segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A PRAÇA DE TODAS AS BANDEIRAS



Martinho Júnior, Luanda

1 – O largo do 1º de Maio começa a ser um local único para Angola:

- Ali houve a primeira comemoração do Dia Internacional dos Trabalhadores, ainda a bandeira portuguesa estava erguida em 1974 e isso apesar das incertezas duma época em que muitas afectações ao fascismo e colonialismo estavam presentes e se faziam sentir;

- Ali foi proclamada por Agostinho Neto a Independência, com o troar dos canhões da batalha de Quifangondo a ressoar ameaçadoramente ao longe;

- Ali está erguida a estátua do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, voltada a leste e de punho erguido, desafiando os vindouros à construção duma Pátria para todos, sem excepção;

- Ali depositam as flores de honra os estadistas que visitam Angola;

- Ali vêm procurar inspiração e memória os acabadinhos de casar, que durante todo o ano tiram fotografias e se deslumbram com as luzes e o ambiente cosmopolita;

- Ali todas as sensibilidades ideológicas têm feito presença, buscando audiência e mobilização;

- Ali e agora as bandeiras, os cartazes e os panfletos dos Partidos Angolanos procuram espaço para manifestar a sua afirmação com vista ao próximo acto eleitoral.

2 – A Praça do 1º de Maio, sob o olhar silencioso de Agostinho Neto, é hoje uma praça aberta a todas as bandeiras dos Partidos Angolanos, um cadinho que, apesar de tudo, é uma experiência avançada, sob o ponto de vista político, sociológico e cultural.

No dia 10 passei por lá e ainda só existiam as bandeiras do MPLA e da UNITA; na altura estava um grupo da UNITA em contacto com os transeuntes; sei contudo que outras sensibilidades espalharam também a sua bandeira, os seus cartazes e os seus “slogans”, fazendo sentir a sua presença.

Perante os desafios próprios do século XXI, muitos têm sido os critérios seguidos por todas as sensibilidades, todas elas indexadas à lógica capitalista e indiferentes à sua contra natura!

Umas respondem mais aos anseios internos expostos a uma mentalidade quase sempre de curtos horizontes, mas quase todas não escondem, nem se escondem, perante os factores externos.

Algumas mesmo indiciam explorar as mesmas emoções e até o mesmo tipo de provocações que à sua maneira o império explorou por via da globalização capitalista neo liberal no leste da Europa, nos Balcãs, nas Primaveras Árabes: “Basta!”…

As referências ao socialismo enquanto profunda reflexão de paz, solidariedade, liberdade, amor e democracia, desapareceram do léxico dos Partidos e até aquele “socialismo democrático” que há pouco mais de um ano o MPLA reivindicava se parece ter esfumado, sucumbindo aos efeitos psico-sociais dum “empreendedorismo” de minguada ética, muito difusos contornos e de bastantes dúvidas!...

O capitalismo vive (?) irremediavelmente de clientelas e de “lobbies” e a sociedade de consumo faz o resto!...

O Programa do MPLA traz referências remotas a doutrinas, a alguns princípios e isso, parece-me abrir o caminho mais ainda ao capitalismo em voga, numa altura em que liberdade, solidariedade, democracia participativa e cidadania deveriam ter um compacto mais homogéneo e exponencial, aproveitando a energia que advém do movimento de libertação, sobretudo da sua experiência com sentido de vida!...

Num país de tão baixa densidade demográfica, fica por provar a capacidade de intervenção, por que está sobejamente comprovada a capacidade de ocupação e assim todo o leste está praticamente “virgem” por que humanamente desocupado!

Se o MPLA não o assumiu por inteiro, mais as outras sensibilidades parecem ter dificuldade em fazê-lo, reflectindo aliás as suas próprias experiências uns, outros a sua inequívoca inexperiência, outros ainda os estímulos que chegam de fora!...

Perde-se para a pedagogia social e para o discernimento o que se ganha para a propaganda e para as propositadas emoções que chegam de fora e se casam com as ambições de dentro!

É mais fácil constituírem-se as clientelas submissas ao “deus mercado” do que, com espírito construtivo fazer gerar a consciência crítica e a rebeldia daqueles que sabem que o bom sempre será sempre superação do suficiente e por isso urge trabalhar para que não hajam tantas insuficiências ainda!

A utopia e a mentira têm em muitos casos andado de braço dado e há até aqueles que mantiveram a sua resistência numa trincheira de feição colonial, que agora aparecem como arautos de direitos em relação aos quais sempre foram históricos refractários!

3 – Há Partidos que fazem afirmações de se estarem a assumir “à esquerda”, talvez por que no fundo vão constatando que há um enorme espaço vazio deixado em aberto pelo movimento de libertação, mesmo que tenha havido alguma preocupação com os programas sociais.

Tem-se construído muito em Angola, durante os últimos dez anos, mas sem dúvida que os grandes actores foram o alcatrão, o cimento e o ferro, o homem esse está ainda no primeiro calor da forja:

- Há Municípios já que pela primeira vez na sua história têm alcatrão nas suas estradas;

- A proliferação de edificação de escolas e centros de saúde tem-se mantido na primeira linha por todos os recantos do país, inclusive nas áreas mais remotas;

- Por todas as povoações têm surgido edifícios da administração pública, que se vai instalando manifestando-se como nunca a presença do estado;

- Há bairros que nunca existiram e que estão a surgir integrados em regras de urbanismo, numa escala que de há muito se fazia sentir;

- Continua a desminagem, pois é preciso não esquecer que um dia Angola já foi o país com mais minas do mundo;

- Os caminhos-de-ferro que existiam no tempo colonial têm praticamente todo o seu traçado recuperado e beneficiaram de novas pontes e pontões, bem como de estações modernas e funcionais;

- Os aeroportos estão a ser remodelados e beneficiados com pistas maiores, aerogares amplas e futuristas;

- Programam-se novos portos, melhorando as capacidades dos existentes…

Quanto desse esforço não recorreu a outros que aqui vieram duma maneira ou de outra dar a sua contribuição, com realce para chineses, brasileiros e portugueses?

Nessa direcção, uma parte substancial dos dividendos obtidos a partir do petróleo e das outras riquezas minerais acabaram por se ir aproveitando!

Muitos angolanos foram assim encontrando emprego, assumindo profissões, melhorado incomparavelmente o seu modo de vida, se tivermos em conta os efeitos directos e indirectos das prolongadas guerras que devassaram todo o tecido social angolano!

De certo modo os traumas dessas guerras vão-se diluindo na azáfama da reconstrução e reconciliação nacional e essa deveria ser uma experiência que deveria melhor ser orientada para contrariar a psicose das novas elites capitalistas “emergentes”, responsáveis pelos desequilíbrios e até pelo “apartheid” social visível sobretudo na geografia humana das grandes cidades!...

O que está agora em causa é uma Angola que traga benefícios para todos, de forma equilibrada, harmoniosa, justa e vencendo os obstáculos impostos pelo subdesenvolvimento crónico a que foi votada pela história, o que contrasta com os interesses de alguns que se tentam assenhorear do bolo, como se fossem eles os únicos a terem o mérito de viver e a impor os termos da lógica à sombra da qual se refugiam!...

4 – Sob o ponto de vista humano pois e isto apesar das possibilidades de circulação de pessoas e de bens, as insuficiências são ainda gritantes, o que nos permite concluir que não está vencido o subdesenvolvimento crónico, que subsiste desde as trevas coloniais:

- Uma grande parte dos Objectivos do Milénio não foram alcançados;

- Apesar da diminuição, a mortalidade materno-infantil é ainda um flagelo;

- O paludismo, a tuberculose e outras doenças que só subsistem por manifesta insanidade dos ambientes humanos, vão-se ainda fazendo sentir;

- O analfabetismo está longe de ser vencido;

- Os que sobrevivem com baixos rendimentos e escassos recursos ainda constituem uma mancha persistente de miséria em Angola;

- A marginalidade e a criminalidade evidenciam indicadores muito sensíveis, particularmente nos subúrbios das grandes cidades;

- Aproximando-se a ocasião para o censo populacional, não está feito o inventário básico dos recursos, com vista a fomentar geo estratégias que permitam uma sustentabilidade imune à lógica capitalista e ao seu nefasto cortejo forjado de lucros, de especulação, de tráficos de todos os tipos, de corrupção e de divisões artificiosas…

- Os quadros que estão a ser colocados nas escolas e nos centros de saúde, uma parte não tem a devida preparação e por isso se comporta sem um mínimo espírito de missão, como se de autênticos mercenários se tratassem!...

- As religiões e as seitas fomentam muitas vezes espantalhos que são outros alienados becos sem saída e afastam as pessoas da realidade e da vida, inibindo-as até nas suas próprias aptidões e colocando-as à mercê do nada!...

Muitos angolanos e oriundos de outros povos, com realce para Cuba, devotam-se às causas humanas, num enorme resgate que está em curso, mas é imperioso expandir-se a todos os recantos de Angola e de África!

Nesse aspecto os quadros cubanos, forjados pela sua Revolução, são pequenos faróis pelo seu exemplo, conduta e dedicação, transmitindo um ambiente de dignidade e de afecto indispensável para com as franjas mais sofridas e carentes da sociedade!

O sentido de vida tem afirmação nesse húmus indelével, que também constitui o âmago da cultura angolana, pelo trajecto que continua a ter seu curso nos imensos resgates e desafios que se apresentam na luta contra o subdesenvolvimento!

Superar o passado e o que é imposto pelo capitalismo neo liberal, impõe causas nobres que não existem com evidência, será um longo trabalho que irá mobilizar sucessivas gerações, disso não há dúvida e por isso se torna necessário sempre vincar o necessário respeito devido à história!

5 – Muito deveria estar a ser feito para se actuar directamente sobre os seres humanos, mas desequilíbrios e assimetrias têm surgido do vácuo das guerras, afectando o sentido de vida semeado pelo movimento de libertação.

Há muitos antigos combatentes que afirmam ainda, referindo-se à necessidade de que todo o povo angolano colha os benefícios reais da independência, da soberania, da liberdade, da solidariedade, da democracia participativa, da cidadania: “não foi nada disto que a gente combinou!”

Se houve muitos que esqueceram o antigo Programa Maior do MPLA, eles não se esqueceram que o seu juramento para com a Pátria foi perante esse Programa e essa linha se coaduna com a trajectória de sua própria vida, dando-lhes coerência e humanidade!

Na praça de todas as bandeiras, sob o olhar silencioso de Agostinho Neto e à sombra do seu punho erguido, no momento da construção nacional e da reconciliação, no momento em que os desequilíbrios afectam a sociedade, é preciso mais que nunca lembrar com responsabilidade, inteligência, emoção, urgência e amor o que continua a ser decisivo: “o mais importante é resolver os problemas do povo!”

*Foto tirada a 10 de Agosto de 2012, num 1º de Maio onde se evocam agora todas as bandeiras; aparentemente todas elas deixaram de evocar o socialismo que, de punho erguido, parece ser a razão de ser da própria estátua de Agostinho Neto! Que contraste!

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