terça-feira, 18 de junho de 2013

Portugal: CAVACO E A AUSTERIDADE



Mário Soares – Diário de Notícias, opinião

1. Segundo o Público, Cavaco, num discurso no Parlamento Europeu, criticou a política de austeridade em países vítimas como a Grécia e Portugal. Foi interessante e oportuno fazê-lo. Mas então porque não critica o Governo português fanático da austeridade, e até convidou o ministro das Finanças, Vítor Gaspar (que é quem manda no Governo) e o levou, uma vez, ao Conselho de Estado? O que aliás foi um fracasso enorme, porque nenhum conselheiro lhe fez uma única pergunta...

É contraditório e curioso que o Presidente da República, no Parlamento Europeu, discurse contra a austeridade e em Portugal se cale e proteja um Governo fanático da mesma. E mais: o ache legítimo, quando está paralisado há um mês, sem saber o que fazer e sem rumo. Está a arruinar o País e a vender a retalho (sem se saber por quanto e a quem) o nosso património. Lembremo-nos do desastre que acontece com os CTT, que davam lucros e estão a desaparecer onde fazem mais falta, na província.

A continuar assim não admira que baixe nas sondagens - como nunca se viu - e que em Portugal seja vaiado, quando sai de Belém. O mesmo acontece aos ministros e secretários de Estado deste Governo, a que está ligado, como cúmplice e protetor, ao contrário do que manda a Constituição da República, que jurou cumprir...

Pobre Portugal, que assim não pode deixar de ir, de mal a pior. Todas as portuguesas e os portugueses que amam patrioticamente o seu país o sentem na pele...

2. A GRÉCIA E PORTUGAL - Durante dois anos que o atual Governo já conta, para nosso mal, que Passos Coelho e Gaspar, entre outros, gritaram, com bastante displicência: "Não somos a Grécia"! Como se a Grécia fosse um país qualquer e não o berço da nossa civilização ocidental que nos ensinou a filosofia, a ciência e a democracia.

Contudo, o tempo foi passando e nós portugueses fomo-nos cada vez mais parecendo com os gregos: vítimas dos mercados usurários e da imposição alemã da austeridade.

Agora o Governo grego, seguramente por pressão alheia, contra a vontade de dois dos três partidos da coligação, resolveu acabar com a rádio e a televisão oficiais. Para economizar? Não faz sentido. Note-se, contudo que o falso doutor Relvas, quando ainda era ministro do atual Governo, tentou fazer o mesmo, com a nossa televisão. Felizmente não o conseguiu, porque teve muitas oposições, entre as quais destaco, por ser relevante, no bom sentido, o cineasta António-Pedro Vasconcelos.

Mas o Governo atual, à deriva como está, com ou sem Relvas, ou com ele na semiclandestinidade, mas ainda com bastante influência no primeiro-ministro, do qual, como se sabe, é sócio, pode voltar à carga. Os funcionários e os jornalistas da televisão portuguesa que se acautelem e não tenham medo de falar. O medo, não esqueçam isso, além de lhes ficar muito mal, não os poupa nem antes nem depois. Falem em consciência e digam o que pensam. É o que se espera de uma comunicação social a sério e autor-responsável que começa a ter uma pressão que é outra forma, mais hábil, de fazer censura. Até para poder ser vista e ouvida, com aplauso, dos portugueses...

Os partidos, mesmo os da esquerda, dado o descrédito da política em geral, devem renovar-se e adaptar-se aos novos tempos que aí vêm.

3. ATENÇÃO! A DEMOCRACIA JÁ NÃO É A QUE FOI - A democracia num país, com medo e com uma justiça que não funciona, para os poderosos e os ricos - mas tão-só para os pobres - e uma classe média a definhar-se, não pode deixar de ser uma democracia com muitas sombras e falhas. É o que tem estado, infelizmente, a acontecer. Para além da tentativa de destruição do Estado social, a democracia do pós-25 de Abril está a ficar definhada, como o Estado de direito.

No próprio Parlamento há falhas entre os que têm medo de falar e se calam e os raros que se atrevem a dizer o que pensam. Os partidos estão a deixar de ser populares, como os políticos. No PSD, dois terços dos militantes são críticos do Governo. Mas na maior parte estão calados. Os candidatos a presidentes das autarquias falam o menos possível do partido a que pertencem, para não perderem as eleições. Do Governo nem pensam em falar. O CDS se vier a fazer parcerias com o PSD, como se diz, comete um erro insanável. Só perde, como se verá. Aliás o CDS/PP, que ainda tem um bom score nas sondagens, se confia nessas parcerias, vai ter uma grande desilusão. A verdade, tarde ou cedo, vem sempre à tona de água...

4. A JUSTIÇA É O PIOR QUE TEMOS - Com as devidas exceções, como é natural. Ainda há, felizmente, bons juízes e delegados do Ministério Público. Mas os sindicatos dos magistrados e dos representantes do Ministério Público confundem-se com a política, recorrem, para se prestigiar, à comunicação social, o que só os desacredita, e aos poucos têm vindo a destruir o antigo prestígio que a justiça teve no passado. A justiça, todos o sabem, não funciona e leva meses e anos para que surjam as sentenças. A ministra da Justiça, que já disse querer demitir-se, não o fez. Mas é como se o fizesse. Não fala nem age. E deixa correr, porque quem conta são os sindicatos judiciais, que só pensam nos seus interesses.

5. UM CASO ESTRANHO - Sempre tive uma grande consideração e estima pelo dr. Francisco Assis, meu correligionário, embora não o tenha apoiado para líder do PS. Achei que depois de ter sido vencido por António José Seguro se comportou com enorme dignidade.

Mas desde há um ou dois meses começou a descarrilar, fazendo elogios a quem os não merece e tomando posições inverosímeis para um socialista. Em que ficamos? Espero que reflita - porque o estimo - para que não seja visto como oportunista.

6. O LÍDER DO PS - António José Seguro, meu camarada e amigo de sempre, desde que cortou com a austeridade e percebeu que este Governo, que tanto o injuriou, está em absoluto paralisado e a levar o nosso país ao desastre total, rompeu com ele e pede a sua demissão. Fez quanto a mim muito bem. Tem vindo, aliás, a dialogar com os partidos da esquerda radical e com os movimentos de esquerda sem representação parlamentar. Felicito-o por isso, porque representa, acima das ideologias, uma atitude patriótica.

Mas o mais importante, quanto a mim, é que foi o primeiro líder partidário a perceber a necessidade dos partidos de esquerda, dos países vítimas da austeridade - e agora são já muitos - a entender que é um objetivo prioritário vencer a crise da Zona Euro.

Ainda há dias se reuniu em Paris com François Hollande e muitos outros representantes dos partidos socialistas - no Fórum dos Progressistas Europeus -, onde além de propor que a Europa da Zona Euro "pague subsídios acima de 11% dos desempregados", defendeu - cito de novo - "a mutualização da Zona Euro acima dos 60%". E no plano político e social voltou a defender "que Portugal precisa com urgência de um novo Governo".

É um exemplo para todos os países vítimas da austeridade e para a própria Alemanha, que aliás começa a sentir que se não for assim leva a Zona Euro ao abismo. O que será extremamente negativo não só para a reeleição da chanceler Merkel como para o seu País.
Como tenho escrito, este é o caminho para vencermos a crise da Zona Euro e fortificar a nova Europa, que aí vem.

Faz-nos falta ainda a democracia cristã, cujos partidos o atual Papa bem poderia relançar. Fazem falta! E devem regressar à Zona Euro, para ajudar a pôr fim à loucura do neoliberalismo, metendo na ordem os mercados usurários e submetendo-os aos Estados, que têm vindo a ser vítimas do reacionarismo dos seus atuais governantes: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e do FMI, que causam as maiores dificuldades para vencer a crise da Zona Euro em que temos vivido. Da Grécia à Irlanda e Portugal e, depois, da Espanha à Itália, à Holanda, a Chipre, à Bélgica, à Suécia e à própria Finlândia e, porventura, à França.

Maria Luís Albuquerque a gerir "swaps" é como “entregar julgamento a um dos arguidos” - BE



Jornal i - Lusa

O BE acusou hoje o Governo de "branquear o envolvimento" da secretária de Estado do Tesouro no caso dos contratos ´swap' e considerou que confiar-lhe o processo de renegociações é como "entregar um julgamento a um dos arguidos".

Numa declaração política no Parlamento, a deputada do BE Ana Drago criticou a manutenção no Governo de Maria Luís Albuquerque, ex-responsável financeira da REFER, quando já foram demitidos "com estrondo" outros dois secretários de Estado que anteriormente participaram na gestão de empresas públicas.

"Há uma secretária de Estado que resiste, continuando sentada ao lado do ministro Vítor Gaspar, tendo responsabilidades diretas nesta história", afirmou a parlamentar bloquista.

Drago referiu que "quando o Governo tomou posse foi avisado" sobre os "contratos de seguro de risco assumidos por empresas públicas", que "tinham caraterísticas tóxicas altamente especulativas", e ao longo de um ano e meio "nada fez para travar a bola de neve", já "superior a 3000 milhões de euros".

"Um ano e meio de inação de Vítor Gaspar tornou-se rapidamente numa única e deliberada ação, proteger a face do Governo, separar Maria Luís Albuquerque dos restantes gestores públicos, dois dos quais ocupavam entretanto lugar no Governo", acusou.

A deputada do BE, que integra a comissão de inquérito aos contratos ´swap', considerou que "entregar a condução do processo a Maria Luís Albuquerque é como entregar o julgamento a um dos arguidos", acusando o executivo de "ligeireza no acautelamento do dinheiro dos cidadãos" e de não seguir recomendações do IGCP para uma "ação mais musculada".

"Como o que começa torto tarde ou nunca se endireita, em fevereiro, Maria Luís Albuquerque solicita à Inspeção-Geral de Finanças uma auditoria ao Metro de Lisboa, Metro do Porto, Carris, CP, STCP, EGREP, mas não pede nenhuma à REFER, a mesma REFER, recorde-se, cuja pasta financeira havia sido ocupada por Maria Luís Albuquerque", assinalou.

Após a declaração da deputada bloquista, a vice-presidente da bancada do PSD Teresa Leal Coelho sublinhou que o inquérito parlamentar a estes contratos de alto risco foi proposto pela maioria e acusou o BE de querer "fazer arruaça política" antes de as conclusões serem conhecidas.

"Se estivesse interessada nas conclusões da comissão de inquérito não vinha no início dos trabalhos trazer para a praça pública esta intervenção intempestiva, não faz nenhum sentido falar disto antes de ter conhecimento de causa sobre o assunto", advogou Leal Coelho.

Ana Drago ripostou que se o PSD está "interessado em apurar a verdade" deve "contribuir para que haja respostas" e lamentou que o Governo esteja a renegociar estes contratos "à revelia da comissão de inquérito".

A bloquista disse ainda que há três contratos "que desapareceram" do relatório enviado para o Parlamento: "Há oito contratos em vigor e cinco no relatório, queríamos saber o que aconteceu a esses três".

As bancadas do PS e do PCP associaram-se às críticas feitas pelo BE à gestão feita pelo Governo do processo das ´swap'.

"O PS entende que o Governo tem estado muito mal neste processo, conduzido com total opacidade", afirmou o socialista Filipe Neto Brandão.

O deputado do PCP Paulo Sá defendeu que o executivo deve explicações e criticou a linha "assumida na negociação" destes contratos.

Portugal: Observatório denuncia cortes na Saúde acima das exigências dos credores



Carlos Santos Neves - RTP

Retratar a “grave crise” é um objetivo assumido no Relatório de Primavera de 2013 que o Observatório Português dos Sistemas de Saúde apresenta esta terça-feira em Lisboa, um documento que questiona a política de “restrição” para o sector. Desde logo os 710 milhões de euros em cortes definidos no ano passado, montante “superior aos 550 milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika”. Ao mesmo tempo, é destacada a “preocupação” da tutela com a “sustentabilidade financeira do SNS”. Mas o país, concluem os relatores, contém “dois mundos”: o “oficial, dos poderes”, e o “da experiência real das pessoas”.

“Previa-se uma redução da despesa total em saúde de 710 milhões de euros, superior aos 550 milhões de euros necessários para implementar as medidas da troika. Porquê e para quê?”, perguntam os autores do documento Duas faces da saúde, ao debruçarem-se sobre o Relatório do Orçamento do Estado para 2012.

Um ano depois da publicação de um polémico relatório intitulado Um país em sofrimento, então fortemente criticado pelo Ministério de Paulo Macedo, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) volta à carga com a denúncia de um país que vive duas realidades distintas. De um lado, estimam em 2013 os relatores, estão “os poderes”. Do outro está a “experiência real das pessoas”.

Enquanto a vertente “oficial” entende que “as coisas vão mais ou menos bem, previsivelmente melhorando a curto prazo, malgrado os cortes orçamentais superiores ao exigido pela troika e a ausência de estratégia de resposta às consequências da crise na saúde da população”, a “experiência real das pessoas” caracteriza-se por um quadro de “empobrecimento, desemprego crescente, diminuição dos fatores de coesão social e também uma considerável descrença em relação ao presente e também ao futuro com todas as consequências previsíveis sobre a saúde”.

“É altura destes dois mundos falarem um com o outro, aceitando a necessidade de reconhecer a realidade tal como ela é, para que todos possamos partilhar e colaborar numa resposta atempada e efetiva, que considere e atenue os efeitos da crise na saúde das pessoas e no sistema de saúde”, defende o Relatório de Primavera do OPSS.

“Constrangimento”

Uma das sugestões dos relatores do Observatório é a de que os responsáveis pelo sector da Saúde passem a responder “prospetivamente”, o que passa por avaliar “previamente o impacte das diversas medidas na saúde dos cidadãos, preservando o sistema de saúde enquanto estabilizador automático social, monitorizando sistematicamente o impacte das diversas medidas adotadas e criando estruturas de resposta rápida, principalmente com base em estratégias de saúde”.

Nota negativa também para as políticas de cuidados de saúde primários (CSP), de cuidados paliativos e do Plano Nacional de Saúde.

Quanto aos cuidados primários, o Observatório conclui que “não parece ter sido cumprida” a meta de uma melhoria da rede. Mesmo tendo em conta que haveria espaço no Orçamento do Estado de 2012 para incrementar as unidades de Saúde Familiar.

Outra das críticas incide sobre a persistência de disparidades no acesso a serviços de saúde. Neste capítulo, o OPSS aponta para um “constrangimento” à descentralização administrativa para os Agrupamentos dos Centros de Saúde, “parecendo a autonomia de gestão ser um aspeto desvalorizado pela administração”. Tal “constrangimento”, prossegue o relatório, “assume particular importância”. Isto porque o próprio Orçamento para 2012 previa que “o desenvolvimento dos CSP seguiria uma visão primordialmente local e adaptada às situações próprias e necessidades de cada região, o que de facto não se está a verificar”.

Em matéria de cuidados paliativos domiciliários, o Observatório Português dos Sistema de Saúde assinala também a diferença entre as recomendações europeias e a realidade portuguesa – o país dispõe de uma equipa para 750 mil a 1,17 milhões de cidadãos, ao passo que os números recomendados são de uma equipa por 100 mil pessoas.

No relatório, o OPSS denuncia o abandono do Plano Nacional de Saúde no discurso político: “Por outro lado, tem sido desenvolvido de forma fragmentada e descontínua, não se reconhecendo, nas opções políticas, um compromisso explícito para a concretização dos seus objetivos”.

Sustentabilidade

Mas há também pontos positivos no documento agora divulgado. Entre os quais a extensão dos programas de doenças crónicas, a melhoria nos cuidados domiciliários e os rastreios de oncologia. Assim como a produção de normas de orientação clínica por parte da Direção-Geral da Saúde.

É igualmente salientada “a efetiva baixa de preços que se tem observado” no domínio da política do medicamento, que “contribuiu para uma ligeira diminuição dos encargos dos utentes”.

“Mesmo antes da intervenção externa, foram tomadas diversas medidas ao nível do sistema de preços e comparticipações que reduziram acentuadamente o valor do mercado de medicamentos em ambulatório, em 9,1 por cento em valor e em 19,2 por cento nos encargos do SNS em 2011”, refere o relatório, para enfatizar que, decorrido um ano, “continua a assistir-se à degradação do valor de mercado ambulatório, com nova redução de 11,7 por cento em valor e diminuição de 11,4 por cento dos encargos do SNS”.

“O mercado hospitalar continua com o mesmo nível de despesa pública observado em 2010, com um aumento nos encargos do SNS de 1,2 por cento em 2011 e redução de 1,1 por cento em 2012”, acrescentam os relatores.

Uma “característica fundamental” do atual Governo isolada pelo Observatório é a “preocupação pela garantia de sustentabilidade financeira do SNS. Sublinha ainda o OPSS que, “apesar da conjuntura económico-financeira profundamente marcada pela restrição e contenção orçamental, o Ministério da Saúde foi capaz de gerir os recursos disponíveis de forma a pagar parte da dívida do Serviço Nacional de Saúde e com isso atenuar as limitações que daí advinham”.

Portugal: OS PROFESSORES EM GREVE TRAÍRAM ONTEM O PAÍS?



Pedro Tadeu – Diáriode Notícias, opinião

Este texto sintetiza o pensamento e o discurso de qualquer governante, militante do PS, do PSD, do CDS ou alegado independente que nos últimos 30 anos tenha opinado sobre a greve. Qualquer greve. É toda uma filosofia política. Passo, então, a citar.

"Os professores podem fazer greve, é um direito, mas essa luta não pode afetar a vida dos alunos. Os maquinistas, os ferroviários, os motoristas da Carris e da STCP também, é legítimo, mas devem salvaguardar o transporte das pessoas que querem trabalhar."

"A greve é um direito inalienável, mas os estivadores devem levar em conta o superior interesse nacional e descarregar os navios. Também os pilotos e os controladores aéreos podem fazer greve se os aviões importantes voarem. Os bombeiros têm direito à greve se ficarem em alerta para emergências. Os guardas prisionais grevistas devem levar os presos a passear ao pátio da cadeia. Mas, repito, não pode estar em causa o direito à greve."

"O direito à greve não se discute, é garantido pela Constituição, mas tem limites. Os órgãos de soberania não fazem greve. Os militares, os magistrados e os juízes não podem fazer greve. Os enfermeiros e os médicos podem fazer greve desde que garantam as urgências de todos os hospitais. Os camionistas podem parar desde que assegurem importações, exportações e distribuição para hipermercados... É preciso bom senso, não é?... Os trabalhadores da recolha de lixo grevistas têm de assegurar a boa saúde pública. Os jornalistas têm direito a paralisar mas os noticiários têm de relatar a greve, um direito que em democracia não pode ser posto em causa."

"Na Auto Europa os trabalhadores devem ser muito prudentes na questão da greve - um direito inviolável - não vá a fábrica ser deslocalizada. Bancários em greve? Sim, mas o sistema financeiro não pode ficar comprometido. Os trabalhadores da hotelaria devem levar em atenção o impacto que isso tem no turismo, um sector estratégico nacional. Nos Estaleiros de Viana do Castelo as greves levarão a empresa ao fecho. Mas, reforço, a greve é um alicerce da nossa democracia!..."

O direito à greve foi assim transformado numa inalienável hipocrisia constitucional: um grevista é sempre, a priori, acusado por esta gente de estar a fazer mal ao País. E em qualquer empresa privada quase ninguém faz greve pois arrisca, logo, o desemprego.

A greve é, portanto, um direito que não se discute, como o poder papagueia há 30 anos, porque está tendencial e deliberadamente inutilizado. Começar a reverter isto é um serviço ao País. Quando os professores têm coragem para pontapear este pedregulho atravessado no caminho da democracia, dão-nos uma grande lição cívica.

Brasil: CINCO CIDADES BAIXAM TARIFAS DE AUTOCARROS APÓS PROTESTOS




Pelo menos cinco cidades brasileiras anunciaram a diminuição das tarifas de autocarros, após a realização de protestos contra o alto custo do transporte em diversos municípios do país.

Em três capitais, a tarifa dez centavos de real (3,4 cêntimos de euro) mais baixa já tem data para começar. São elas João Pessoa, na Paraíba, Recife, em Pernambuco (ambas no nordeste brasileiro) e Cuiabá, no Mato Grosso (centro-oeste).

Os municípios afirmaram basear-se na isenção de impostos federais para o setor de transportes para conceder a diminuição no preço.

Em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, o prefeito José Fortunati afirmou que irá enviar ao legislativo um projeto para reduzir a tarifa em cinco centavos de real (1,7 cêntimos de euro), para 2,80 (97 cêntimos de euro). A cidade assistiu a um protesto violento na segunda-feira.

O bilhete de autocarro na cidade chegou a 3,05 reais (1,05 euros), mas a Justiça determinou seu recuo para 2,85 reais (98 cêntimos de euro), o que é cobrado hoje.

A outra cidade que reduziu a tarifa é Pelotas, no Rio Grande do Sul, que terá diminuição de 15 centavos de real (5 cêntimos de euro) no preço, que será de 2,60 reais (90 cêntimos de euro).

Centenas em Lisboa e no Porto em solidariedade com manifestantes brasileiros



Jornal i - Lusa

Cerca de três centenas de pessoas, de acordo com fonte da PSP, manifestaram-se hoje na Avenida dos Aliados, no Porto, em solidariedade com manifestantes e ativistas brasileiros. Em Lisboa também se juntaram algumas pessoas na Praça Luís de Camões, em Lisboa, juntando-se aos protestos contra o Governo em curso no Brasil desde o início de junho, marcados pela violência policial.

Em Lisboa, entre muitas bandeiras do Brasil, caras pintadas de verde e amarelo e até cravos vermelhos, os manifestantes saíram à rua porque “Um país mudo não muda”, como se lia num cartaz, cantaram o hino brasileiro e repetiram palavras de ordem acompanhadas de batucada.

“Um, dois, três, quatro, cinco mil, a revolta no Busão vai parar todo o Brasil!” e “O povo ‘tá na rua, ô Dilma, a culpa é sua!”, ou ainda “Ô-ô-ô-ô, o gigante acordou!” e “Da Copa do Mundo, eu abro mão! Quero dinheiro p’ra Saúde e Educação!”.

A multidão que se juntou no Porto, composta sobretudo por estudantes brasileiros, mas também alguns portugueses, partiu "de forma ordeira", segundo a PSP, das traseiras da câmara do Porto, por volta das 17h00, e percorreu os Aliados com cartazes em que se liam mensagens como "+ pão - circo", "Fim da corrupção" ou "Unidos pela Nação".

Convocados através das redes sociais, os estudantes quiseram demonstrar o "apoio ao povo brasileiro" e aos protestos que na última segunda-feira reuniram cerca de 240 mil pessoas em todo o país.

"A última manifestação gigantesca que houve, como está a haver agora, foi na década de 1990, quanto houve o ‘impeachment’ [impugnação] do presidente Collor de Melo", disse à Lusa José Pimentel, estudante de 26 anos natural da Paraíba, no nordeste brasileiro.

"Agora, 2013, estamos de volta ao ativo para reivindicar os nossos direitos", frisou o estudante residente em Braga mas que se deslocou ao Porto para se "manifestar e dar apoio ao povo brasileiro, que está a passar um momento difícil".

Entre a multidão pintada e vestida em verde, amarelo e azul, Peterson Santos, 31 anos, passeava mascarado de ecrã de televisão, em protesto contra "a falta de apoio dos grandes media brasileiros".

Para o advogado natural de Matogrosso do Sul, a questão do transporte público foi "responsável pelo rompimento de uma cultura no Brasil" em que as pessoas "não vão às ruas", pelo que critica os meios de comunicação brasileiros por "classificarem os movimentos como vândalos", no que considera uma ação "repressora".

Para Carina de Fátima, estudante de mestrado em História, "o Brasil já tem um histórico de acumulação de problemas em relação à política. Desde o processo de redemocratização de 1985, que [o país] nunca conseguiu, de facto, atingir uma democracia que atingisse as necessidades do povo brasileiro".

Para a estudante de 25 anos natural do Curitiba, no estado de Paraná, foi devido a "tanta corrupção, tanta falta de investimento em educação, na saúde", que o "aumento das tarifas foi o rastilho para um movimento muito maior que tinha que iniciar".

A residir em Portugal há um ano e dez meses, a estudante concorda com o paralelismo, feito nas redes sociais, com as manifestações na Turquia, ressalvando que "no Brasil foi diante de outra realidade cultural e social, mas também um bom exemplo de manifestações realizadas através da internet."

As acusações ao Governo da Presidente Dilma Rousseff são várias – corrupção e falta de investimento na saúde e educação estão entre elas -, mas o que desencadeou a revolta popular foi a subida dos preços dos transportes públicos em 0,20 centavos de real (seis cêntimos).

Presidente do Brasil diz que manifestantes enviaram mensagem direta aos governantes



FYRO -  JMR - Lusa

A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, afirmou hoje que os milhares de pessoas que saíram às ruas na segunda-feira para protestar enviaram uma "clara mensagem" aos governantes.

Dilma Rousseff afirmou que "a voz da rua" precisa ser ouvida e considerou que os protestos demonstram "o valor da democracia".

Na segunda-feira, logo no início dos protestos, a presidente brasileira declarou que as manifestações pacíficas são "legítimas" e "próprias da democracia" e acrescentou que o país amanheceu "mais forte".

Dilma Rousseff deixou o Palácio do Planalto, sede da Presidência, no final da tarde, antes de os manifestantes terem invadido a cobertura do edifício-sede do Congresso Nacional.

Foto: FERNANDO BIZERRA JR/EFE

"Relações políticas entre Portugal e a Venezuela são excelentes" – Passos Coelho



IEL – SMA - Lusa

O primeiro-ministro português qualificou hoje de "excelentes" as relações políticas entre Portugal e a Venezuela, e considerou que esse "bom entendimento político" tem contribuído para o aumento das trocas comerciais entre os dois países.

Pedro Passos Coelho falava no encerramento da VIII Comissão Mista Luso-Venezuelana, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ao seu lado.

No final desta cerimónia, nenhum dos chefes de governo respondeu a perguntas dos jornalistas.

"Não é por de mais dizer que as relações políticas entre Portugal e a Venezuela são excelentes. A visita do presidente Maduro, incluída na sua primeira deslocação à Europa, é demonstrativa da vontade em aprofundar a parceria existente entre os dois países, fundada numa sólida base de confiança, amizade e compreensão mútuas", considerou Passos Coelho, numa intervenção de menos de dez minutos.

Antes, Passos Coelho assinalou que a Venezuela vai assumir em julho a presidência do Mercosul e defendeu que os governos português e venezuelano devem aproveitar essa oportunidade para "dar as suas mãos e trabalhar em conjunto" a favor da rápida conclusão do acordo entre esse mercado de países da América do Sul e a União Europeia.

No seu entender, o acordo entre esses dois blocos "será, sem dúvida, considerado histórico" e "representará, com certeza, uma oportunidade extraordinária para milhares e milhares de cidadãos de ambos os lados do Atlântico".

O primeiro-ministro português acrescentou que o relacionamento entre Portugal e a Venezuela "assenta num sólido acervo contratual" e manifestou satisfação pelos acordos bilaterais assinados hoje, destacando os protocolos entre empresas portuguesas, como a construtora Teixeira Duarte, e o Estado venezuelano.

Segundo o chefe do executivo PSD/CDS-PP, a Comissão Mista Luso-Venezuelana "tem sido uma alavanca particularmente importante eficaz para o fortalecimento do relacionamento comercial entre os dois países e os resultados concretos estão à vista de todos".

"Refletindo a complementaridade entre as duas economias e beneficiando de bom entendimento político existente, o volume de negócios tem vindo a aumentar significativamente entre Portugal e a Venezuela. Desde logo, a Venezuela constitui já um dos principais destinos das exportações portuguesas na América Latina", afirmou.

Na sua opinião, existem "boas perspetivas" de aprofundamento das relações comerciais entre Portugal e a Venezuela em áreas como as infraestruturas, portos, indústria naval, ciência, tecnologia, inovação, agroindústria, turismo, hotelaria e audiovisual.

No seu discurso, Passos Coelho fez uma referência à comunidade portuguesa e de lusodescendentes residente na Venezuela, na qual declarou que o Governo português tem "muito orgulho".
O primeiro-ministro português terminou a sua intervenção com uma "saudação especial" a Nicolás Maduro: "Senhor presidente, foi um prazer tê-lo, bem como a toda a sua comitiva governamental, em Lisboa. Volte mais vezes, com amizade e confiança".

Eleito Presidente da Venezuela em abril, Nicolás Maduro chegou hoje a Lisboa, depois de ter estado em Roma, na segunda-feira, e viaja esta tarde para Paris.

Nesta curta visita a Portugal, o presidente venezuelano encontrou-se com o Presidente da República, Cavaco Silva, e com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho. No final destes encontros, não houve declarações à comunicação social.

Foto: Andre Kosters/Lusa

Brasil: OLHA A POLÍCIA DA DITADURA!




Nas últimas semanas, a repressão policial contra manifestantes do Movimento Passe Livre expõe as vísceras de uma PM que sempre torturou, espancou e matou na periferia e no campo, protegida pelo sistema judicial. Por Maria Inês Nassif

Maria Inês Nassif – Carta Maior

No momento em que o país, pela primeira vez, se debruça sobre o seu passado, conta os mortos e desaparecidos da ditadura, aponta torturadores e mostra para a sociedade que não esqueceu as sequelas físicas e psicológicas impostas pela tortura, um aparato militar é colocado contra jovens desarmados e, na frente de câmeras de televisão e de celulares perpetra toda sorte de horrores contra moços e moças que poderiam ser nossos filhos – filhos daqueles que foram às ruas ou organizaram a resistência contra o regime militar. Na blogosfera, existem relatos de toda sorte de horrores: policiais que miram e atiram balas de borrachas contra jovens ajoelhados e de mãos para cima; jornalistas atingidos por projéteis cuidadosamente atirados em suas cabeças, de preferência à altura do olho; casal tirado de dentro de um bar e espancado na porta – o rosto do policial que espanca expõe ódio à menina de uns 20 anos, que espanca com o cassetete; e até casos de abuso sexual – o policial que rasga a camiseta do Movimento Passe Livre trajado pela garota e ameaça também tirar o seu sutiã para levar como “souvenir”.

A galeria de horrores expõe a pior herança que trazemos do período da ditadura militar (1964-1985). A Constituinte de 1988, que limpou grande parte do “entulho autoritário” trazido do período negro da história brasileira, enfrentou forte resistência militar quando tentou uma reforma na estrutura coercitiva que mantinha o sistema anterior. Com o tempo, governos democráticos conseguiram criar um Ministério da Defesa e colocar todas as pastas militares sob um comando civil, mas a estrutura militar incrustrada no aparelho policial dos Estados permaneceu intocada. É uma estrutura militarizada estadual que adere idelogicamente apenas a governos de perfil conservador; tem uma enorme autonomia de métodos – e onde a execução sumária e a tortura figuram, intocáveis, contra populações de baixa renda; reproduz fartamente preconceitos (contra pobres e negros, especialmente os jovens, mendigos e demandantes sociais). Atua de forma muito complementar com a ausência de justiça ou justiça seletiva – juízes muito vinculados ao status quo de localidades conflagradas por litígios de terra, para os quais a propriedade naturalmente pertence ao poder político ou econômico.

Desde a redemocratização, todos os casos de massacres envolvendo conflitos de terras – de sem-terra, posseiros ou índios – tiveram a Polícia Militar como algoz, a mando da justiça seletiva. Nas cidades, as reintegrações de posse tiveram os mesmos protagonistas – de um lado, pobres; de outro, política e justiça. Essa dupla reduz de maneira drástica a possibilidade de mediação de conflitos de governos eleitos democraticamente eleitos.

A não justiça atua em conjunto com a Polícia Militar nas periferias das grandes cidades e nas áreas conflagradas do campo onde há uma privatização da decisão de “imposição da ordem”. Nesses locais, a polícia, não raro, age como milícia. A escolha de vítimas traz a marca do preconceito: nas periferias dos grandes centros, as altas taxas de mortalidade de jovens trazem como vítimas preferenciais jovens pobres e negros, do sexo masculino. No campo, líderes rurais. 

Nos grandes centros, quando o Estado perder o controle sobre a sua polícia, o resultado pode ser aterrador. Em 2006, o PCC, falange criminosa que age nos presídios, articulou de lá de dentro a morte de 43 agentes policiais em São Paulo. Em represália, a polícia – também de Alckmin, que já está no terceiro mandato de governador – executou quase 500 pessoas, a grande maioria jovens pobres, moradores da periferia, sem ficha na polícia. O crime, neste caso, era a pobreza. A não justiça jamais apurou as circunstâncias da morte dessas pessoas.

Os acontecimentos da última semana também mostram uma PM sem controle – ou melhor, uma Polícia Militar que foi colocada na missão de reprimir jovens que foram às ruas protestar e atrapalharam o trânsito e a vida e a economia da cidade que tem o maior PIB do país, cumpriu a missão com uma violência desmedida e acabou colocando o chefe maior, o governador de Estado, em maus lençóis. A ideia de ser “firme” contra os manifestantes, que normalmente dá votos num Estado conservador como o paulista, acabou sendo uma má ideia. Desta vez, estavam nas ruas os filhos da classe média. Contra eles, a violência despendida regularmente pela polícia de Alckmin na periferia, sem que a corregedoria da PM, o Estado ou a Justiça coloquem nenhuma barreira, ganhou publicidade. 

A violência da PM contra manifestantes expõe à sociedade, e aos amantes da democracia, um ponto fraco sempre escondido debaixo do tapete da corporação militar e desprezado pela Justiça. O aparelho repressivo da ditadura foi preservado e vem à tona, violento, arrasador, desmedido, em situações de conflito. Está na hora de construir instituições novas, de democratizar os aparelhos coercitivos do Estado que, por virem do passado autoritário, têm uma autonomia enorme em relação ao próprio Estado democrático. E a democracia, sem o apoio de instituições verdadeiramente democráticas, torna-se muito relativa. 

Essa é a lição dos últimos dias, que não pode ser deturpada por aqueles que usam esses aparelhos de coerção (polícia e justiça) dominados ainda pela cultura da ditadura para se sobrepor à decisão democrática do voto. Na internet, surgem mensagens que tentam vincular a violência policial a desmandos de políticos e governo federal, um discurso de direita dirigido a um pretenso público internacional para denunciar um conluio entre políticos, que teria resultado em violência contra manifestantes. Lá pela última frase, em um desses vídeos, o jovem arrumadinho que fala muito bem o inglês prega uma frase de resistência contra um sistema político definido pelo voto (“apesar” do voto, diz ele) – como se o voto tivesse permitido o conluio e ele, jovem, transmutado em manifestante (não tem cara), fosse a alternativa a esse voto equivocado. Que fique claro: o voto é democrático; a polícia violenta nas ruas, não. A política é passível de mudança pelo voto; a polícia, apenas pela consciência da sociedade e pela vontade de enfrentar e tirar a fórceps da nossa memória e das práticas das instituições a herança da ditadura militar. 

Contra a violência, a democracia. Com o voto, os cidadãos devem exigir dos governantes que comandam a PM, e dos legisladores eleitos para mudar leis, que transformem as polícias em instituições transparentes, democráticas e aptas a tempos novos onde se produz, na área social, tantos reconhecimentos a direitos de cidadania.

Fotos: EBC

Brasil - Blogueiro acompanha manifestação: “O preço de deslegitimar o poder e a política”



Correio do Brasil, São Paulo

O blogueiro Eduardo Guimarães relatou, no Blog da Cidadania, sua breve passagem pela manifestação que tomou, na noite desta segunda-feira, as principais ruas do Centro da capital paulista. “Cheguei às 16 horas e permaneci entre os manifestantes até por volta das 19 horas, quando empreendi uma epopeia pra voltar pra casa”, contou.

Périplo do blogueiro nas ruas de São Paulo

Descendo a rua Cardeal Arcoverde de carro, acompanhei a procissão de jovens que se estendia por quarteirões. Todos no mesmo rumo, todos com o mesmo ar contrito e de determinação nos rostos.

Encontrei um estacionamento estrategicamente localizado a pouco mais de um quarteirão do Largo. “Fecha às 20 horas”, disse-me o manobrista, caixa e, provavelmente, tudo o mais naquele terreno descoberto, com chão de terra e convertido em estacionamento.

Já na Brigadeiro Faria Lima, a algumas centenas de metros do Largo, já não caminhavam pelas calçadas, mas no meio da rua. Um ou outro carro passava, desviando dos pedestres, agora donos da via, como se os motoristas pedissem desculpas por estarem onde não deviam.

Ao longe, grandes bandeiras brancas e vermelhas se erguiam de uma massa humana que me impressionou por ser tão grande a uma hora do horário previsto para o início da manifestação. Nas bandeiras brancas, as letras UJS (ou algo assim) e, nas vermelhas, PSTU.

Agora faltavam menos de cem metros pra chegar à aglomeração. Uma juventude bonita e evidentemente universitária. As idades variando entre 15 e 30 anos, no máximo. Aqui e ali, algumas pessoas maduras. Senhoras com cabelos loiros, homens grisalhos, todos com aparência próspera.

Os comerciantes iam fechando as portas e os trabalhadores da região passavam apressados. Pareciam assustados. Alguns comentavam que não sabiam como fariam pra chegar em casa, mas ninguém prestava atenção neles – além deste que escreve.

Para um carro grande, prateado, tinindo de novo, do qual não me ocupei de ver a marca. Desce um homem corpulento, cabelos grisalhos, calça social, camisa social com o botão do colarinho aberto, de onde pendia uma gravata afrouxada.

De repente, o veículo é cercado por um grupo de três garotas e cinco rapazes. O homem circunda o veículo e, com o porta-malas já aberto, tira dele vários quadros com uns 40 centímetros de largura por quase um metro de comprimento.

Os quadros de madeira recobertos por material gráfico de boa qualidade citam “corrupção”.

O motorista engravatado diz alguma coisa ao grupo de jovens e arranca com o veículo.

Chego ao limite da aglomeração. Grades de cerca de 1, 5 metro separam o extremo da calçada do Largo da via dos carros. Aproveito um poste metálico próximo pra subir nelas segurando-me nele, de forma a ter uma visão melhor da aglomeração e registrar imagens.

Um grupo de jovens passa por mim dizendo que fora “sacanagem” o que fizeram com o repórter da Globo Caco Barcelos, que seria “boa gente”. Decido ir atrás pra escutar mais, tomando cuidado em não ser percebido.

Descubro que o repórter foi expulso da manifestação e que havia um grupo que pretendia impedir o trabalho de qualquer um que fosse da Globo, porque a emissora “queima o filme” do protesto.

Percebo que as bandeiras do PSTU sumiram. Pergunto a uma garota se viu pra onde foram e ela me explica que os que as portavam foram convencidos a não exibi-las.

Presto mais atenção e vejo, a uns 50 metros, uma única bandeira vermelha, só que pequena. Olhando melhor, percebo ser do PT. Decido ir lá ver quem a carrega.

Ao chegar já não era uma bandeira, mas duas. Modestas em tamanho, diante das outras. Uma, empunhada por uma jovem negra, baixinha, que olhava assustada ao redor. A outra, por um rapaz loiro, cabelos longos e óculos. Também parecia tenso.

Começamos a conversar com os dois e logo aparece o deputado federal pelo PT paulista Paulo Teixeira, com mais duas pessoas. Fico sabendo que outros parlamentares, de vários partidos, foram ao protesto de modo a “garantir o direito dos manifestantes”.

Naquele momento, com a chegada do deputado, as pessoas em volta começam a entoar um refrão contra bandeiras partidárias. Algo como “Sem par-ti-do, sem par-ti-do”.

Os dois jovens permanecem impassíveis com suas bandeiras. Ao contrário dos que portavam as do PSTU, não foram convencidos. Foram apupados. Mas permaneciam impassíveis na missão que se impuseram.

Os gritos aumentam, mas os dois jovens continuam firmes. Uma aglomeração se forma em volta de nós. Ouço palavrões. Peço à moça e ao seu companheiro que baixem seus estandartes. O rapaz me atende, mas a moça não.

Começam empurrões e xingamentos. Ouço alguém dizer “blogueiro petralha, f.d.p”.

Alguém arranca a bandeira da mão da moça e a empurra, ela cai, seu companheiro reage, há chutes, mais palavrões. Os contrários às bandeiras são maioria esmagadora – ou melhor, são todos.

No empurra-empurra, sou separado do deputado petista e de seu grupo. E dos dois valentes porta-estandartes.

Nesse momento, uma quantidade imensa de pessoas – pareceram-me centenas – começam a entoar um cântico: “Hei, PT, vai tomar no …!!”

Tento filmar, acredito ter filmado, mas quando chegou em casa percebo que o empurra-empurra interrompeu o vídeo, no qual só se pode ouvir “Hei, PT, vai tom (…)”.

(…)
Ouço alguém falando em “blogueiro do PT” e percebo que é hora de uma retirada estratégica. Embrenho-me na multidão até chegar à rua, que atravesso. Dali em diante, decido acompanhar tudo de longe.

Já anoitece e vejo fumaça e luminosidade colorida no meio da massa. Parecem ser fogos de artifício ou coisa que o valha, mas não consigo me certificar.

Ouço mais cânticos contra o PT. Arrisco chegar perto e uma mulher branca, alta, aparentando uns trinta e poucos anos discursa contra “mensaleiros” e diz que “O PT tem mesmo que se ferrar”.

Decido sair dali. Contorno a manifestação. Um grupo bem menor, de umas dez pessoas, entoa “O povo não é bobo, abaixo a rede Globo”.

Contorno mais um pouco a manifestação e vejo mais movimentação. E gritam “Sem violência, sem violência”. Percebo que está havendo um enfrentamento físico.

Chego próximo a um grupo bem maior em que, lá no meio, vejo cartazes em que só consigo ler “Alckmin” e “PM”, por conta do empurra-empurra. Parece haver divergência ali também.

Decido que é hora de ir. Enquanto retorno ao estacionamento, vejo os trabalhadores passando rentes à parede, passo rápido. Mulheres de saias e cabelos longos, de mãos dadas com crianças, olhar no chão.

Um homem magro, de uns quarenta anos, de boné, malha de lã bege e puída, calça suja de tinta e de tudo mais que se possa imaginar carrega uma mochila, apressado. Decido tentar falar com ele.

Digo que sou jornalista e se poderíamos conversar. Pergunto se veio participar da manifestação.

– Não, senhor, não tenho nada a ver com isso.

Insisto. O que ele acha de tudo aquilo? Fica nervoso. Diz que não sabe de nada, principalmente como vai chegar em casa, em Ferraz de Vasconcelos.

As passarelas sobre a avenida estão lotadas de trabalhadores andando apressados. Parecem robôs. Nem olham pros lados e ninguém olha pra eles. Alguns estão sentados, outros de pé nas paradas. Olhares perdidos no espaço.

Volto ao estacionamento, percebo que não conseguirei ir em frente na Faria Lima, dobro à direita, faço uma opção errada e caio, de novo, no Largo da Batata, agora intransitável.

Carros, ônibus, caminhões e até uma legião de motocicletas parados, presos entre manifestantes à frente, atrás, dos lados.

Ouço a sirene de uma ambulância. Os carros começam a subir nas calçadas, fazendo o possível pra dar passagem. A ambulância só consegue chegar até os manifestantes e estanca. Alguns saem do caminho, mas a maioria não dá a menor bola.

Um senhor de uns sessenta anos, com uma mulher mais ou menos da mesma idade no banco do passageiro, desce do carro e começa a xingar os manifestantes, falando da ambulância. Um jovem forte se aproxima, desafiador, mas é dissuadido por outros manifestantes.

Consigo chegar à Marginal do Rio Pinheiros, totalmente parada. Já são mais de oito horas da noite. Começo a tentar cortar por ruas transversais, disparo por avenidas vazias e acabo indo parar no Alto da Lapa.

Tento me localizar, que não conheço bem a região. Apelo ao GPS do celular, mas a bateria acaba.

Paro em um posto de gasolina. Três frentistas conversam com um homem mais ou menos com os mesmos cinquenta e tantos anos que eu, dono de uma Pajero negra, novinha, sendo abastecida até a tampa.

Paro o carro na bomba, mando abastecer e peço pra deixarem eu carregar um pouco o celular. Sou prontamente atendido. Digo que vai demorar um pouco. Dizem-me que “hoje não adianta ter pressa”.

Começamos a conversar. O assunto, claro, o caos na cidade. O motorista da Pajero tem sotaque nordestino. Está muito bravo com a Polícia. Xinga de tudo quanto é nome. Fala da foto da repórter da Folha com o olho arrebentado por uma bala de borracha.

Os frentistas só olham, sorridentes, mas não dão palpite. Como se estivessem em uma aula, tentando aprender alguma coisa – talvez o que “bacanas” como eu e meu novo amigo nordestino esperam ouvir deles quando forem perguntados sobre o assunto.

Pergunto como sair dali e minhas opções imediatas, segundo dizem os frentistas, é a Lapa ou voltar ao Largo da Batata.

O motorista da Pajero diz que vai me ajudar, que sabe como ir cortando até a Cerro Corá. Dali posso pegar a Rebouças, diz, pra voltar à região da Paulista, onde resido.

– Vem atrás de mim. Vou te escoltar até lá. Quando eu ligar o pisca-alerta vou entrar à esquerda e você, à direita. Vai subindo, sempre pra cima, mas fica à sua esquerda. Vai cair na Cerro Corá. De lá você pergunta.

Explico que, de lá, eu me viro.

Sigo-o até que faça a manobra combinada. Buzino, ele buzina de volta e vamos cada um cuidar da própria vida.

Surpreendo-me com a Heitor Penteado e a Rebouças. Parece que estou em um domingo às sete da manhã. Vazia. Não se vê viva alma nas ruas. Nem gente, nem carros, ônibus, motos, nada.

Já são quase 21 horas. Duas horas pra chegar até lá.

Ouço na CBN que já há manifestantes na Paulista. Decido voltar pela Rebouças até a Oscar Freire, fazer o retorno e tomá-la em direção ao Paraíso.

Tudo vazio. Assustadoramente vazio.

Continuo ouvindo a rádio que toca – ou que, segundo dizem, “troca” – notícia. Agora falam que manifestantes estão passando em frente da Globo, na Berrini. E que outros tantos estão indo ao Palácio dos Bandeirantes.

Minha mulher me liga no celular recém-carregado, preocupada. Acalmada, relata que o Jornal Nacional disse que a Globo foi xingada pela manifestação.

PT, Alckmin, Globo…

Penso comigo que foi nisso que deu a mídia deslegitimar cotidianamente a política e o poder e seus críticos estimularem a descrença nela. Sobrou pra todo mundo. Pensando bem, era até previsível.

Foto em Correio do Brasil

Angola: OS CÃES DO PRESIDENTE E A MANJEDOURA DO PODER




Folha 8 - edição 1146 de 15 junho 2013

José Eduardo dos Santos diz, e bem, que se tudo não está bem no nos­so país a culpa é da UNITA e do colonialismo por­tuguês. As chuvas alagam Luanda… a culpa é dos por­tugueses que não criaram, antes da independência em 1975, um sistema de drenagem eficiente. As infraestruturas foram des­truídas porque a UNITA arrasou tudo o que podia.

Mas há, contudo, coisas que o regime copiou do colonialismo português, dando-lhe até uma maior eficiência. É o caso da re­cuperação, embora mo­dernizada, da escravatura. E se antes foi o tempo dos contratados e escravos ovimbundus ou bailundos irem para as roças do Nor­te, agora é o enxovalho de transportar pedras à cabe­ça para ter “peixe podre, fuba podre… e porrada se refilares”.

Há, no entanto, coisas que é urgente copiar de Portugal e, sobretudo, pôr urgentemente em prática. É certo que os portugue­ses não o fazem, mas isso não deve ser impeditivo. Referimo-nos à tese de Eça de Queiroz para quem “os políticos e as fraldas devem ser mudados fre­quentemente e pela mes­ma razão”.

E, já agora, bem podería­mos adoptar as ideias de Guerra Junqueiro, dei­xando de ser – como os portugueses - “um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, bur­ro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, fei­xes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coi­ce, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas”. Ou, ainda, deixarmos de ser um “povo em catalep­sia ambulante, não se lem­brando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciên­cia como que um lampejo misterioso da alma nacio­nal, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta”.

Isto porque o que temos é “uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminan­do já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em panto­mineiros e sevandijas, ca­pazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosí­meis”.

Acrescendo a tudo isto “um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País”.

Porque são cada vez mais os angolanos que passam fome, ao regime já não bas­ta dizer comam e calem, mas apenas dizer calem­-se.

Este MPLA é useiro e ve­zeiro nas práticas de, à sombra de uma Consti­tuição democrática, não ouvir os interessados e só responder ao que lhe inte­ressa. Os seus amigos são bestiais, todos os outros são bestas.

Também é verdade, diga­-se em abono da mesma, que quando toca a ouvir todos aqueles que sabe es­tarem de acordo, o gover­no não hesita e faz disso um emblema para a propa­ganda.

E têm razão. Para quê ouvir os que são contra, os que têm opiniões diferentes? Sim para quê? Esse é um luxo só utilizado nos Esta­dos de Direito dos quais, cada vez mais, Angola se afasta, se é que alguma vez esteve lá perto.

Se José Eduardo dos San­tos sabe que, sob a sua divina liderança, a sua equipa é dona da verdade, não vê necessidade demo­crática de auscultar seja quem for. E faz muito bem. Só assim Angola consegui­rá aproximar-se cada vez mais dos mais evoluídos países como a Coreia do Norte, por exemplo.

Se fosse possível fazer uma entrevista mais ín­tima a José Eduardo dos Santos, certamente que ele também diria: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.

Para além dos milhões que legitimamente só se preocupam em encontrar alguma coisa para ma­tar a fome, nem que seja nos restos deixados pelos cães do presidente, uma minoria privilegiada só se preocupa em ter – com a preciosa ajuda do Governo - mais e mais, custe o que custar.

Quando alguém diz isto, e são cada vez menos a dizê-lo mas cada vez mais a pensá-lo, corre o sério risco de que os donos do poder o mandem calar, se possível definitivamente. Por cá há já muitas famílias de luto por haver gente que o disse.

Mas, como dizia a outro propósito Frei João Do­mingos, “não nos podemos calar mesmo que nos custe a vida”. E é exactamente disso que o regime tem medo. Não arrepia cami­nho, mas começa a tremer porque, até mesmo no seio do MPLA, há cada vez mais boa gente a estar farta de tanta vilania.

Ao fim de trinta e tal anos, o presidente foi eleito. Mentiu à grande e conse­guiu comer de cebolada os angolanos. Manda o bom senso que se pergunte: Como é possível aos cida­dãos acreditar num regime em que o presidente? Mas como o bom senso não en­che barriga…

Citando de novo, e tantas vezes quantas forem pre­ciso, Frei João Domingos, em Angola “muitos gover­nantes, gestores, adminis­tradores e similares têm grandes carros, numerosas amantes, muita riqueza roubada ao povo, são apa­rentemente reluzentes mas estão podres por dentro”.

Mas esses, apesar de po­dres por dentro, continu­am a viver à grande e à MPLA, enquanto o Povo se prepara para morrer de fome ou de falta de assis­tência médica. O tempo em que o mais importante, citando Agostinho Neto, era resolver os problemas do povo, já lá vai. O actual MPLA preparou a vala-co­mum e o crónico presidente deu-lhe o golpe de misericórdia.

Tal como muitos dos po­líticos que integram o re­gime, Eduardo dos Santos continua a pensar, e o que ele pensa é uma ordem, que Angola é o MPLA e o MPLA é Angola.

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