sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A CRISE DO LAGO NIASSA

 

Eugénio Costa Almeida* – Pululu*
 
Parece que é apanágio das organizações regionais necessitarem, de quando, em vez, terem uma crise interna para se tornarem credíveis ou mais críveis.
 
Creio que não existe nenhuma onde isso não tenha acontecido; pelo menos, nas mais conhecidas. Até nas de caraterísticas mais globais, como a ONU ou a OUA/UA.
 
Recordemos nas crises da Organização do Tratado de Varsóvia (vulgo, Pacto de Varsóvia) com as tentativas de “libertação política” da Hungria e da Checoslováquia abafadas pelo Exército Vermelho e seus aliados,
 
Ou a continuada crise político-militar que se mantém no seio da OTAN/NATO, entre a Grécia e a Turquia;
 
Já para não falar dos indisfarçáveis e inalterados litígios políticos-fronteiriços na América Latina…
 
Se no continente africano continuam a persistir demandas entre os Estados, nomeadamente, na região dos Grandes Lagos, no Corno de África e nos “dois Sudões”, já para não esquecer o que se vai passando no seio da CEDEAO, porque é que a SADC não haveria, também, ela, aparecer com indícios de um estranho – ou talvez não – e perigoso latente conflito no seu interior?
 
Uma curiosa disputa entre a Tanzânia e o Malawi sobre a delimitação fronteiriça do Lago Niassa.
 
Um interessante pleito que surge no momento em que Angola passa a presidência da SADC – e está em plena campanha eleitoral, ou algo semelhante – a Moçambique que, quer queira, quer não, é também ele parte muito interessada nesta contenda.
 
Diz a História que o Lago Niassa (“Nyasa”, em kiSwahili e “Lake Malawi”, em inglês, – “niassa” em língua chinhanja (Moçambique) significa, “lago” –, delimitado nas suas margens pelas repúblicas da Tanzânia, Malawi e Moçambique, com 560 km de comprimento, 80 km de largura máxima e uma profundidade máxima de cerca de 700 m) teve a sua divisão territorial pelo Tratado estipulada em 1890, entre a Alemanha e o Reino Unido a que teria aderido, mais tarde, Portugal.
 
Todo este buérere se deve ao facto de constar que no Lago há rumores da existência – ou há fortes indícios nesse sentido – de jazidas de petróleo e gás no que terá levado o Malawi a se interessar demasiado pelo Lago e a desejar, segundo a Tanzânia, considerar como todo seu a parte em controvérsia; ou seja, o Lago.
 
E porque assim pensou, o Malawi começou a fazer prospecções no Lago Niassa sob protesto imediato da Tanzânia e com Moçambique à espreita sem, pelo menos, de forma visível, ter qualquer intervenção nesta demanda.
 
Como o Malawi não “acatou” as advertências tanzanianas para pararem com as prospecções, evocando que o fazia nas suas águas territoriais, mas esquecendo que o Lago Niassa (ou uma parte especial dele) está inscrita, desde 1984, na UNESCO como Património Mundial, no que tange a “Lagos e Zonas Costeiras” e, desde Abril de 2011, integra lista de zonas húmidas protegidas pela Convenção de Ramsar (Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional, especialmente enquanto habitat de aves aquáticas), a Tanzânia ameaçou intervir diplomática e, caso necessário, militarmente, para acabar com as referidas sondagens geotérmicas.
 
Ora esta situação está, naturalmente, a desagradar a SADC, conforme palavras do seu secretário-executivo, o moçambicano Tomaz Salomão, que, não sejamos despicientes, também reflectem as preocupações de Maputo quanto à estabilidade político-diplomática e militar da região e numa altura que Moçambique acaba de receber de Angola o testemunho presidencial da SADC.
 
Uma prenda algo bem venenosa que Angola, em período eleitoral, tão avisadamente entregou à sua irmã do Índico…
 
Aguardemos que este problema fique por isto mesmo, um simples problema, e não degenere numa escalada que não interessa nem à região nem, tão-pouco, ao martirizado continente africano.
 
É que uma crise destas devido a hidrocarbonetos só interessará a terceiros que dela obterão dividendos chorudos e a ascensão dos actuais preços dos carbonetos, em vigor.
 
Um problema que não interessa, de certeza, aos povos da região e que leva os governantes de Lilongwé a quererem ser também grandes entre os seus pares, mesmo que à custa de (des)conveniências terceiras…
 
* Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
 
©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, secção “1º Caderno” ed. 240, de 24-Agosto-2012, pág. 23.
 

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