Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Já toda a gente
séria percebeu que a sustentabilidade do Estado depende do crescimento
económico e do emprego. Não há contas públicas em ordem com mais de 20% de
desempregados e em recessão permanente. Podem continuar a cortar que nunca
será suficiente. E, no entanto, quase todas as medidas que Passos Coelho
anunciou na sexta-feira aumentam o desemprego, adiam o crescimento económico e
destroem mais um pouco o mercado interno.
Os despedimentos
na função pública (que Passos mascarou de "requalificação" e de
"rescisão por mútuo acordo") é o caso mais evidente. Como os
funcionários públicos não recebem subsídio de desemprego, suspeito que depois
de ficarem dois anos na gaveta a perderem salário e a sofrerem pressões
para irem embora (sobretudo os sem cartão partidário ou com o cartão
errado) até desistirem, vão para miséria. Se assim não for, são mais
30 mil a receber da subsídio sem estrarem a trabalhar. Seja como for, em plena
crise e sem postos de trabalho disponíveis no privado, são mais desempregados,
menos rendimento, menos pagamento de impostos, menos descontos para a segurança
social, Estado mais pobre e menos sustentável.
A fusão da
Caixa Geral de Aposentações com a Segurança Social, podendo ou não ser correta
do ponto de vista dos princípios, para ter como resultado a poupança estimada
pelo governo só pode resultar no corte de pensões já existentes. O que,
para além de um rude golpe na credibilidade do Estado junto dos cidadãos, é
menos rendimento disponível, menos consumo, mais crise.
O aumento da
idade da reforma adia a substituição dos trabalhadores ativos mais velhos,
sem folga para se puderem dar ao luxo de não receber magra reforma completa.
Assim, aumenta o desemprego jovem, que anda pelos 40%. Mais desempregados,
menos rendimento, menos pagamento de impostos, menos descontos para a segurança
social, Estado mais pobre e menos sustentável.
O aumento dos
descontos para a ADSE e restantes subsistemas públicos é a única medida
proposta que não tem efeitos recessivos e que, já o defendi várias vezes, me
parece justa. Sendo a ADSE facultativa, quem não puder ou não quiser descontar
para ela pode usar, como todos os restantes cidadãos, o Serviço Nacional de
Saúde. Não perde, assim, rendimento. E o Estado, garantindo a
autossustentabilidade deste subsistema, deixa de transferir para a
medicina privada recursos públicos fundamentais para o SNS, que a todos deve
servir.
A criação do novo
imposto, este definitivo, sobre as reformas, a que Passos eufemisticamente
chamou Contribuição Extraordinária de Sustentabilidade, é mais um
machadada nos massacrados reformados. Que vive de uma estranha convicção de que quem
descontou a vida toda em função dos rendimentos que recebia não pode nem deve
ser de classe média. Nem sequer remediado. Tem de ser pobre. Vale a pena
recordar que os reformados que não são miseráveis têm sido a verdadeira
segurança social de filhos e netos. Deixarão de poder cumprir esta função.
Junte-se a estas sucessivas medidas de redução dos rendimentos dos reformados o
aumento das rendas de casa e temos tragédia completa. É possível que este
imposto venha a cair para permitir que Paulo Portas cante vitória por uma
medida quem nem um décimo do total deste novo pacote de austeridade representa.
Por fim, temos a redução
em 10% com o que, nas habilidosas palavras de Paulo Portas, "o Estado
gasta consigo próprio". Para chegar a estes 10% não se pode cortar apenas
em despesas administrativas (que todas as atividades precisam). Tem de se
cortar em salários e despesas fundamentais para o seu funcionamento. Ou seja,
tem de se cortar nos hospitais, centros de saúde, escolas, universidades,
esquadras de polícia... São menos tarefas desempenhadas pelo Estado que,
sendo fundamentais para a vida das pessoas, terão de ser compensadas por
encargos dos cidadãos. Ou seja, perda rendimento, queda no consumo, mais
falências, mais desemprego, mais crise, menos receitas fiscais, um Estado que
será cada vez mais insustentável.
Onde o governo não
vai buscar dinheiro é no que realmente dispensávamos: os fabulosos lucros
das concessionárias das PPP, o dinheiro que a banca está a ir buscar ao ovo de
Colombo que foram as swap, nos benefícios fiscais às grandes
empresas e banca que o autêntico queijo suíço que é o nosso sistema fiscal
garante, na extraordinária fortuna que meia dúzia deve ao BPN. Aqui, o pântano mantem-se
igual, como antes.
Não é preciso ser
adivinho para perceber que este massacre não será o último. Como aconteceu
com os anteriores, os seus efeitos serão os opostos aos pretendidos.
Seguindo a perversidade da política de austeridade, a crise irá aprofundar-se,
o mercado interno continuará a minguar, o desemprego continuará a aumentar, o
Estado continuará a perder receitas fiscais, a nossa dívida pública continuará
a subir. Estaremos cada vez mais longe do fim da crise. Mesmo que o
milagroso momento da ida aos mercados aconteça, chegaremos lá em austeridade e
crise, bem piores do que de quando lá saímos. E aí perguntaremos: tudo isto foi
exatamente para quê?