No
fim deste dia acabamos as postagens com uma Imagem Escolhida, muitas vezes com
origem no We Have Kaos inthe Garden, como a que aqui está. Tem por
título Nosferatu, que é sinónimo para vampiro.
Nosferatu
na literatura, no cinema, nos filmes vampirescos e de horror, de terror.
Nosferatu em Belém, Lisboa, Portugal. Sem ficção, personagem da realidade de
todos os portugueses. Um medíocre mal-falante que rasa a imbecilidade
e a demonstra sem consciência do ridículo.
Personagem
vampiresca que traz os amigos e aliados para o ato de sugar o mais possível,
contribuindo para a alarmante, gravíssima e galopante anemia que devasta
Portugal e os portugueses. Personagem de horror e de terror.
Um medíocre xico-esperto que só por servir a grupos de domínio
ascendeu à primazia dos poderes. Nosferatu, sem dúvida. Mas na realidade terrivel, que
não na ficção.
Paulo Portas pode
dar as piruetas que quiser, fazer as coreografias que entender, gritar que é
"politicamente incompatível" com a taxa de sustentabilidade das pensões.
Pode até fazer o pino no Palácio das Necessidades ou jogging em Caracas que o
"cisma grisalho" que jurou querer evitar já está instalado.
Depois de ter
conseguido virar trabalhadores do sector privado contra funcionários públicos,
o Governo segue agora a mesma receita de casta, isto é, virar os novos contra
os velhos, confrontando os "grisalhos" com a acusação de que vivem -
só falta dizer criminosa e parasitariamente - à custa dos descontos de quem
está hoje no ativo. A pretexto da solidariedade intergeracional - como se ela
existisse apenas num sentido -, pretende-se fazer crer que a Segurança Social
só terá futuro se as expectativas de quem, com carreiras contributivas mais ou
menos longas, conquistou o direito a viver o que resta da vida com dignidade e
tranquilidade forem agora defraudadas. Como se, nos últimos dois anos, os
pensionistas tivessem ficado isentos da austeridade. Como se, num país onde
existem mais de um milhão de desempregados - mais de 40% são jovens - e em que
só 44% recebem subsídio de desemprego, não fossem os reformados a contribuir
para que não falte o pão na mesa a filhos, noras e netos. Isto também é, como é
óbvio, solidariedade entre gerações.
Nas últimas duas
semanas, como nos últimos dois anos, assistimos a uma ofensiva de terrorismo
social sem precedentes, com alvos bem selecionados: os mais velhos e os mais
novos, os reformados e os funcionários públicos.
Primeiro alarmam-se
três milhões de cidadãos com o anúncio de uma taxa sobre as pensões que, 48
horas depois, ficamos a saber não reúne o consenso na coligação. Mais tarde, e
não sei quantos Conselhos de Ministros extraordinários depois, percebemos que a
taxa, aceite pela troika como garantia para o fecho da sétima avaliação, é
afinal facultativa e não obrigatória - como se alguém, no seu perfeito juízo,
acreditasse que as medidas acordadas com "estes senhores" não
tivessem carácter obrigatório. E descobrimos que "a fronteira que não pode
ser ultrapassada" pelo partido dos contribuintes e dos reformados ficou
afinal para trás no momento em que o líder do CDS permitiu a inclusão da taxa
no menu acordado. Portanto, a taxa existe e ponto final! E este é o mesmo Paulo
Portas que, continuando no Governo, não cora de vergonha nem pede perdão à
Nossa Senhora de Fátima por se associar à convergência retroativa dos regimes
de pensões - mais uma inconstitucionalidade grosseira - validando um novo
esbulho de 10% aos reformados.
E depois há o
problema demográfico que torna insustentável a Segurança Social. É verdade que
em Portugal nascem cada vez menos crianças. Mas quem é que se arrisca a ter
filhos na iminência de ficar desempregado e numa recessão económica sem fim à
vista? E será que a insustentabilidade do sistema de pensões não resulta também
da redução drástica da matéria tributável e contributiva, consequência de um
desemprego que continua a crescer?
Se a isto juntarmos
o plano de despedimentos na administração pública, os cortes nos subsídios de
desemprego, a falta de políticas de crescimento e criação de emprego, e todas
as medidas austeritárias que são o alfa e o ómega da governação, ficamos
esclarecidos sobre as razões que levaram em tempos o primeiro--ministro e um
ex-secretário de Estado a incentivar os jovens a saírem da sua zona de conforto
e a emigrarem para outras paragens. Desde o início que o plano ideológico do
Governo de Passos Coelho e de Vítor Gaspar, com a cumplicidade de Paulo Portas,
era, afinal, ver-se livre do maior número possível de portugueses. Velhos ou
novos.
O número de
desempregados subiu 11% em abril. Total atinge 728.512 pessoas
O número de desempregados no final de abril aumentou 11% em termos homólogos,
num total de 728.512 pessoas, com mais 72.614 inscritos nos centros de emprego,
segundo dados mensais do Instituto de Emprego e Formação Profissional
(IEFP).
No final de abril, os
centros de emprego do Continente e Ilhas registavam 901.441 pedidos de emprego
(mais 14,9% do que em 2012), tendo o número de inscritos diminuído ligeiramente
face a março (-0,8%).
Os desempregados há
mais de um ano aumentaram 31,4% em termos homólogos, totalizando 319.541
inscritos, enquanto os que tinham um tempo de inscrição inferior a um ano
diminuíram 0,9% para 408.971 inscritos.
O número de
desempregados à procura de um primeiro emprego apresentou uma variação homóloga
de 24,8% (60.631), enquanto o número de pessoas que querem um novo emprego
aumentou 10% (667.881).
Ao longo do mês de
abril, inscreveram-se nos centros de emprego 57.992 desempregados (mais 5.032
do que no mesmo mês de 2012), destacando-se o aumento nos Açores (20,5%) e no
Norte (12,7%).
O "fim de
trabalho não permanente" continua a ser o principal motivo para a
inscrição (35%), seguindo-se o despedimento (16,6%).
As ofertas de
emprego aumentaram 37,6% comparativamente a abril de 2012 e 13.271 estavam por
preencher.
O líder
do partido alemão minoritário de eurocépticos defendeu hoje a expulsão da
zona euro dos países em crise no Sul da Europa "para o seu bem" e a
reintrodução das moedas nacionais na Grécia e em Portugal, refere o
"Diário de Notícias". O partido Alternativa para a Alemanha
(AfD) sublinha que a reintrodução das moedas nacionais pressuporia um
acordo relativo ao perdão da dívida soberana dos países que abandonassem a zona
euro.
Bernd Lucke
afirma que os países em crise teriam "a oportunidade" de recuperar a
competitividade económica ao regressar à sua própria moeda. No entanto, defende
que a Alemanha deve conservar o euro. Estas declarações foram prestadas
durante uma entrevista ao jornal alemão 'Frankfurter Allgemeinen
Sonntagszeitung', que será publicada na íntegra no domingo, o presidente do
novo partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Bernd Lucke, sublinha que a
Alemanha deve conservar o euro, ao contrário do cepticismo inicial a esse
respeito, "mas os países do sul da Europa não".
O AfD frisa que a
reintrodução das moedas nacionais pressuporia um acordo relativo ao perdão da
dívida soberana dos países que abandonassem a zona euro, apontando a Grécia
como um deles, e "quiça" Portugal.
"A saída do
euro ajudaria o sector privado a recuperar a competitividade perdida",
destaca Bernd Lucke.
O processo poderia
ser realizado com a introdução através de uma "transição suave" de
"uma moeda paralela ao euro" até ser "possível material e
economicamente" colocar em circulação as antigas moedas nacionais, conclui.
Este fim-de-semana
proponho uma viagem diferente. Uma viagem ao Imaginário e às dimensões do
Fantástico para quebrar a rotina do emprego ou do desemprego. Não precisam de
preparar bagagens nem de ter dinheiro. Basta ir. Tão-somente. Comecemos então.
O Reino de Cristal
A primeira proposta
é para o Reino de Cristal. Este Reino tem a paisagem dominada pelo imenso
Palácio de Cristal, caracterizado por quatro imponentes torres, que representam
os quatro pontos cardeais. A norte a torre de marfim, a Sul a torre de mármore,
a Este a torre de madeira e a Oeste a torre de prata. No cimo das torres os
terraços são em forma de círculo, de onde se pode ver todo o horizonte.
A torre de mármore,
a Sul, é guardada por A Bao A Qu, uma identidade que reage á qualidade das
almas. A Bao A Qu vive, em letargia, no primeiro degrau da escada de caracol da
torre. Apenas manifesta vida consciente quando alguém sobe as escadas. Se quem
sobe as escadas tiver alma pura, o A Bao A Qu, torna-se um ser luminoso, bonito
e agradável. Mas se a alma for impura o A Bao A Qu torna-se numa imensa bola
cheia de espinhos, que impede o visitante de subir.
O Reino de Cristal
é governado pelo Rei Tritão II, um nobre ictiocentauro, homem da cintura para
cima e peixe da cintura para baixo. Tem cauda de peixe e as patas dianteiras de
leão. A rainha é uma linda princesa dos Reinos do Sul que tornou-se, pelo
casamento realizado com Tritão II, na rainha mais bela do Reino de Cristal.
A Ilha do Pirata
Aconselho o viajante
a não perder a Ilha do Pirata. Chegue cedo ao Reino de Cristal, visite-o com
atenção, percorra os cantinhos todos e a meio da tarde pisgue-se para a Ilha do
Pirata, alugando um barco ou um hidroavião.
Nesta ilha o
viajante encontra a Estátua Sensível, uma invenção de Condillac filósofo
francês do seculo XVIII, que usou este seu invento para refutar a doutrina das
ideias inatas, desenvolvida por um outro filósofo francês, Descartes. Condillac
imaginou uma estátua de mármore, representando um homem, onde alojou uma alma
inexperiente, que nunca pensou, nem entendeu, conferindo-lhe, como único
sentido, o olfacto.
O cheiro do jasmim,
durante um breve instante, foi o universo da estátua de mármore. Depois vieram
outros cheiros e aromas e a maresia. Mais tarde surgiram a consciência, a
atenção, a memória, a comparação, a percepção da diferença, a analogia, o
juízo, a reflexão e a imaginação. A estátua adquiriu, assim, as faculdades do
entendimento. Após estas, percepcionou o amor e o ódio, a esperança e o medo,
as faculdades da vontade. Este processo criou na estátua a noção abstracta do
número, meio indispensável para o passo final: a aquisição dos restantes
sentidos e com eles a noção de espaço. Humanizado, com pele de mármore, vontade
própria e consciente, Estátua Sensível encontrou nesta ilha o seu habitat
natural.
Um outro ser
intrigante, que usualmente vem oferecer os seus serviços aos viajantes é o Ser
Hipotético, cuja pele tem apenas um ponto sensível e móvel, na extremidade de
uma antena, o que não lhe permite ter percepções simultâneas. Para ele o mundo
exterior é apreendido pela simples projecção ou retracção da sua antena móvel.
As suas tarefas na ilha estão relacionadas com os assuntos meteorológicos e de
orientação. No entanto os Brownies são sempre os primeiros a receber os
visitantes, quando estes descem no cais. Os Brownies são pequenos homenzinhos,
não tendo mais de meio metro de altura, barbudos, de pele castanha, e que
realizam todas as tarefas.
A Ilha do Pirata é
circular, com uma pequena baía, de um verde luxuriante, provocado pela densa
floresta. O sítio ideal para pernoitar por aqui é a casa do Pirata, situada no
cume de uma alta montanha, subindo-se até lá através de um elevador,
movimentado por um moinho, em cujas pás cai a água de uma cascata. É uma casa redonda,
tal como a ilha, com dois pisos, sendo os quartos no segundo piso e as áreas
funcionais e de convívio, no primeiro piso.
A Ilha é um
santuário de aves exóticas. Despertam a atenção dos viajantes umas estranhas
aves, os Perítios, metade cervos e metade aves, com a cabeça e as patas dos
cervos e as asas e plumagem de aves. As fêmeas têm uma plumagem verde escura e são
maiores, sendo os machos, mais pequenos e como plumagem cor celeste. Embora
tenham um comportamento pacífico, são muito territoriais e agressivos para com
os estranhos, pelo que aconselha-se os viajantes a terem alguns cuidados, no
relacionamento com estas aves. A sombra dos Perítios tem a particularidade de
ser a sombra de um ser humano.
A floresta da Ilha
é povoada por enormes árvores e plantas das mais variadas espécies, aves cujas
plumas são arco-íris e cujo canto encanta o ouvido mais duro. Uma das poucas
espécies animais que habitam a ilha e não voam, para além da imensa variedade
de peixes que habitam o rio que a atravessava e o mar que a circundava (e
alguns são peixes voadores), são os Macacos da Tinta.
Estes macacos
tinham 4 a5 polegadas
de comprimento, de pelo azul-escuro, muito sedoso e suave e olhos grandes e
brilhantes. O seu comportamento é bastante curioso. Quando vê alguém a escrever
ou a pintar, senta-se a seu lado, com as pernas cruzadas, aguardando que
acabem, para beber a tinta que sobra.
De grande beleza
são as Tartaruga-Génio, feitas de água, fogo e luz das estrelas. Na sua
carapaça lê-se o nome, impronunciável, de Deus, com 666 sílabas. O visitante
pode ainda apreciar a Mandrágora. Tem as negras, fêmeas e as brancas, machos. A
sua raiz é de leite coalhado e quando se arrancam emitem um grito de dor.
O Reino de Zibar
Se não gosta de
pirataria, nem de piratas e prefere ambientes mais místicos ou góticos, ou se
acabou de perder a namorada num encontro sadomasochista (apaixonando-se a sua
noiva pela dominadora) tem uma alternativa.
O Reino de Zibar é
um estranho reino, dominado pelos Seres Térmicos, seres que não são visíveis,
nem tangíveis, embora se possam tornar visíveis aos outros seres, se assim o
desejarem, através das cores que podem gerar através do seu calor. Os Seres
Térmicos são constituídos apenas por calor, por ar quente. Há muitos anos
atrás, o Reino de Zibar estava ligado ao Reino de Zan. Mas os habitantes de
Zan, também eles constituídos por fogo, preferiram separar-se dos Seres
Térmicos e entregaram o poder, na sua parte da Ilha a um grande Rei, com um
rosto de chama branca e o corpo de fogo.
Enquanto o Reino de
Zan proíbe o contacto com os estrangeiros, sendo nele proibido entrar, no Reino
de Zibar é o oposto. Os Seres Térmicos ocupam apenas uma pequena parcela do
território, permitindo que os estrangeiros possam usufruir do restante espaço
do seu reino, que acabou por se tornar num grande mercado, embora controlado
pelas rígidas leis dos Seres Térmicos.
Este é um Reino
habitado por animais estranhos. Nos espelhos de Zibar encontramos os Animais
dos Espelhos, que navegam pelos espelhos como peixes na água. Estes animais não
têm forma e são muito esquivos. Por sua vez, no Sul do Reino, na floresta de
Perelandra, habita o Monstro de Lewis, uma espécie pacífica, que tem o nome de
monstro apenas devido ao seu enorme tamanho. É negro, sem pelo e brilhante. As
suas patas dianteiras são parecidas com jovens árvores e as suas patas
traseiras são idênticas às de camelo. Têm um enorme ventre, branco e pescoço de
cavalo. O seu rosto é humano, com grandes e rasgadas bocas e narizes achatados.
A cauda é enorme e peluda, sendo cor-de-rosa nas fêmeas e azul clara nos machos
e comunicam entre si cantando. Apesar do seu tamanho, são tímidos. As fêmeas
não têm leite para amamentar os filhos, que são entregues, durante 3 meses, a
fêmeas de outras espécies, que os amamentam.
Outro animal destas
paragens, que habitam as florestas das províncias do norte do reino, é o Sonho
de Kafka, um enorme burro, com muitos metros de comprimento, com uma grande
cauda branca e uma cabeça pequena e oval. É pacífico e brincalhão. Nas
florestas de Nantucket, na região centro, as árvores dão frutos vermelhos e
nelas reside um animal com cerca de 3 pés de comprimento e 6 polegadas de altura,
de patas curtas mas com afiadas garras escarlates, semelhantes a corais. De pelo
liso e sedoso, todo branco, com uma cauda pontiaguda de pé e meio de extensão,
cabeça de gato, orelhas caídas e dentes vermelhos, é conhecido pelo nome de
Sonho de Poe.
Outra
característica do Reino de Zibar é a água. As águas dos rios e afluentes que correm
na floresta de Nantucket têm um aspecto de águas poluídas. Quando se despenham,
ficam consistentes, tipo goma. Não é água incolor, mas púrpura, embora numa
vasilha fique incolor e com veios distintos.
O Reino de
Youwarkee
Para os que se
apaixonaram, durante a semana, pela dominadora e ela não vos dá qualquer
hipótese, o Reino de Youwarkee é a solução. Não aconselho os viajantes que
passam nesta região a andarem por aqui muito despreocupados. Este é um reino
perigoso. Youwarkee é rainha dos Glums uma tribo alada, metade Homens e metade
aves e foi ela quem fundou o reino. Fêmea da sua espécie, Youwarkee, que foi
casada com um Homem, despreza, no entanto a espécie humana, ao ponto de ter
assassinado o seu marido, antes de ser rainha. Quando os seus braços se abrem,
surgem asas de sedosas plumas. É de uma grande crueldade, tal como toda a sua
tribo.
Neste reino, para
além dos Glums, a tribo dominante, existem os Trolls, gigantes escravizados
pelos Glums, que habitam em cavernas miseráveis. São seres malignos, muito
estúpidos, mas muito úteis para os trabalhos que requerem esforço físico e para
a guerra. Alguns são dotados de duas ou, até mesmo, três cabeças.
A fauna do Reino de
Youwarkee é constituída por animais exóticos, como o Tao-T’ieh, animal com dois
corpos, uma só cabeça e seis patas. A sua cara pode ser de tigre, no caso das
fêmeas, ou de dragão, no caso dos machos. Ao nascerem, têm, todos, rosto
humano. São animais pacíficos, herbívoros e comedores de peixes pequenos e
insectos, conhecidos por serem glutões. A Sul do reino habitam os Tigres
Vermelhos, a Norte os Tigres Negros, a Oriente os Tigres Azuis, a Ocidente os
Tigres Brancos e nas Províncias centrais os Tigres Amarelos. Por fim a
Uroboros, uma serpente enorme, com mais de 20 metros de comprimento,
que devora a sua própria cauda. A Uroboros habita nos rios e afluentes deste
reino.
A Ilha do Inferno
Se são vocês os
dominadores ou dominadoras e apaixonaram-se por um parvalhão de um passivo ou
por uma escrava estupida, que não entende patavina de paixão, aconselho-vos
este lugar. A Ilha do Inferno é o lugar mais desolador de todos os mundos,
habitada pelos seres mais malignos do universo e o único ponto de passagem para
o Deserto dos Yinn, que fica no seu interior, no meio do Lago do Enxofre. É um
local cheio de perigos inumeráveis, em que toda a flora é carnívora, os solos são
armadilhas, as lamas paralisam qualquer ser vivo e as areias movediças ou as
pedras comedoras de Homens abundam O litoral é um cemitério de embarcações
abandonadas e de esqueletos de visitantes.
Entre as inúmeras
espécies que a habitam destacam-se: a Anfisbena, uma serpente com mais de 2 km de comprimento, 500 metros de largura e
duas enormes cabeças, posicionadas, cada uma no extremo oposto da outra; o
Cérbero, um cão de tamanho descomunal, com 3 cabeças, 4 olhos em cada cabeça,
pelo negro, espetado, garras enormes e longas fileiras de dentes afiados. A sua
cauda é uma serpente. Devoram as suas vítimas e aprisionam-lhes as almas; o
Devorador das Sombras, que retira as sombras aos humanos incautos; o Dragão, um
ser alado com cornos de búfalo, cabeça de camelo, dentes de leão, olhos
vermelhos, pescoços de serpente, todo o corpo coberto de escamas, garras de
águia, patas de tigre e orelhas de boi, que expele fogo das suas narinas e
habita as profundidades das Montanhas do Inferno; o Leviatã com cabeça e rosto
de Homem, pescoço de serpente, patas e juba de leão e corpo de peixe; a Hidra,
uma imensa serpente com 666 cabeças e o Mantícora, um animal horrível, comedor
de carne humana, com 3 filas de dentes, rosto e orelhas de Homem, olhos azuis,
corpo de leão e cauda equipada com aguilhões de lacrau, que atira com grande
precisão e com os quais atinge as suas vitimas, paralisando-as, para depois as
devorar.
A Ilha do Inferno é
dominada pelas Banshee, umas fadas horrendas, cuja arma mortal é o seu gemido,
o keening. Podem assumir formas de mulheres esbeltas ou de sereias e são
noctívagas. As suas tropas são constituídas pelos Swedenborgs, demónios
sangrentos, de aspecto humano, com mais de 2 metros de altura, loiros
e de olhos azuis. Os Swedenborgs só podem ficar expostos ao sol da manhã ou do
fim da tarde, pois o sol mais forte queima-lhes a pele e eles perdem o rosto
ficando com um cheiro fétido. Nos ciclos de reprodução, quando as Banshee ficam
com o cio, utilizam os Swedenborgs. Das crias resultantes, as fêmeas são
Banshee e os machos Swedenborgs.
Se visitarem o
Deserto dos Yinn, no meio do Largo do Enxofre, desejo-vos boa sorte. Os Yinn
são seres feitos de fogo, mas de um fogo escuro e sem fumo. Podem assumir as
mais variadas formas, voarem, atravessar paredes ou tornarem-se invisíveis. Têm
o hábito de raptar as mulheres mais belas, para poderem pedir resgate, ou
venderam-nas às tribos de outros desertos. O seu chefe é o terrível Iblis,
considerado invencível.
Núbia
Se não andam
metidos em cenas eróticas e têm relações consideradas saudáveis aconselho-vos a
visitar o Reino da Núbia, uma vasta região no Sul do mundo. Nela habitam os
Hochigans, tribo de feiticeiros, de pele escura, que falam com os animais, os
Homens dos Bosques, de pele clara, caçadores, os SanSan, de pele castanha,
pastores, os Humbaba, gigantes castanhos, que guardam as fronteiras do Reino e
a Montanha Sagrada do Atlas, os Lamed, legisladores, os Wufniks, responsáveis
eleitos para exercerem o poder executivo, as Lâmias, fadas negras, que habitam
as florestas densas, metade mulheres, metade serpentes e os Pigmeus, a maioria
da população, agricultores, artesões, comerciantes, policias, soldados,
professores, feiticeiros da saúde e restantes actividades.
A sua fauna é
vasta, com animais de todos os tamanhos e variedades, assim como a sua flora
diversificada. No entanto haverá que destacar, na sua fauna, alguns exemplares
mais exóticos: os Kami, um peixe subterrâneo, que habita nas margens dos rios,
por debaixo dos solos, que tem patas de aranha e corpo esguio, como a enguia.
Tem mais de 20 metros
de comprimentos e 5 de largura. Quando nasce parece um escaravelho enorme, mas
depois evolui para a sua forma própria; o Kraken, uma cobra dos mares, com mais
de 50 metros
de comprimento e 20 de largura, que destrói grandes embarcações, mas que
deposita os seus ovos nos desertos, para além das florestas densas; os Lémures,
almas errantes, que assumem a forma de um símio, noctívagos, habitam as copas
das árvores mais altas das densas florestas; as Nagas, serpentes com 7 cabeças;
o Nesnás, uma criatura que tem só um lado; o Nivelador, uma enorme criatura,
com 8 pernas e 16 patas, corpo de hipopótamo, tromba de elefante e um corno de
rinoceronte; a Pantera arco-íris, mais pequena que o leão, do tamanho do
Leopardo, mas com a pele de todas as cores e o Pelicano Verde, uma ave de porte
médio, que domina os céus do reino e os seus mares, também, pois é uma ave
comedora de peixe, para além de ter o habito de raptar humanos recém-nascidos.
O Reino da
Tranquilidade
Para os que buscam
sossego, serenidade e um pouco de aventuras tranquilas, esta é a melhor
solução. Governado pelo Buda Sereno, um sábio rei que se estabelecera naquelas
paragens e que governa com sabedoria e bom senso, o Reino da Tranquilidade é um
ser vivo. As pedras, os grãos de areia, as rochas, o solo, o subsolo, as
plantas, os animais, os habitantes, são tudo partes desse imenso ser vivo.
Aqui podem ser vistos
os Bahamut, hipopótamos sagrados, o Behemoth, um elefante gigantesco, incolor,
que tem o poder de se tornar invisível e que produz encantamentos de grande
poder e o Burak, o cavalo alado do Profeta.
Para além dos cavalos-marinhos,
de grande porte, que abundam nestas águas, o viajante pode impressionar-se com
o Kapila, o enorme e descomunal peixe das 100 cabeças e com o Elefante Branco,
um elefante incorpóreo, com 6 presas, que poderá, se o viajante o deixar entrar
no seu cérebro, estabelecer contacto com a Esfinge Enigma, sábia mulher com
corpo de leão, que reside nas Montanhas Tranquilas.
Espero que apreciem
os destinos aqui mencionados. Para a semana trago mais. Estamos juntos.
Na madrugada de 17
de maio morreu como havia nascido, entre armas, na solidão e no ostracismo, tal
como devia morrer: na prisão, condenado por seus crimes contra a humanidade.
Nasceu entre baionetas e armas e morreu só, em uma cela, ao amanhecer, como
costumam morrer algumas ratazanas. Agora só lhe restará o consolo dos
obituários que seguramente muitos sobrenomes ilustres publicarão no jornal La
Nación, sintoma de que a oligarquia argentina chora o último de seus bandidos.
Por Oscar Guisoni, Especial para Carta Maior.
Nasceu entre
baionetas e armas e morreu só, em uma cela, ao amanhecer, como costumam morrer
algumas ratazanas. O ex-ditador argentino Jorge Rafael Videla chegou ao mundo
em 2 de agosto de 1925 em uma pequena cidade da província de Buenos Aires. Seu
pai era militar e seu avô havia sido governador na província de São Luis, no
final do século XIX, em um período onde era amo e senhor da Argentina outro
assassino, Julio Argentino Roca, o homem que conduziu a campanha militar que
exterminou os indígenas na Patagônia e que instaurou o projeto oligárquico e
liberal reivindicado pelos ricos produtores agropecuários do porto de Buenos
Aires para impor seu projeto de república bananeira.
Foi assim como seu destino esteve ligado desde o início à casta militar a que
pertencia. Uma casta que, durante o século XX, se erigiu em guardiã da ordem
conservadora, interrompendo pela força os processos democráticos populares
desde 1930, sempre sob as ordens dessa oligarquia portenha que se acreditava
dona do país, que havia se aliado com a Inglaterra no século XIX e que, partir
de 1955, se aliaria com os Estados Unidos.
E como as armas sempre estão acompanhadas pela cruz, o futuro assassino dos
pampas se transformou desde jovem em um católico devoto. Ele se casou com uma
senhora de pomposo sobrenome anglo-saxão, filha de um embaixador, com quem teve
sete filhos, e em poucos anos ascendeu como estrela fulgurante entre a dura
hierarquia das baionetas. Em 1960 – enquanto a Argentina mergulhava em um dos
períodos políticos mais instáveis, com o peronismo proscrito desde 1955 e os
militares interrompendo a vida civil do país de forma contínua -, dirigiu a
Academia Militar, até que o então ditador Alejandro Agustín Lanusse o nomeou
diretor do Colégio Militar da Nação, uma das instituições aristocráticas nas
quais se formavam os futuros generais que depois conduziam os golpes de estado.
Em 1973, o ex-presidente Juan Domingo Perón consegue que se movimento político
possa participar nas eleições depois de 18 anos de proibição e regressa ao país
em meio a uma agitada situação política, com os militares em retirada em um
punhado de movimentos guerrilheiros surgidos nos anos sessenta que ameaçavam
encerrar também pelas armas a luta de poder no país. São os tempos da Guerra
Fria e em todo o continente as castas militares e seus aliados econômicos se
preparam para executar o que logo se conheceria como Plano Condor, uma
repressão sistemática e generalizada coordenada pelos Estados Unidos para
acabar para sempre com a insurgência armada e qualquer possibilidade de
estabelecer alianças e sistemas econômicos diferentes na América Latina em
relação aos então vigentes. Nesse ano, Videla se transformou o chefe do Estado
Maior do Exército, promovido pelos seus próprios pares.
Em 1974, o envelhecido Juan Domingo Perón morre e assume o governo sua mulher,
a direitista María Estela Martínez de Perón, “Isabelita”, que abre o caminho
para a formação de grupos de ultradireita como a Triple A, que, à sombra do
Estado, começam a executar dirigentes de esquerda, deputados, intelectuais,
abrindo as portas ao terrorismo de estado. Em 1975, “Isabelita” o nomeia
comandante em chefe do Exército, o lugar a partir do qual executará no ano
seguinte o último golpe de estado na história contemporânea argentina.
Desde o começo, ditadura inaugurada por Videla em 1976 teve muito claro seus
objetivos: “reorganizar” o país através de um “processo” sangrento (o governo
se autodenominou “Processo de reorganização nacional”), capaz de extirpar pela
raiz toda possibilidade de instaurar outro projeto econômico que não o apoiado
pelas elites portenhas proprietárias das ricas terras expropriadas a força dos
povos indígenas, um século antes.
O novo ditador assumiu com gosto sua função de exterminador, tal como havia
feito um século atrás Juan Lavalle, o primeiro militar argentino que colocou à
disposição dos latifundiários as armas do exército para dirimir pela força os
diferentes projetos de país em disputa que tinham surgido da Revolução de Maio
e da independência da Espanha, em 1816. Ele se sentia tão cômodo em sua nova
função que até se permitiu conceber um novo método para assassinar inimigos
políticos: a desaparição forçada de pessoas. Dessa maneira, explicou, se
poupavam o aborrecimento de ter que fuzilar os seus opositores. Para isso, os
militares sob seu comando criaram uma rede de campos de concentração
clandestinos nos quais os prisioneiros eram torturados primeiro e depois
lançados ao mar ou em uma fossa comum, impedindo que seus familiares
encontrassem seus corpos. Para completar o horror, as Forças Armadas se
apropriavam não só das propriedades dos presos desaparecidos, como também de
seus filhos, que eram distribuídos entre militares e empresários amigos.
O regime que inaugurou e que dirigiu até 1980, afundou na própria infâmia
depois da derrota na Guerra das Malvinas, em 1982. Em 1983, junto com o retorno
da democracia, chegam também os primeiros ares de justiça e, em 1984, começa o
mítico processo judicial das Juntas Militares que culmina com a condenação à
prisão perpétua de Videla e seus capangas. Em 1991, o peronista Carlos Menem os
indulta, como parte de seu projeto político neoliberal que implica ter as
Forças Armadas contentes enquanto os setores oligárquicos continuam desfrutando
do modelo econômico instaurado em 1976.
Em 2003, assume a presidência Néstor Kirchner, um peronista mais próximo da
esquerda, que anula os indultos e abre a porta para a continuidade dos
julgamentos. Videla volta á prisão e é envolvido em um punhado de julgamentos,
dos quais sai condenado. O mais simbólico ocorre em 2010, quando é apontado
como um dos principais responsáveis pelo roubo de bebês, um dos crimes mais
repugnantes da ditadura.
Passou seus últimos anos na cadeia, já que seu excelente estado de saúde não
permitiu que gozasse dos benefícios da prisão domiciliar, usufruído por alguns
de seus cúmplices. Da sua solidão e ostracismo até se permitiu questionar o
atual governo por ter permitido que se retomassem os julgamentos, mas nunca
quis pedir perdão nem se mostrou arrependido de seus crimes. Ao cair da noite
da quinta-feira, sentiu-se mal e comunicou o fato a seus carcereiros. Na
madrugada de 17 de maio morreu como havia nascido, entre armas, na solidão e no
ostracismo, tal como devia morrer: na prisão, condenado por seus crimes contra
a humanidade. Agora só lhe restará o consolo dos obituários que seguramente
muitos sobrenomes ilustres publicarão no jornal La Nación, sintoma de que a
oligarquia argentina chora o último de seus bandidos.
Para reduzir
maioridade penal, mídia espalha medo e preconceito. Porém, país prende como
nunca — e não se tornou mais seguro
Andressa Pellanda –
Outras Palavras
Ele era um menino
de ainda 10 anos. Não teve a presença de um pai ou de uma mãe em sua vida.
Morava às vezes com a avó, às vezes com a tia, na periferia de São Paulo. Era
mais um entre 41,90 milhões de habitantes (21,60% da população brasileira).
Frequentava, obrigado, a escola pública da região. Em sua turma eram ele e mais
quarenta colegas de classe. A professora tinha outras cinco turmas para cuidar
e não dava conta. Ele ainda não sabia ler palavras inteiras, lia letra por letra,
engasgadas no caminho. No dia em que teve pneumonia, sua avó percorreu tantos e
tantos hospitais da região em busca de uma vaga de internamento nas pediatrias
lotadas do sistema público de saúde, o SUS. Sua casa era feita de alvenaria,
cheia de frestas, por onde o vento frio corria durante a noite. Ele se encolhia
ao lado de mais três irmãos, que dividiam a cama no único cômodo da casa. Foi
crescendo e, cedo, sentiu apertar a necessidade da vida. Fez uns bicos aqui e
ali e logo entrou para o tráfico. Essa situação hipotética ilustra a realidade
de inúmeros jovens brasileiros.
Terça-feira, 9 de
abril de 2013. Victor Hugo Deppman, 19, jovem estudante universitário de classe
média, é morto com um tiro na cabeça durante um assalto na porta de casa, no
Belém, zona leste de São Paulo. O jovem foi abordado por volta das 21h na porta
do edifício onde morava. Testemunhas disseram à polícia que um homem atirou
contra o estudante, em um assalto. Em seguida, o suspeito fugiu na garupa de
uma moto. Um adolescente, que completou 18 anos na sexta-feira seguinte, dia
12, é suspeito de ter cometido o crime. A ação foi registrada por uma câmera de
segurança, que mostra que a vítima não reagiu. O disparo em direção à cabeça
foi dado segundos após o jovem entregar o celular. Segundo a polícia, o
suspeito só procurou a Vara da Infância e da Juventude, na companhia da mãe,
após o irmão ter sido levado para a delegacia.
Todos os meses,
brasileiros, frutos de um estado de injustiça social, cometem crimes como este.
Muitos deles são menores de 18 anos, idade da maioridade penal nacional. Apenas
5% são mulheres, e o perfil desses jovens é o retrato do preconceito no Brasil:
a maioria é negra e moradora da periferia de São Paulo e do interior. Segundo o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 43% dos adolescentes infratores foram
criados apenas pela mãe, e 17% pelos avós. 86% dos adolescentes que cumpriam
internação declararam não ter concluído o ensino fundamental. E assim se dá a
intersecção entre as duas histórias.
No Brasil, a Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), dispõe sobre a proteção integral à parcela da população que tem até 18
anos de idade incompletos. Nela são assegurados os direitos fundamentais, mas
também a proteção em casos de ação ou omissão da sociedade ou do Estado, dos
pais ou responsável, e em razão de sua conduta. Em seu título III, o ECA prevê
a inimputabilidade de adolescentes e crianças menores de 18 anos, assim como as
medidas socioeducativas em seu capítulo IV, como advertência, obrigação de
reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
inserção em regime de semiliberdade, ou internação em estabelecimento
educacional.
A Fundação Centro
de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é uma instituição vinculada
à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania e tem por missão
aplicar medidas socioeducativas de acordo com as diretrizes e normas previstas
no ECA e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) – sistema
regulamentador da execução das medidas. A Fundação CASA presta assistência a
jovens de 12 a
21 anos incompletos no Estado de São Paulo (já que o período máximo de
internação não pode exceder três anos, de acordo com o Artigo 121 do ECA e,
assim, a liberação aos 21 anos se torna compulsória). Hoje, a Fundação CASA
atende quase 10 mil jovens, segundo dados da própria instituição.
O caso de Deppman
trouxe à tona o debate em torno da idade da maioridade penal. A grande mídia
brasileira, de caráter concentrado e conservador, encheu seus noticiários com
reportagens, artigos e programas em torno do assunto. Os adjetivos mais ouvidos
eram “absurdo”, “terrível”, “lamentável”, referindo-se não à imensa
desigualdade social no país, que gera mais violência, mas aos índices
crescentes e alarmantes da criminalidade, ressaltando o sentimento de
impunidade desses jovens. A Fundação CASA cumpre, entretanto, o papel de
responsabilização de jovens infratores pelos crimes por eles cometidos, como
previsto no ECA. Há aí, portanto, uma confusão entre impunidade e
imputabilidade que, segundo o Direito Penal, é a capacidade da pessoa em
entender que o fato é ilícito e agir de acordo com este entendimento.
Depois de alguns
dias de contínuo endosso nas televisões e jornais, o Datafolha, órgão de
pesquisa ligado à Folha de São Paulo – maior jornal diário de circulação
nacional do país -, divulgou a conclusão de uma pesquisa à população: “contra
ou a favor da redução da maioridade penal”. O resultado já era esperado. 93%
dos paulistanos concordam com a redução da maioridade penal, 6% são contra, e
1% não soube responder. Foram ouvidas 600 pessoas e a margem de erro é de 4
pontos. “A demonstração de apoio à redução da maioridade penal revela um apoio
a uma solução mais imediatista”, afirmou Mauro Paulino, diretor-geral do
Datafolha. Para Luís Fernando Veríssimo, escritor brasileiro, esses casos
“extremos” testam a razão da humanidade. Para ele, muitas vezes acabamos
“retrocedendo ao tempo da reciprocidade bíblica”. Leonardo Sakamoto, importante
jornalista brasileiro e fundador da ONG Repórter Brasil1, declarou, em um
de seus artigos sobre o tema que tem medo de “indivíduos maníacos por sangue”,
mas tem mais medo ainda de “uma sociedade maníaca por sangue”. “Vingança não é
Justiça”, complementa.
Além da mídia,
partidos e alas do governo também apoiam a redução. O governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin (PSDB), defende que o ECA “não consegue atender às novas
demandas” e deve haver punições maiores para crimes hediondos, como homicídios,
estupros e latrocínios, defendendo mudanças para aumentar o tempo máximo de
medida sócio-educativa para 8 anos e transferência do adolescente, ao completar
18 anos, da Fundação CASA ao sistema penitenciário tradicional. Durante a
gestão do partido em São Paulo, há 18 anos no governo, o aumento da população
carcerária foi intenso. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN), o crescimento no número de presos em São Paulo nesses 18 anos foi de
247%. O número total de presos em penitenciárias e delegacias brasileiras subiu
de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho de 2012. Os índices de
criminalidade, entretanto, não diminuíram. Segundo dados da Secretaria da
Segurança Pública, o número de vítimas de homicídios dolosos cresceu 37,3%, de
91 em fevereiro para 125 em março de 2013. Na comparação com março de 2012, a alta foi de 26,2%.
O total de ocorrências registradas teve uma alta de 0,7% entre o primeiro
trimestre de 2012 e o de 2013.
Além desses dados
alarmantes, o índice de reincidência nas prisões no país é de 70%, de acordo
com estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O Brasil tem a 4ª maior
população carcerária do mundo, só ficando atrás dos EUA, China e Rússia,
respectivamente. Depois de visita inédita ao Brasil, em abril deste ano, uma
comitiva da Organização das Nações Unidas (ONU) concluiu que há excessiva
privação da liberdade no país, baixíssima aplicação de medidas alternativas à
prisão e grave deficiência de defensores públicos para os detentos. A maior
parte da população amontoada nos superlotados e degradantes presídios
brasileiros é negra (60%). Cerca de 80% da população prisional está presa por
crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas, condutas imputadas às pessoas
pobres para quem resta ou procurar um ofício miserável dentro da legalidade ou
se socorrer de caminhos informais. “De acordo com as normas do Direito
internacional, prisão é exceção, e não regra. A principal medida provisória no
Brasil ainda é a prisão. Os juízes relutam em adotar medidas alternativas, pois
não há mecanismos de controle dessas medidas”, disse Vladimir Tochilovsky,
membro da comissão de inspeção da ONU.
É possível, dessa
forma, verificar que não há relação direta entre punições repressivas e
diminuição da violência, muito pelo contrário. Está cada vez mais comprovado
que educar é mais eficiente – e humano – que punir. Em seis anos de
funcionamento do novo modelo da Fundação CASA, ele apresentou uma série de
avanços. Dentre eles, a queda expressiva nas taxas de reincidência e na
ocorrência de rebeliões. Em 2006, antes da reformulação, 29% dos jovens em
internação reincidiam. Hoje, a taxa está em torno de 13%. As rebeliões caíram
de 80 ocorrências em 2003 para apenas uma, em 2009. Latrocínio e homicídio
representam, cada um, menos de 1% dos casos de internação de jovens para
cumprimento de medida socioeducativa, sendo a maioria dos casos de internação
por crimes contra o patrimônio (roubo e furto) e tráfico de drogas. Geralmente
são pequenos traficantes, viciados que vendem drogas para sustentar seu vício e
não controlam a lógica do tráfico. Com a redução da maioridade, muitos jovens
deixarão de ter acesso a um tratamento reinclusivo, passarão a integrar a já
inflada e desumana situação carcerária no Brasil e, portanto, terão menos
chances de sair de uma vida de crime.
Não é só no Brasil
que a maioridade penal é aos 18 anos. 42 países, de 53 pesquisados por um
levantamento da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República, adotam esta faixa etária. Em países como a Noruega, a taxa de
reincidência prisional é de 20%. A diferença de reincidência entre os países
está nas teorias que sustentam seus sistemas de execução penal. Nesta, a que
prevalece é da reabilitação, reforma e correção, em que a ideia é reformar
deficiências do indivíduo (não o sistema) para que ele retorne à sociedade como
um membro produtivo.
Diversos órgãos
especializados, tratados e códigos são contra a redução. A Convenção sobre os
Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a
Declaração Internacional dos Direitos da Criança, compromissos assinados pelo
Brasil, defendem a maioridade aos 18 anos. O Unicef expressa posição contrária
à redução, assim como à qualquer redução desta natureza. A nível nacional, a
redução atinge a Constituição Federal Brasileira, com sua Doutrina da Proteção
Integral, tornando a criança e o adolescente sujeitos de direitos, passando a
tratar os mesmos como pessoas em especial condição de desenvolvimento. O
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), o
Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo, a Confederação Nacional de
Bispos do Brasil (CNBB), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Fundação
Abrinq, o governo federal, entre outras instituições, defendem um debate
ampliado para que a legislação não seja modificada no país.
Reduzir a
maioridade penal é tratar o efeito e não a causa. Trata-se de um discurso
politicamente conveniente, uma resposta fácil à indignação popular com a
violência, mas sabidamente uma medida inócua, que ignora o cerne da questão. O
problema está na base estrutural dos direitos fundamentais negados a tantos
jovens pelo país. Assim, reduzir a maioridade é transferir o problema,
isentando o Estado do compromisso com a juventude e com a construção social.
1 A Repórter Brasil
foi fundada em 2001 por jornalistas, cientistas sociais e educadores com o
objetivo de fomentar a reflexão e ação sobre a violação aos direitos
fundamentais dos povos e trabalhadores no Brasil. Devido ao seu trabalho,
tornou-se um das mais importantes fontes de informação sobre trabalho escravo
no país. Suas reportagens, investigações jornalísticas, pesquisas e
metodologias educacionais têm sido usadas por lideranças do poder público, do
setor empresarial e da sociedade civil como instrumentos para combater a
escravidão contemporânea, um problema que afeta milhares de pessoas.
No ano de 1832,
durante a sua famosa viagem que renderia a teoria da evolução, Charles Darwin
passou alguns meses no Brasil onde ficou maravilhado com a diversidade vegetal
e animal, porém saiu horrorizado pelo país ser escravocrata.
No livro "O
Diário do Beagle" ele escreve "No dia 19 de agosto, finalmente,
deixamos as praias do Brasil. Agradeço a Deus e espero nunca visitar outra vez
um país escravocrata. Até hoje, ouço um grito longínquo, lembro com dolorosa
nitidez do que senti quando passei por uma casa perto de Pernambuco". O
Brasil viveria por mais meio século até chegar o fim de um periodo que havia
durado mais de três séculos de escravidão".
Nesse último dia 13
de maio completaram 125 anos da promulgação da Lei Aurea que estinguia
definitivamente a escravidão no Brasil sendo aprovada por 85 votos favoráveis e
9 votos contrários. Através dessa lei o país se tornou o último na América que
tinha mão de obra escrava, mas mesmo tendo a liberdade a situação dos mais de
um milhão de afrodescendentes continuou sendo problemática, alguns continuaram
a trabalhar nas fazendas onde já viviam porém como homens e mulheres livres e a
grande maioria seguiram com a esperança de que teriam uma terra somente sua,
mas o que se teve foi uma grande exclusão social para esses novos cidadãos
brasileiros.
A discriminação
racial foi algo que veio acompanhando os afrodescendentes desde o Brasil
Colonial e mesmo agora com leis severas contra qualquer tipo de discriminação
racial ainda existe o "racismo velado". Recentemente a TV Al-Jazeera
apresentou o documentário Open Arms Closed Doors que conta a visão de
um imigrante africano, o rapper angolano Badharo, que vive na comunidade da
Maré no Rio de Janeiro sobre o preconceito racial e seus efeitos. Nesse
documentário se vê que por mais que o Brasil seja formado por pessoas
miscigenada o preconceito é algo que ainda demorará a ser extinguido
definitivamente.
A contribuição a
cultura brasileira dos afrodescendentes foi muito grande na música, dança,
literatura, culinaria entre tantas outras. Essas influências se reflete até
mesmo no idioma com palavras que somente tem no portugues do Brasil. Segundo o
Censo de 2010 os afrodescendentes representa de 51% da população brasileira. Na
educação superior 12,8% eram negros e 13,4% pardos, mas para Eloi Ferreira de
Araujo que foi presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) esse número irá
mudar por causa da política de cotas: "A construção da igualdade no Brasil
está diretamente ligada à educação. Ao aprovar a constitucionalidade das cotas,
o STF já deu início a essa longa caminhada, que faz valer a nossa Constituição
e o Estatuto da Igualdade Racial em sua plenitude". No mesmo Censo também
apresenta um aumento dos afrodescentes na classe média e de pessoas em altos
cargos que antes predominavam apenas brancos.
Apesar das
melhorias conquistadas nesse um pouco mais de um século de liberdade a
população afrodescendentes ainda luta para que haja igualdade e não uma
segregação por causa da cor da pele. A nação brasileira é muito conhecida pelo
mundo por causa do samba, capoeira e feijoada que são originarios dos
afrodescendentes porém hoje isso é do povo brasileiro e não de uma cor de pele.
Uma nação que tem como idolos afrodescendentes como no futebol Pelé e
Garrincha, nas artes Machado de Assis, Aleijadinho, Pixinguinha, Cartola e
tantos outros nomes pode também viver com a certeza de que não é a tonalidade
de pele que fará um cidadão ser menos ou mais pois todos são brasileiros,
filhos da mesma pátria pela qual se deve orgulhar por ter pessoas que com
diversidade, porém o que os une é o fato de ser brasileiro.
Na história da
captura em Moscou do agente da CIA Ryan Fogle o que mais intriga não é o
equipamento arcaico do espião norte-americano, mas o montante do contrato por
traição.
Ryan Fogle prometeu
à pessoa que pretendia recrutar 100 mil dólares adiantados pela vontade de
colaborar, mais um pagamento anual de um milhão de dólares. A potencial
“toupeira” era um oficial do FSB com um excelente histórico de operações
antiterroristas no Cáucaso do Norte.
O conjunto
antiquado de objetos de espionagem que Fogle tinha consigo (um mapa em papel,
uma peruca, uma bússola) e o alto montante da remuneração prevista causaram uma
reação mista na mídia. Muitos dos meios de comunicação mundiais viram
inicialmente no caso um escândalo de espionagem artificialmente inflado.
A experiência
mostra que não se deve exagerar nem minimizar a eficácia dos métodos de
obtenção de informações utilizados pelas agências de inteligência, diz o
cientista político Vladimir Slatinov, perito do Instituto de Estudos
Humanitários e Políticos. Ele lembrou uma história bastante recente, quando o
canal de televisão Rossiya, uns anos atrás, transmitiu uma reportagem sobre as
“pedras de espionagem”, colocadas num jardim e recheadas com dispositivos
eletrônicos. Grande parte do público também encarou o caso de forma irônica.
Mas depois, foram obtidas provas claras de que “pedras de espionagem”
existiram, e de que eram realmente utilizadas pela inteligência britânica para
transmitir e receber informações.
Na recente história
de Ryan Fogle, as piadas e comparações com uma simples comédia de espionagem
terminaram quando o FSB revelou que a situação atual repetiu, quase que
seguindo o mesmo padrão, outra história que teve lugar apenas quatro meses
atrás. No início do ano, a contraespionagem russa apanhou o agente da CIA
Benjamin Dillon, que também trabalhava sob a cobertura de terceiro secretário
da embaixada dos EUA e que também tentou recrutar um oficial do FSB. Ou seja,
os agentes da CIA em Moscou tiveram a imensa “sorte” de “dar um tiro no pé”
duas vezes em poucos meses.
Quanto ao montante
do adiantamento e do “subsídio” anual que Fogle propôs ao oficial russo, os
números são realmente bastante altos, notou Vladimir Slatinov em entrevista à
Voz da Rússia:
"Isso pode ser
explicado, por um lado, pelo fato de os serviços (dos agentes) estarem
realmente ficando mais caros, e o dólar dos EUA se estar desvalorizando. Por
outro lado, isso pode ser explicado pelo fato de as agências de inteligência
dos Estados Unidos não pouparem dinheiro para obter informação muito importante
para elas."
O fabuloso
pagamento prometido pelo agente da CIA ao oficial do FSB não é razão para
piadas, diz o diretor do Centro de Análise Geopolítica Valeri Korovin,
especialmente quando se trata de estabilidade no Cáucaso do Norte e da obtenção
de informações da parte de pessoas que trabalham no principal serviço secreto
da Federação Russa:
"Os americanos
não poupam meios, não poupam dinheiro, e tenho certeza de que o processo de
recrutamento de membros de nossos serviços especiais envolve todos os
funcionários da embaixada começando por McFaul e terminando no terceiro
secretário, que é a figura menor na hierarquia diplomática da embaixada
americana em Moscou."
Os serviços de
inteligência das grandes potências nunca tiveram tarifas rígidas para os
serviços dos agentes recrutados. Provavelmente, agora também não existem, disse
à Voz da Rússia um coronel aposentado, um ex-oficial de inteligência da KGB da
União Soviética, e atualmente famoso escritor, Mikhail Lyubimov. Muitos agentes
estrangeiros trabalhavam para a inteligência soviética por convicção
ideológica. Mas, mesmo aos agentes pagos, o KGB nunca pagou verbas tão
exorbitantes. Tudo dependia da situação particular.
No entanto, de
acordo com Mikhail Lyubimov, as agências de inteligência ocidentais tão pouco
demonstravam grande generosidade aos traidores da URSS. Continua desconhecido
por que montante a inteligência britânica “comprou” o famoso desertor da KGB
Oleg Gordievsky. Mas a pensão anual de 40.000 libras
esterlinas que lhe foi atribuída pelo governo britânico chegou a ser discutida
quase no parlamento. Na altura, e, mais ainda, nos tempos de hoje, esta não é
uma soma muito significativa.
O agente mais bem
pago do serviço de inteligência da Rússia (SVR, na sigla russa) é um ex-agente
sênior da CIA, o “super-espião” Aldrich Ames que foi descoberto nos Estados
Unidos em 1994. Durante nove anos de trabalho para a SVR, as contas bancárias
de Ames acumularam um milhão e meio de dólares, de acordo com relatos da mídia
norte-americana.
Mas, em geral, um
dos espiões mais “económicos” ainda é considerado o cidadão do Líbano, um
ex-membro do conselho da cidade de Baalbek, Ali Taufiq Yari. Preso pelos
serviços secretos libaneses por trabalhar para a Mossad, este espião teria
recebido de Israel um total de 600 mil dólares.
Talvez, na Rússia
os traidores estejam a esgotar-se e, por isso oferecem-lhes o dobro do preço...
O Departamento de
Justiça americano grampeou os telefones de repórter da Associated Press, num
movimento que está sendo chamado de “intrusão perturbadora”, “espionagem de
estado”, “atentado à liberdade de expressão”, “lapso fascista” e “a volta aos
tempos de Nixon”.
O grampo, em mais
de vinte telefones, foi motivado por uma investigação do governo para saber
como a AP conseguiu informações a respeito de um plano para bombardear o Iêmen.
A AP deu uma matéria sobre o plano, que envolvia um agente duplo trabalhando
para a CIA e para a Al-Qaeda.
O governo dos EUA
monitorou ligações de gente em Nova York, Washington e Hartford, no estado de
Connecticut. Numa
carta aberta, o presidente da AP, Gary Pruitt, classificou o grampeamento
como “uma intromissão sem precedentes na apuração de notícias” e exigiu que as
gravações fossem devolvidas e todas as cópias destruídas.
“Não há justificativa
possível para isso”, disse Pruitt. (Os métodos de Obama já vinham sendo
questionados desde a admissão, por parte da Receita Federal, de que as contas
de grupos conservadores, como o Tea Party, tiveram um tratamento mais rigoroso
do que o normal).
Geralmente,
invasões dessa natureza em organizações de mídia ocorrem após uma intimação
oficial. Não foi o caso. A AP afirma que o aviso de que havia sido grampeada
veio do Departamento de Estado na sexta -feira passada.
A comunidade
jornalística está batendo pesado. Para uma editora da revistaNew Yorker, Jane
Mayer, parte do problema vem da revolução tecnológica. “É muito mais fácil
hoje, para o governo, espionar a Internet e as linhas telefônicas do que era no
passado”, diz.
Jonathan Landay,
repórter dos jornais do grupo McClatchy que denunciou em várias ocasiões a
morte de civis por drones nos ataques “inteligentes” no Oriente Médio, acha que
o efeito dessas atitudes será o oposto ao desejado: “vamos nos esforçar mais
ainda no nosso trabalho. Quanto mais o governo tenta controlar informações
críticas a ele, mais danos traz à democracia”.
A União Europeia
parece uma Igreja corrompida, governada por um país, a Alemanha, que impõe uma
ortodoxia financeira dogmática. Para a colunista Barbara Spinelli, a política
deve retomar o controlo da situação, através de um cisma protestante, gerado
por iniciativas populares.
Este tipo de coisas
só acontece na Europa à deriva, não por razões económicas, mas devido à inépcia
convulsiva da sua política: estamos a falar do escândalo de um Tribunal
Constitucional alemão determinar hoje a vida de todos os cidadãos da União,
enquanto o Tribunal Constitucional português não tem qualquer peso.
Referimo-nos a Jens Weidmann, o presidente do banco central alemão, que acusa
Mario Draghi de exorbitar as suas funções – salvar o euro, com os meios à sua
disposição – e declara descaradamente guerra a uma moeda a que chamamos única,
precisamente porque não pertence apenas a Berlim.
Na verdade, o
mandato do BCE é claro, embora Jens Weidmann conteste a sua
constitucionalidade: manter a estabilidade dos preços (artigo 127º do Tratado de Lisboa),
mas respeitando o artigo 3º, que determina o desenvolvimento sustentável da
União, o pleno emprego, o melhoramento da qualidade do meio ambiente, a luta
contra a exclusão social, a justiça e proteção sociais, a coesão económica,
social e territorial e a solidariedade entre os Estados-membros. Algo não está
a funcionar bem no percurso atual da União Europeia, em que o artigo 3º nem
sequer aparece no site de Internet do BCE, talvez por temor
que Berlim fique ressentida.
Partidos devem
deixar de enganar eleitores
Dentro de um ano,
em maio de 2014, vamos votar a renovação do Parlamento Europeu. Essa data terá
uma especial importância, sobretudo para os italianos. Porque a Europa da
troika (FMI-BCE-Comissão Europeia) nunca teve tanto peso nas nossas vidas.
Porque os seus remédios anticrise são contestados pelas populações de todo o
continente, abalando mesmo o médico mais ansioso por administrá-los: no dia 22
de setembro, os alemães vão às urnas e, talvez recompensem a Alternativa para a
Alemanha, um partido antieuropeu, acabado de eclodir em fevereiro. Os partidos
terão de deixar de fazer crer que podem “vergar” Angela Merkel. Especialmente
em Itália, vão ter de deixar de enganar os eleitores e cidadãos. Pela primeira
vez, finalmente, se ousarem, poderão designar o presidente da Comissão
Europeia. É o que está nos tratados.
Estamos a falar de
mentiras, porque nenhum governo pode fazer vergar Berlim com os argumentos
puramente económicos até aqui utilizados: um pouco menos austeridade, algum
crescimento, ligeiras facilidades. Firmemente convencida de que só os mercados
nos conseguirão disciplinar, a Alemanha só mudará de rumo se a política se
sobrepuser às teorias económicas que degeneraram em dogma. Isto se os governos,
os partidos políticos e os cidadãos manifestarem uma visão clara sobre como
deve ser outra Europa, que não a atual, dotada de recursos indigentes e com um
equilíbrio de poderes que foram buscar ao século XIX.
União Europeia parece
uma igreja corrupta
Presentemente, a
União Europeia parece uma igreja corrupta, a precisar de um cisma protestante:
uma Reforma de credo e de léxico. De um plano pormenorizado (as teses de Martinho Lutero tinham 95
pontos). Só opondo-lhe uma fé política poderemos descartar o papado económico.
É a única maneira de romper com a religião dominante, e Berlim terá que
escolher entre uma Europa à alemã e uma Alemanha à europeia, entre a hegemonia
e a paridade entre os Estados-membros. É uma escolha com que a Europa se
confronta sistematicamente: Adenauer dizia, em 1958, que a Europa “não deve ser
deixada na mão dos economistas”.
A ortodoxia
germânica não é de hoje. Afirmou-se a seguir à guerra, com o nome de
“ordoliberalismo”: como são sempre racionais, os mercados sabem perfeitamente
corrigir os desequilíbrios, sem interferência do Estado. É a ideologia da “casa
em ordem”: cada país expia sozinho os seus pecados (em alemão, “Schuld”
significa tanto “dívida” como “culpa”). Solidariedade e cooperação
internacional vêm depois, como recompensa para os países que fizeram bem o
trabalho de casa. Tal como em Inglaterra, a democracia é invocada de modo
falacioso: delegando pedaços de soberania, esvaziam-se os parlamentos
nacionais. E é assim que o Tribunal Constitucional alemão é chamado a
pronunciar-se sobre qualquer iniciativa europeia.
Democracias não
estão em pé de igualdade
Se existe embuste,
é porque, dentro do navio Europa, as democracias não estão todas em pé de
igualdade: há sacrossantos e condenados. Em 5 de abril, o Tribunal
Constitucional português invalidou quatro medidas da cura de austeridade
impostas pela troika (cortes nos salários da Função Pública e nas pensões de reforma),
por serem contrárias ao princípio da igualdade. O comunicado divulgado no dia
seguinte pela Comissão Europeia (dia 7 de abril), ignora completamente o
veredicto do Tribunal e “congratula-se” por Lisboa prosseguir a terapia
acordada, recusando qualquer renegociação: “É essencial que as principais
instituições políticas portuguesas permaneçam unidas no apoio” à recuperação em
curso. A diferença de tratamento dos juízes constitucionais alemães e
portugueses é tão desonesta que o ideal europeu vai ter dificuldade em
sobreviver junto dos cidadãos da União Europeia.
Há quem diga que a
Europa conseguirá sobreviver se a hegemonia alemã for mais benevolente,
mantendo a hegemonia. Foi o que George Soros expressou, em setembro de 2012, à
New York Review of Books, apresentando argumentos sólidos. O Governo polaco
exige-o. Na Alemanha, a benevolência é reivindicada por aqueles que temem não a
hegemonia, mas uma autoidolatria pouco ostensiva, introvertida.
Europa numa
encruzilhada
Hegemonia e
autoidolatria são, porém, os sintomas, não a causa do mal que assombra
cronicamente a Alemanha. Se a Alemanha quis uma Europa supranacional, ao ponto
de o incluir na Constituição, foi porque os defensores do ordoliberalismo (do
Banco Central e da academia) foram várias vezes postos de lado. Adenauer impôs
a CEE e o pacto franco-alemão a um ministro da Economia – Ludwig Erhard – que
fez o que pôde para os enterrar, tendo acusado a CEE de “endogamia”
protecionista e “absurdo económico”. Com Londres, tentou torpedear o Tratado de
Roma, preferindo um acordo de comércio livre. Nem Adenauer, nem o primeiro
presidente da Comissão, Walter Hallstein, lhe deram ouvidos e a racionalidade
política prevaleceu. O cenário repetiu-se com o euro: atrelado a Paris, Helmut
Kohl privilegiou a política, ignorando economistas e Banco Central. Hoje, a
Europa está numa encruzilhada semelhante, mas com políticos camaleões,
desprovidos de verdadeira determinação. A crise destruiu as ilusões do povo
alemão. O ordoliberalismo politizou-se e acerta contas antigas.
Resta, portanto, a
solução do cisma: a construção de uma nova Europa, emanando da base e não de
governos. Já existe um projeto, escrito pelo economista Alfonso Iozzo: segundo
os defensores do federalismo, pode assumir a forma de uma “iniciativa cidadã
europeia” (artigo 11 º do Tratado de Lisboa), a apresentar à Comissão Europeia.
A ideia é dotar a União com recursos suficientes para impulsionar o
crescimento, em vez de forçar os Estados-membros ao rigor. Um crescimento não
só mais barato, porque concertado, mas também socialmente mais justo e mais
ecológico, porque alimentado pelos impostos sobre as transações financeiras, a
tributação sobre a produção de carbono e a criação de um IVA europeu. As duas
primeiras taxas podem angariar €80 a €90 mil milhões: o orçamento comunitário respeitaria
o limiar de 1,27% [do PIB], na altura acordado. Mobilizando o Banco Europeu de
Investimento e as obrigações europeias, chega-se a um plano de €300 a €500 mil
milhões e a 20 milhões de novos empregos na economia do futuro (investigação,
energia).
Para isto, é
preciso, no entanto, que a política volte à ribalta e deixe de ser um conjunto
de regras automáticas, mas, como preconiza o economista Jean-Paul Fitoussi, uma
escolha. Temos de recuperar a autossubversão de Lutero, quando redigiu as suas
95 teses e declarou, segundo alguns: “Nisto, estou certo. Não posso agir de
outro modo. Que Deus me ajude, ámen...”