sábado, 18 de agosto de 2012

“É ASSIM QUE EU QUERO, É ASSIM QUE VAI SER”




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama* - reposição em PG

Ao que parece a Lusa tem como principais accionistas o Estado Português (50.14%), a Controlinveste Media SGP, S.A. (23.36%) e a Impresa (22.35%).

Ao que parece, os estatutos da Lusa dizem que a Lusa “assegurará condições para uma efectiva cobertura informativa nacional e regional do País, dos acontecimentos relacionados com a União Europeia, com os países de língua oficial portuguesa, com as comunidades de cidadãos portugueses residentes em outros países ou com outros espaços de relevante interesse para Portugal”.

Ao que parece, a Lusa tem como objectivos, entre outros, “afirmar a importância nacional e internacional da Lusa, ajustando qualitativamente os seus serviços e a sua presença no território nacional e no espaço lusófono, no âmbito da circulação democrática e plural da informação noticiosa e no da defesa dos interesses estratégicos externos do Estado Português.”

Ao que parece, as obrigações do serviço público obrigam a Lusa a “manter delegações, delegados, ou correspondentes em todos os distritos e regiões autónomas de Portugal, em todos os países de língua portuguesa, nos países onde residam comunidades numerosas de cidadãos portugueses e também nos países com os quais se verifiquem mais intensas relações históricas, culturais, diplomáticas ou comerciais com Portugal”.

Ou seja: “Delegações ou delegados no Porto, Coimbra, Évora, Faro e nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira; correspondentes em todos os distritos do país; delegados ou correspondentes em todos os países de língua portuguesa e nos territórios de Macau, na República Popular da China, e de Goa, na Índia; Delegação em Bruxelas; Delegados ou correspondentes nos países com os quais Portugal mantém mais intensas relações políticas, diplomáticas ou comerciais, nomeadamente em Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, Rússia, China, EUA, Marrocos e Argélia”,

E ainda, “correspondentes nos países onde residam comunidades portuguesas de maior dimensão, nomeadamente em Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, EUA, Canadá, Venezuela, África do Sul e Austrália.”

Ao que parece, o Código Deontológico dos Jornalistas da Lusa diz:

“1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.

2. O jornalista deve combater a censura e o sensacionalismo e considerar a acusação sem provas e o plágio como graves faltas profissionais.

3. O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.

4. O jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público.

5. O jornalista deve assumir a responsabilidade por todos os seus trabalhos e actos profissionais, assim como promover a pronta rectificação das informações que se revelem inexactas ou falsas. O jornalista deve também recusar atos que violentem a sua consciência.

6. O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. O jornalista não deve revelar, mesmo em juízo, as suas fontes confidenciais de informação, nem desrespeitar os compromissos assumidos, excepto se o tentarem usar para canalizar informações falsas. As opiniões devem ser sempre atribuídas.

7. O jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado. O jornalista não deve identificar, directa ou indiretamente, as vítimas de crimes sexuais e os delinquentes menores de idade, assim como deve proibir-se de humilhar as pessoas ou perturbar a sua dor.

8. O jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da cor, raça, credos, nacionalidade ou sexo.

9. O jornalista deve respeitar a privacidade dos cidadãos excepto quando estiver em causa o interesse público ou a conduta do indivíduo contradiga, manifestamente, valores e princípios que publicamente defende. O jornalista obriga-se, antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas.

10. O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional. O jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse.”

O meu amigo António Veríssimo, no seu (e nosso) Página Global, revolta-se com o facto de a Lusa não ter dado uma linha sobre o ataque que, em Timor-Leste, feriu gravemente um repórter da Rádio Rakambia, durante um serviço.

Além disso, diz que “a Agência Lusa terá de explicar a razão da nefasta ausência de notícias em português quando dispõe de uma delegação em Timor-Leste, em Díli”, acrescentando que a Lusa “deverá uma vez mais experimentar vergonha é pela sua falta de solidariedade neste caso do ataque a um colega de profissão.”

“Se a vergonha não assola os responsáveis da Agência Lusa pelo seu tão mau desempenho – agravado ultimamente – e não repõe o exercício do seu dever naquele país, para com as centenas de milhões da comunidade da lusofonia então o melhor será de uma vez por todas sair de Timor-Leste, anunciando-o em vez de cobardemente se alapar na indiferença e no silêncio”, escreve – e bem – António Veríssimo.

Mas para tudo há uma explicação. Recordemos, por exemplo, que quando foi falar à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura do Parlamento português, a propósito do encerramento das delegações da Lusa, Afonso Camões (presidente do Conselho de Administração) foi taxativo ao afirmar: "Não fechámos, mas vamos fechar. É assim que eu quero e é assim que vai ser".

É por estas e por outras que, no reino lusitano, a liberdade de imprensa está em vias de extinção (eu sei que sou optimista). Aliás, Afonso Camões continua a ser coerente com a sua filosofia profissional: “É assim que eu quero e é assim que vai ser". Antes da Lusa foi assim que desempenhou a sua função no Jornal de Notícias, tendo dado um decisivo contributo para que esse diário solidificasse a sua posição de primeiro… entre os últimos.

Se os donos dos meios de comunicação, se os donos dos donos, assim querem “é assim que está a ser, é assim que vai continuar a ser”. Nem que pelo meio tenham de contar quem anda a comer quem, quem anda a ser comido por quem.

Para além da minha débil experiência profissional (só ando nisto do jornalismo há quase 40 anos), faço contas aos jornalistas desempregados, aos que mudaram de profissão, aos que estando no activo estão na prateleira, aos que tendo emprego estão desempregados, aos que adoptaram uma coluna vertebral amovível, aos que se filiaram no partido para garantir o emprego, aos que em vez de erectos andam de cócoras, aos que por um prato de lentilhas dizem ámen a tudo, aos que aceitam ser comidos.

E como em qualquer democracia, em qualquer Estado de Direito, se o presidente de uma empresa pública pode sempre dizer “é assim que eu quero e é assim que vai ser", porque carga de chuva, meu caro António Veríssimo, deveria ser diferente o que se passa em Timor-Leste ou em Angola?

É assim que eles querem, é assim que foi e é assim que será.

Nunca como agora ser imbecil e criminoso é condição sine qua non para ser “jornalista” mas, sobretudo, para ser director e até administrador. Isto já para não falar em ser deputado, assessor, especialista ou membro do Governo.

Por alguma razão, quando em 2004 chegou à liderança do PS, José Sócrates jurou a pés juntos que a liberdade de imprensa era para si sagrada... Por alguma razão Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e companhia juraram a mesma coisa. Chegados lá, a regra passou a ser: “é assim que eu quero e é assim que vai ser".

Por outras palavras, o poder quer que os jornalistas perguntem não o que o Estado/país/bordel pode fazer por eles, mas sim o que eles podem fazer pelo bordel/país/Estado. E quando o governo os manda deitar…

E o que melhor podem fazer é aceitar que para serem um dia directores ou administradores de um jornal têm de ser criados do poder.

Também penso que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia. Mas se assim é, a dita está, no reino lusitano, coxa. Muito coxa. Até porque não basta dizer que existe democracia porque “é assim que eu quero e é assim que vai ser".

Em Portugal é não só legal como nobre o facto de o servilismo ser regra para bons empregos, garantindo que esses servos vão estar depois a assessorar o partido, ministros empresas ou políticos.

Sempre, é claro, levando em conta que uma imprensa livre é um dos grandes pilares da democracia. E quando alguém contesta, está sujeito a ouvir, com todo o espírito democrático: “É assim que eu quero e é assim que vai ser".

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.



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