alguns votos. Mas os votos fugirão em maior quantidade, se Obama arrastar os EUA a nova guerra, dessa vez contra oponente muito mais forte do que os EUA enfrentaram no Iraque; ou Israel, no Líbano.

Em meio à pior crise econômica desde os anos 1930, o resto do mundo não agradecerá aos EUA e a Israel, se iniciarem um conflito que fechará o Estreito de Hormuz e mandará à estratosfera o preço do petróleo. Simultaneamente, a ‘desescalada’ no conflito retórico parece também pouco provável, porque a ameaça do conflito interessa eleitoralmente a vários grupos, tanto em Washington e Telavive, quanto em Teerã. Norte-americanos, israelenses e iranianos, todos, identificam-se como salvadores messiânicos, em luta contra inimigos satânicos. Qualquer acordo que ponha fim à ameaça de conflito será sabotado, no plano político interno, nos EUA, em Israel e no Irã, como ‘pacto com o diabo’.

Acima de tudo isso, paira o fato de que os EUA perderam a influência que já tiveram no Oriente Médio, mas já não têm. Diga Biden o que disser, o Iraque foi completo desastre para os EUA. E, no Afeganistão, forças militares gigantescas produziram resultados políticos muito magros. Washington talvez festeje o fim de Muammar Gaddafi ou de Bashar al-Assad. Mas não há dúvidas de que os EUA perderam e continuam a perder a posição de liderança que tiveram na Turquia e no Egito, enquanto lá existiram ditadores e ditaduras militares.

A crise política provocada pelo Despertar Árabe em todo o Oriente Médio não dá sinais de arrefecer. De fato, só dá sinais de intensificar-se, nas lutas pelo poder no Egito e na Síria. O resultado da guerra civil líbia poderia talvez estimular novas ações de intervenção estrangeira, mas a crise econômica torna cada dia mais arriscado, para os governos dos EUA e da Europa, qualquer tipo de envolvimento em guerras para as quais ninguém vê final à vista.

O grande sucesso do general David Petraeus como comandante dos EUA no Iraque foi ter persuadido muitos norte-americanos de que os EUA venceram as guerras nas quais foram derrotados. Também convenceu muita gente de que a guerra do Iraque havia acabado, porque diminuía o número de norte-americanos mortos, quando, na verdade, a guerra continuava.

O veredicto do Iraque pairará como um fantasma sobre a política externa dos EUA ainda por muito tempo. A guerra do Iraque tem derrotados, mas o Iraque não é, tampouco, vencedor. Mesmo assim, a guerra do Iraque provou que força militar superior já não se traduz facilmente em vitória política.
Nota
[1] Em português, aqui [NTs]

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