domingo, 24 de junho de 2012

Cabinda é e continuará a ser uma espinha na garganta da ancestral cobardia de Portugal...




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

Só por manifesta falta de seriedade intelectual, típica dos sucessivos governos portugueses, é que se pode dizer que Cabinda é parte integrante de Angola.

As autoridades angolanas detiveram vários civis na sequência de uma retaliação ao ataque, reivindicado por duas facções dos independentistas de Cabinda, à escolta militar angolana à equipa de futebol do Togo, no dia 8 de Janeiro de 2010.

"Recebemos indicações concretas que detenções de membros da sociedade civil já estão em curso", afirmou logo no dia 14 Lisa Rimli, especialista em questões africanas da organização não-governamental Human Rights Watch (HRW), à agência Lusa.

Logo a seguir soou o alerta que indicava que um dos próximos detidos seria o advogado Francisco Luemba, "aparentemente sob acusação de incitação à violência, com base em matérias incluídas num livro de história publicado em 2008 do qual é autor".

"Francisco Luemba tem tido um papel importante na defesa de uma série de detidos acusados de crimes contra a segurança do Estado. Se esta detenção se concretizar, abrirá um precedente muito preocupante", advertiu Rimli. Concretizou-se mesmo.

A organização reconhece o direito do Governo angolano em reforçar a segurança em Cabinda e em responsabilizar os responsáveis pelo ataque que resultou na morte de três elementos da comitiva, mas destaca que todo o processo deve ser efectuado “respeitando os direitos fundamentais das pessoas, incluindo as liberdades cívicas e políticas como a liberdade de expressão".

A activista dos direitos humanos, que esteve em Cabinda em Novembro de 2009, desafiava também as autoridades angolanas a "investigar e responsabilizar os membros das forças de segurança alegadamente envolvidos em actos de tortura contra suspeitos rebeldes".

A HRW notava na altura "alguns sinais de abertura" por parte de Luanda desde a publicação de um relatório da organização, em Junho de 2009, sobre actos de tortura em Cabinda por militares. No entanto, a organização lamentava a falta de uma investigação para responsabilizar criminalmente os militares alegadamente envolvidos.

Lisa Rimli afirmou temer que "operação militar de maior envergadura" tenha lugar em Cabinda depois do fim da Taça das Nações Africanas (CAN2010), após a saída dos jornalistas estrangeiros, e uma vaga de repressão contra civis "sob a acusação de alegadamente promoverem ideias independentistas".

Esta ONG recusou-se a utilizar a palavra ‘terrorista’ para classificar o ataque à selecção togolesa, por considerar o termo controverso, pouco claro e politizado. A HRW explicava os acontecimentos como "um ataque armado que alvejou civis, violando o direito humanitário internacional".

Lisa Rimli salientou que este é mais um de vários casos que têm acontecido nos últimos meses e que as forças de segurança tentaram omitir, intimidando "jornalistas para não divulgarem notícias relacionadas com ataques armados, até recentemente, particularmente antes do CAN".

A HRW denunciou em Dezembro de 2009 a detenção de dois jornalistas, aparentemente por noticiar sobre a segurança em Cabinda, que foram libertados poucas horas depois.

"O Governo [angolano] desde 2006 tem afirmado que a guerra [em Cabinda] acabou, atribuindo os ataques armados esporádicos a 'bandidos armados’,[mas] muitas pessoas têm criticado a credibilidade e efectividade deste acordo", observou a activista.

O ataque foi reivindicado primeiro pelas Forças de Libertação do Enclave de Cabinda - Posição Militar (FLEC-PM), liderada por Rodrigues Mingas, e, mais tarde também pela ala militar da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC).

No entanto, a ala política da FLEC, através do secretário-geral, Joel Batila, condenou o ataque e recusou qualquer envolvimento do movimento independentista que dirige.

Meses antes de ser preso, e na sua qualidade de advogado e professor universitário, Francisco Luemba disse ao Jornal português PÚBLICO que "a grande maioria dos cabindas quer a independência e apenas aceitando a autonomia como uma solução transitória, uma etapa".

Francisco Luemba recordou nas declarações ao PÚBLICO que, quando em Julho de 2008 o então ministro angolano das Obras Públicas, Higino Carneiro, esteve em Cabinda num comício do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ouviu dos jovens gritos de "Independência!".

Nesse mesmo trabalho do jornalista Jorge Heitor, é dito que já em 2001 o então bispo de Cabinda, D. Paulino Fernandes Madeca, dissera ao PÚBLICO que a maioria dos cidadãos residentes era a favor da independência. "Na cidade menos, mas no interior é mais radical o desejo independentista”, afirmou o bispo.

Creio que só por manifesta falta de seriedade intelectual, típica dos sucessivos governos portugueses, é que se pode dizer que Cabinda é parte integrante de Angola.

Cabinda – repita-se - foi comprada pelo MPLA nos saldos lançados pelos então donos do poder em Portugal, de que são exemplos, entre outros, Melo Antunes, Rosa Coutinho, Costa Gomes, Mário Soares, Almeida Santos.

É claro que, tal como em Timor-Leste, até à vitória final, continuará a indiferença (comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, da ONU ou de qualquer outra coisa que tenha preço.

E é pena, sobretudo quanto a Portugal, que à luz do Direito Internacional ainda é a potência administrante de Cabinda. Lisboa terá um dia (quando deixar de ter na Sonangol, MPLA, clã Eduardo dos Santos um faustoso investidor) de perceber que Cabinda não é, nunca foi, nunca será uma província de Angola.

Por manifesta ignorância histórica e política, bem como por subordinação aos interesses económicos de Angola, os governantes portugueses fingem, ao contrário do que dizem pensar do Kosovo, que Cabinda sempre foi parte integrante de Angola. Mas se estudarem alguma coisa sobre o assunto, verão que nunca foi assim, mau grado o branqueamento dado à situação pelos subscritores portugueses do Acordo de Alvor.

Embora seja suspeito porque sou o autor do prefácio, sugiro aos responsáveis portugueses que leiam o livro “O problema de Cabinda exposto e assumido à luz da verdade e da justiça”, de Francisco Luemba.

Este livro de Francisco Luemba é uma completa enciclopédia sobre este território que tarda em ser país. Do ponto de vista histórico, documental e científico é a melhor obra que até hoje li sobre Cabinda. Espero, por isso, que tanto os ilustres cérebros que vagueiam nos areópagos da política internacional como os que se passeiam nos da política angolana e portuguesa, o leiam com a atenção de quem – no mínimo – sabe que os cabindas merecem respeito.

Francisco Luemba mostra, com a precisão de um Mestre, exactamente isso, mau grado a manifesta incapacidade de entendimento dos que, um pouco por todo o lado, se julgam donos da verdade e querem mandar para campos de reeducação todos aqueles que pensam de maneira diferente.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: VIVER SEM IR AO MÉDICO E SEM COMER

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