segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Portugal: O PATRIARCA DO COME E CALA

 


Paulo Ferreira - Jornal de Notícias, publicado ontem, em opinião
 
O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e cardeal patriarca de Lisboa, José Policarpo, disse em Fátima que as manifestações e o povo a governar a partir da rua resultam na "corrosão da harmonia democrática" em Portugal.
 
Ora, ontem voltou a ser dia de protestos um pouco por todo o país: protestaram os artistas, protestou a CGTP contra o desemprego, protestaram os farmacêuticos, protestaram os Indignados. Protestaram todos contra a austeridade, porque não estão dispostos a comer, uma atrás da outra e todas em doses cavalares, medidas de austeridade e a simplesmente calar.
 
É um direito que assiste a quem trocou o remanso do lar por um dia de protesto. Não é que D. José Policarpo lhes negue esse direito, mas, do alto da sua autoridade, o presidente da CEP acha que é tudo uma perda de tempo.
 
"Até que ponto construímos saúde democrática com a rua a dizer como se deve governar?", questiona-se ele. "Não se resolve nada contestando, indo para grandes manifestações", julga ele. "Uma democracia, que se define constitucionalmente como democracia representativa, na qual as soluções alternativas têm um lugar próprio para serem apresentadas, neste momento, está na rua", sentencia ele.
 
Dá a impressão que o presidente da CEP acaba de chegar de Marte, não dá? Se bem entendo, D. José Policarpo prefere que as soluçõe sejam encontradas pelos eleitos. Eu também. Sucede que os eleitos para governar enganaram os eleitores. Sucede também que os mesmos eleitos para governar dão amiúde perturbadores sinais de desorientação. Seria um problema deles, não se dese o caso de os eleitores, sobretudo os mais desfavorecidos, sofrerem na pele as consequências da incompetência.
 
Se o objetivo da Igreja é, como reconhece o patriarca, ajudar os mais desfavorecidos, convém perguntar: quem é que D. José Policarpo acha que sai à rua em protesto? Os mais favorecidos? Aquelas que sobrevivem com mais facilidade ao rolo compressor das medidas de austeridade? Ou, ao invés, são os que veem a vida a esboroar-se, como areia que escapa por entre os dedos, que reclamam contra o que está?
 
Um cardeal que não percebe os motivos que trouxeram um milhão de pessoas para a rua no dia 15 de setembro, numa manifestação de cidadania que derrubou as famosas mudanças na taxa social única, é "um cardeal que manifestamente perdeu a capacidade de ler e entender os sinais enviados pelo povo. A Igreja, de resto, padece desse mal há muito tempo. A clivagem entre o que é e o que a Igreja acha que deveria ser é uma das explicações para o constante e crescente afastamento dos fiéis. Certamente sem o desejar, D. José Policarpo acaba de dar uma ajudinha para que esse fosso se alargue ainda mais.
 
Acordai, D. José. Acordai.
 
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