terça-feira, 5 de março de 2013

DITADURA NA EUROPA




Juan Torres López

Nem 24 horas se passaram desde o encerramento das urnas na Itália e Angela Merkel ditou o que é preciso continuar a fazer ali. O porta-voz do seu partido afirmou que seja qual for o governo que se forme só admitirá um caminho a seguir, o das reformas de Monti. E o seu ministro da Economia reiterou que não há mais alternativas senão as medidas que executava o presidente-banqueiro que agora foi fragorosamente derrotado nas eleições. 

Não há forma mais clara de afirmar que o que disseram os cidadãos através do voto é que se estão a marimbar para aqueles que hoje em dia converteram a Europa numa ditadura de facto. 

Na Europa está a desmantelar-se a democracia e é lógico que isto esteja a ocorrer. É a única maneira que as autoridades têm de garantir que se possam continuar a aplicar políticas cujo fracasso é indisfarçável e assim beneficiar uma minoria muito poderosa que vive de um modelo social desigual e injusto. 

O relatório de Inverno apresentado há alguns dias pelo comissário da Economia, Olli Rehn, demonstra claramente que os resultados das políticas que se vêm impondo são totalmente distintos do que disseram que iam conseguir quando as anunciavam como nossa salvação. Tudo é ao contrário do que haviam previsto: o crescimento é menor, o desemprego aumentou, os bancos não financiam, as empresas continuam a fechar, o défice e a dívida crescem e ao invés de recuperar-se a economia europeia entra em recessão. 

Os danos sociais que isto provoca aumentam em todos os países, sem excepção. Os indicadores que o Eurostat, o gabinete de estatística europeu, apresentou esta semana mostram que já quase um de cada quatro europeus (24,2%) e uns 27% dos jovens menores de 18 anos está em risco de pobreza ou exclusão social. Percentagens que são terrivelmente mais altas em alguns países da União Europeia, como a Bulgária (49,1 e 51,8%), onde as pessoas na rua acabam de derrubar o governo. E que alcançam proporções siderais quando se dão em famílias de baixos níveis de estudos. Neste caso, a percentagem de menores de 18 anos em risco de pobreza monetária no conjunto da UE é de 49,2%, de 76,2% na Chéquia ou de 78,3% na Roménia. Inclusive em países que sempre havíamos considerado a vanguarda do progresso está a começar a ser desencadeada a pobreza infantil e juvenil em famílias com baixo nível de estudos: 54,4% na Suécia, 52,5% em França ou 55,1% na Alemanha. A única coisa que avança na Europa é a concentração do rendimento e o peso dos rendimentos do capital no conjunto dos rendimentos. 

E o problema maior que tudo isto está a provocar é que a deterioração económica está a deixar de ser conjuntural. Estamos a ponto de cruzar uma fronteira a partir da qual os danos, em forma de destruição de tecido empresarial, de emprego, de inovação e de capital físico, social, investigador e humano para o investimento futuro são irreversíveis. Por isso é dramático que os líderes europeus se fechem em copas perante qualquer sinal de reforma que não seja as que eles apregoam como representantes dos grandes capitais, cujos negócios ajudam e gerir quer no âmbito público como no privado através das portas giratórias que funcionam tão bem sob o seu mandato. 

A Alemanha está a cometer com a Europa o mesmo erro que com ela cometeram os países europeus que a venceram na Primeira Guerra Mundial. Então, foi-lhe imposta uma política de reparações que criou o demónio que anos mais tarde incendiou todo o continente e agora os alemães emprenham-se em impor uma política de austeridade que não só é injusta e tosca como também é impossível que possa ter êxito. Mais uma vez, ateiam fogo à Europa. 

As exigências alemãs para que os demais países continuem a reduzir salários e exportem cada vez mais são simplesmente estúpidas. É materialmente inviável que todos os países se especializem da mesma forma e que todos possam ter vantagens se se dedicarem a desenvolver a mesma estratégia. É um engano porque oculta que assim só se beneficiam as grandes corporações exportadoras à custa do empobrecimento de todo o mercado interno europeu. E o empenho em reduzir despesas públicas é paranóico porque o que na verdade a cada dia gera mais dívida são os juros por culpa de um banco central europeu que não o é. 

O impressionante, contudo, é que não há reacção potente dos governos de países europeus que vêem como esta estratégia afunda suas economias e destroça suas sociedades. Inclusive uma grande potência como a França assume-a sem sequer refilar. A Espanha tem um peso suficiente na Europa para forçar mudanças, mas nem sequer tenta. E assim um atrás do outro, pois não parece que ao novo governo italiano se vá dar muita capacidade de manobra. 

As imposições da Merkel e do capital alemão já são muito mais do que um empenho ideológico. Não vale recorrer outra vez ao santo temor alemão à inflação ou ao seu conceito pecaminoso de dívida. São as suas políticas que alentam um poder de mercado que arrasa o poder aquisitivo da imensa maioria das famílias europeia ou os que impõem um banco central que é a fonte real do incremento do défice e da dívida. 

O que há por trás de tudo isto é a decisão de salvaguardar o poder financeiro acima de qualquer outra vontade e a vontade firme de saltar em estilo toureiro as preferências dos povos, e de evitar o que dizem nas urnas. Mas vamos deixar de dissimulações. Isso já conhecemos na Europa e chama-se ditadura. 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

Domingos Veiga chama líder da bancada Municipal do PAICV e seus deputados de Gangues





O presidente da Assembleia Municipal da Ribeira Grande de Santiago, Domingos Veiga, refutou esta segunda-feira as afirmações do deputado do PAICV, Gerson Soares, que acusava o edil local de estar a utilizar o dinheiro da Escola Oficina para obras e projectos da Câmara e o assemelhou a um grupo de gangues.

“Sem conseguir mobilizar recursos e meios para os investimentos necessários, a Câmara local tem ido, de forma ilegal, buscar recursos financeiros e humanos à Escola Oficina, fazendo dela a sua caixa 2. O presidente da Assembleia Municipal, Domingos Mendes, que é director da Escola Oficina, é conivente com esta situação, visto que do orçamento municipal de 2013 consta uma verba de 24 mil contos proveniente da escola para financiamento de obras e projectos da Câmara”, disse recentemente Gerson Soares, líder da bancada Municipal do PAICV.

Hoje em conferência de imprensa na cidade da Praia, Domingos Veiga considerou de irresponsáveis, infundadas e caluniosas todas as afirmações de Gerson Soares. E em contra ataque acusou a bancada Municipal de PAICV de “querer enriquecer a todo custo, deitando as mãos aos meios mais impróprios”.

O líder da Assembleia Municipal assegurou que a “Escola de Oficina nunca foi fonte de financiamento da autarquia, nem serviu para a busca de recursos financeiros”.

Domingos Veiga comparou o líder da bancada municipal tambarina e os seus deputados a “um grupo de gangues, sem moral e sem princípios”.

“Praticam o desvirtuamento das normas democráticas e tentam fazer ocultar que a Câmara executa e fiscaliza o seu próprio trabalho”, reforçou.

TAXISTA MOÇAMBICANO MORTO NA RAS: CORPO CHEGA SEXTA PARA FUNERAL SÁBADO




Notícias (mz)

O CORPO de Emídio Macia, jovem taxista moçambicano morto semana passada por agentes da Polícia sul-africana deverá ser transladado próxima sexta-feira para Moçambique, seguindo-se o funeral a ser realizado sábado no posto administrativo da Matola-Rio, na província de Maputo.

O cônsul de Moçambique em Joanesburgo, que facultou esta informação ao “Notícias”, confirmou ainda a chegada, do pai da vítima à África do Sul, que se juntou às autoridades no esforço já iniciado com vista não só ao esclarecimento do caso, como também para a transladação do corpo de Emídio Macia para o país.

Segundo Damasco Mate, está agendada para as 11.00 horas de amanhã a realização de um acto religioso no Estádio de Daveyton, no qual a comunidade local deverá prestar a última homenagem ao jovem taxista, morto na sequência de uma agressão protagonizada por oito agentes da Polícia sul-africana, que incluiu o arrastamento do corpo da vítima acorrentado ao carro policial por uma distância de aproximadamente 400 metros.

A nossa fonte acrescentou que as autoridades sul-africanas chamaram a si a responsabilidade de arcar com as despesas de transladação do corpo de Emídio Macia, sendo de destacar o facto de um empresário local ter se oferecido a comprar o caixão e suportar os custos com o transporte dos familiares da vítima que vão acompanhar a urna.

“Como Governo moçambicano vamos, naturalmente, criar todas as condições necessárias para que a parte da família da vítima que não tem documentos para se movimentar para cá o possa fazer com toda a emergência que o assunto exige”, disse a fonte.

Aliás, e de acordo com outros dados apurados junto da fonte da representação diplomática de Moçambique naquele país, indicam que para a deslocação do pai de Macia à África do Sul houve um grande exercício de colaboração entre as autoridades de ambos países, uma vez que o visado não possuía documentos de viagem.

Enquanto isso, a audição dos oito agentes da Polícia acusados da morte de Emídio Macia foi adiada para a próxima sexta-feira por decisão do juiz Samuel Makamu, encarregue do caso. A sessão, inicialmente agendada para ontem, destinava-se a decidir se os oito agentes da Policia poderiam ser libertos sob caução, para aguardar pelo julgamento em liberdade.

Além de identificar os polícias, a justiça sul-africana quer também saber se o jovem foi agredido pelos agentes no interior da esquadra, o que os tornaria culpados de homicídio premeditado, punível com pena de prisão perpétua.

A autópsia feita ao corpo da vítima revelou que o jovem, que residia na África do Sul desde os 10 anos de idade, morreu duas horas e meia após sofrer ferimentos na cabeça devido a uma hemorragia interna.

Sobre o mesmo assunto, o jornal sul-africano “Daily Sun” denuncia, na sua edição de ontem que familiares de Emídio Macia têm vindo a sofrer intimidações por parte da Polícia sul-africana, tentando evitar que eles contribuam com testemunhos que possam pesar negativamente sobre os agentes ora indiciados do crime e detidos.

O jornal cita ainda o “mayor” de Gauteng, Nomvula Mokonyane, a assegurar que o Governo sul-africano vai assumir a responsabilidade das duas crianças que dependiam do jovem taxista.

Aquele diário anunciou ainda a abertura de uma conta bancária, na África do Sul, onde os interessados podem depositar valores para apoiar a família de Emídio Macia.

RETOMADAS AS SESSÕES PLENÁRIAS EM PORTUGUÊS NO PARLAMENTO DE TIMOR-LESTE




MSE – MLL - Lusa

Díli, 05 mar (Lusa) - O parlamento de Timor-Leste retomou hoje a realização mensal de uma sessão plenária em português, na sequência de uma decisão tomada em fevereiro pelos líderes das bancadas parlamentares daquela assembleia.

"Penso que é um esforço que temos de fazer 10 anos depois da independência para dominar as duas línguas oficiais. Temos tempo e podemos falar pausadamente", afirmou o presidente do parlamento, Vicente Guterres, depois de desligar por duas vezes o microfone à deputada Carmelita Moniz, que tentou falar em tétum.

A deputada Carmelita Moniz, do Conselho Nacional da Reconstrução de Timor-Leste (CNRT), abandonou a sala, mas regressou para afirmar que é preciso ser "realista".

"Eu entendo muito bem que português é língua oficial. Mas temos de ser realistas. Temos de ser honestos e admitir que a maior parte dos deputados não percebe português. Nós só queremos perceber o trabalho da Procuradoria-Geral da República, tal como os jornalistas, que vão levar a informação às pessoas", disse.

O deputado da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin), David Ximenes, recordou, por seu lado, que foi obrigado a aprender a língua indonésia sob tortura e que a lei no país é para se cumprir.

"A língua portuguesa foi a língua da resistência. Temos lei e penso que as leis de Timor têm de vigorar", afirmou.

Durante a sessão plenária de hoje, a Procuradora-Geral da República, Ana Pessoa, que termina o mandato este mês, apresentou o balanço dos quatros anos do seu trabalho à frente daquela instituição.

Ana Pessoa também tentou apresentar um resumo do balanço em tétum, mas o presidente do parlamento não autorizou, insistindo que a sessão era em língua portuguesa.

Em novembro de 2010, os deputados do parlamento timorenses aprovaram uma resolução que determina a realização de uma sessão mensal do plenário em português.

Ao longo de 2011 houve algumas sessões plenárias em português, mas em 2012, devido à falta de quórum no parlamento por causa das campanhas eleitorais para as eleições presidenciais e legislativas, não foi realizada nenhuma sessão.

No passado 21 de fevereiro, durante uma reunião de líderes das bancadas parlamentares foi determinado marcar antecipadamente datas concretas para a "realização obrigatória de reuniões plenárias em português".

As datas definidas foram: 05 de março, 02 de abril, 07 de maio, 04 de junho e 02 de julho.

Na mesma reunião ficou também determinado aumentar gradualmente a "regularidade da realização de sessões plenárias em português para duas ou três reuniões mensais".

O parlamento disponibiliza aulas de português, que são atualmente frequentadas por 22 deputados.

O hemiciclo timorense tem um total de 65 deputados.

O artigo 13 da Constituição de Timor-Leste determina que o "tétum e o português são as línguas oficiais da República de Timor-Leste".

O mesmo artigo refere também que o "tétum e as outras línguas nacionais serão valorizadas e desenvolvidas pelo Estado".

Ler mais em TIMOR LOROSAE NAÇÃO – títulos recentes:

PGR ANGOLANO DIZ QUE INVESTIGAÇÃO PORTUGUESA RESULTA DE MAL-ENTENDIDOS





O procurador-geral da República de Angola considera que houve "mal-entendidos" na sequência da notícia sobre a investigação de que é alvo por parte do Ministério Público português, informou na segunda-feira em Luanda a agência noticiosa Angop.

"O assunto que deu origem a uma série de mal-entendidos, com origem numa notícia da imprensa portuguesa, certamente que está a ser resolvido pelos órgãos competentes e, por isso, vamos aguardar que se fale em concreto das conclusões que se vão tirar deste mal-entendido caso", disse João Maria de Sousa, citado pela Angop à chegada a Luanda na segunda-feira proveniente do estrangeiro.

Em causa estão os efeitos da notícia publicada pelo semanário Expresso na edição de 23 de fevereiro, em que se referia que João Maria de Sousa estava a ser investigado pelo Ministério Público de Portugal, por alegada "suspeita de fraude e branqueamento de capitais".

Nas declarações à Angop, o PGR angolano considera ter havido "má-fé" na divulgação da notícia do Expresso, que visou "manchar o bom nome do procurador-geral, de entidades nacionais e até do Estado angolano", pelo que aguarda as conclusões, noticiou a agência angolana.

A Angop acrescentou que "muitos assuntos" ligados ao relacionamento luso-angolano "estão na mesa". Na sequência da notícia de 23 de Fevereiro do Expresso, o estatal Jornal de Angola, em duas ocasiões, nos dias 25 e 27 de Fevereiro, criticou duramente a fuga de informação e as relações bilaterais. No editorial publicado a 27 de Fevereiro, o Jornal de Angola defendeu o fim dos investimentos angolanos em Portugal, considerando que ao contrário de outros, o investidor angolano não é bem-vindo.

Sob o título "Alvos selectivos", o editorial do único diário que se publica em Angola defende ainda que Portugal "não é de confiança". Dois dias antes, José Ribeiro, director daquele diário, disse "desconfiar" da boa-fé de Portugal nas relações com Angola, e referiu haver "perseguições" aos interesses angolanos.

João Maria de Sousa reagiu, num comunicado enviado dia 25 de Fevereiro à agência Lusa em Luanda, classificando como "despudorada" e "desavergonhada" a forma como o segredo de justiça foi "sistematicamente violado" em Portugal em casos relativos a "honrados" cidadãos angolanos.

Aristides Gomes, antigo PM da Guiné-Bissau e fundador Partido Republicano, volta ao PAIGC




MB - MLL – Lusa – foto José Sousa Dias

O antigo primeiro-ministro e fundador do Partido Republicano da Independência e Desenvolvimento (PRID) da Guiné-Bissau, Aristides Gomes, anunciou hoje o seu regresso às fileiras do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Sociólogo formado em França, Aristides Gomes foi primeiro vice-presidente da atual direção do PAIGC, liderada por Carlos Gomes Júnior, mas em 2008 saiu do partido em divergência com a direção para fundar o PRID, para muitos uma formação política inspirada pelo então Presidente guineense, João Bernardo ‘Nino' Vieira.

Tido como ‘delfim' do falecido Presidente guineense, de quem era amigo, Aristides Gomes foi primeiro-ministro da Guiné-Bissau de 2005 a 2007 antes de fundar o PRID, pelo qual concorreu às presidências de 2009 convocadas para eleger o substituto de ‘Nino' Vieira, que tinha sido morto meses antes em circunstâncias ainda por esclarecer.

Nos últimos meses Aristides Gomes estava em litígio com elementos do partido por ele fundado sobre questões da liderança, ao ponto de o assunto ter sido dirimido em tribunal, que acabaria por dar razão ao novo líder do PRID, Afonso Té, como novo presidente legítimo.

Ao anunciar em conferência de imprensa o seu retorno ao PAIGC, Aristides Gomes afirmou estar a manter coerência política com o seu percurso, na medida em que tem estado a procurar "implementar a sua visão" sobre o país em diferentes estruturas.

Gomes entende que ao regressar ao PAIGC estará a enriquecer o partido "com gente de valor" e ainda espera ajudar a transformar aquela que é a principal força política da Guiné-Bissau.

"É minha intenção voltar ao PAIGC para enriquecer este partido com gente de valor. Gente que vai ajudar a transformar o PAIGC para que seja cada vez mais um partido mais universalista, mais democrático e com sentido de desenvolvimento", observou Aristides Gomes.

O PRID foi fundado a 07 de março de 2008. O aniversário é celebrado com um comício, na próxima quinta-feira.

O PRÉMIO




Rui Peralta, Luanda

I - O presidente francês François Hollande foi galardoado com o Prémio Félix Houphouet-Boigny para a Busca da Paz. O presidente francês foi nomeado devido á sua contribuição para a “paz e estabilidade em África” tendo o júri levado em conta a “a solidariedade manifestada pela França aos povos africanos.”

Não é a nomeação ou a figura do nomeado que me surpreende, atendendo á figura que deu nome ao Prémio (Félix Houphouet-Boigny), até achei natural que o premio fosse a demonstração da habitual bajulação com que os lambe-botas se referem aos patrões, mas os motivos oficiais da nomeação: o papel de François Hollande na paz e estabilidade no continente e a solidariedade manifestada pela França aos povos africanos.

Pelos vistos os mentores do prémio consideram que a acção da França no Mali, actualmente, é uma missão de paz e que as violações, assassinatos, destruição do património e a vaga de repressão que assolam o Mali é um factor de estabilidade. Estranha forma de solidariedade e estranho conceito sobre paz, têm os mentores deste prémio. É no mínimo estranho (para não dizer pior e limitarmos a linguagem) que exista gente em África que considere as acções de rapina praticadas pela França no continente, um gesto de solidariedade.

II  - Procurei na lista dos premiados anteriores o nome de Cuba e de Fidel. Se de facto fosse a solidariedade e a Busca pela Paz os motivos da atribuição do Prémio, seriam dois nomes obrigatórios. Mas não. Na lista dos premiados podemos encontrar os nomes de Mandela e De Klerk, de Isac Rabin, Shimon Peres e Arafat, do rei Juan Carlos de Espanha (provavelmente pelas demonstrações de solidariedade que ele anualmente executa quando vem caçar nas reservas do continente, ou então porque mandou calar Chávez) e do ex-presidente Lula. Nada de Fidel ou de Cuba. Estranho conceito de solidariedade…

Mas de outra forma não poderia ser. Comecemos por Félix Houphouet Boigny, a figura que o Prémio homenageia. Já em 1950, Boigny demonstra a sua apetência, quando no quadro da União Francesa (implantado por De Gaulle e governada pela direita francesa) rompe com o Partido Comunista Francês - partido com o qual as organizações africanas da União Francesa, mantinham estreitos acordos tácticos, para acção parlamentar, inclusive a organização de Senghor, afecta á Secção Francesa da Internacional operária (SFIO, tendência maioritária e histórica dos socialistas franceses) - e assina um acordo secreto com o partido de François Mitterrand, a União Democrática e Socialista da Resistência (UDSR), instalando uma profunda divisão no seio das organizações que na altura lutavam pela independência das colonias francesas.

A UDSR propunha um acordo com a direita gaullista no sentido de reformar a União Francesa e permitir que aos deputados eleitos pelos círculos africanos fossem agentes responsáveis pelos processos de autonomia, fazendo tábua rasa das declarações assinadas entre os deputados africanos (reunidos no Congresso de Bamaco, em 1946) e a esquerda francesa (PCF e SFIO). É claro que o acordo com o PCF e a SFIO aprisionava os processos independentistas á politica interna francesa (só com a vitoria eleitora da esquerda, os processos autonómicos que gerariam as independências seguiriam livre curso), mas este acordo assinado por Boigny colocava nas mãos de Mitterrand e dos seus acordos com os gaullistas, questões tao simples como a mera discussão da legalidade da questão autonómica.

III - As ligações de Boigny aos interesses franceses foram conduzidas por Mitterrand, o presidente da USDR, que tornou-se seu mentor nos corredores políticos franceses. Esta relação criou algumas clivagens com outros personagens africanos do mesmo sector, como Senghor, que sentiram-se despromovidos pelos patrões franceses, face á ligeireza de movimentações de Boigny.

É este percurso sinuoso que Boigny trilha até á independência da Costa do Marfim, proclamada a 7 de Agosto de 1960. Passados que foram os primeiros momentos da independência e a absorção de actividades que estas fases implicam, a voz de Boigny torna-se a fazer ouvir nos fóruns internacionais em Dezembro de 1961, quando reclama da urgência em realizar uma conferência geral africana, declaração que surpreende tanto os partidários como os adversários e mesmo alguns dos dirigentes africanos, que conheciam as opções micronacionalistas de Boigny.

A conferência não se realiza no ano de 1962, conforme Boigny reclamava, mas em 1963, logo em Janeiro, é descoberta uma conspiração na Costa do Marfim, prontamente abafada. Aliás esse ano de 1963 foi fértil para a implementação no poder de Boigny, pois em Setembro foi descoberta nova conspiração. Por cada nova conspiração Boigny aumentava os seus poderes e implementava o seu domínio nas estruturas politicas internas. Só no plano internacional é que ninguém lhe prestava atenção, a não ser os franceses, claro, os seus colegas africanos (inclusive o seu velho amigo e companheiro Senghor, agora o maître da África francófona e que contava com todos os apoios da França) não lhe prestavam muita atenção. Para o comprovar basta ver a forma como responderam ao apelo de Boigny, feito em Dezembro de 1962 sobre a urgência de uma conferência africana: A conferência foi realizada em Adis Abeba em Maio de 1963 (a assinatura da carta da OUA).

Boigny constrói em silêncio a sua teia de poder interno e só em finais de 1967 dá sinais de vida para o exterior, iniciando uma digressão pelo continente africano, voltando, depois, ao seu casulo marfinense. Os países vizinhos da Costa do Marfim passam grande parte deste período dos anos sessenta, mergulhados numa profunda instabilidade política, mas da Costa do Marfim não chegam ao exterior quaisquer notícias de conturbações sociais.

Em Junho de 1970 Boigny vista o Eliseu, poucos dias depois de Vorster. Que esteve em Paris no mesmo mês. Em Outubro do mesmo ano Boigny proclama, em Abidjan, num congresso do seu partido, a política de diálogo com a África do Sul, politica que ele expõe em público numa conferência de imprensa realizada em Novembro. Uma semana depois desta conferência de imprensa Boigny está em Paris, para assistir ao funeral do presidente francês De Gaulle. É filmado e fotografado (ele e o seu amigo de sempre, Senghor) ao lado de Marcelo Caetano (Portugal) e de Muller (África do Sul).

A 29 de Novembro desse ano é reconfirmado no cargo, por um plebiscito curioso, denominado de eleições automáticas (?). Em Fevereiro de 1971, recebe, em Abidjan, Pompidou. Mas no mês seguinte a Universidade de Abidjan é encerrada devido a uma prolongada greve estudantil. Curiosamente no mesmo dia em que a Universidade foi encerrada (30 de Março de 1971), Vorster declara-se preparado para receber os chefes de estado africanos em Pretória. Um mês depois Boigny declara a sua disposição em visitar a África do Sul. Em finais de Outubro anuncia medidas de austeridade na Costa de Marfim, enquanto centenas de sindicalistas e dirigentes camponeses são detidos.

IV - Este breve período (o que vem da década de setenta para a frente, não difere do passado) acima abordado descreve o essencial da característica de Boigny: a colagem mais absoluta aos interesses franceses. Absoluta e assumida. Repare-se nas declarações de Boigny na Conferencia de Adis Abeba, a conferência de assinatura da carta da OUA: “Todos estamos de acordo ao reconhecer que o desenvolvimento de África só pode efectuar-se num clima de paz. Mas é também necessário que África, depois de ter eliminado todos os elementos internos de discórdia, possa manter-se afastada da competição a que se entregaram os dois blocos ideológicos rivais e que estes não consigam transpor a sua rivalidade para este continente.” (as declarações poderão ser lidas na integra em algum exemplar histórico da Présence Africaine, de Maio de 1964. Este extracto foi retirado do notável trabalho de Yves Benot, Ideológies des independences africaines, Maspero, 1969).

Estas declarações foram exatamente no mesmo ano em que um dos blocos está presente e em força no continente, através de trinta e cinco mil soldados franceses (segundo o Le Monde de 25 de Fevereiro de 1964), estacionados em 13 estados africanos. O número de soldados franceses ultrapassava o número de efectivos dos exércitos dos 13 estados africanos (cerca de vinte e nove mil homens) onde estavam estacionados. Mas para Boigny o importante era combater a influência comunista e afastar o Pacto de Varsóvia do continente africano, mesmo que para tal fosse suportada a presença norte-americana através da França.

Na competição ideológica em curso na época, Boigny já tinha feito a sua escolha e pretende manter e ampliar o combate á influência do Bloco de Leste.

V - Não há, portanto, melhor vencedor para este prémio, do que François Hollande. E mais. Deveriam ser atribuídos Prémios Félix Houphouet-Boigny, a todos os presidentes franceses, desde De Gaulle, a título póstumo. Isto para comprovar o autêntico objectivo do Prémio: o de premiar as figuras que relevam a pax (não a Romana, mas a dos Francos) podre que o capitalismo impõe ao continente africano.

Proponho ainda uma segunda hipótese aos mentores do Prémio: Os estados africanos colocarem nas suas insígnias oficiais e preâmbulos constitucionais o seguinte dístico: “Cada um com o seu colono.” Talvez assim conseguíssemos destrinçar melhor os bosses e os respectivos boys, para além dos nossos filhos e netos perceberem melhor o que eram os sipaios e os mainates.

APOIO SOB MEDIDA




Diário de Notícias, editorial

É duvidoso que as instituições europeias, ao contrário do que afirmam os seus porta-vozes, tenham já tirado todas as consequências devidas dos últimos dados desastrosos do desempenho económico na Zona Euro. E, consequentemente, que tenham uma visão suficientemente abrangente da degradação da situação social. Assim, não pode senão causar alguma reserva ouvir dizer que Bruxelas tomou boa nota das manifestações ocorridas no passado sábado em Portugal e que agirá em conformidade para ajudar a sair do aperto a que chegou a vida de milhões de portugueses.

Até ao momento, os programas de apoio aos jovens desempregados, cofinanciados por fundos europeus, saldam--se entre nós por um embaraçoso fracasso, e o País está suspenso do 7.º exame da troika, ao qual está correntemente sujeito. Em termos orçamentais, já muito poucos resistem a reconhecer que é preciso mais tempo para conseguir funcionar correntemente com défices públicos bem inferiores a 3% do PIB. E quanto às obrigações financeiras de pagamento da dívida pública, aguarda-se o resultado do Eurogrupo - os 17 ministros das Finanças da Zona Euro - e do seu presente "debate de orientação" para saber se o pedido conjunto de Portugal e da Irlanda no sentido de alongar os prazos de reembolso dos empréstimos contraídos vai obter o acordo dos seus pares.

Desde que os países sob assistência se mantenham numa trajetória de redução de consolidação das suas contas públicas (ainda que a marchas menos forçadas), o alargamento dos prazos dos empréstimos e a redução dos juros exigidos constituem ajudas concretas à saída dos respetivos programas de assistência. No fundo, o que os credores querem ver é o alisamento dos picos de pagamentos dos próximos anos, graças ao rescalonamento aceite pelos parceiros da Zona Euro, sem que isso signifique fechar os olhos ao desregramento da disciplina orçamental, que levou à crise das dívidas soberanas. E, complementarmente, se revele compatível com a reanimação progressiva e realista da atividade económica.

Uma tendência europeia?

Depois do excelente resultado obtido nas legislativas italianas pelo "excêntrico" Beppe Grillo, foi a vez de os austríacos nas eleições regionais da Caríntia e da Baixa Áustria concederem, respetivamente, 11,3% de votos e 9,8% a um outro "excêntrico", Frank Stronach, que surgiu a caçar votos em todo os eleitorado, da esquerda à direita e, designadamente, à extrema-direita. Este é o outro facto relevante do voto regional austríaco: a queda da extrema-direita, em especial na Caríntia, feudo de Jörg Haider, morto há quatro anos e cuja memória e carisma estão, naturalmente, a sofrer a erosão da passagem do tempo. O facto de a extrema-direita se apresentar dividida por duas formações pode justificar algo do resultado, mas os índices de voto nos sociais-democratas e na democracia-cristã revelam que o apelo dos herdeiros de Haider está a perder capacidade de mobilização. O que é uma boa notícia. Desconcertante, porventura perigosa - e por isso mesmo a merecer séria reflexão -, é a recorrente presença de "excêntricos" entre os mais votados. Epifenómeno ou sinal de algo mais grave na prática e no discurso políticos "convencionais".

Portugal: Passos recusa acesso ao estudo da TSU admitindo poder repescar esta medida




Ana Suspiro e Luís Rosa – Jornal i

Gabinete do primeiro-ministro contraria parecer e invoca confidencialidade para não divulgar estudo que justificava baixa da taxa social única

O governo recusa revelar os estudos que fundamentaram a intenção de baixar a taxa social única (TSU) anunciada em Setembro de 2012. O gabinete do primeiro-ministro alega a confidencialidade do Conselho de Ministros, até porque a medida poder vir ser retomada.

Esta posição, que contraria um parecer emitido pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), na sequência de uma queixa apresentada pelo i, invoca o “carácter reservado decorrente da confidencialidade legalmente reconhecida e inerente ao processo político-legislativo do governo”, para sustentar que o referido estudo não pode ser considerado um documento administrativo. A resposta assinada pelo chefe de gabinete do primeiro-ministro, Francisco Ribeiro de Menezes, sublinha ainda que, “sendo um documento preparatório de uma alteração legislativa que em tempo se ponderou - e que pode vir a ser reponderada por este ou por qualquer outro governo, quando o entender oportuno - o estudo em causa merece a confidencialidade que a lei lhe reserva, designadamente ao abrigo do ponto 11.1 do Regimento do Conselho de Ministros”.

Um dos argumentos da CADA para fundamentar o parecer de que o acesso deveria ser facultado reside na circunstância de as alterações ao regime jurídico da TSU não terem sido incluídas no Orçamento do Estado para 2013, como inicialmente previsto, pelo que “tal estudo constitui um documento puramente administrativo”, e como tal acessível a todos os cidadãos.

A 7 de Setembro do ano passado, o primeiro-ministro deixou o país em estado de choque ao anunciar a decisão de avançar em 2013 com a descida geral da TSU paga pelas empresas. A medida, que em parte foi a resposta do governo ao chumbo pelo Tribunal Constitucional dos cortes na função pública e aos pensionistas, seria financiada com o aumento das contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social. A iniciativa ia de encontro à estratégia sempre defendida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), um dos membros da troika, para o programa de ajustamento português, e que apostava na desvalorização fiscal para relançar o crescimento económico.

No entanto, o governo já tinha recusado a proposta em 2011, depois de um estudo do Banco de Portugal, que analisou a subida do IVA como contrapartida de baixar a TSU, ter concluído que teria um efeito limitado na competitividade.

A versão apresentada em 2012 por Passos Coelho sacrificava pelo menos um salário dos trabalhadores e foi desde logo atacada por quase todos, incluindo os representantes das empresas. Dias depois Vítor Gaspar apresentou os argumentos “técnicos” do governo a favor da redução da TSU, a partir de um estudo feito com os membros da troika. Segundo o ministro das Finanças, o impacto na criação de emprego seria de 1% ao fim de dois anos. O investimento cresceria 0,5% e as exportações subiriam 1,5%.

O i contactou na altura a Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu para aceder ao documento. O BCE sugeriu que a pergunta fosse remetida para o governo de Lisboa e um dos técnicos do FMI em Portugal, Marcos Souto, respondeu: “As medidas a que faz referência foram estudadas e apresentadas pelos devidos responsáveis do governo português, cabendo a tal órgão de soberania prestar os esclarecimentos e/facultar a informação.”

Sem resposta aos pedidos de informação feitos aos ministros da Economia e das Finanças e ao gabinete do primeiro-ministro e do secretário de Estado Adjunto, Carlos Moedas, o i recorreu à CADA, que deu razão à queixa a 15 de Janeiro de 2013.

Perante a contestação generalizada e depois da manifestação de 15 de Setembro e da oposição frontal do parceiro CDS, o governo deixa cair a redução da TSU. A decisão foi tomada depois de uma reunião tensa do Conselho de Estado em que Gaspar foi chamado a explicar os méritos da proposta. Lá fora, milhares de manifestantes exigiam o fim da medida. A redução ou isenção da taxa social única selectivas fazem parte das iniciativas de combate ao desemprego, mas com alcance limitado. A nova bandeira do discurso do governo para a retoma económica é a baixa do IRC (imposto sobre as empresas). 

Com Bruno Faria Lopes

Portugal: RESPEITO PELA CIDADANIA, PROCURA-SE




Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião

Mantém-se um estado forte com fracos e fraco com fortes. A opacidade tornou-se um método

O respeito do Estado pelo cidadão não é uma virtude de Portugal. Verdade se diga também que o Estado é o verdadeiro motor de praticamente tudo o que se faz e é nele que se penduram grupos económicos para fazerem dinheiro e negócios. Se não fosse o Estado, alguns nem sequer existiam.

Nos últimos anos, as desconsiderações pelos cidadãos têm-se multiplicado. Nasceram como cogumelos novas polícias que não hesitam em recorrer à força contra os fracos, pois com os fortes a coisa fia mais fino. A ASAE e a Autoridade Tributária são dois exemplos paradigmáticos dos poderes de que são revestidas e que usam como querem. Veja-se, por exemplo, que no caso da carne de cavalo não havia aparentemente fiscalização preventiva com análise de ADN, mas nos pequenos produtores e restaurantes não faltam expedições punitivas.

Num campo diferente, verifique-se a fórmula de cálculo do IMI que fazem chegar às pessoas depois de aberrantemente lhes pedirem documentos que os serviços deveriam ter. Entre números e fórmulas, mais parece uma carta em chinês que a comunicação de uma entidade europeia para cidadãos com direitos. Isto para não falar do caso das facturas e dos seus delirantes e caricatos episódios colaterais, enquanto os bancos nem as passam. Debitam em conta!

Os pensionistas, esses, só retroactivamente foram informados dos montantes dos cortes que lhes foram aplicados e se querem pormenores têm de ser eles a mexer-se para obter dados completos.

São muitos os exemplos em que ninguém se entende. Uns não percebem o que lhes fizeram, outros não explicam. A opacidade tornou-se um método. E não vale a pena achar que é a administração pública que é incompetente porque não é. Fica-se com a sensação de que muito do que é feito tem precisamente por objectivo não esclarecer e até omitir. São obviamente os cidadãos mais velhos e com menos capacidade de se informarem que são surpreendidos por medidas que os penalizam e que não entendem. É o conto do vigário ao nível estatal.

É legítimo pensar que a decisão de proceder desse modo é politicamente intencional. Claro que, indo à net, está tudo explicado para quem tiver o equipamento, o conhecimento, o tempo e a paciência, mas não é isso que se espera de um sistema que supostamente funciona para o povo e em seu nome - embora a produção legislativa se torne diariamente mais críptica.

Como suplício para os mais velhos há agora a barbaridade de os obrigar a fazer declarações de IRS de que estavam dispensados se recebessem menos de 293 euros/mês. Depois admiram-se que as ruas se encham também de reformados revoltados que respondem ao chamamento de grupos anti-sistema.

Portugal: SONDAGEM MOSTRA GOVERNO DE COSTAS VOLTADAS PARA O POVO




Rafael Barbosa – Jornal de Notícias

O Governo vai cortar no Estado Social, quando deveria fazê-lo nas Parcerias Público Privadas e nos juros da dívida. Uma sondagem para o JN revela um divórcio claro entre a austeridade com que o Governo ameaça e os cortes que os portugueses defendem.

As manifestações de sábado passado deram um sinal claro de falta de sintonia entre quem governa e quem é governado. Mas outra prova desse divórcio são os dados recolhidos por uma sondagem da Universidade Católica para o JN.

Perante o anúncio de cortes de quatro mil milhões de euros nos gastos anuais do Estado, os portugueses têm respostas diferentes, quando confrontados com as áreas onde acreditam que o Governo vai cortar e as áreas onde acham que deveria cortar.

Saúde (61%), Educação (54%) e Segurança Social (52%) serão os serviços mais afetados, apontam. Sendo que a energia do Governo deveria estar a ser direcionada para obter poupança nas Parcerias Público Privadas (57%) e nos juros da dívida (36%).

Como explica a analista Cristina Azevedo, os portugueses já perceberam que os interesses dos parceiros privados nas PPP e os interesses da Troika serão "ferozmente defendidos" (ver opinião).

O único ponto de contacto entre os portugueses e o Governo está nos cortes na área da Defesa: 33% defende que se façam, 34% pensa que se fará. Um dado confirmado quando se faz uma pergunta mais concreta sobre o número de militares no ativo: 43% dos portugueses defende uma diminuição, contra 49% que quer a sua manutenção ou até o seu aumento.

Quando se pede um julgamento a outro tipo de medidas concretas, a rejeição é demolidora: 85% dos cidadãos não aceita a criação de propinas no Ensino Secundário (que Pedro Passos Coelho admitiu em entrevista televisiva e o ministro da Educação Nuno Crato desmentiu no dia seguinte); 92% não aceita o aumento da propina máxima no Ensino Superior (60% diz até que tem de baixar); 87% não admite a diminuição do número de polícias, que um recente relatório elaborado pelo FMI a pedido do Governo considerava excessivo (38% dos inquiridos, ao contrário, pede mais polícias); e finalmente 93% dos portugueses não admite que idade da reforma ultrapasse os 65 anos (53% até defende que deveria ser aos 60 ou aos 55 anos de idade).

Défice já não é prioridade

Para lá dos cortes nas despesas do Estado, a sondagem procurou perceber quais as prioridades para um Governo em tempo de crise económica. E também aqui se nota o divórcio entre a prática e o desejo dos cidadãos.

O desemprego está no topo (88%), como já acontecia há três anos. Preocupação condizente com o facto de ser "o maior drama da sociedade", argumenta Carvalho da Silva (ver opinião).

Longe vão os tempos em que os portugueses consideravam a redução do défice uma das prioridades: passou de 44% para 25% de defensores. Para Passos Coelho e Vítor Gaspar, o défice ainda será uma obsessão, para os portugueses já não é.

O caminho inverso fez a prioridade à redução de impostos, que há três anos era apontada por apenas 33% dos cidadãos e agora passou a ser uma prioridade para 48%. Uma consequência do "saque fiscal" que se instalou no arranque deste ano 2013.

Ficha técnica

Esta sondagem foi realizada pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica Portuguesa (CESOP) para a Antena 1, a RTP, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias nos dias 16, 17 e 18 de fevereiro de 2013. O universo alvo é composto pelos indivíduos com 18 ou mais anos recenseados eleitoralmente e residentes em Portugal Continental. Foram selecionadas aleatoriamente dezanove freguesias do país, tendo em conta a distribuição da população recenseada eleitoralmente por regiões NUT II e por freguesias com mais e menos de 3200 recenseados. A seleção aleatória das freguesias foi sistematicamente repetida até os resultados eleitorais das últimas eleições legislativas nesse conjunto de freguesias, ponderado o número de inquéritos a realizar em cada uma, estivessem a menos de 1% do resultados nacionais dos cinco maiores partidos. Os domicílios em cada freguesia foram selecionados por caminho aleatório e foi inquirido em cada domicílio o mais recente aniversariante recenseado eleitoralmente na freguesia. Foram obtidos 1141 inquéritos válidos, sendo que 57% dos inquiridos eram do sexo feminino, 24% da região Norte, 22% do Centro, 39% de Lisboa, 7% do Alentejo e 8% do Algarve. Todos os resultados obtidos foram depois ponderados de acordo com a distribuição de eleitores residentes no Continente por sexo, escalões etários, região e habitat na base dos dados do recenseamento eleitoral e do Censos 2011. A taxa de resposta foi de 41,1%*. A margem de erro máximo associado a uma amostra aleatória de 1141 inquiridos é de 2,9%, com um nível de confiança de 95%.
* A taxa de resposta é estimada dividindo o número de inquéritos realizados pela soma das seguintes situações: inquéritos realizados; inquéritos incompletos; não contactos (casos em que é confirmada a existência de um inquirido elegível mas com o qual não foi possível realizar a entrevista); e recusas.


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