terça-feira, 9 de abril de 2013

A REVITALIZAÇÃO DA “FRANÇAFRIQUE”!




Martinho Júnior, Luanda

1 – O capitalismo neo liberal e suas obrigatórias políticas de portas abertas em África está a assumir-se recorrendo às velhas potências coloniais, às multinacionais que lhes são decisivas e às suas esferas de influência, o que não é uma questão fortuita: de facto está em curso um regresso às origens sombrias dum passado de pouco mais de meio século, a ponto da arquitectura e engenharia do presente estar a constituir-se como um autêntico colonialismo do século XXI!

Em “A guerra do ocidente contra África”, Dan Gazebrook sintetiza:

“O que o ocidente obtém da África é obtido de várias, muitas maneiras. Dentre essas maneiras, os fluxos ilícitos de recursos; os lucros que, invariavelmente, acabam nos cofres dos bancos ocidentais pelas trilhas dos paraísos fiscais, como já está fartamente documentado no livro PoisonedWells [Poços envenenados], de Nicholas Shaxson. Ou pelo mecanismo de extorsão do sistema das dívidas nacionais, pelo qual bancos ocidentais emprestam dinheiro a governantes militares, quase sempre postos no poder com a ajuda de forças ocidentais, como Mobutu, ex-presidente do Congo; esses governantes apropriam-se do dinheiro emprestado, quase sempre em contas privadas no próprio banco que emprestou ao país, cabendo ao país a missão de pagar juros exorbitantes que crescem exponencialmente.

Pesquisa recente de Leonce Ndikumana e James K. Boyce descobriu que mais de 80 centavos de cada dólar emprestado deixaram o país devedor em voos do capital, no período de um ano, sem jamais terem sido investidos no país devedor; e que US$ 20 bilhões são drenados da África, por ano, como pagamento do serviço da dívida desses empréstimos essencialmente fraudulentos.

Outra via pela qual a África serve ao Ocidente, muito mais que o contrário, é o saque de minérios. Países como a República Democrática do Congo são saqueados por milícias armadas que roubam recursos naturais do país e os revendem a preços inferiores aos dos mercados a empresas ocidentais; muitas dessas milícias são controladas de países vizinhos, como Uganda, Ruanda e Burundi, os quais, por sua vez, são patrocinados pelo ocidente - como relatam rotineiramente os relatórios da ONU.

E há também a via, talvez a mais importante, pela qual a África serve ao Ocidente, muito mais que o contrário: os preços escandalosamente baixos pagos na compra de matérias primas da África e, sempre, da força de trabalho africana que minera minérios, cultiva o que seja cultivável ou colhe o que tenha de ser colhido. Assim acontece que a África, de fato, subsidia os altos padrões de vida no ocidente e as empresas e corporações ocidentais.

Esse é o papel atribuído à África pelos donos da economia capitalista ocidental: fornecedora de recursos e de mão de obra de baixo preço. Para que o trabalho e os recursos continuem baratos, exige-se, basicamente, que a África continue subdesenvolvida e pobre; se prosperar, os salários crescem; se se desenvolver em termos tecnológicos, os preços dos recursos se somarão ao valor agregado antes da exportação; e valor agregado tem de ser pago”…

2 – Outro analista de África, Carlos Lopes Pereira, sintetiza por seu turno em “O saque imperialista das riquezas de África”:

“O imperialismo planeia dominar os países do Norte de África e desestabilizara região e todo o continente de forma a perpetuar a pilhagem das riquezas africanas.

A agressão da NATO à Líbia (produtor de petróleo), a intervenção da França no Mali (ouro e urânio), a construção de uma base militar dos EUA no Níger (urânio) e o cerc» à Argélia (petróleo e gás) são peças dessa estratégia que visa, face à crise do capitalismo mundial, intensificar a exploração dos trabalhadores e o saque dos recursos naturais africanos”…
“Em 2008 surgiu o Africom, comando militar que o presidente G. W. Bush pretendia instalar em território africano. Mas a UA rejeitou a presença de tropas norte-americanas e o Africom teve de montar o quartel-general na Alemanha.

Maior humilhação para os EUA foi ver Khadafi eleito presidente da UA em 2009 e a Líbia tornar-se o principal suporte da organização pan-africana.

O Império não tolerou as propostas da UA no sentido de um processo de integração africana. Depois de justificar a agressão à Líbia com um pacote de mentiras ainda maior do que o que servira de pretexto para a invasão do Iraque – como escreve Glazebrook –, a NATO destruiu o país, reduziu-o à condição de mais um estado africano falhado e facilitou a tortura e o assassinato de Khadafi, assim se libertando de um seu opositor.

A guerra contra o coronel destruiu o seu regime e também a paz e a segurança no Norte de África.

O dirigente líbio tinha organizado desde 1998 a Comunidade de Estados Sahel-Saharianos, com o foco na segurança regional, travando a influência das milícias salafistas e apaziguando os líderes tribais tuaregues.

Com a queda de Khadafi, os radicais islâmicos da região obtiveram armas modernas – cortesia da NATO – e as fronteiras meridionais da Líbia entraram em colapso.

A primeira vítima dessa desestabilização regional foi o Mali. O avanço islamita, resultado da agressão à Líbia, foi pretexto para a intervenção militar da França”…

3 – A actual “narrativa” da França em África está intimamente associada à perspectiva da lógica capitalista neo liberal para o continente, às obrigatórias políticas de portas abertas a favor das multinacionais estratégicas que são o esqueleto do seu poder e domínio, ao “diktat” económico e financeiro que gere a enorme área do Franco CFA desvalorizado, aos Tratados Militares e de Segurança paridos do seu tradicional saque em relação aos países africanos redundantes do seu império colonial e aos fantoches que para serem trocados não precisam sequer das “democracias representativas”, basta a sucessão de rebeliões e golpes de estado, golpes de estado e rebeliões, sem fim à vista…

Nessa perspectiva os radicais islâmicos são os “amigos úteis” de serviço, como o foram no caso da manobra da Líbia, ou “inimigos úteis” de serviço, sem os quais impossível seria estabelecer sua geo estratégia e utilizar seu próprio poder militar, como o são nos casos do Mali, do Níger, do Tchade e da República Centro Africana, os países do Sahel que para a França constituem o verdadeiro “arco do urânio”, a actual “coroa de glória” da “FrançAfrique”!

…Foram-se os “terríveis” comunistas, chegaram os “terríveis” terroristas e, quando se acabar a actual saga, outros “terríveis” se seguirão, para que se perpetue o domínio…

A “FrançAfrique” enquanto Projecto (neo) colonial em pleno século XXI, inscreve-se assim com toda a permeabilidade e facilidade no processo da hegemonia anglo-saxónica, com todos os condimentos que ele possui, estabelecendo o contraponto do domínio com a África Austral liderada pela emergente África do Sul enquanto sucedâneo do poderoso esboço imperial de Cecil John Rhodes.

A competição parece clara: dum lado a “FrançAfrique” ciosa do “espaço natural” do império colonial francês em África que tem no CEDEAO sua engenharia dilecta mas que procura a todo o transe chegar-se cada vez mais a sul, do outro um ainda muito incipiente emergente, que confunde os BRICS em razão do histórico espectro anglo-saxónico de que de algum modo se nutre, um espectro que se inscreve na origem da União Sul Africana, mas também na ebulição do “apartheid” e se faz valer sobretudo na SADC, por via agora do módulo “correctivo” da “democracia representativa”…

4 – O poder da “FrançAfrique” com o actual enquadramento que lhe é conferida em função das linhas com que se define a hegemonia, chegou ao ponto de criar as condições para que, por exemplo, até o Tribunal Penal internacional emite cada vez mais decisões parciais e por conseguinte injustas.

Essa questão está a ser posta a nu pelo Human Rights Watch em relação ao facto de, no que diz respeito aos acontecimentos sangrentos na Costa do Marfim, só se sentar no banco dos réus Laurent Gbagbo, quando nele deveria estar também sentado Alassane Ouattara.

A razão de fundo é só uma: enquanto o que está sentado no banco dos réus não era simpático aos interesses e procedimentos do âmbito da “FrançAfrique”, o actual Presidente da Costa do Marfim é um dos seus promotores africanos, um “esclarecido” fantoche!

Mapa: A divisão de tarefas coloniais em África em pleno século XXI!

A consultar:
- A guerra do ocidente contra África – http://www.odiario.info/?p=2813
- O saque imperialista das riquezas de África – http://www.odiario.info/?p=2802
- Les vraies visages du terrorisme en Afrique – http://www.legrandsoir.info/les-vrais-visages-du-terrorisme-en-afrique.html
- Redesenho de África: os EUA apoiam a Al Qaeda no Mali. A França vem em socorro – http://www.mondialisation.ca/redessiner-lafrique-les-etats-unis-appuient-al-qaida-au-mali-la-france-vient-a-sa-rescousse/5319230
- Por que razão a Europa não deve perder a influência – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/02/ue-africa-por-que-razao-europa-nao-deve.html
- A invasão real da África não está nos noticiários – http://resistir.info/pilger/pilger_31jan13.html
- França neo colonial – http://www.odiario.info/?p=2773
- AREVA – Wikipedia – http://fr.wikipedia.org/wiki/Areva
- L’Afrique enrichi le Groupe Bolloré: ou est la responsabilité social de l’entreprise? – http://www.africamaat.com/L-Afrique-enrichit-le-Groupe
- Business profits souterrains et stratégie de la terreur. La recolonisation du Sahara – http://www.legrandsoir.info/business-profits-souterrains-et-strategie-de-la-terreur-la-recolonisation-du-sahara.html
- FrançAfrique – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7afrique
- La CPI a légitimé une justice dês vainqueurs – http://www.slateafrique.com/141973/justice-internationale-partiale-cote-divoire-cpi

1 comentário:

Anónimo disse...


CONSTATE-SE A IMENSA HIPOCRISIA, O IMENSO CINISMO DE SARKOZY, "PATRONO" DE HOLLANDE NO SAQUE:

Discurso de Dakar - O neocolonialismo, o paternalismo e o racismo explícitos de Sarkozy

http://matutacoes.org/2012/01/11/discurso-dakar-neocolonialismo-paternalismo-racismo-explicitos-sarkozy/

Mais lidas da semana