Rui Peralta, Luanda
I - A intervenção
francesa no Mali é reveladora da forma como o neocolonialismo considera os
assuntos internos do continente africano. Para os franceses, África é o zoo
afro-francófono, para os ingleses os anexos da Rainha e para os portugueses são área mitomaníacas do V Império Para o resto da Europa, África é sempre uma
coisa (para os reis de Espanha serve para caçar e para outros europeus serve
para mostrar as sua boas intenções solidárias e caridosas, a sua formação
ecológica como amigos dos animais selvagens e para outros, ainda, é a terra dos
pretos).
África está para a
Europa, assim como o Sul do Continente americano está para os USA: o quintal a
sul das fronteiras. É nesse sentido que os franceses estabelecem a sua força de
intervenção no Mali (curioso como os socialistas franceses sempre foram
simpatizantes do general De Gaulle no que respeita a África), bombardeiam,
tomam partido, ordenam á CEDAO o que fazer e mandam calar os que na União Africana (organismo virtual e casa de chá das elites africanas) esboçam algumas
palavras murmuradas de um protesto sussurrado.
II - Os tuaregues
vêm o seu projecto de independência de Azawad ser fatalmente esmagado pelo
terrorismo e pelos acordos coloniais. E assistem, estupefactos, ao papel da
Argélia, que habilmente manipulou os seus inimigos internos (os terroristas
islâmicos), facilitando a intervenção francesa. Serão eles os tuaregues, os
perdedores e não o braço da Al-Qaeda na região, que já cumpriu o seu papel de sempre:
agentes irrequietos dos interesses ocidentais.
Mas não só o
projecto tuaregue que é aniquilado. São as populações tuaregues, árabes e
berberes que veem-se ameaçadas de extermínio, perante o desejo de vingança dos
sipaios ao serviço dos franceses (o exercito maliano), que procedem de forma
sanguinária a execuções sumárias nos territórios reconquistados pela França.
Basta atentar aos exemplos de Tombuctu e de Gao.
O tácito acordo
argelino-francês, com o objectivo de preservar a unidade maliana, fundamental
para o prosseguimento dos acordos energéticos comuns, ao ser consumado, revela
a realidade de um genocídio.
III - A forma como
este conflito foi vendido através das notícias das agências, criou a errónea
ideia de uma conflito entre o Estado do Mali e os terroristas islâmicos.
Azawad, na boca dos órgãos informativos, não era mais do que um antro de
terroristas da Al-Qaeda. Ignorados ficaram factos como o caráter colonial do
Estado Maliano, a luta dos tuaregues, árabes e beduínos da região, contra o colonialismo
francês e a luta interna contra o fascismo islâmico da Al-Qaeda. A intervenção
militar francesa não é mais do que um reajustamento de conjuntura de uma
intervenção ininterrupta, que marcou a História do Mali desde a sua
independência, contaminando, inclusive, o seu nascimento como Estado
independente. Desde 1963 que numerosas revoltas revelam um elemento
fracturante, geocultural, de um país saído das máquinas de costura do
colonialismo. As recentes armas líbias e o golpe de estado em Bamaco, apenas serviram
para radicalizar esse longo processo de libertação. Os interesses neocoloniais
(Ocidente / agentes internos / Estados da região) e o fascismo islâmico fizeram
o trabalho de reconstrução da elaborada obra de alfaiate, que é o Mali, única
forma de impossibilitar os objectivos do longo processo de libertação tuaregue.
Mas näo é apenas a
questão tuaregue que está em jogo. Ao atribuir toda a instabilidade da região,
aos actos do braço local da Al-Qaeda, ou á queda de Kadhafi, conforme pretendem
os fazedores de opinião (sentados á direita, no primeiro caso e á esquerda, no
segundo) que inundam os meios de comunicação, escamoteiam a realidade, uma
realidade que näo pode ser interpretada por parâmetros pré-concebidos, ou pelas
dicotomias politicas e ideológicas do Ocidente.
IV - A permanente
pobreza, marginalização social e económica, o fascismo islâmico, o crime
organizado, são consequências directas do colonialismo e do neocolonialismo.
Mas também do FMI, do Banco Mundial, do neoliberalismo sob a capa do afro
capitalismo imposto aos países da região através dos mecanismos da Conferencia
de Washington e assinados de cruz em Lomé, acrescentando os acordos bilaterais
com o papá francês. E é bom não esquecer os investimentos realizados nos
últimos dez anos por Kadhafi, que permitiram às corruptas elites malianas pagar
os salários da enorme máquina administrativa central e local maliana, ou que
alimentaram projectos megalómanos como a compra dos cem mil hectares de terras
junto ao Níger, para construção de uma enorme zona franca, a remodelação em
moldes faraónicos de Bamaco, a construção de hotéis de luxo às dezenas, num
período em que os baixos números de turistas baixaram ainda mais, deixando os
hotéis completamente às moscas, da construção das grandes mesquitas, e dos
elevadíssimos salários dos quinhentos professores das escolas corânicas (um
projecto “único” do ministério da educação maliano), mas que em nada
beneficiaram as populações malianas.
Os níveis de
pobreza no Norte do país atingiram dimensões dignas de comparação às descrições
dantescas do inferno. A revolta tuaregue näo foi mais do que um momento nesta
tranquila instabilidade gerador de miséria, que reina no mosaico maliano. A
movimentação islâmica que a ela sucedeu, quase em simultâneo, é um acto revelador
dessa instabilidade induzida, espelhando a reacção das elites comerciais e dos
bandos depredadores que sempre estiveram estabelecidos na região e das quais as
burguesias neocoloniais (á imagem das coloniais, noutros tempos) se servem e
utilizam a seu belo prazer e em função do arco de interesses.
V - A única solução
para este mosaico é a continuação dos valores que estiveram na base do
anticolonialismo: A reapropriação da soberania popular sobre os recursos, a
apropriação da produção, a democratização da distribuição e o reconhecimento
dos sujeitos individuais e colectivos como fonte primordial da política.
Tudo o que estiver
fora deste âmbito é obra da costureira que com agulha e dedal costurou tal
manta de retalhos…
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