quinta-feira, 23 de agosto de 2012

GLOBALIZAÇÃO E MENSALÃO NA PERSPETIVA DE MAQUIAVEL

 


 
“O Príncipe” de Nicolau Maquiavel (1469-1527) é uma obra clássica que mostra ao mundo a importância da política, do equilíbrio nos conflitos, e um outro homem: o da macropolítica. O autor se insere nas mudanças culturais, políticas e sociais de sua época. É personagem próprio de seu tempo, sendo a obra escrita demarcadora da transição ao Renascimento. Momento no qual os feudos se desfazem com o fortalecimento do comércio e a centralização das monarquias. Chamemos de “modernidade renascentista”. A centralização das leis, da segurança e dos exércitos também ocorria naquele momento, como os Estados atuais fazem ainda hoje. Isto nos remete a fatídica questão: será que vivemos tempos parecidos? Maquiavel pode estar sempre atual?
 
Vejamos. Ele propunha questões que permearam o futuro das sociedades, tal como o mercantilismo. Hoje o mercado toma de assalto o caráter e a vida das pessoas em nome de uma pseudo globalização. Algo que no tempo do autor de “O Príncipe” seria apenas, segundo alguns intérpretes, decorrente, dentre outros aspectos, da força expansionária das frotas navais, de outras necessidades do mercado. Mas, como explicar a corrupção moral que grassa em todos os níveis ou camadas sociais do planeta em nome dessa mesma globalização? A corrupção também se expandiu (globalizou-se) ou seria inerente aos governantes, aos povos, como num universal filosófico? Independente da pergunta há uma resposta aparente. A força expansionária, desenfreada, do mercado, leva à maior corrupção moral. Talvez assim o mensalão se explique. E outros desvios, inclusive de verbas… E também os discursos vazios, e os pequenos “ócios” de paupérrimos gestores. Certo é que “negócio” não seria o termo correto para a corrupção. Ganhar muito, fazer pouco. Logo, para quê negar o ócio?
 
Continuemos…
 
O Estado nascente necessitava, já na época de Maquiavel, de novos mercados. Foram os anos quatrocentos/quinhentos, idos da escassez de metais preciosos e especiarias. Surgem as viagens marítimas para o Oriente. Estas, consagradoras de países como Portugal, nos “descobriram” e trouxeram novas técnicas, e uma visão diferente da natureza. Mas trouxeram também, além de muita riqueza, a ganância, a corrupção, certo status à uma burguesia que também virou modelo de importância nessa nova sociedade que se impôs. Ser um emergente florentino era a meta. A Barra estava logo ali ao alcance. Talvez em Firenzi.
 
As cidades italianas se destacaram com o novo comércio. A classe dos artesãos e a das pequenas manufaturas passam a agir mais na vida cotidiana. Centralização e concentração de riquezas implicaram, por outro lado, em limitações às autonomias dos burgueses e diminuição dos poderes senhoriais da nobreza. Fortalezas e o medo dos assaltos sempre existiram. As praças de comércio seriam comparáveis aos shoppings, prontas a nos proteger da realidade?
 
Na ótica de “O Príncipe”, este, enquanto governante, deveria saber incorporar não apenas as formas de conquista, mas também o saber “administrar as novas forças que ligavam os Estados”, como acontecia com o capital circulante. Mais ou menos como administrar alianças entre partidos políticos neste século? Maneira de sustentação parlamentar desses mesmos Estados nacionais?
 
A afirmação do Príncipe se tornaria mais independente: o incremento para a cultura, aliada do soberano, fez surgir o mecenato. Será que hoje mecenato é ajudar a criar outro corrupto? Ou o Estado viraria mecenas de déspotas do bem público? No Cap. XVI da referida obra, por exemplo, Maquiavel cita o uso da generosidade e da parcimônia pelo governante: “A generosidade usada de modo a criar fama é nociva. Porém, se usada com Virtude e como se deve, passa despercebida e não trará infâmia (…)”.
 
Ainda: os representantes do Estado também deveriam colocar a seu serviço a intelectualidade daquela época e, por consequência, a ciência. Hoje, industrialização e a ciência dependem estritamente de tecnologia. Ciência e técnica passam cada vez mais a andar juntas, isto se algum dia elas estiveram separadas. Contudo, é importante frisar que o controle do saber é uma forma de poder que gera também a sabedoria necessária ao Príncipe para bem governar e ser amado por seu povo. Um ouroboros político.
 
Levando tais planos adiante o soberano deveria manter-se respeitado, jamais odiado. Neste último caso ficaria passível de não continuar e de enfraquecer o Estado. Será que mudou muito para os dias atuais? Mas, vejamos. O poder se centralizava no Príncipe absoluto com uma nova condição: o soberano unido aos súditos, pela primeira vez, como em um “corpo complementar”, ao contrário do que acontecia no pensamento medieval. Ditaduras se construíram assim, populistas também, políticos de caixa dois, idem.
 
Fica quase evidente, pela obra “O Príncipe”, que o termo “moderno” que não basta por si só para dizer algo de concreto ou definitivo sobre o período do autor ou o nosso. O conceito de transição, compreendido aqui não como um fluxo regular e evolutivo, mas como um movimento permeado por avanços, recuos, conflitos, rupturas e permanências, permite-nos a reflexão: como se configura a complexidade dos nossos tempos?
 
Nem tudo se repete, talvez as perguntas. Quem sabe, alguns dos antigos poderiam já estar com a razão: A cíclica do tempo pode nos remeter constantemente ao dejà vu político. Algo que nem o mais “maquiavélico” dos políticos poderia acreditar.
 
*Adílio Jorge Marques é professor de Física e História da Ciência da rede pública e particular de ensino do Rio de Janeiro. Pesquisador em História da Ciência luso-brasileira e história das Tradições.
 

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