terça-feira, 2 de abril de 2013

A AMÉRICA LATINA E A NOVA CULTURA POLÍTICA (2)




Rui Peralta, Luanda

VII - Sendo a América Latina um manancial de novas forças autogestionárias, participativas e emancipadoras, torna-se necessária uma reflexão sobre a forma como estas autonomias sociais se relacionam com o Estado, com as instituições e partidos, como são efectuadas as relações entre o local, o nacional e o global, a relação com o mercado e com outros sectores sociais ou as suas formas de organização. Nestas reflexões e observações muitos foram os seduzidos pela ideia do anti-poder, um contra poder baseado na autonomia dos movimentos sociais e dos espaços comunitários autogeridos, as zonas autónomas. Entre os seduzidos por esta ideia estão Toni Negri, Miguel Benasayang e John Holloway, tendo este ultima analisado a experiencia zapatista.

Clamando por um transformar o mundo sem tomar o poder e a desenvolver conceitos como “poder-acção,” “poder-fazer” em vez do interesse pela tomada do poder. Holloway defende que o mundo não pode ser transformado a partir do Estado, por este ser apenas um nó na rede das relações de poder. Para Holloway o objectivo estratégico seria o de liberar o poder-acção e o poder-fazer e prevenir as experiências autogeridas do perigo representado pelas instituições e pela sua institucionalização. Holloway esquece algumas questões muito básicas, a começar pelos zapatistas, que ele observou durante anos.

As conquistas dos zapatistas são consideráveis e Holloway acompanhou-as de perto. Só que quando os comandantes zapatistas falam em mandar obedecendo referem-se a uma fórmula de poder popular, que impede a burocratização e os maus hábitos dos dirigentes, assim como é anunciador de um poder muito real (e vertical, bastando a essa verticalidade a posição de comandantes e subcomandantes), assumido pelas assembleias, mas também pelo poder institucional zapatista, representado em instituições como os conselhos de bom governo e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN). E foi esta estrutura que escapou a Holloway nas suas conclusões.

É evidente que a existência das Zonas Autónomas e a importância da autonomia social assume um papel de vanguarda nas movimentações sociais do seculo XXI, na América Latina, mas não no sentido da recusa do poder. Até porque para muitos destes movimentos (pelo facto de estarem espacialmente focados) essa é uma questão que eles nem sequer colocam. Muitas das movimentações não têm intentos revolucionários em potência, outras podem até ter um comportamento insurrecional, mas daí a serem situações revolucionárias que coloquem em causa o poder de Estado ou o relacionamento institucional vai uma grande distância. Portanto a questão do Estado, ou da tomada do poder, não é uma constante nestas movimentações. E não o é porque ainda não estão criadas as condições que levem a essa tomada de posição.

Um outro conhecido partidário dos movimentos, é um dos mais fecundos autores sobre as questões relacionadas com os movimentos, interessado na experiencia boliviana da guerra das águas e no piqueteros da Argentina e também com um especial interesse na experiencia zapatista, Raul Zibechi. Zibechi não se deixando deslumbrar, como Holloway, foca o conceito de dispersar o poder. Para Zibechi a questão é fugir do estado, sair dele. A dispersão do poder realiza-se, segundo ele, de duas formas: pela desarticulação da centralização estatal e por estruturas não burocratizadas, assumidas pelo pluralismo de estruturas organizativas.

VIII - Todas estas concepções são reveladoras de um único facto: a incompreensão do papel do Estado. Nenhum destes conceitos operacionais (anti-poder e dispersar o poder) compreende o Estado. O Estado é apenas, única e exclusivamente, um aparelho repressivo, sendo por isso o seu domínio o mecanismo principal de poder. Todas as restantes atribuições do Estado são apêndices dispensáveis, que poderão ser cortados e entregues á iniciativa privada ou aos processos autogestionários, ou às comunidades, ou às Igrejas, que qualquer uma destas identidades assume esse papel. Agora, aquele que foi o germe do Estado, o elemento preponderante da sua existência e que o faz assumir um papel central nos grandes períodos revolucionários, é o germe repressivo, que só através dele é conseguido.

Um dos grandes papéis dos movimentos e das autonomias sociais (as Zonas Autónomas) é exactamente o de criar os mecanismos de administração pública e socializada dos bens e serviços. É esta a sua grande virtude e este factor que o coloca na vanguarda. Mas isto não é, de forma alguma, uma situação que ponha em causa o poder, ou uma manifestação de anti-poder, nem uma fuga ao estado. Na Historia existiram outras situações análogas. Nos séculos XVI e XVII, as zonas autónomas piratas e as suas redes globais, por exemplo, representam uma experiencia histórica única e de projecção global, baseada em assembleias e com muitos dos pressupostos que hoje vemos nos movimentos sociais da América Latina. Mas foram facilmente esmagadas pela burguesia e pelas frotas das monarquias europeias, quando estas acharam que as utopias piratas faziam perigar o comércio e os interesses das Companhias Comerciais. E porque foram facilmente esmagadas? Porque não aproveitaram o seu posicionamento no mundo e porque não olharam para o fulcro da questão: o poder e a tomada do aparelho repressivo do estado, ou seja do Estado.

Noutra realidade espacial e temporal tivemos a experiencia dos Conselhos Operários, por exemplo. Em países como a Itália, nas zonas industriais de Milão e Turim eles foram determinantes, assim como por toda a Europa industrial. Foi um movimento de classe, de natureza operária, que fez tremer toda a Europa burguesa industrial nos anos vinte do século passado. Mas, exactamente porque a questão do poder foi protelada e porque no seu interior surgiram correntes deslumbradas com a vitalidade operária (os comunistas dos conselhos), o Estado burguês, quando chegou o momento crucial, em que a burguesia industrial já não podia suportar a pressão operária, fez varrer os conselhos, através de uma vaga repressiva de tal intensidade que muitos dos seus militantes permaneceram na cadeia (os muito poucos que sobreviveram ás condições das cadeias fascista italianas, Gramsci acabou por morrer na cadeia, por exemplo) durante 30 anos, só saindo depois do final da II Guerra Mundial.

Portanto esta é uma questão fundamental, mas que, tanto Zibechi, como Holloway, não a colocam devidamente, porque interpretam erradamente as dinâmicas sociais e não fazem a devida análise histórica comparada de processos similares, ocorridos em diferentes realidades espaciais.

IX - As alternativas só serão sólidas com a tomada do poder. Apenas a utilização do aparelho de Estado (mesmo que seja para o destruturar e extingui-lo a medio prazo) é a única forma de assegurar as autonomias e as conquistas efectuadas pelos movimentos, frente á barbárie capitalista e ao imperialismo. Até á tomada do aparelho de Estado tudo permanece em risco de ser extinto, como aconteceu em todos os períodos históricos nas mais diversas realidades espaciais.

Teorias e conceitos como os de Holloway, Negri e Zibachi são absolutamente ineficazes face ao imperialismo e á forma pouco subtil e cavalheiresca como o capitalismo age nas periferias. O capitalismo não se assusta com os importantes experimentos das mobilizações sociais e dos movimentos, quanto muito fica alerta e prepara a contraofensiva. A agenda imperialista não é alterada pelos fortes movimentos que reclamam a soberania dos recursos e proclamam uma efectiva soberania nacional e popular. Recolhe informações, analisa e processa os dados e aguarda, paciente, pela altura própria de agir.

X - Como coordenar (e federar), então, a multiplicidade de espaços alternativos e autónomos para preservá-los do rolo compressor do capitalismo? (Também aqui as realidades históricas de outras latitudes - como por exemplo os debates iniciados na Europa do século XIX entre Proudhon, Marx e Bakunine, ou os problemas que se apresentaram aos Communards de Paris - podem apontar pistas). Como tomar o poder sem ser tomado pelo poder (porque é essa a questão e não a metafisica do anti-poder e da dispersão)? Como construir formas de poder popular articuladas de forma a proceder a uma socialização da produção, para lá da estatização burocrática? Como efectuar a difícil transição que leva os poderes constituintes a tornarem-se poderes constituídos? E quais os métodos de articulação entre os espaços de deliberação e os de decisão?

Algumas destas questões são respondidas pela praxis dos movimentos, outras são questões para as quais ainda não têm resposta e outras ainda não os afectam. Todas estas questões (e outras que aqui não foram levantadas) não se referem á realização imediata do outro mundo possível, mas ao seu começo.

XI - Uma estratégia de transformação de raiz estende-se durante um macro ciclo de longo prazo. É um caminho longo…

A diversidade das experiencias demonstra a ampla riqueza das prácticas emancipadoras em curso na América Latina. Nesta diversidade os movimentos sociais explanam a questão do procedimento democrático (a democracia directa), a apropriação dos recursos e a socialização da produção. O que faz a força do panorama actual latino-americano é o facto das denúncias da alienação capitalista e os processos comunitários de emancipação estão conectados á crítica social e ambiental do capitalismo, através dos seus movimentos populares.

Há que ir além da ideologia e mergulhar na experiencia histórica. E acima de tudo, não esquecer que o importante é transformar o mundo (para que o mundo ainda não transformado não nos transforme…).

(Torino, Março de 2013)

Fontes
De indignaciones y alternativas, 2011, http://www.alainet.org.
América latina: las izquierdas en las transiciones políticas, 2012, http://www.alainet.org.
C. Algranati, J. Seoane , E. Taddei; América latina. Balance de una década de luchas y cambios; 2011, www.cetri.be
J. M. Antentas y E. Vivas , Resistencias Globales. De Seattle a la crisis de Wall Street , Ed. Popular, Madrid, 2009.
J. Baschet, L’étincelle zapatiste. Insurrection indienne et résistance planétaire Paris, Denoël, 2002.
I. Fremeaux et J. Jordan, Les sentiers de l’Utopie Paris, Zones, 2010.
R. Herrera, Les avancées révolutionnaires en Amérique latine. Des transitions socialistes au XXI° siècle ? Parangon, Lyon, 2011.
G. de Gracia, L’horizon argentin. Petite histoire des voies empruntées par le pouvoir populaire (1860-2001) Editions CNT-RP, Paris, 2009.
R. Neuville, Typologie d’expériences autogestionnaires en Amérique latine et indienne et leur rapport au pouvoir
Movimientos socioambientales en América Latina, 2012 www.clacso.org.ar.
J. Petras, H. Veltmeyer, Autogestión de trabajadores en una perspectiva histórica , Ed. Topia -LaMaza, Buenos Aires, 2002.
G. Pleyers, Alter-globalization. Becoming actors in the global age, Polity Press,Cambridge, 2011.
C. Ventura, Brève histoire contemporaine des mouvements sociaux en Amérique latine 2012, www.medelu.org
R. Zibechi, Disperser le pouvoir : les mouvements comme pouvoirs anti-étatiques L'Esprit frappeur, Paris, 2009.
Coup d’Etat au Paraguay, 23/06/2012, www.monde-diplomatique.fr.
La valise diplomatique, 28/06/2010, www.monde-diplomatique.fr.
N. Klein, La Stratégie du choc , Actes Sud, París 2008.
Menos desigualdades, ¿más justicia social?, 2012, www.nuso.org.
S. Halimi, "Quelle societé future ? Dernières nouvelles de l’Utopie », Le Monde Diplomatique, Paris, Aout 2006.
F.Gaudichaud; Poderes populares en América Latina: pistas estratégicas y experiencias recientes; www.contretemps.eu

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COMEÇA HOJE CAMPANHA NA VENEZUELA; MADURO É FAVORITO




Sondagem do instituto de pesquisa GISXXI indica que o candidato chavista Nicolás Maduros atinge 55,3% das intenções de voto, enquanto o opositor Capriles Radonski tem 44,7%. “Estamos diante de um povo interessado no processo político, consciente de suas responsabilidades e comprometido com a democracia”, diz Jesse Chacón, o diretor do instituto.

Vinicius Mansur – Carta Maior

Caracas – As vésperas do início oficial da campanha eleitoral para presidente da Venezuela, o candidato chavista Nicolás Maduros tem 55,3% das intenções de voto, enquanto o candidato opositor Capriles Radonski tem 44,7%, de acordo com a pesquisa divulgada nesta segunda-feira (1º) pelo Grupo de Investigación Social XXI (GISXXI). A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais. A campanha eleitoral se inicia oficialmente nesta terça-feira (2).

Em um país onde o voto não é obrigatório, o estudo aponta que entre 77 e 80% dos eleitores aptos irão às urnas no dia 14 de abril e que 78% dos venezuelanos considera estas eleições mais importantes do que o último pleito disputado por Hugo Chávez, em 7 de outubro de 2012. “Estamos diante de um povo interessado no processo político, consciente de suas responsabilidades e comprometido com a democracia”, disse o diretor do GISXXI, Jesse Chacón.

Segundo Chacón, a maioria dos entrevistados pró-Carpiles afirma que votará por querer “uma mudança política”. Já a maior parte dos eleitores de Maduro afirma que o fará para “que continue a revolução” ou “porque disse Chávez” e “há que ser disciplinado”. E 66% dos entrevistados acredita que a vitória será de Maduro.

O estudo ainda revela a avaliação extremamente positiva alcançada por Chávez nesse momento: 77% afirmam apoiar seus feitos, 75% concordam com a frase “o presidente passará para a história como um dos grandes libertadores” e 71 % estão de acordo com a frase “agora o mais importante é continuar o projeto do presidente Chávez”. A pesquisa foi feita a partir de 1,5 mil entrevistas realizadas entre 18 e 23 de março em todos os 24 estados da Venezuela. A campanha ocorrerá até 11 de abril e o pleito, no dia 14.

Fotos: www.unamerica.org.br 

MARCADA POR DITADURAS, GUATEMALA VÊ GENOCIDA NO BANCO DOS RÉUS




Um dos mais sanguinários dos muito sanguinários generais ditadores que assolaram a Guatemala, Efraín Ríos Montt, está sentado no banco dos réus, acusado de genocídio e crimes contra a humanidade, entre outras selvagerias menores.

Eric Nepomuceno - Carta Maior

A Guatemala vive um processo que eu e a maioria dos guatemaltecos pensávamos que jamais aconteceria: um dos mais sanguinários dos muito sanguinários generais ditadores que assolaram o país, Efraín Ríos Montt, está sentado no banco dos réus, acusado de genocídio e crimes contra a humanidade, entre outras selvagerias menores. Ao lado dele, também sendo julgado, está outro general, Mauricio Rodríguez Sánchez, seu chefe de inteligência militar, a tenebrosa G-2.

Foi curto o tempo de presidência do agora réu: durou de março de 1982 a agosto de 1983. Chegou ao poder graças a um golpe de Estado, perdeu o poder graças a outro golpe. 

Em um país com formidável histórico de golpes militares e ditaduras sanguinárias, Ríos Montt conseguiu a proeza de ter sido excepcionalmente brutal. Pastor de uma dessas seitas evangélicas criadas do nada, em seus dezesseis meses de poder absoluto criou grupos paramilitares batizados de PAC – as Patrulhas de Autodefesa Civil – que mataram pelo menos vinte mil assassinatos. Cerca de cem mil guatemaltecos se refugiaram nos países vizinhos, principalmente México e Honduras, e mais de um milhão foram expulsos de suas cidades e povoados e passaram a vagar pela Guatemala à procura de um lugar onde sobreviver.

A ditadura de Ríos Montt foi especialmente cruel com os indígenas, que são a esmagadora população do país. Não por acaso desde 1999 tentam abrir processos contra ele – na Guatemala, na Espanha –, sempre em vão. Entre outras razões, porque apesar de seus feitos brutais ele conseguiu se eleger varias vezes deputado. Perdeu a última eleição e, com ela, a imunidade parlamentar. 

Rigoberta Menchú, a índia que ganhou o prêmio Nobel da Paz, denunciou Ríos Montt e outros generais por tortura, genocídio, prisão ilegal e terrorismo de Estado diante de um tribunal espanhol. Um juiz foi até a Guatemala para interrogar os denunciados. Não conseguiu interrogar ninguém. E ficou no ar a amarga impressão de que jamais aconteceria nada contra os militares assassinos.

Pois agora aconteceu. E o que se ouve no tribunal é assustador. Os depoimentos das vítimas, principalmente das mulheres, são estarrecedores. As violações sexuais se davam em massa, ninguém – não interessava a idade – escapava. Depois de assassinar indiscriminadamente homens e rapazes, depois de devastar lavouras e incendiar aldeias, os soldados se davam à sanha perversa com as mulheres. Há relatos demolidores de pessoas que foram queimadas vivas, de membros decepados, orelhas e línguas amputadas, olhos vazados. E os estupros coletivos em praça pública. Um horror capaz de superar a mais demencial das imaginações. 

Para ouvir esses relatos, quem preside o tribunal que julga Ríos Montt e seu assecla é uma mulher com nome delicado: a juíza se chama Jazmín Barrios. A acusação tem um número concreto: 1.771 indígenas da etnia ixil foram assassinados pelos militares durante os 16 meses de poder absoluto de Ríos Montt. É menos de dez por cento do total de mortos, em sua imensa maioria maias. 

O general de 86 anos repete, numa ladainha inalterada, que reconhece que houve ‘alguns excessos’, mas garante que não sabia de nada, que não ordenou nada, que não permitiu nada.

Em cada sessão do tribunal da juíza Jazmín Barrios são ouvidas doze pessoas. Doze sobreviventes de massacres. Doze vozes que contam o horror dos horrores diante de um ancião que permanece inalterado enquanto ouve o que aconteceu em seus tempos de ditador supremo.

É raro – raríssimo, aliás – que ex ditadores sejam levados aos tribunais para responder por terrorismo de Estado. A Argentina é uma exceção particular: vários generais ditadores foram condenados a penas pesadíssimas de prisão. Na Guatemala, parecia impensável.

Entre outras mazelas, o país conta – ou contava até agora – com um sistema judicial olimpicamente inepto e corrompido. Graças a isso, para não mencionar as pressões gritantes dos militares, a impunidade parecia estar assegurada para sempre. O panorama mudou.

O julgamento de Ríos Montt e Rodríguez Sánchez é o primeiro. A Guatemala se confronta com as chagas abertas do seu passado. E poderá encontrar no resgate da verdade, na preservação da memória e na aplicação da justiça o tão necessário antídoto para deixar de ser uma sociedade envenenada pelos longos, longuíssimos anos de horror.

Fotos: Telesur 

O PERIGOSO SENHOR SCHAUBLE




Daniel Oliveira – Expresso, opinião

"Sempre foi assim. É como numa classe, quando temos os melhores  resultados, os que têm um pouco mais de dificuldades são um pouco invejosos". A frase é de Wolfgang Schauble, o todo-poderoso ministro das finanças alemão.

Como bem defendeu Miguel Sousa Tavares, não é bem inveja que os povos da Europa sentem em relação à Alemanha. É mais ressentimento. Nascido não apenas de uma Europa destruída e do Holocausto, mas do crónico problema que a Alemanha tem com a sua própria identidade que a levou a ter dificuldades em conviver com os seus vizinhos europeus.

Não, os alemães não têm de passar séculos a pagar por crimes que cada um deles não cometeu e que aconteceram quando a maioria nem era nascida. Mas, quando se relacionam com os outros, têm de ter conta que há uma história. Quando Schauble compara a Europa a uma sala de aulas e trata os demais parceiros europeus como alunos cábulas e a Alemanha como o aluno brilhante não pode deixar de perceber, até pela sua idade avançada, os sinais de alarme que as suas declarações criam na Europa, sobretudo nos povos que estão a sofrer tanto com esta crise. Até porque estas declarações são coerentes com um comportamento arrogante, autoritário e sem respeito pela reserva que estadistas devem ter quando se referem a assuntos internos de outros países.

Depois da II Guerra, a Europa e os EUA, para consolidar a paz e não repetir os erros da guerra anterior, foram generosos com a Alemanha. Não a obrigaram a pagar pelos seus crimes de guerra. Ajudaram à sua reconstrução e democratização. Atiraram para o baú do esquecimento as responsabilidades de muitos muitos alemães por um dos maiores crimes que a humanidade até hoje conheceu. Os parceiros europeus dividiram, na prática, os encargos dareunificação. Criaram uma moeda única cedendo, e mal, como agora se vê, a todas as exigências da Alemanha, que sempre resistiu ao euro. Fecharam os olhos à violação dos limites ao défice, que os alemães, tão intolerantes com as falhas dos outros, foram, com os franceses, os primeiros a não cumprir.

Na realidade, a sala de aula foi feita para a Alemanha se sentir lá bem. E, para isso, os interesses de outros foram esquecidos. Todas as suas falhas foram ignoradas. Mas nem é isso que interessa agora. O que interessa é que o ministro Schauble, e não os povos da Europa, está a fazer tudo para reavivar fantasmas antigos. Alguns, os portugueses, pela sua posição oportunista durante a guerra, nem compreendem bem. Mas eles resultam de feridas tão profundas, que 70 anos não chegam para os fazer esquecer. Foram, a bem da paz e do projeto europeu em que ela se sustentou, ignorados durante décadas. Mas basta que a União Europeia se desmorone, como se está a desmoronar, e que o senhor Schauble ou outro responsável político alemão repita mais umas frases infelizes para que eles regressem. Como se tudo tivesse acontecido ontem.

Willy Brandt, Helmut Schmidt e Helmut Kohl sabiam que a única forma da Alemanha conseguir regressar, como era seu direito, à comunidade internacional e europeia, era conseguindo que o resto da Europa acreditasse que ela seria capaz de conviver com os restantes Estados europeus tratando-os como iguais. A ignorância política, a insensatez, o populismo ou a estupidez de Merkel e Schauble estão a criar, entre os europeus, um desconforto crescente. Há cada vez mais gente que se pergunta se é possível ter, em simultâneo, uma Europa próspera e cooperante e uma Alemanha forte. Se esta desconfiança não for travada a tempo, os alemães serão, mais uma vez, como no passado, as principais vítimas da sua arrogância. Porque eles são, de todos os europeus, os que mais precisam desta União que, com alguma preciosas ajudas, estão a destruir.

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Islândia: CULTURA PARA SAIR DA CRISE




EL PAÍS, MADRID – Presseurop, em 22 março 2013

O colapso financeiro que a Islândia sofreu em 2008 costuma ser interpretado como um laboratório de perguntas e respostas sobre a crise, sendo pois conveniente tomar nota de algumas soluções. Ao contrário do Sul da Europa, onde os cortes e a subida de impostos incidiram especialmente na cultura, desde 2008 que este país de 320 mil habitantes e do tamanho de Portugal se voltou para o setor das indústrias criativas. O impacto económico dessa atividade (cerca de €1000 milhões) duplica o da agricultura e vem logo a seguir ao da lendária máquina de exportação de bacalhau (e outros produtos do mar) para o mundo continental, sendo esta a primeira indústria da ilha. Tudo isto graças, em parte, a uma mulher franzina de 37 anos — a ministra da Cultura — que assumiu uma postura firme nos quatro anos de Governo e não permitiu que lhe dissessem: “Para que serve dar dinheiro aos artistas?”. Pelo contrário, transformou os artistas em protagonistas do recente êxito económico.

Hoje, a taxa de desemprego é de 5,7% e o país cresce a um ritmo de 3%. É verdade que a moeda foi desvalorizada e se evitou o resgate aos bancospagando-se a dívida externa. Mas grande parte desta prosperidade também se deve a esta estratégia do New Deal artístico. E tudo pode alterar-se no próximo dia 27 de abril, quando a Islândia realizar as primeiras eleições depois de o país ter começado a superar a crise. A memória é curta. O partido conservador, que se manteve a governar quando tudo o resto soçobrou (a Bolsa chegou a cair 90% e o PIB desceu 7%), é hoje o favorito nas sondagens. A coligação formada pelo Partido Verde e os social-democratas, a que pertence a primeira-ministra Jóhanna Sigurdardóttir (a primeira mulher a ocupar este cargo), tem uma tarefa difícil pela frente. A titular da pasta da Cultura, Katrín Jakobsdóttir, o rosto mais carismático, não esconde isso mesmo. Recebe El País e analisa o seu mandato, simbolicamente empenhado na construção do espetacular Harpa, um incrível auditório no porto de Reiquiavique, que se avista do seu gabinete. Quando a crise chegou, a construção parou. A ministra empenhou-se em transformá-lo numa metáfora do que tinha entre mãos: criar riqueza fomentando as artes.

Cultura como fator económico importante

“Vemos a cultura como base das indústrias criativas, uma parte cada vez mais importante da nossa economia. Quando me nomearam para o Ministério, encarei o meu mandato como uma questão de sobrevivência. E é isso que pretendo que as pessoas compreendam: a cultura é um fator económico muito importante. O dinheiro que este setor gera iguala o de toda a indústria do alumínio.

O Governo fez cortes estruturais. Reduziu ministérios e gastos fixos. Mas aumentou o investimento em projetos culturais independentes. Uma mistura de tecido público/privado muito ágil mas que, de modo algum, implica a renúncia do Estado na gestão da cultura e da educação.

Há música por todo o lado. Oitenta por cento dos jovens (sobretudo nas pequenas povoações) estuda um instrumento e solfejo, e isso traduz-se em dezenas de bandas com prestígio internacional. A paisagem continua a ser o primeiro polo de atração de turistas. Mas, segundo dados recentes, 70% dos jovens são atualmente atraídos pela música. Esse facto já era conhecido em 2006, quando se criou o serviço de exportação musical do país, dirigido por Sigtryggur Baldursson, ex-baterista dos Sugar Cubes, a banda com a qual Björk começou a sua carreira e graças à qual teve início a lenda da sonoridade islandesa. Segundo este organismo, no ano passado 43 bandas atuaram fora da Islândia.

Paralelamente, a indústria de software e de videojogos cresceu exponencialmente. “É uma área relacionada com a cultura e emprega muita gente deste setor, como é o caso dos ilustradores”, explica a ministra. No cinema, há uma nova lei que reembolsa o custo de qualquer filme rodado na Islândia aos produtores. Ridley Scott rodou Prometheus [Prometeu] no país, e Darren Aronofsky fez o mesmo com A Arca de Noé.

Grupos de trabalho e um Ministério de Ideias

No meio da euforia e do livre acesso ao crédito, muita gente disse que este seria o único caminho possível para a Islândia. Andri Magnason publicou, em 2006, Dreamland: A self-help manual for a frightened nation. [Terra de sonho: Um manual de auto-ajuda para uma nação assustada, não traduzido em português] Um livro onde denuncia um modelo económico baseado no dinheiro fácil da especulação. “Durante os anos de prosperidade, o Governo concentrou esforços na expansão dos bancos, do alumínio e da energia hidráulica que estava a destruir a natureza. Havia quem quisesse ver uma economia baseada na criatividade e não no dinheiro fácil.” Estabeleceu-se então uma estranha aliança entre os protetores da natureza e “os crâneos dos computadores”, recorda Magnason.

Björk e outras figuras-chave da ilha ficaram atentas. “Quando a crise chegou, havia um movimento de raiz onde estavam envolvidos muitos jovens.” Criaram-se grupos de trabalho no que viria a chamar-se Ministério de Ideias, uma antiga fábrica nas imediações de Reiquiavique. Mas Magnason reconhece o papel importante do Governo. “Apareceram mais teatros, o mercado literário floresceu (60 escritores têm apoio um ano inteiro), a produção cinematográfica aumentou e o mesmo aconteceu na cena musical. E todo este apoio repercute-se na economia. As artes não são um projeto paralelo da boa economia, estão na base do seu estado de saúde.” E por que motivo pensam as pessoas votar outra vez no partido conservador? “Têm saudades dos seus Range Rover”, explica o músico Ólafur Arnalds num café de Reiquiavique.

Persiste igualmente a dúvida se este modelo seria exportável para países como Espanha e Itália, com 150 vezes mais habitantes e onde os problemas económicos também registam esta proporção. Magnason acha que sim. “Pode aplicar-se à maioria dos países. O problema na Europa, especialmente em Itália e Espanha, é haver tanta gente nova sem ocupação, ou numa situação invulgar, com um Governo e uma indústria incapazes de definir o seu papel. Assim, nunca irão usar toda a sua criatividade.” Talvez seja preciso tocar ainda mais no fundo.

UM PAPA QUE PAGA AS PRÓPRIAS CONTAS




Leonardo Boff  - Cabo Verde Direto, opinião

Segundo alguns jornais, quando o secretário do Conclave quis colocar sobre os ombros do Papa Francisco a “mozzetta”, aquela capinha, ricamente adornada, símbolo do poder papal, simplesmente disse: ”O carnaval acabou; guarde esta roupa”. E apareceu com sua veste branca

O que convence as pessoas não são as prédicas mas as práticas. As ideias podem iluminar. Mas são os exemplos que atraem e nos põem em marcha. Eles  são logo entendidos por todos. As muitas explicações mais confundem que esclarecem. As práticas falam por si.

O que tem marcado o novo Papa Francisco, aquele “que vem do fim do mundo” quer dizer de fora dos quadros europeus tão carregados de tradições, palácios, espetáculos principescos e de disputas internas de poder, são gestos simples, populares, óbvios para quem dá valor ao bom senso comum da vida. Ele está quebrando os protocolos e mostrando que o poder é sempre uma máscara e um teatro bem puntualizado pelo sociólogo Peter Berger, mesmo em se tratando de um poder pretensamente de origem divina.

O Papa Francisco simplesmente obedece ao mandato de Jesus que explicitamente disse que os grandes deste mundo mandam e dominam: ”convosco não deve ser assim; se alguém quiser ser grande, seja servidor; quem quiser ser o primeiro, seja servo de todos; pois o Filho do homem não veio para ser servido mas para servir”(Mc 10-43-45). Bem, se Jesus disse isso, como pode  o garante de sua mensagem, o Papa, agir diferentemente? Na verdade, com a constituição da monarquia absolutista dos Papas, especialmente, a partir do segundo milênio, a instituição eclesiástica herdou os símbolos do poder imperial romano e da nobreza feudal: roupas vistosas (como as dos cardeais), ouropéis, cruzes e anéis de ouro e prata e hábitos palacianos. Nos grandes conventos religiosos que vem da Idade Média se vivia em espaços palacianos.

Como estudante, no quarto em que me hospedava no convento franciscano de Munique que remonta ao tempo de Guilherme Ockham (século XIV) só um quadro renascentista da parede valia alguns milhares de euros. Como combinar a pobreza do Nazareno que não tinha onde repousar a cabeça com as mitras, os báculos dourados e as estolas e vestes principescas dos atuais prelados? Honestamente  não dá. E o povo que não é ignorante mas fino observador nota esta contradição. Tal aparato nada tem a ver com a Tradição de Jesus e dos Apóstolos.

Segundo alguns jornais, quando o secretário do Conclave quis colocar sobre os ombros do Papa Francisco a “mozzetta”, aquela capinha, ricamente adornada, símbolo do poder papal, simplesmente disse: ”O carnaval acabou; guarde esta roupa”. E apareceu com sua veste branca, como costumava vestir também Dom Helder Câmara que deixou o palácio colonial de Olinda e foi morar numa meia-água na igreja das Candeias, na periferia; como o fez também Card. Dom Paulo Evaristo Arns, sem falar de Dom Pedro Casaldáliga que vive numa casinha pobre, compartindo o quarto com algum hóspede.

Para mim o gesto mais simples, honesto e popular do Papa Francisco foi o de ir ao hotelzinho onde se hospedara (nunca se hospedava na grande casa central dos jesuítas em Roma) e foi pagar suas contas: 90 Euros por dia. Entrou e pegou ele mesmo suas roupas, arrumou a malinha, cumprimentou os funcionários e foi embora. Que potentado civil, que opulento milionário, que famoso artista faria tal coisa? Seria maliciar a intenção do bispo de Roma querer ver neste gesto, normal para todos nós mortais, uma intenção populista. Não fazia a mesma coisa quando era cardeal de Buenos Aires, buscando seu jornal, comprando o que ia preparar para comer, indo de ônibus ou de metrô e preferindo se apresentar  como  “padre Bergoglio”?

Frei Betto cunhou uma expressão de grande verdade: ”a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Efetivamente, se alguém sempre pisa em palácios e em suntuosas catedrais, acaba pensando na lógica dos palácios e das catedrais. Por esta razão, no domingo, celebrou missa na capelinha de Santa Ana, dentro do Vaticano que é considerada a paróquia romana do Papa. E depois foi conversar com os fiéis à porta.

Coisa notável e carregada de conteúdo teológico: não se apresentou como Papa, mas como “bispo de Roma”. Pediu orações não para o Papa emérito Bento XVI, mas para o bispo emérito de Roma, Joseph Ratzinger. Com isso ele retomou a mais primordial tradição da Igreja, a de considerar o bispo de Roma “o primeiro entre os pares”. Pelo fato de na cidade estarem sepultados Pedro e Paulo, ganhava especial proeminência. Mas esse poder simbólico e espiritual era exercido no estilo da caridade e não na forma do poder jurídico sobre as demais igrejas como  predominou no segundo milênio. Não me admiraria absolutamente se, como queria João Paulo I, resolvesse abandonar o  Vaticano  e fosse morar num lugar simples, com amplo espaço exterior para receber a visita dos fiéis. Os tempos estão maduros para este tipo de revolução nos costumes papais. E que desafio está representando para alguns movimentos leigos que buscam a riqueza e são sedentos de poder e para os demais prelados da Igreja:  viver  a simplicidade voluntária e a sobriedade condividida.

Combatentes da Liberdade da Pátria de Cabo Verde exigem pensão que os dignifique




JSD – VM - Lusa

Cidade da Praia, 02 abr (Lusa) - Os cerca de 400 ex-combatentes da liberdade da pátria cabo-verdianos entregaram ao Governo uma proposta em que reivindicam uma pensão mínima de 100.000 escudos (906 euros), assistência médica e educação gratuita para os filhos, noticiou hoje a Inforpress.

Em declarações à agência cabo-verdiana, o presidente da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria (ACOLP), João José da Silva, indicou que a proposta entregue ao Governo vem na sequência das alterações introduzidas aos estatutos, para "dignificar os que lutaram pela Pátria e fizeram da sua liberdade uma realidade".

A ACOLP, que conta atualmente com 400 membros, exige também no caderno de encargos entregue ao Governo o direito à habitação própria para os ex-combatentes da Liberdade da Pátria, educação gratuita para os filhos no ensino básico, secundário e superior, e pediu ainda licença gratuita de porte de arma.

João José da Silva indicou que, no capítulo dos deveres, a Associação quer colaborar com os poderes públicos no processo de desenvolvimento nacional e contribuir para a divulgação e preservação da história da luta de libertação.

"Estas alterações já foram entregues ao Governo, que prometeu levá-las ao Parlamento para aprovação. Estamos à espera que os deputados da nação tenham em consideração as nossas exigências", sustentou João José da Silva.

A ACOLP esteve reunida a 30 de março em assembleia anual no sábado, tendo ainda como pontos de agenda o balanço das atividades e perspetivas futuras.

Na ocasião, a presidente da Assembleia-Geral, Josefina Chantre, denunciou a existência de "muitos camaradas" que vivem com menos de 5.000 escudos mensais (45,34 euros), "o que não dignifica a sua luta em prol da liberdade para a Pátria".

A ACOLP anunciou também que está a trabalhar para pôr de pé o Museu de Memória, como forma de se "retratar e salvaguardar a história do país".

Cabo Verde: RTC EM SITUAÇÃO DE FALÊNCIA




A Nação (cv)

Com uma dívida de mais 700 mil contos, a Empresa Pública de Rádio e Televisão (RTC) está falida. Quem o garante é o Presidente do Conselho de Administração (PCA) da empresa onde trabalham mais de 300 pessoas, entre jornalistas, técnicos, administrativos, comerciais e assessores.

As dívidas da RTC para com a Cabo Verde Telecom já ultrapassam os 300 mil contos, como reconhece Emanuel Moreira, o presidente da maior empresa de comunicação social do país. “Além disso, há os empréstimos a pagar à banca que ronda centenas de milhares de contos. Só para com a Caixa Económica de Cabo Verde a dívida da RTC está à volta dos 160 mil contos”, informa Moreia.

A situação chegou ao ponto em que a RTC, cuja folha salarial ultrapassa os 20 mil contos por mês, já deve às Finanças cerca de 100 mil contos por causa da não transferência do Imposto Único sobre Rendimentos (IUR).

O problema mostra-se, como o A NAÇÃO escreveu há duas semanas, complexo na medida em que o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) chegou também a cortar assistência medico-medicamentosa aos trabalhadores da RTC devido a uma dívida de mais de 145 mil contos.

Somando tudo isto, o “rombo” na empresa pública de comunicação social ultrapassa os 700 mil contos. Mas há quem admita que o montante seja muito superior, tendo em conta a “gestão frouxa que se tem feito há muitos anos na RTC, onde se contrata gente sem a preocupação com a saúde financeira da empresa e produtividade”, como vinca um dos mais antigos trabalhadores, ouvido pelo jornal mas que prefere o anonimato.

HORA DE ESTANCAR

Entretanto, o PCA da RTC garante que desde o passado mês de Fevereiro a RTC retomou o envio dos descontos ao INPS e está a negociar com o instituto de modo a que os trabalhadores não fiquem sem assistência médica nem sejam prejudicados no que à reforma diz respeito. Por outro lado, Emanuel Moreira realça que neste momento a maior preocupação do Conselho que preside passa por “estancar as dívidas e começar a pagá-las”. “Temos negociado com o Governo a maneira de resolvermos este problema, mas não vou esconder que se trata de uma empresa em situação de falência”, sublinha.

O certo é que o actual Conselho de Administração, que tomou posse em finais do ano passado após a greve dos trabalhadores da RTC por causa dos atrasos no pagamento dos salários, está proibido de fazer novas contrações. Segundo as nossas fontes, a indicação nesse sentido foi dada pelo próprio primeiro-ministro, José Maria Neves, que se mostrou preocupado com a situação financeira da empresa aquando da mudança de “comando”.

Da parte do CA da RTC, há um compromisso selado com os trabalhadores que é o de zelar para que não haja atrasos no pagamento dos salários, como aquele que aconteceu em Outubro do ano passado. E Emanuel Moreira promete fazer tudo para que os vencimentos dos trabalhadores sejam depositados todos os meses nas datas acordadas.

Brasil - 1964: A ATUALIZAÇÃO GROTESCA DOS NOSSOS LIBERAIS




Gilson Caroni Filho,  do Rio de Janeiro – Correio do Brasil, opinião

Se estudasse a mídia brasileira como um caso sobre serial killers, o investigador diria que existe um padrão clássico de ação: primeiro vem a tentativa de imputar aos governos progressistas toda sorte de corrupção e desmando; depois a tentativa de calar a voz dos que se opõem à sua narrativa; e, finalmente, vem a excitação dos segmentos raivosos da classe média ao sabor de insanáveis pavores arcaicos que povoam o imaginário desta fração de classe, apresentando políticas inclusivas como uma ameaça fatal a seus supostos privilégios.

Ao invocar o golpe de Estado de 1964, os editorialistas receitavam o antídoto contra a guinada da subversão como pretexto para barrar o avanço social e impedir a tomada de consciência política que começava a esboçar uma linha de resistência anti-imperialista com uma nitidez nunca havida antes em nosso passado.

O resultado de duas décadas de oligarquia empresarial-militar, inaugurada com o golpe, exibiu um saldo sinistro com o que, à época, se convencionou denunciar como a pior crise econômica, política, social e moral da nossa história. O Brasil, urdido neste novo pacto, foi, por excelência, o “antipaís”. Subordinados, da forma mais completa possível, toda nossa economia e o aparelho estatal foram orientados e redimensionados de maneira a afastar, abafar ou reprimir qualquer obstáculo a essa subordinação. É dessa lógica que emergiu um regime que tinha como metodologia a censura e o terrorismo de Estado, ambos sob a bênção de nossas melhores consciências liberais e seus impérios jornalísticos.

Tempos passados? Sem dúvida, mas não nos iludamos: se mudou a conjuntura, alguns objetivos continuam na agenda da direita e de seus intelectuais orgânicos, como vimos nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso.

Sempre é bom recordar que há 28 anos, apesar do deslocamento político, a hegemonia do processo de transição encontrava-se com a mesma burguesia brasileira condutora do golpe. Se não era mais possível a acumulação capitalista se realizar através de uma economia planejada, centralizada e estatizante, os corifeus dessa mesma classe erigem globalização, flexibilização, desregulamentação e livre concorrência como dogmas, mas o objetivo permanece: a modernização acompanhada da internacionalização da economia e da limitação, com a judicialização da política, da democracia ao grupo organicamente ligado a interesses financistas. Para isto, existe o Instituto Millenium e seus jornalistas, acadêmicos e juristas amestrados.

Em 2013, é visível que o espartilho autoritário não consegue mais conter a pujança do corpo social. Há dez anos, há diálogo entre quem governa e os movimentos sociais que expressam anseios de liberdade, de participação e de melhoria substancial das condições de vida de grande parte da população. O que assistimos é uma ruptura com os pilares de sustentação do regime militar e dos três governos que lhe sucederam.

O que resta à grande imprensa? Sufocar financeiramente quem denuncia seu modus operandi, esboçar cenários eleitorais contando com quadros partidários sem qualquer organicidade fora de suas bases regionais, como é o caso do governador de Pernambuco,Eduardo Campos, do senador mineiro Aécio Neves ou da eterna linha auxiliar, Marina Silva, a neoconservadora do ecossistema político.

O desespero acentua o efeito combinado de avanço tecnológico com furor reacionário,criando campo propício à proliferação de articulistas raivosos e humoristas de boteco. A extensão do grotesco é tão acentuada que seus “bons propósitos” não enganam a mais ninguém. Estão todos na ordem do riso. E da exclusão social.

*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Brasil: Ministro ligado à extrema-direita deixa governo de Dilma mais conservador




Correio do Brasil, de Brasília, Jequié (BA) e São Paulo

Coube à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República anunciar, na noite passada, o nome do ex-governador da Bahia e ex-senador César Augusto Rabello Borges, filiado ao PR, cuja família é dona das rádios FM Aimoré de Piritiba, no interior baiano, e da rádio FM Rio Novo, na distante Ipiaú (BA), como o próximo ministro dos Transportes, em substituição ao interino da pasta, Paulo Sérgio Passos. Esteio das mais arraigadas práticas do coronelismo no sertão baiano, durante a existência do ex-senador Antonio Carlos Magalhães (ACM – Salvador, 4 de setembro de 1927 — São Paulo, 20 de julho de 2007), o político de 64 anos deixa a vice-presidência de Governo do Banco do Brasil, cargo que ocupa desde maio do ano passado dentro do arranjo político que compõe a base aliada do governo da presidenta Dilma Rousseff, e assumirá a pasta dos Transportes, de acordo com nota à imprensa divulgada pelo Palácio do Planalto. Borges passa a gerir um dos maiores orçamentos da República que, no ano passado, assegurou o total de R$ 21,9 bilhões.

Na nota, lida por um assessor, a presidenta Dilma “agradeceu a dedicação, o empenho e o espírito público” do ministro dispensado “em todas as missões que lhe foram confiadas”. Sobre Borges, disse acreditar que ele “dará continuidade aos projetos essenciais ao desenvolvimento do país com a mesma eficiência que demonstrou no Banco do Brasil”. A declaração encerrou as negociações com a bancada do PR e garantiu à base aliada nomes como o ex-governador do Estado do Rio de Janeiro Anthony Garotinho, na Câmara, e do senador Blairo Maggi (MT), uma das maiores fortunas do país; além do deputado Francisco Everardo Oliveira Silva, o palhaço paulista Tiririca, e o presidente da legenda, o senador amazonense Alfredo Nascimento.

Dilma, ao empossar no seu ministério um dos integrantes do governo militar e aliado de primeira hora de ACM, que consolidou seu poder no Estado baiano após a indicação ao governo pelo ditador à época, o general Emílio Garrastazu Médici, eleva a cota dos conservadores em sua administração. O próximo integrante das forças da direita a ocupar o 39º ministério no primeiro escalão do governo, segundo fonte confidenciou ao Correio do Brasil, na manhã desta terça-feira, é o vice-governador do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos (PSD). Apesar da negativa da legenda em participar, oficialmente, da base aliada, Dilma manterá o empresário e aliado das forças da direita paulista na recém-criada secretaria da Micro e Pequena Empresa. Ainda segundo a fonte, que prefere o anonimato, a presença de Domingos no governo “facilita o entendimento com a bancada pesedista, principalmente na Câmara, onde a composição do governo ainda é extremamente frágil”.

Festa discreta

Alheia ao desgaste que a nomeação causa ao seu governo, no arco das esquerdas, a presidenta Dilma recebeu logo pela manhã os cumprimentos do prefeito de Salvador, ACM Neto, um dos principais líderes do Democratas (DEM). O neto de ACM considerou “muito bom para a Bahia e para Salvador” o nome do ex-governador Borges, no Ministério dos Transportes.

“É um político com serviços prestados à Bahia e ao Brasil. Como ex-governador, conhece as necessidades do nosso Estado e pode nos trazer contribuições significativas” disse o herdeiro do carlismo. Ele também sublinhou que é sempre importante ter um baiano à frente de uma das pastas mais importantes no ministério da presidenta petista. Em nota, distribuída nas primeiras horas desta terça-feira, ACM Neto também desejou sucesso ao novo ministro.

Segundo revelou a jornalistas o presidente do PR, ministro dos Transportes no início do atual governo, a escolha do nome para a nova gestão à frente da pasta dos Transportes “foi exclusiva da presidenta Dilma”. Ele a mandatária reuniram-se, na véspera, para acertar os últimos detalhes políticos da nomeação, como o fechamento dos compromissos com vistas à campanha eleitoral, no ano que vem, e à manutenção do apoio nas duas Casas legislativas.

Nascimento pediu para deixar a equipe da presidenta Dilma após o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com o apoio da revista semanal de ultradireita Veja, envolvê-lo em uma denúncia sobre a existência de esquemas de corrupção e fraudes no Ministério dos Transportes, sob seu comando. Até agora, as investigações não foram concluídas. A explicação é do próprio senador Nascimento, em entrevista concedida à emissora amazonense de TV A Crítica. Durante a conversa, Alfredo contou como as mais de 200 ligações de Carlinhos Cachoeira para a revista Veja ajudaram a “montar” a denúncia contra a gestão dele. Alfredo ainda negou ter sido demitido pela presidenta e relatou que “pediu para sair”, durante as investigações que também motivaram o afastamento de outros servidores do ministério.

Em Jequié, no interior baiano, reduto da família de Borges, a comemoração foi discreta. Os jornais eletrônicos da região não repercutiram, ainda, a ascensão do conterrâneo. Apenas os líderes políticos locais e as famílias ligadas aos Borges, “tradicionais adversários políticos da família Lomanto”, como lembrou o diretor do Jornal de Jequié Wilson Novaes, aplaudiram a nomeação.

– Mas o Cesar (Borges) é bem relacionado. No declínio do carlismo ele pulou para o lado do PMDB de Geddel Vieira, mas continua amigo do prefeito de Salvador e neto de ACM – destaca Novaes.

Cargo controverso

Se os aliados comemoram a nomeação de Borges, ainda que à boca pequena, na bancada do PR na Câmara o ato da presidenta está longe de ser uma unanimidade. Para o deputado Luciano Castro (PR-PR), o partido não foi ouvido pela presidente Dilma Rousseff.

– Foi uma escolha da presidenta. Pelo que eu ouvi do deputado Anthony Garotinho, ele não foi consultado sobre isso. Acho que a bancada federal devia ter sido ouvida. Poderia até ser o César Borges, mas deveria ser consultada – reclamou a jornalistas. Castro era um dos nomes cogitados para ocupar o cargo.

Para o deputado Lincoln Portela (PR-MG), ex-líder da legenda na Câmara, no entanto, a escolha de Borges foi “perfeita”.

– Nesse momento, foi a melhor a escolha, sobretudo pela experiência do Cesar Borges – avaliza.

Portela reconhece, porém, que escolha da presidente gerou insatisfação no grupo de deputados do PR.

– Houve quem indicasse o nome do Luciano Castro, outros que queriam o Jaime Martins, enquanto até o meu nome foi cogitado para o ministério. Mas o partido se sente contemplado, e, claro, que a indicação reforça a relação do partido com o governo. Num processo democrático é assim mesmo: uns querem, outros não – conformou-se.

DOIS MILHÕES





Sei que importa pouco mas não quero deixar de assinalar que o meu contador acaba de ultrapassar os 2.000.000 de visitas ao blog que aqui publico no blogspot. Quero por isso agradecer a todos os que me visitam aqui, (e aproveito para agradecer a todos os outros que o fazem no wordpress, onde mantenho os comentários moderados para evitar alguns abusos que em alguns momentos ocorrem por aqui, e também aos que o fazem através do facebook), por serem eles que, nos momentos em que me questiono se realmente vale a pena o tempo e esforço que  dispenso a fazer os bonecos, me dão, com a sua simpatia e critica, a força e o animo para continuar. Agradeço também aos maus políticos, ladrões alguns, oportunistas e mentirosos na sua maioria, porque sem eles nada disto seria possível. Claro que trocava bem o fazer-lhes os bonecos por gente competente, justa, honesta e que se preocupasse mais com o país e os cidadãos que com os mercados, o euro e as suas mordomias, mas é o que temos e enquanto o não conseguirmos mudar vou aproveitando. Até lá vou mantendo o lema que escolhi quando comecei "Se há quem chore de alegria porque não haveremos de rir de tristeza. Todas as imagens deste blog são montagens fotográficas e os textos não procuram retratar a verdade, mas sim a visão do autor sobre o que se passa neste jardim à beira mar plantado neste mundo, por todos, tão mal tratado. A pastar desde 01 Jan 2006 ao abrigo da Liberdade de Expressão." 

Mais uma vez o meu muito obrigado a todos. 

Um abraço

Kaos

- Parabéns ao Kaos (Redação PG)

CORRUPÇÃO CRESCE EM PORTUGAL - PAULO MORAIS VOLTA A ATACAR




Paulo Morais regressa ao Canal Q para voltar a denúnciar a promiscuidade entre poder político e económico. O vice-presidente da Associação Transparência e Integridade aponta o dedos às famílias Mota, Mello e Espírito Santo, e à comissão parlamentar de inquérito às PPPs, que acusa de o tentar silenciar.

Portugal: ABRIL, POLÍTICA A MIL




Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião

Ninguém tem legitimidade para chantagear mesmo subliminarmente os juízes do Tribunal Constitucional

O mês que agora começa promete ser dos mais tensos e difíceis dos últimos tempos. Além da divulgação dos indicadores económicos habituais, e que se advinham péssimos, além da moção de censura, além do início da actividade de Sócrates como comentador, além da constatação dos mais pobres de que vão ter de declarar e pagar IRS, há sobretudo a expectativa em relação às decisões do Tribunal Constitucional.

Mas há um facto incontroverso. É nas mãos dos juízes que está muito do que se vai passar a seguir, e vai condicionar a vida de todos os portugueses.

Desta vez não são os mercados, nem a troika, nem o BCE que nos dominam. É a decisão de um órgão de soberania que pode mudar o quotidiano de forma súbita.

De qualquer maneira, uma coisa é certa: decidam o que decidirem, os portugueses poderão discutir e opinar sobre as matérias antes e depois, mas nenhum tem legitimidade para chantagear, subliminarmente que seja, os juízes antes de decidirem.

É bom lembrar que os tribunais constitucionais existem em regra em países saídos de ditaduras ou que têm tendência para ser dirigidos por oligarquias. Existem para evitar atropelos a direitos absolutamente essenciais.

É por isso que as pressões prévias ou as atitudes intempestivas posteriores do poder político são inadmissíveis, inadequadas, irresponsáveis e antipatrióticas.

Governar em democracia (ocidental) é difícil. No entanto, quem se afirma democrata tem de cumprir a lei fundamental e portanto deve à partida procurar que os seus actos e decisões tenham como parâmetros os limites constitucionais, sob pena de ficar fora do terreno democrático.

Quem governar procedendo anualmente de forma provocatória em relação à cartilha essencial não tem condições éticas para exercer o poder e melhor seria dedicar-se, por exemplo, ao mundo dos negócios e das operações financeiras, em que hoje vale tudo, começando pela agiotagem que várias vezes sugou a Europa e a levou a reacções violentas.

Dir-se-á que a Constituição está velha e obsoleta em alguns aspectos. Está. Mas para a mudar é preciso procurar consensos dentro da Assembleia da República ou então apresentar um programa ao eleitorado que concite o apoio de tantos votantes que assegure dois terços dos lugares de deputados numa legislatura que permita abrir um período de revisão normal. Ou, melhor ainda, ocupar quatro quintos dos lugares e abrir uma revisão extraordinária.

Não é fácil? Pois não! Mas isso não legitima de modo nenhum a violação da lei fundamental ou de princípios fundamentais da ética, seja ela republicana seja monárquica.

Violar leis essenciais de forma deliberada e sistemática é um crime que se assemelha a outros para os quais se pode usar a mesma palavra. Quem entra por esse caminho sujeita-se a pagar penal ou eleitoralmente.

Governo de Passos Coelho é o que tem mais moções de censura em menos tempo




Rita Tavares – Jornal i

Amanhã o PS censura um governo pela quarta vez. Passos só teve um PM mais rápido a ser censurado: Sá Carneiro

É preciso recuar uns bons anos, e à jovem e instável democracia de 1980, para se encontrar uma média tão má como a de Pedro Passos Coelho no que diz respeito a moções de censura às opções de política interna. O actual primeiro-ministro só é batido por Francisco Sá Carneiro, que só esteve no governo 11 meses (morreu em Dezembro de 80) e foi logo censurado. E - também à excepção do fundador do PSD - foi Passos que mais depressa viu a censura chegar à sua política: a primeira iniciativa do género chegou apenas um ano depois de ter tomado posse. Curiosamente, o remetente foi o mesmo, para os dois primeiros-ministros sociais-democratas: o PCP.

Na história da democracia portuguesa somam-se 24 moções de censura a 11 governos constitucionais. A primeira surgiu seis meses depois de Sá Carneiro ter entrado em funções como primeiro-ministro, pela mão do PCP, mas não chegou a ser discutida “por questões de agenda e férias parlamentares”, de acordo com o arquivo da agência Lusa. O fundador do PSD acabou por não conhecer o sabor de uma moção de censura, mas foram poucos os governantes a passarem por São Bento sem o sentirem. Nos curtos governos entre 76 e 79, não houve moções e no de Pedro Santana Lopes - igualmente curto - também não.

De resto, o carimbo da censura esteve sempre lá, apesar de só ter tido eficácia em 1987, com a moção do PRD que fez cair o primeiro governo de Cavaco Silva. Nas legislativas que se seguiram, Cavaco alcançou a primeira maioria absoluta da história, que renovou em 1991. Em 11 anos foi censurado por quatro vezes. Uma das moções veio do CDS (em Outubro de 1994), na sequência do buzinão dos aumentos na ponte 25 de Abril. “Cavaco estava na sua fase final, na parte mais decadente da maioria”, lembra Narana Coissoró. “Éramos cinco deputados e apresentámos a moção depois dos acontecimentos na ponte, mas a censura era por causa de um acumular de situações. Cavaco Silva apareceu a defender-se sozinho na bancada do governo”, recorda ao i. A moção foi chumbada pela maioria.

DUAS CENSURAS POR ANO 

Hoje o CDS faz parte do governo mais censurado em tão pouco tempo. Num ano e nove meses, o executivo PSD/CDS já enfrentou quatro moções de censura: a média é duas por ano. E, a partir de amanhã, passa também a contar com uma raridade: a censura vem do maior partido da oposição. O PS só utilizou este instrumento parlamentar por quatro vezes, desde 74. A primeira foi contra Francisco Pinto Balsemão, em Fevereiro de 1982, a segunda foi na primeira maioria de Cavaco, em 1989, e a terceira foi contra Durão Barroso, em 2003, pelo apoio aos EUA na Guerra do Iraque.

Aliás, os partidos do arco da governação tendem a ter maior parcimónia no uso da censura. No caso do PSD, foi usada uma única vez, contra António Guterres em Setembro de 2000. Motivo? “O PSD censura o governo pela situação a que conduziu o País na economia, nas finanças e na segurança”, explicou no plenário Durão Barroso, líder do PSD.

A argumentação com a situação económica é recorrente. Passos Coelho conhece-a bem. A governar com a troika instalada no país, esta é a quarta moção que o primeiro-ministro vê chegar sob o mesmo tema. Duas delas vieram do PCP (em Junho e Outubro de 2012), a terceira foi a do Bloco de Esquerda, a quarta veio do PS.

LAGES À PARTE 

Uma variedade assim, com todas as bancadas parlamentares que não estão no governo a utilizarem este instrumento parlamentar, só foi conhecida em 2003, com Durão Barroso no poder. É certo que o primeiro-ministro social-democrata também acabou por ser rápido a ser censurado - um ano depois de estar em funções - mas aqui a situação era excepcional e o tema era de política externa: a posição portuguesa na guerra do Iraque e a aparição de Barroso na famosa fotografia da Cimeira das Lages (ao lado de George W. Bush, Tony Blair e Jose Maria Aznar). O feito fez PS, PCP, BE e Verdes a avançarem com a censura no mesmo dia: 21 de Março.

Nos seis anos de José Sócrates, a censura bateu à porta por seis vezes. Só o PSD não avançou com uma moção, e tendo até segurado o governo - através da abstenção - quando Sócrates não tinha maioria absoluta no parlamento. Foi assim em Maio de 2010, perante uma investida do PCP, e em Março de 2011, na moção do BE.

As moções precisam de maioria absoluta, ou seja, do voto favorável de 116 dos deputados em efectividade de funções. Mesmo em governos minoritários, a eficácia foi sempre nula - tirando o caso do PRD - no que à queda do governo diz respeito. O objectivo tem sido sobretudo de afirmação política, com a censura a ser sobretudo arma comum dos partidos mais pequenos. O PCP usou-a por oito vezes, o Bloco cinco e o CDS apenas quatro. O PS chega amanhã a este número, garante que quer fazer cair o governo, mas tem chumbo garantido, apesar do apoio da extrema esquerda. Será mais um momento de ruptura política.

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