segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O PORTA-AVIÕES (I)

 

Rui Peralta, Luanda
 
I - Após as acções de protesto (que prolongaram-se por cerca de 40 dias) dos camponeses do Catatumbo, a Colômbia vê agora milhares de pequenos proprietários mineiros a protestarem contra as multinacionais e contra as perseguições a que se encontram sujeitos, por o governo colombiano os considerar ilegais. Entra as diversas acções de protesto levadas a cabo pelos mineiros, destacam-se a ocupação do aeroporto do Quibdó e os diversos bloqueios que impediram a circulação em importantes estradas, por todo o país. O porto de Buenaventura, o mais movimentado porto colombiano do Pacifico, foi afectado com o bloqueio às estradas
 
A Constituinte Mineira pela Defesa do Território e dos Recursos Naturais, realizada no departamento do Chocó, efectuou no dia 17 de Julho de 2013, o seguinte pronunciamento publico:
 
“Las organizaciones étnicas territoriales de comunidades Negras, Indígenas y mestizas y las organizaciones mineras que hacen parte de la Mesa Minera Permanente del Chocó manifestamos ante la opinión pública nacional e internacional:
 
22000 chocoanos afros, Indígenas, mestizos y mineros hemos acordado declararnos en Paro Minero Indefinido. Las concentraciones el día de hoy que han estado en Quibdó, Istmina, Tadó (Quibdó - Pereira) y Buenaventura (Valle del Cauca) lo evidencian y confirman.
 
Las organizaciones étnicas territoriales de comunidades negras, indígenas y mestizas y las organizaciones mineras del Chocó respaldan el pliego de peticiones nacional que convoca al Paro Nacional Minero por la Confederación de Mineros de Colombia. Por las propias particularidades que vivimos los chocoanos, hemos presentado un pliego de peticiones departamental. Insistimos que sólo mediante el diálogo transparente y el cumplimiento cabal entre el gobierno nacional y sus delegados y las comunidades y organizaciones movilizadas podremos llegar a acuerdos que beneficien a todo el pueblo chocoano, siempre en el marco de la Mesa Minera Permanente del Chocó.
 
Instamos al gobierno nacional a que se haga presente en Quibdó delegando a los ministros de las carteras del Interior, Minas y Energía, Ambiente y Desarrollo Sostenible, Trabajo y Defensa a que instalemos la mesa de diálogo y negociación para acordar la metodología y se aborde el pliego de peticiones.
 
Agradecemos públicamente el respaldo de la defensora de derechos humanos Piedad Córdoba y proponemos para que cumpla el papel de mediación y verificación de estos diálogos al señor Obispo de Quibdó Juan Carlos Barreto Barreto, al representante a la Cámara Indígena Hernando Hernández Tapasco, a la Representante a la Cámara del Partido Verde Ángela María Robledo y la Senadora Astrid Sanchez.
 
Llamamos a los organismos de control, de protección de derechos humanos a servir de garantes frente a las violaciones de nuestros derechos que ya se vienen presentando y denunciamos al gobierno de Juan Manuel Santos como responsable del uso excesivo de la fuerza contra los manifestantes en Córdoba, punto de la vía Buenaventura-Cali.
 
En apoyo al presente PRONUNICIAMIENTO PÚBLICO DEL PARO MINERO QUE INICIÓ HOY 17 DE JULIO firmamos:
 
Delegados de Comunidades Negras en la Mesa Minera Permanente del Chocó.
Federación de Mineros del Chocó, FEDEMICHOCÓ.
WONDEKO
Consejo Regional Indígena del Chocó, CRICH.
Consejos Comunitarios Mayor Integral del Atrato. COCOMACIA
Asociación de Gremios Mineros del San Juan, ASOGREMIS.
Cooperativa de Mineros del San Juan, COOMISANJUAN.
Asociación de Dragueros del Chocó, ASODRACHO.
Asociación de Mineros de Nóvita, ASOMINÓVITA.
Asociación de Mineros de Tadó, ASOMITADÓ.
Cooperativa agroindustrial del Chocó, COAINCH.
Fedeorewa.
Consejo Comunitario de Tado ASOCASAN.
Consejo Comunitario de Riosucio.”
 
II - A Colômbia vive uma das conjunturas mais complexas da sua História. As negociações entre o governo e as FARC-EP cruzaram-se com a mobilização social de amplas camadas da população, expressada nas múltiplas paralisações de trabalho, greves, bloqueios e manifestações. Desde os camponeses do Catatumbo, aos mineiros artesanais, passando pelos pequenos produtores de café e pelas grandes movimentações no sector da saúde e pela greve dos operários da Drummond, exploradora de carvão, o país entrou num período de grande agitação social e politica.
 
Por outro lado alguns elementos do regime mostram-se recalcitrantes em relação às negociações com a guerrilha e pouco dispostos a aceitar reformas, mesmo que tímidas. Entre eles encontra-se o Procurador Alejandro Ordoñez, que bloqueou a nova legislação que reconhece as uniões homossexuais e a lei do aborto. A extrema-direita e as associações mafiosas de Bogotá bloqueiam um programa de melhoramento da cidade, lançado pelo governo de Bogotá, o que originou um movimento em apoio ao programa, em toda a cidade.
 
Os habituais escândalos de corrupção nas altas esferas governamentais prosseguem, em ritmo acelerado, envolvendo agora, para lá das habituais figuras da oligarquia colombiana, o embaixador em Washington, que surge mergulhado em estranhas manobras com as multinacionais do sector alimentar e que rola em torno da posse ilegal de terras. No meio de tudo isto, o presidente Santos e o seu governo vivem num estado de perplexidade e de angústia existencial, questionando-se sobre o processo de Havana, a reeleição, a debilitada coligação governamental, se surgirão outros candidatos no campo da coligação e se o espaço político á sua direita, a extrema-direita e a facção do ex-presidente Uribe, recuperarão nas urnas, inviabilizando o programa actual.
 
O governo colombiano demonstrou uma descomunal incompetência e inabilidade no atendimento às reivindicações populares e revelou-se um desastre nas negociações com os líderes das greves e dos protestos. A única resposta que o angustiado e perplexo governo de Santos soube dar de forma decisiva foi o Esquadrão Móvel Anti-Distúrbios, o ESMAD.
 
Veio em socorro do governo de Santos a industria mediática, funcionando o bastão e a propaganda como os únicos remédios da oligarquia. O que deixou uma terrível sensação de vazio de poder. A sociedade colombiana sente que as instituições governamentais atingiram um ponto de ruptura e que aos poucos deixam de funcionar, transformando-se em meros instrumentos das diversas facções da oligarquia colombiana. A paralisia tomou conta das instituições e o autismo dos ministros de Santos (parecendo estar a viver numa outra realidade que não a colombiana) recheado de uma fantasiosa surrealidade, é criador de uma faceta esquizofrénica que aos poucos afecta toda a oligarquia e transborda para o mercado e para os “empreendedores” parasitas que vivem das negociatas com os ministros e com os militares.  
 
Por esta razão o cepticismo de largos sectores da sociedade colombiana em relação às conversações de paz enraíza-se cada vez mais. Apesar dos avanços realizados nas conversações, a guerra mantem-se e o campo de batalha faz soar todos os dias os sinos anunciadores da morte. O presidentes Santos assemelha-se a um cadáver politico, com enterro anunciado e deixou de ser parte da solução para passar a constituir mais um factor do problema, o que leva os norte-americanos a preparar uma nova fórmula que permita á oligarquia transferir os seus capitais e renovar-se, sendo o novo sangue provindo dos “empresários de sucesso” que a propaganda cria semanalmente. A coligação governamental é uma marca desgastada e um logotipo ferrugento. As movimentações que se fazem sentir no seu seio, são o típico movimento dos ratos que abandonam o porão do navio a naufragar. Vargas Lleras, um dos principais “coligados” já se pôs a monte, aguardando-se a formalização da sua candidatura às presidenciais, esquecendo-se que a sua última campanha eleitoral não foi além dos 150 mil votos, apesar dos financiamentos das imobiliárias.
 
A oligarquia está confusa e sente aproximar-se o fim do seu domínio sobre o aparelho de Estado. A facção menos conformada com o actual processo de decomposição é a extrema-direita, reunida em torno do fascistoide Uribe Velez, o ex-presidente de triste memória, que aposta na ofensiva politica, para ver se consegue livrar-se dos inúmeros processos que decorrem nos tribunais (na Colômbia e no estrangeiro), devido às suas ligações com os grupos paramilitares e com os gangues do narcotráfico (financiadores da sua campanha).
 
Á esquerda do panorama politico, as alternativas politicas ainda não se encontram configuradas, permanecendo em estado latente as suas enormes potencialidades (será que por aqui, pela esquerda, vai sair a renovação da oligarquia? É uma possibilidade que ronda na cabeça de alguns estrategas norte-americanos, mais próximos a Obama. Uma aposta na dócil “esquerda moderna”, é sedutora para alguns sectores da oligarquia e tentadora para “os empreendedores” que assim poderão manter um baixo custo de mão-obra, ao mesmo tempo que permitirá a Washington seguir online e em tempo real a s eventuais reformas necessárias para a renovação do tecido oligárquico).
 
Quanto às reformas necessárias, a sociedade colombiana continua a pressenti-las como uma miragem. Ou seja, são uma questão de lucidez e esta apenas reside na cabeça dos pobres. Os outros mergulharam na alucinação…                    
 
III - As alucinações de Santos vão ao ponto de anunciar que o seu governo solicitará o ingresso na NATO, conforme o presidente colombiano afirmou num acto comemorativo da Marinha. Para o presidente Santos: “Colombia tiene derecho a pensar en grande, ya no a nivel regional, sino a nivel mundial". A esta afirmação junta-se a recepção a Henrique Capriles, um acto de completo delírio, sendo o derrotado candidato venezuelano recebido como se fosse presidente do país vizinho. Mas os delírios vão ainda mais longe e Santos assina o Tratado da Aliança do Pacifico, num acto de desprezo em relação á UNASUR.
 
A esquizofrenia da oligarquia colombiana, da facção Santos, poderá ser caracterizada numa frase retirada do léxico maoista: “Pacificar a frente interna para golpear os inimigos ideológicos, na frente externa”. A NATO, claro, fez lembrar ao alucinado presidente colombiano, que a Colômbia não cumpre os requisitos necessários obrigatórios, em termos geográficos, para ingressar. No entanto deixaram a porta aberta para que a Colômbia seja “aliada da Aliança” fornecendo carne para canhão para os conflitos em que a NATO mergulha o mundo, com o objectivo de controlar as matérias-primas.
 
Um sonho acumulado pela oligarquia, desde o tempo de Uribe na presidência, é o de tornar a Colômbia num Israel latino-americano, ou seja, num polícia especial de intervenção. Daí que o delírio sobre a NATO não tenha sido mais do que um factor mitológico dos tenebrosos etnemas da oligarquia. Mesmo a recusa dos amos em aceitar estes fiéis e leais “indígenas” colocando-os no seu lugar através da “fatalidade geográfica” não os desanimou e tornou-os ainda mais frenéticos na busca de um caminho para nova Israel Latino-Americana. “Se a única forma de estarmos ao lado do amo é sermos carne para canhão, pois carne para canhão sejamos”, eis o actual estado de “delirium tremens” da oligarquia.    
 
Logo após a chamada de atenção da NATO, a colocar os cipaios no sitio, o Ministro da Defesa Juan Carlos Pinzón afirmou: "Colombia no puede y no quiere ingresar a la OTAN (…) lo que Colombia sí quiere es recorrer el camino para ser un socio en la cooperación como lo son ahora Australia, Nueva Zelanda, Japón, entre otros países". É possível que os políticos da oligarquia (que devem muito pouco á inteligência e que podem ser caricaturados com um lápis na orelha ou a fazerem contas em papel de embrulho e que se babem a verem nos canais internacionais as imagens das operações da NATO) não consigam entender muito bem o significado da NATO e tenham sido levados pelo entusiasmo, mas com certeza que a visita de Joe Biden, o vice-presidente dos USA, ao país deve ter deixado Santos e o seu elenco governativo de tal forma extasiados que a diarreia foi inevitável.
 
Recapitulemos, de forma cronológica, o comportamento esquizofrénico de Santos, naquela semana fenética e electrizante do passado mês de Maio. A 23 de Maio, Santos foi o anfitrião, em Cali, de Ollanta Humala, Sebastian Piñera e Enrique Peña Nieto, que reuniram-se nesse dia para discutirem a Aliança do Pacifico. Quatro dias depois, a 27 de Maio, Joe Biden visitou Santos e este aproveitou para convidar os USA a incorporarem a Aliança do Pacifico. Entusiasmado, Santos deixou escapar aquela da NATO no dia seguinte, quando do encontro comemorativo com os oficiais da Marinha e no dia 29 de Maio, Santos recebe Capriles, o candidato venezuelano derrotado, que recusou-se a aceitar os resultados eleitorais e que foi responsável pela morte de 11 venezuelanos, caídos durante o conturbado processo pós-eleitoral, criado pelo comportamento irresponsável e antidemocrático de Capriles.
 
Mas o programa não terminou aqui. Depois de ter recebido todos estes ilustres visitantes, Santos, em estado de êxtase, viajou para Israel e entre 9 e 11 de Junho cumpriu um dos etnemas da oligarquia colombiana: a identificação com o sionismo. E assim demonstrou aos seus ídolos que tem prata e comprou drones, armamento, munições e equipamento israelitas. Estes, satisfeitos, tomaram conhecimento que o seu discípulo latino-americano orçamentou o seu Ministério da Defesa, em 2013, com uma verba de 14 mil e quinhentos milhões de USD. Nada melhor que um bom cartão de apresentações. 
 
IV - Esta paranoia da oligarquia ganhou forma racional no Plano Colômbia, iniciado na última década do seculo XX. Apresentado como um acordo destinado a combater o narcotráfico – a Colômbia sempre foi um dos maiores produtores de cocaína e em menor escala, de marijuana e papoila, utilizada na produção de heroína – o Plano Colômbia escondia um outro propósito estratégico: o fortalecimento do aparelho militar e repressivo do Estado colombiano, para o tornar mais eficaz no combate á guerrilha colombiana – qua na época tinha dado duros golpes na estrutura militar – e para controlar a região amazónica, uma zona geoeconómica essencial para os USA. Desta forma enquanto o governo colombiano da época, dirigido por Andrés Pastrana, desenrolava conversações com as FARC-EP, os USA financiavam e reorganizavam as Forças Armadas Colombianas.       
 
Desta forma foi posta em práctica uma política de terra queimada, nas regiões produtoras de folha de coca, através das infrutuosas fumigações aéreas, que devastaram milhares de hectares pertencentes a pequenos camponeses do país, em particular nas zonas da selva, a sul, para além de afectar os países fronteiriços, principalmente o Equador. Enquanto isso, entre 1998 e 2008, 72 mil militares e polícias colombianos foram treinados por instrutores norte-americanos (instrutores do exército norte-americano e instrutores das companhias privadas de segurança, na sua maioria israelitas). A Colômbia tornou-se o segundo país do mundo, a seguir á Coreia do Sul, a ter esta vasta programação militar.
 
Em finais de 2010 encontravam-se na Colômbia mil e quatrocentos instrutores (militares e do sector privado) contra os 400 inicialmente referidos no Plano. A embaixada dos USA cresceu de tal forma, em quantidade, de pessoal administrativo civil e militar, que é, actualmente, a quinta maior embaixada norte-americana no mundo. Em finais de 2008 o custo global do Plano Colômbia, incluindo o financiamento dos USA e as obrigações financeiras do governo colombiano, foi de 66 mil 126 milhões de USD. Terminou aqui a primeira fase do Plano.       A segunda fase consistiu em levar a guerra interna da Colômbia, para além das suas fronteiras, envolvendo os países vizinhos e a terceira fase foi a adaptação á doutrina da guerra preventiva, adoptada pelos USA após o 11 de Setembro. O ataque realizado em território equatoriano, pelo exército colombiano, em Março de 2008, pertence a esta terceira fase.
 
Uma das consequências do Plano Colômbia reflecte-se nos aumentos dos gastos militares, que representam cerca de 6,5% do PIB colombiano, a maior taxa da América Latina, que em média disponibiliza para a Defesa entre 1,5% a 2% do respectivo PIB. As Forças Armadas colombianas contam com cerca de meio milhão de efectivos (terra, mar e ar) e a Policia está sob tutela do Ministério da Defesa. Segundo os dados de 2008 (os únicos confirmados pelas instancias internacionais) o exército colombiano (forças terrestres) contava com 210 mil elementos, contra os 190 mil do Brasil, 137 mil da França e 125 mil de Israel e a relação de efectivos do exército colombiano estava na proporção de 6 para 1, com a Venezuela e de 11 para 1 com o Equador.
 
Depois de Israel e do Egipto, a Colômbia é o terceiro país do mundo, em termos quantitativos, a receber ajuda militar dos USA, que em equipamentos, armamento e munições – excluindo a polícia, os custos de restruturação das forças armadas colombianas e a instrução militar – forneceram cerca de 7 mil milhões de USD de 2001 a 2010. Os custos políticos desta ajuda são elevados. A Colômbia foi o único pais da América do Sul a apoiar a ocupação do Iraque, propondo a George Bush - em 2003, durante o autoproclamado fim da guerra no Iraque, uma alucinação do Pentágono e da clique de Bush – que os bombardeiros norte-americanos fossem enviados para a Colômbia, para serem usados nas operações de irradicação da guerrilha colombiana. Foi também o único país da América Latina donde saíram contingentes militares para o Afeganistão e mercenários para as companhias privadas no Iraque. Uribe apoiou o golpe de Estado nas Honduras em 2009 sendo o primeiro presidente a visitar o perfumado Porfírio Lobo, que substituiu o presidente deposto e foi o único país da América do Sul a negar o reconhecimento do Estado Palestiniano.  
 
A triste e dramática conclusão a que os cidadãos colombianos podem chegar é que o seu país é o principal instrumento geoestratégico dos USA para a recolonização do sul do continente americano. E descobrem, atónitos, que vivem, afinal, num grande porta-aviões…
 
(continua)
 
Fontes
Varese, Luis Santos habla de paz y se prepara para la guerra http://alainet.org/active/64405
Oppenheimer, Andrés La Alianza del Pacífico saca ventaja al Mercosur La Nación Mayo, 28, 2013. 
Vega Cantor, Renán Neoliberalismo: mito y realidad; El Caos Planetario, E
 

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