Paulo Gaião –
Expresso, opinião, em Blogues
A direcção da RTP
demitiu-se por causa da suspeita de cedência de imagens não emitidas (em bruto)
à PSP da manifestação de 14 de Novembro à frente da Assembleia da República (e
alegada falta de confiança da administração)
O pedido das
imagens terá sido feito pela PSP à televisão pública. Não se sabe ainda por
quem. Se foi da iniciativa do comando policial. Se partiu de um nível mais
alto. Se o ministro Miguel Macedo, que tutela a PSP, foi informado do pedido.
Se as imagens saíram da RTP. Ou se foram visionadas dentro da estação.
O Conselho da
Administração da RTP disse, entretanto, em comunicado que "responsáveis da
Direcção de Informação facultaram a elementos estranhos à empresa, nas
instalações da RTP, a visualização de imagens dos incidentes verificados após a
manifestação em frente à Assembleia da República, no dia da greve geral".
Presume-se que esteja a referir-se a elementos da polícia.
O objectivo seria,
ao que parece, a polícia poder identificar os manifestantes que atiraram pedras
às forças do Corpo de Intervenção que faziam cordão nas escadarias do
Parlamento. Quem permitiu na RTP o acesso às imagens é ainda uma incógnita.
Estamos talvez
perante um dos maiores escândalos da democracia portuguesa.
Da parte da PSP, o
alegado pedido à RTP mostra como a polícia (ou elementos seus) não olha a meios
para tentar obter os seus fins, mesmo que ponha em causa o Estado de direito
democrático, os direitos liberdades e garantias dos cidadãos e o princípio da
separação de poderes.
Como é possível a
PSP tentar obter meios de prova desta maneira? Até uma ordem judicial não
deixaria de causar polémica, quanto mais a intervenção policial directa numa
estação de televisão.
Quarta-feira, 14 de
Novembro, dia da greve geral da CGTP, foi um dia estranho em Portugal. Manifestantes
atiraram pedras à polícia durante hora e meia. Esta reagiu com uma carga à
bastonada, perseguiu pessoas centenas de metros (muitas delas inocentes)
agrediu-as pelas costas e deteve-as.
Os advogados dos
detidos queixam-se que a polícia lhes vedou ilegalmente o acesso aos seus
clientes, que o prazo de detenção destes ultrapassou o máximo permitido por
lei, que alguns detidos terão sido agredidos no interior das esquadras por
polícias encapuzados (como relatou o advogado de um dos detidos, Vasco Marques
Correia, também presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos
Advogados).
Também foi um dia
estranho porque houve um estranho unanimismo sobre a acção policial. Não se
reflectiu de imediato sobre a proporcionalidade da reacção policial. Até o PCP,
a CGTP, o Bloco de Esquerda não tiveram capacidade para o fazer.
Hoje, através do
ocorrido na RTP, percebe-se melhor como é afinal perigoso elogiar uma polícia
que não sabe cumprir a legalidade na detenção dos manifestantes e é capaz de
corroer o Estado de Direito democrático com o pedido que terá feito à RTP para
ter acesso às imagens dos manifestantes.
Foi este clima de
unanimismo e palmadinhas nas costas à PSP e à sua intervenção no Parlamento que
depois motivou alguém na RTP à conduta inacreditável de abrir as portas da
televisão à polícia para esta colher meios de prova contra os manifestantes que
atiraram pedras no Parlamento. Como se a estação fosse o departamento de
recolha de imagens da PSP.
É provavelmente o
maior escândalo de sempre na RTP. É incompreensível que o pedido da PSP tenha
sido satisfeito. Quem o autorizou? Como é que os polícias entraram na estação?
Quem eram? Foram ter com quem? O que visionaram? Que cópias levaram?
Temos história para
os próximos meses. Venha a Comissão Parlamentar de Inquérito.
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