quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Angola: UM SÓ POVO, UMA SÓ NAÇÃO – I

 


Martinho Júnior, Luanda
 
1 – Acaba de perfazer 90 anos desde que nasceu em Caxicane, Icolo e Bengo, António Agostinho Neto, a 17 de Setembro de 1922.
 
A apenas 3 anos do seu nascimento, a ferro e fogo o capitão Eugénio Ribeiro de Almeida tinha acabado com a resistência à penetração portuguesa na direcção leste, uma penetração que só nessa altura dominou a bolsa dos Dembos.
 
Os Dembos estavam muito próximos de Icolo e Bengo e o capitão Eugénio Ribeiro de Almeida chegou mesmo a actuar na região do Zenza.
 
Na sua meninice e juventude, António Agostinho Neto ouviu as histórias de sangue de então, contadas pelos mais velhos ainda meio aterrorizados pelos acontecimentos, numa altura em que o colonialismo foi mais repressivo que nunca contra os africanos, por via da manipulação e utilização quantas vezes dos próprios africanos.
 
Socorro-me dum historiador para lembrar o fim dessa bolsa resistente, René Pélissier em “História das campanhas de Angola – resistência e revoltas – 1845 – 1941 – Volume I”!
 
A páginas 343/344, no subcapítulo “A ordem nova – A – O anjo exterminador” escreveu ele:
 
“Esse beco sem saída iria durar de ano a ano?
 
Em Luanda, o Chefe do Estado-Maior, o coronel Genipro da Cunha de Eça da Costa Freitas e Almeida, que comandara em 1914 no Congo, acabou por descobrir o oficial que iria dar solução ao problema.
 
Evitaremos dizer que foi a solução final dos Dembos, mas gostaríamos de conhecer melhor a personalidade do capitão Eugénio Ribeiro de Almeida, que ia encarregar-se dessa tarefa.
 
Vimo-lo participar na campanha do Congo em 1914.
 
Vê-lo-emos no sul de Angola em 1912.
 
Parece ter sido um oficial de um tipo raro em Angola: nem homem das grandes colunas, nem administrador-cobrador, era um lutador isolado, um liquidatário de submissões.
 
Com ele, não havia pieguices.
 
Fazia a guerra com Africanos contra Africanos.
 
Seria ele o grande coveiro dos Dembos, como já o fora do Congo e a alcunha que lhe puseram, Kingandu, ou seja, jacaré, entrou no folclore dos Dembos”.
 
Em rodapé René Oélisier lembrou o “Boletim Militar das Colónias nº 7, de 10 de Junho de 1921”:
 
O sanguinário capitão Eugénio Ribeiro de Almeida “foi recompensado com a Torre e Espada em Junho de 1921 e a sua folha de serviços mostra-no-lo combatente no Evale (1912), no Congo (1913-1916), no Golungo Alto e no Ambaca (1917), no Libolo (1917-1918) e, finalmente, vencedor de pelo menos nove Dembos em 1918-1919”…
 
2 – Recordo a “pacificação dos Dembos” à maneira dum exterminador, para lembrar a época em que nasceu António Agostinho Neto, de quanto as resistências dos povos autóctones, seguindo uma trilha étnica, foram infrutíferas perante o crescente poderio colonial tirando sempre partido das divisões entre os africanos, de quanto sangue houve para que se criassem as condições para o início das plantações de café que caracterizaram em Angola a geo estratégia fascista e colonial da burguesia rural portuguesa que se identificaria com António de Oliveira Salazar…
 
Até um dos mais retrógrados regimes europeus, um regime à margem da Revolução Industrial, conseguiu força para, fazendo proliferar divisões étnicas, tribalismo, fraquezas e vulnerabilidades de toda a ordem nas culturas africanas, assumir o mando por via das armas e da mais “liquidatária” opressão.
 
3 – Foi nesse ambiente que nasceu António Agostinho Neto que, ao longo de toda a sua vida entendeu as razões causais dessas fraquezas e vulnerabilidades africanas e aprendeu como poucos, a partir da experiência sangrenta de milhões dos “condenados da Terra”, parafraseando Franz Fanon, o que se havia de fazer e como se devia fazer para se vencer a opressão e resgatar um povo que desde a época da escravatura foi oprimido dentro das fronteiras que foram determinadas pelo colonialismo e pelos impérios europeus de então.
 
Com outros oprimidos e revolucionários, de outras partes do mundo e noutras partes do mundo, na América, em África e em Angola, António Agostinho Neto, o médico, o poeta, o homem e o líder, foi-se assumindo na epopeia dos resgates que chegam à história contemporânea desde a trilha da escravatura, desde a rota dos escravos, que está na origem das nações africanas e americanas, uma epopeia que, à medida dos êxitos, revertia também com pleno vigor em prol da construção da identidade e da soberania nacional!
 
António Agostinho Neto e seus seguidores mais tarde do movimento de libertação, do MPLA, só podiam ter um objectivo único: das próprias fraquezas e vulnerabilidades resgatar todo o povo angolano e os povos de África da opressão secular que se distendia desde a escravatura.
 
Essa é uma história épica que se agarrou com inquebrantável energia ao sentido da vida, desde logo por que era também uma luta pela sobrevivência e, identificando-se com o povo angolano, os povos oprimidos de todo o mundo, começou por se empenhar com dignidade, perseverança e intrepidez consciente, nos resgates que constituem um projecto de libertação que não está terminado e urge continuar.
 
O carácter firme de António Agostinho Neto e a sua capacidade visionária, são fruto da própria luta e a identidade nacional é um projecto intrínseco ao moderno movimento de libertação em Angola, ao MPLA e o MPLA tem a obrigação histórica, ética e moral de lhe dar continuidade em benefício de todo o povo angolano, incluindo fazendo com que outras sensibilidades sejam tocadas e se unam, tendo em conta a multiplicidade de tarefas que isso implica!
 
O MPLA assumiu-se assim, passo a passo, como um factor aglutinador, de unidade, de socialismo, um movimento moderno que anunciava claramente que para se vencer colonialismo, “apartheid”, as suas respectivas sequelas e o subdesenvolvimento crónico a que os africanos estavam (e estão ainda) sujeitos, avaliava e dava luta também ao tribalismo, ao regionalismo, ao racismo, por vezes dentro das suas próprias fileiras, de forma a projectar-se uma identidade nacional plena de energia, coerente e digna!
 
Conforme António Agostinho Neto: “de Cabinda ao Cunene, do mar ao leste, um só povo, uma só nação”!
 
 
Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa
 
Os farrapos completam
a paisagem íntima
 
O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante
 
Depois as doze horas de trabalho escravo
 
Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra
 
A velhice vem cedo
 
Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.
 
Foto de Martinho Júnior: “MPLA 55 anos por Angola e pelos angolanos” – Iº Colóquio Internacional sobre a História do MPLA – intervenção de Joaquim Chissano – 6 de Dezembro de 2011.
 

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