Liliana Valente –
Jornal i
Em mais de 40
cidades hoje é dia de sair à rua contra a política de austeridade da troika e
do governo. Os organizadores esperam uma “gigante” mobilização, o governo
compara com as anteriores e a polícia garante um dispositivo “necessário e
adequado”. Mas poderá esta manifestação ser diferentes das anteriores? Desta
vez o apoio implícito do PS, com alguns deputados a participarem, mostra que
aruptura ultrapassou a fronteira da esquerdae está a chegar ao bloco central
Sob o lema “Que se
lixe a troika, o povo é quem mais ordena”, milhares de portugueses vão sair
hoje à rua em protesto contra as medidas de austeridade. A manifestação que
começa ao início da tarde promete uma jornada de “gritos” e de “indignação”,
duas palavras que o primeiro-ministro acredita não resolverem a crise. Mas é
delas que estes portugueses vão munidos. No governo o clima é de aparente
tranquilidade e da polícia chega a certeza de que o dispositivo está preparado
e será o “necessário e adequado”.
Certo é que
independentemente da dimensão da manifestação ela não vai fazer cair o governo,
nem fazer com que se altere a política, pelo menos significativamente. O
protesto de hoje, porém, chega num momento especial: a troika está em Portugal
a avaliar o cumprimento do Memorando de entendimento pela sétima vez e ainda
não testemunhou ao vivo e a cores o descontentamento dos portugueses. E para
evitar cenários mais pessimistas, hoje os técnicos da troika não trabalham.
“Esperamos uma
grande manifestação, combativa. Mesmo que sejam só mil, que seja combativa e
que se consiga pelo menos o objectivo de derrubar o governo”, diz ao i Tiago
Mota Saraiva, do movimento Que Se Lixe a Troika. Para os organizadores, desde
as anteriores iniciativas tem havido um “aprofundamento da mensagem política”
que é agora mais “clara e objectiva”. Estão em causa dois propósitos: “Fazer
frente à troika” e “fazer cair este governo, que é uma correia de transmissão
da troika”, explica. Desta vez os organizadores acreditam que a mobilização vai
ser ainda maior porque já chega a todos os quadrantes políticos, mesmo ao do
actual governo: “Neste momento, o próprio governo não consegue controlar os
seus militantes, vamos ter pessoas de várias correntes políticas, é
transversal. O que prova que é a democracia que vai estar nas ruas.”
O momento político
é delicado e os nervos estão sensíveis. É que os protestos dirigidos aos
diferentes membros do governo de cada vez que saem à rua criaram uma presença
quase diária de contestação nos meios de comunicação e na cabeça dos
governantes que não desvalorizam a iniciativa. Antes pelo contrário: a
manifestação de hoje é encarada com preocupação, apesar de nada transparecer
nos discursos oficiais. Ontem o ministro da Administração Interna, Miguel
Macedo, apelou à calma: “Tenho a certeza que as manifestações que amanhã vão
ocorrer não vão fugir àquilo que tem sido regra em Portugal. São manifestações
de gente responsável, ordeira, que expressa de uma forma elevada as suas
opiniões.”
No meio da multidão
vão estar hoje alguns deputados socialistas. Os mais jovens, e alguns
ex-líderes da JS, como Pedro Delgado Alves, Duarte Cordeiro mas, além destes, o
deputado João Galamba, a deputada Isabel Moreira e a líder das mulheres
socialistas, Catarina Marcelino, também dizem que vão marcar presença. Este
apoio de alguns socialistas, além da frase de António José Seguro, que disse
esta semana “os portugueses têm todo o direito de se manifestarem e até o dever
de o fazerem porque a situação económica e social do país é de pré-ruptura
iminente”, deixaram o executivo mais alerta.
A inquietude
notou-se ontem no debate de urgência na Assembleia da República, em que os dois
ministros de Estado, Vítor Gaspar e Paulo Portas, referiram várias vezes a
necessidade de “acordo social”. Portas, aliás, vincou várias vezes a
necessidade de se preservar a “confiança interna”: “É essencial cuidar do
consenso político”.
As palavras do
líder do CDS-PP não foram proferidas por acaso na véspera da manifestação. É
que além de alguns socialistas, a CGTP enviou um comunicado a apoiar o
protesto, assim como o PCP e o BE. A ruptura total com o PS levaria mais
socialistas à rua e por isso ontem o discurso não foi de provocação - tratou o
PS com pinças.
Apesar de esta
manifestação estar a merecer uma atenção especial pelo momento em que se
realiza, o governo não quis nos últimos dias dar sinal de fraqueza e não
alterou a agenda, apesar de a segurança estar mais vigilante. E Passos Coelho,
que esteve três dias seguidos na rua, não se coibiu de falar indirectamente de
protestos. Primeiro lembrou que o debate deve ser aprofundado e não se ficar
“pela espuma dos dias”, para na quinta-feira defender que a “indignação por si
só” não resolve a crise.
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