segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

OPERAÇÃO SERVAL – I




UM AMBIENTE FAVORÁVEL AO SEU DESENCADEAR

Martinho Júnior, Luanda

1 – A evolução da situação em África não é um capítulo aparte do quadro de grandes batalhas que se travam no mundo desde a implosão da União Soviética e do colapso do socialismo real, batalhas que reflectem as disputas entre a hegemonia e os estados emergentes que assumem a perspectiva de multi-polarização, particularmente desde o início do século XXI.

Quer a hegemonia, quer os emergentes contam com uma difusa nebulosa de alianças entre os estados mais fracos, mas indubitavelmente que as disputas evoluem a várias mãos num complexo xadrez geo estratégico.

As riquezas da Terra, algumas delas tornadas rarefeitas ou cada vez mais escassas, são um dos “atractivos” que dão consistência sobretudo às políticas de capitalismo neo liberal e à panóplia de ingerências, manipulações e intervenções, intensificada pela “concorrência”…

África integra o tabuleiro geo estratégico cujas jogadas mais fortes, pelo menos sob o ponto de vista de conflitos entre serviços de inteligência e militares, ocorrem no continente Euro-asiático, com tónica principal, de há dois anos a esta parte, na Síria, após o “ensaio” que constituiu o assalto à Líbia e a neutralização do regime de Kadafi.

Apesar da sua situação ser análoga à da América Latina, África está contudo muito mais vulnerável às contingências geo estratégicas globais, em resultado do estado crónico de subdesenvolvimento a que historicamente tem sido votada.

2 – O “ensaio” da Líbia possibilitou à hegemonia, entre várias outras oportunidades, testar “reciclagens” de grupos radicais islâmicos conotados com a Al Qaeda, enquanto fortalecia os laços com as monarquias arábicas detentoras do grosso da produção do petróleo e do gás baratos, bem como de colossais reservas de petro dólares.

A “reciclagem” na Líbia do Grupo Combatente Islâmico da Líbia (“Libyan Islamic Fighting Group”), deu oportunidade à “reciclagem” na Síria dos extremistas takfiri, da frente Jabhat Al-Nusra e do Exército Sírio Livre, impulsionados por aliados como a Arábia Saudita, o Qatar e os Emiratos Árabes Unidos entre outros.

Tudo terá corrido relativamente de acordo com os “padrões ocidentais” até ao assassinato do Embaixador norte-americano na Líbia, Christopher Stevens, a 11 de Setembro de 2012.

Um caso “mal parado” de encaminhamento de armas líbias provenientes do despojo do regime de Kadafi, terá estado na origem do assassinato: as armas terão ido parar às mãos de grupos de “inimigos úteis”, ao invés de ir parar às mãos de “amigos úteis”, algo que na Líbia terá também acontecido em relação a agrupamentos como o Al Qaeda do Magreb Islâmico (AQMI), o Ansar Dine e o Mujao (que operam pelo menos no Mali) que tiraram partido da “Irmandade Muçulmana” e ainda do Grupo Combatente Islâmico da Líbia……

Esse acontecimento indicia ter começado a causar problemas aos parâmetros da aliança instável entre os “ocidentais” e as monarquias arábicas, aliança que é tutelada pela hegemonia, que estará a resultar num relativo “desencanto” entre os interesses das monarquias arábicas e países como a França, até por que já não é Nicolas Sarkozy que está no poder!...

3 – A deriva da situação em África (no Norte de África, Sahel e África do Oeste), em função do desmantelar do regime de Kadafi na Líbia, proporcionou o potenciamento militar de grupos de “inimigos úteis”, que muito embora sejam “sem fronteiras”, transportaram principalmente para o Mali a sua expressão radical armada.

Em redundância do grupo tuaregue MNLA (Movimento Nacional de Libertação da Azawad), surgiram em solo maliano grupos como o Ansar Dine (Defensores do Islão), o AQMI e o MUJAO (Movimento para a unicidade e a jihad na África do Oeste).

Esses grupos tomaram ao longo de 2012 o território norte do Mali, o Azawad, tirando proveito da situação de vulnerabilidade e instabilidade sócio-política no Mali que teve expressão maior num golpe de estado e no abandono do norte por parte das Forças Armadas do Mali.

O AQMI havia manifestado a sua presença desde pelo menos 2007, com acções disseminadas por todo o Sahel: Mauritânia, Mali, Argélia, Níger e Tunísia e um dos seus alvos dilectos foram os interesses franceses.

Para o AQMI foi a oportunidade de atrair a atenção dos grupos radicais islâmicos, a fim de melhor conjugar esforços e realizar acções.

4 – O facto de François Hollande, mais aberta ou mais discretamente apoiado pelos Estados Unidos, pela Grã Bretanha, por outros aliados Europeus e parceiros africanos, se decidir à Operação Serval é um dos reflexos do “desencanto” entre “ocidentais” dum lado e do outro as monarquias arábicas e os regimes que resultaram da “Primavera Árabe” no Norte de África.

Foi mesmo assim preciso a prova do assassinato do Embaixador norte-americano, Christopher Stevens, na Líbia, para a França decidir-se ao desencadear da Operação Serval, apesar dos dados acumulados pelos seus serviços de inteligência!

A Rússia e a China, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU aperceberam-se disso e, dando prioridade à resolução do conflito na Síria onde os seus interesses geo estratégicos são mais evidentes, não vetaram a iniciativa francesa (tal como não haviam vetado a intervenção sobre a Líbia), pelo que a Rússia não colocou até obstáculos ao emprego de transportes como os Antonov AN-124 da Volga-Dnepr Airlines e da 224ª Brigada Volante, a fim de contribuir para a deslocação de tropas, equipamentos e demais logística francesa rapidamente para Bamako.

Os Antonov AN-124 serviram agora para o transporte de helicópteros de ataque Cougar…

Já em 1994 no quadro da Operação Turquoise (Ruanda-RDC), os russos tinham agido de forma análoga em relação à solicitação de apoio aéreo com grandes unidades de transporte de longo curso que a França não possui.

5 – A conjuntura e o ambiente geo político para a decisão da França no sentido de desencadear a Operação Serval, ficou confirmado a partir do 11 de Setembro de 2012…

Sob o resguardo dos Estados Unidos da América, que a partir dessa mesma data passaram a ter outro cuidado nos relacionamentos com os “inimigos úteis” com ligações a interesses da Arábia Saudita e do Qatar (é preciso lembrar que os Estados Unidos têm como precedente, por exemplo, o caso do Paquistão), a França teve a sua “luz verde” e sem obstáculos, com o aplauso dos seus “parceiros” africanos, sobretudo os do espaço CEDEAO, onde a “FrançAfrique” possui agentes ao mais elevado nível, como o “histórico” Presidente burkinabe Blaise Campaoré…

São precisamente esses agentes que a França do governo de François Hollande levam em conta, à maneira neo colonial do “pré carré” e com isso, arrastaram as frágeis “democracias representativas” africanas que evitam os riscos “no terreno” de ver seus territórios abrangidos pelas acções dos grupos radicais islâmicos que se vão expandindo por toda a África.

Avaliando isso, quer o MNLA, quer o Ansar Dine recorreram a Blaise Campaoré para a tentativa prévia de negociações com a França, antes do 11 de Setembro de 2012 e do desencadear da Operação Serval… escusado será dizer que essa iniciativa estava votada a um completo fracasso, mas haverão muros entre uns e outros, ou não haverá a “inteligência” que resolve “behind the scenes”?!

Alguns dos dirigentes principais do MNLA e dirigentes do Ansar Dine fixaram-se mesmo em Ouagadougou, a capital burkinabe…

Mapa: Evolução da Operação Serval a 5 de Fevereiro de 2013, três semanas após o “desembarque” Francês, de acordo com Wikipedia – http://fr.wikipedia.org/wiki/Op%C3%A9ration_Serval

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