terça-feira, 18 de junho de 2013

Portugal: Observatório denuncia cortes na Saúde acima das exigências dos credores



Carlos Santos Neves - RTP

Retratar a “grave crise” é um objetivo assumido no Relatório de Primavera de 2013 que o Observatório Português dos Sistemas de Saúde apresenta esta terça-feira em Lisboa, um documento que questiona a política de “restrição” para o sector. Desde logo os 710 milhões de euros em cortes definidos no ano passado, montante “superior aos 550 milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika”. Ao mesmo tempo, é destacada a “preocupação” da tutela com a “sustentabilidade financeira do SNS”. Mas o país, concluem os relatores, contém “dois mundos”: o “oficial, dos poderes”, e o “da experiência real das pessoas”.

“Previa-se uma redução da despesa total em saúde de 710 milhões de euros, superior aos 550 milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika. Porquê e para quê?”, perguntam os autores do documento Duas faces da saúde, ao debruçarem-se sobre o Relatório do Orçamento do Estado para 2012.

Um ano depois da publicação de um polémico relatório intitulado Um país em sofrimento, então fortemente criticado pelo Ministério de Paulo Macedo, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) volta à carga com a denúncia de um país que vive duas realidades distintas. De um lado, estimam em 2013 os relatores, estão “os poderes”. Do outro está a “experiência real das pessoas”.

Enquanto a vertente “oficial” entende que “as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo, malgrado os cortes orçamentais superiores ao exigido pela troika e a ausência de estratégia de resposta às consequências da crise na saúde da população”, a “experiência real das pessoas” caracteriza-se por um quadro de “empobrecimento, desemprego crescente, diminuição dos fatores de coesão social e também uma considerável descrença em relação ao presente e também ao futuro com todas as consequências previsíveis sobre a saúde”.

“É altura destes dois mundos falarem um com o outro, aceitando a necessidade de reconhecer a realidade tal como ela é, para que todos possamos partilhar e colaborar numa resposta atempada e efetiva, que considere e atenue os efeitos da crise na saúde das pessoas e no sistema de saúde”, defende o Relatório de Primavera do OPSS.

“Constrangimento”

Uma das sugestões dos relatores do Observatório é a de que os responsáveis pelo sector da Saúde passem a responder “prospetivamente”, o que passa por avaliar “previamente o impacte das diversas medidas na saúde dos cidadãos, preservando o sistema de saúde enquanto estabilizador automático social, monitorizando sistematicamente o impacte das diversas medidas adotadas e criando estruturas de resposta rápida, principalmente com base em estratégias de saúde”.

Nota negativa também para as políticas de cuidados de saúde primários (CSP), de cuidados paliativos e do Plano Nacional de Saúde.

Quanto aos cuidados primários, o Observatório conclui que “não parece ter sido cumprida” a meta de uma melhoria da rede. Mesmo tendo em conta que haveria espaço no Orçamento do Estado de 2012 para incrementar as unidades de Saúde Familiar.

Outra das críticas incide sobre a persistência de disparidades no acesso a serviços de saúde. Neste capítulo, o OPSS aponta para um “constrangimento” à descentralização administrativa para os Agrupamentos dos Centros de Saúde, “parecendo a autonomia de gestão ser um aspeto desvalorizado pela administração”. Tal “constrangimento”, prossegue o relatório, “assume particular importância”. Isto porque o próprio Orçamento para 2012 previa que “o desenvolvimento dos CSP seguiria uma visão primordialmente local e adaptada às situações próprias e necessidades de cada região, o que de facto não se está a verificar”.

Em matéria de cuidados paliativos domiciliários, o Observatório Português dos Sistema de Saúde assinala também a diferença entre as recomendações europeias e a realidade portuguesa – o país dispõe de uma equipa para 750 mil a 1,17 milhões de cidadãos, ao passo que os números recomendados são de uma equipa por 100 mil pessoas.

No relatório, o OPSS denuncia o abandono do Plano Nacional de Saúde no discurso político: “Por outro lado, tem sido desenvolvido de forma fragmentada e descontínua, não se reconhecendo, nas opções políticas, um compromisso explícito para a concretização dos seus objetivos”.

Sustentabilidade

Mas há também pontos positivos no documento agora divulgado. Entre os quais a extensão dos programas de doenças crónicas, a melhoria nos cuidados domiciliários e os rastreios de oncologia. Assim como a produção de normas de orientação clínica por parte da Direção-Geral da Saúde.

É igualmente salientada “a efetiva baixa de preços que se tem observado” no domínio da política do medicamento, que “contribuiu para uma ligeira diminuição dos encargos dos utentes”.

“Mesmo antes da intervenção externa, foram tomadas diversas medidas ao nível do sistema de preços e comparticipações que reduziram acentuadamente o valor do mercado de medicamentos em ambulatório, em 9,1 por cento em valor e em 19,2 por cento nos encargos do SNS em 2011”, refere o relatório, para enfatizar que, decorrido um ano, “continua a assistir-se à degradação do valor de mercado ambulatório, com nova redução de 11,7 por cento em valor e diminuição de 11,4 por cento dos encargos do SNS”.

“O mercado hospitalar continua com o mesmo nível de despesa pública observado em 2010, com um aumento nos encargos do SNS de 1,2 por cento em 2011 e redução de 1,1 por cento em 2012”, acrescentam os relatores.

Uma “característica fundamental” do atual Governo isolada pelo Observatório é a “preocupação pela garantia de sustentabilidade financeira do SNS. Sublinha ainda o OPSS que, “apesar da conjuntura económico-financeira profundamente marcada pela restrição e contenção orçamental, o Ministério da Saúde foi capaz de gerir os recursos disponíveis de forma a pagar parte da dívida do Serviço Nacional de Saúde e com isso atenuar as limitações que daí advinham”.

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