sexta-feira, 22 de novembro de 2013

AS CONSEQUÊNCIAS DO DECLÍNIO AMERICANO

 


Quando enfraquecimento da potência hegemônica torna-se nítido, abre-se período de caos geopolítico. Surge, além das oportunidades, risco de loucuras destrutivas
 
Immanuel Wallersten - Tradução: Antonio Martins - Imagem: Jacob Jordaens, O Rei Feijão – em Outras Palavras
 
Tenho sustentado há muito que o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica começou por volta de 1970; e que este processo, no início lento, precipitou-se durante a presidência de George W. Bush. Comecei a escrever sobre o tema em 1980. À época, a reação a tal argumento, em todos os campos políticos, foi rejeitá-lo como absurdo. Nos anos 1990, acreditava-se em todas as faixas do espectro político que, ao contrário, os EUA tinham alcançado o ápice de seu domínio unipolar.
 
No entanto, depois do estouro da bolha financeira, em 2008, a opinião de políticos, teóricos e do público em geral começou a mudar. Hoje, uma ampla percentagem das pessoas (embora não todas) aceita a realidade de ao menos algum declínio relativo do poder, prestígio e influência norte-americanos. Nos EUA, este fato é aceito com muita relutância. Políticos e teóricos rivalizam-se em apresentar fórmulas sobre como o declínio ainda pode ser revertido. Acredito que ele é irreversível.
 
A questão real, a meu ver, é sobre as consequências do declínio. A primeira é uma clara redução da capacidade dos EUA para controlar a situação mundial, e em particular a perda de confiança, por parte dos que eram os principais aliados de Washington. No último mês, devido às evidências apresentadas por Edward Snowden, soube-se que a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) espionou diretamente os principais líderes da Alemanha, França, México e Brasil, entre outros (assim como, é claro, inúmeros cidadãos destes países).
 
Estou certo de que os EUA envolveram-se em atividades similares em 1950. Mas em 1950, nenhum destes países teria ousado transformar sua ira em escândalo público, ou em reivindicar que os EUA interrompessem a ação. Se o fazem hoje, é porque agora os EUA precisam deles mais do que eles próprios precisam dos EUA. Os líderes atuais sabem que os EUA não tem outra escolha exceto comprometer-se – como fez o presidente Obama – a cessar estas práticas (mesmo que os EUA não pretendam cumprir a promessa…). E os líderes destes quatro países sabem, todos, que sua posição interna será fortalecida, e não enfraquecida, por apontarem publicamente para o nariz de Washington.
 
Até o momento, enquanto a mídia debate o declínio norte-americano, a maior parte das atenções voltam-se para a China, como um potencial novo hegemon. Também aqui, há falta de percepção. A China é, sem dúvida, um país cuja potência geopolítica está em ascensão. Mas chegar ao papel de potência hegemônica é um processo longo e árduo. Em condições normais, qualquer país precisaria de ao menos outro meio século para tornar-se capaz de exercer poder hegemônico. É um longo intervalo, durante o qual muito pode acontecer.
 
Num primeiro momento, não há sucessor imediato para o papel. O que costuma acontecer, quando o enfraquecimento da antiga potência hegemônica torna-se nítido para outros países, é que a relativa ordem do sistema-mundo é substituída por uma luta caótica entre múltiplos polos de poder, nenhum dos quais pode controlar a situação. Os EUA ainda são um gigante, mas um gigante com pés de barro. Ainda têm a força militar mais poderosa, mas não são muito capazes de usá-la em seu proveito. Tentaram minimizar seus riscos concentrando-se em guerras de drones. O ex-secretário de Defesa Robert Gates acada de denunciar que esta visão é totalmente irrealista, do ponto de vista militar. Ele lembra que as guerras só são vencidas com tropas no chão, e o presidente dos EUA está agora sob enorme pressão, vinda de políticos dos dois partidos e do sentimento popular, para não usar tropas no chão.
 
O problema, para todo mundo, numa situação de caos geopolítico, é o alto nível de ansiedade que ela produz e os riscos que oferece para que prevaleçam loucuras destrutivas. Os EUA, por exemplo, podem não ser mais capazes de vencer guerras, mas podem causar enorme dano para si mesmos e para outros por meio de ações imprudentes. Todas as suas tentativas de agir no Oriente Médio são derrotadas. No presente, nenhum dos atores na região (sim, eu disse “nenhum”) aposta mais no taco dos EUA. Isso inclui Egito, Israel, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Iraque, Irã e Paquistão (para não falar da Rússia e China). Os dilemas políticos resultantes para os Estados Unidos foram tratados em grande detalhe no New York Times. A conclusão do debate interno a respeito, no governo Obama, foi um compromisso muito ambíguo, que leva o presidente a parecer vacilante, ao invés de forte.
 
Por fim, podemos estar certos de duas consequências reais, na próxima década. A primeira é o fim do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido uma grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações econômicas. A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas deste último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.
 
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"Governo fez espécie de destruição criativa: rebentou com tudo" - Sobrinho Simões

 


Um dos mais respeitados cientistas do País, Manuel Sobrinho Simões, é corrosivo no que aos comentários que versam o Executivo de Pedro Passos Coelho, diz respeito. Numa entrevista publicada na edição desta sexta-feira do jornal Público, Sobrinho Simões acusa o Governo de "rebentar com tudo".
 
"Este Governo fez uma ruptura, que não foi só com a ciência", começa por observar Manuel Sobrinho Simões numa entrevista concedida ao Público, marcada uma tónica discursiva contundente no que concerne à acção do Executivo de Passos Coelho. E, prossegue, "fez uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo. Na ciência não nasce".
 
Para o conceituado cientista, as perdas que o País tem vindo a sofrer com a austeridade são já incalculáveis. "Perdemos muita gente. E perdemos esperança", assinalando também que a proposta de Orçamento do Estado para 2014 "é péssima, porque corta de forma cega".
 
"Não reforça as instituições que merecem e deviam ser premiadas", critica o cientista, reportando-se ao diploma que define o rumo que o País irá tomar no próximo ano.
 
À pergunta sobre se, no fundo, está a ser aplicada à ciência a cartilha do empreendedorismo, Sobrinho Simões responde: "A ciência, antes de mais nada, precisa de um tecido de suporte. O empreendedorismo é criminoso, porque tem estimulado perversões", acrescentando que "os estímulos deste tipo podem acabar por ser um convite ao chico-espertismo".
 
O cientista manifesta ainda "muito medo de que aguentemos menos do que aquilo que as pessoas pensam", quando questionado sobre a capacidade de resistência do País ao desinvestimento na ciência.
 
Notícias ao Minuto
 

Portugal: “INVASÃO DA ESCADARIA DO PARLAMENTO FOI INACEITÁVEL” – Macedo

 


O ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, classificou hoje como "absolutamente inaceitáveis" os acontecimentos que motivaram a invasão da escadaria do parlamento durante uma manifestação de polícias, garantido que "foi uma exceção que não voltará a repetir-se".
 
"Num Estado de direito há regras que devem ser observadas e limites que não podem ser ultrapassados. Os agentes de segurança são os primeiros a reconhecer que é mesmo assim. O que ontem sucedeu é, por isso mesmo, uma exceção, não voltará a repetir-se", afirmou Miguel Macedo, em conferência de imprensa, no Ministério da Administração Interna.
 
Milhares de polícias manifestaram-se na quinta-feira em Lisboa e, depois de derrubarem uma barreira policial, conseguiram chegar à entrada principal da Assembleia da República, onde cantaram o hino nacional e depois desmobilizaram voluntariamente.
 
Miguel Macedo sublinhou o caráter de excecionalidade do que aconteceu na quinta-feira nas escadarias do parlamento "é um requisito essencial, não apenas da defesa de um Estado de direito, mas também da defesa da imagem de prestígio e de credibilidade dos agentes e das forças de segurança".
 
"E por isso, os portugueses sabem que têm e continuarão a ter na PSP, e nas forças de segurança, e em todos os seus agentes, um referencial de coesão e credibilidade no cumprimento da lei e na observância das regras de um Estado de direito democrático", acrescentou.
 
Miguel Macedo sublinhou que os próprios agentes das forças de segurança já reconheceram que a invasão da escadaria da Assembleia da República é "absolutamente inaceitável".
 
"As regras de segurança são para ser cumpridas. Quem tem por missão fazê-las respeitar não pode dar o exemplo de as violar", defendeu o ministro.
 
Os acontecimentos que marcaram a manifestação das forças de segurança de quinta-feira motivaram o pedido de demissão do diretor nacional da PSP Paulo Valente Gomes, aceite pelo ministro ainda durante a manhã de hoje.
 
Ao final do dia soube-se que o superintendente Valente Gomes vai ser substituído no cargo pelo comandante da Unidade Especial de Polícia (UEP), superintendente Luís Peça Farinha, o que foi confirmado por Miguel Macedo durante a conferência de imprensa.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 
PSP Ex-director nacional sai com "sentimento do dever cumprido"
 
Paulo Valente Gomes deixou esta sexta-feira a direcção nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP), mas não saiu sem antes deixar uma carta de despedida ao efectivo, dizendo-se de “consciência tranquila” e com “o sentimento do dever cumprido”, lê-se num documento assinado pelo ex-dirigente, a que o Diário de Notícias (DN) teve acesso.
 
“(…) Decidi, de forma consciente e serena, solicitar a S. Excelência o Ministro da Administração Interna a cessação de funções do cargo de Director Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP)”, começa assim a carta que Paulo Valente Gomes deixou aos efectivos daquela força de segurança, a que o DN teve acesso.
 
Naquele documento, o ex-director nacional da PSP disse ter tomado aquela decisão “na convicção de que a PSP é uma Instituição com 150 anos de História e de permanentes sucessos: temos sabido cumprir a nossa missão com grande profissionalismo e inteligência, correspondendo a todas as exigências operacionais de segurança interna”.
 
O profissional referiu também que sai com a consciência perfeitamente tranquila e com o sentimento do dever cumprido, graças ao apoio e dedicação dos membros desta Direcção e de todos vós, sem excepção”.
 
Além disso, “a minha profunda preocupação é zelar pelo superior interesse da grande Instituição que é a nossa PSP”, “num momento de dificuldades para o País”, acrescentou Paulo Valente Gomes.
 
O ex-dirigente terminou afirmando: “Tenho muito orgulho em ter sido o vosso Comandante e Director. Vou continuar a servir a minha Pátria com o mesmo empenho de sempre”, garantiu.
 
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PORTUGAL DEVE “LIVRAR-SE DAS GARRAS DA TROIKA” - Steve Forbes

 


O presidente e editor-chefe do grupo Forbes Media, Steve Forbes, defendeu hoje que Portugal tem condições para crescer economicamente e realizar as reformas estruturais, mas precisa de "se livrar das garras da 'troika'" e "reduzir impostos".
 
Ao discursar na II Cimeira do Turismo Português, realizada hoje em Vilamoura, no Algarve, o presidente da revista que costuma fazer a relação das principais fortunas mundiais lembrou os exemplos da Alemanha e do Japão no período pós II Guerra Mundial para mostrar como Portugal teria vantagens em "reduzir o mais possível os impostos" para atrair investimento.
 
Steve Forbes considerou que o IVA na restauração a 23 por cento "é um grande erro" e sublinhou que Portugal deve "fazer tudo para criar incentivos fiscais que possam atrair o investimento estrangeiro".
 
"Há uma forma de fazer as reformas e ao mesmo tempo fazer crescer a economia. Não se excluem uma à outra. Mas entretanto devem ir fazendo o que podem para dar incentivos fiscais para o capital estrangeiro vir para cá e para as pessoas poderem vir cá", afirmou.
 
Forbes, de nacionalidade norte-americana, deu como exemplo a área do Turismo, onde já Portugal se destaca, mas que é praticamente desconhecida nos Estados Unidos.
 
O presidente do grupo Forbes Media defendeu a aposta na criação de sites de Internet, de blogs, com informação correta, que permitam promover e dar a conhecer as ofertas do turismo português a nível internacional.
 
"O apetite pelo Turismo de Saúde está a crescer em muitas áreas do globo. E nunca sabemos quando vamos precisar de uma operação", afirmou, frisando a necessidade de apostar no "turismo especializado", também na área "das empresas que precisam de locais para realizar congressos, reuniões e que têm operações em várias partes do Mundo".
 
Steve Forbes disse que muita da divulgação do seu grupo já é feita online, o que permite a utilização de um meio que é cada vez mais utilizado e que "é barato", sendo necessário produzir conteúdos fidedignos que levem as pessoas a aderir e a passar a palavra uma às outras.
 
O presidente do grupo Forbes lembrou que Alemanha e o Japão não se recuperaram economicamente no pós guerra devido a austeridade, mas à aposta numa política de redução fiscal que, aliada à criação de uma moeda, permitiu contrariar a hiperinflação que se sentia no país e promover taxas de crescimento económico elevadas.
 
Por isso, mostrou-se confiante nas potencialidades de Portugal, cuja primeira prioridade deve ser "livrar-se das garras da 'troika'" e encetar uma política de redução e incentivos fiscais para alavancar o crescimento.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

IRLANDA: A ILHA ESMERALDA PERMANECE NAS GRILHETAS

 

Yanis Varoufakis
 
Ao contrário da visão convencional, a Irlanda nunca teve salvamento externo (bail out) e, além disso, está muito longe de escapar da prisão de endividamento a que foi confinada pelo seu suposto "salvamento".

Após o estouro da bolha do mercado de propriedade imobiliária, a seguir ao esmagamento do crédito pós 2008, o Banco Central Europeu pediu que o governo lançasse as perdas de cinco bancos irlandeses, no valor de €60 mil milhões, sobre os ombros dos contribuintes. De cidadãos que não tinham o dever legal nem moral de arcar com esta carga. Por que? A fim de proteger o frágil sistema bancário alemão das consequências de assumirem grandes perdas. Os irlandeses enfureceram-se contra o seu governo e elegeram um outro, o qual no entanto considerou como sua prioridade a implementação plena do programa selvagem de austeridade que vinha ligado aos enormes empréstimos que o governo aceitou a fim de reembolsar as perdas dos bancos. O resultado foi uma catastrófica espiral descendente para a economia social da Irlanda e o seu povo.

Mas agora os jornais e os media electrónicos estão cheios da "boa notícia" de que este programa de "consolidação orçamental" havia tido "êxito". Que a Irlanda havia retornado aos mercados. Que temos a primeira prova tangível de que o salvamento externo funciona. Que a Irlanda está prestes a recuperar a sua soberania e que os irlandeses podem, mais uma vez, olhar orgulhosamente nos olhos os alemães, os franceses, os holandeses, uma vez restabelecida a liberdade e a confiança creditícia no país.

Ai de nós. Tanto quanto posso ver, tudo o que aconteceu é que, após cinco anos de uma contínua comédia de erros, a liderança da Europa decidiu agora declarar vitória, com a Irlanda como primeiro espécime exibido de que a combinação de empréstimos externos de salvamento e austeridade severa funcionam. E se isto exige ser económico com a verdade, assim será.

Para aqueles que não pretendem ser económicos com a verdade, vamos examinar alguns números:
 
  Número de pessoas empregadas: Reduziu-se em 12,8% desde Janeiro/2008
  Pessoas desempregadas: Subiu de 107 mil em Janeiro/2008 para 296.300 hoje
  Taxa anualizada de crescimento interno: -1,2%
  Emigração líquida: 33 mil por ano
  Défice do governo em proporção ao PIB: 7,3%
  Dívida pública: 121% do PIB em 2013, uma subida em relação aos 91,1% em 2010 e 105% em 2011
  Dívida das familias: 200% do PIB
  Valor dos activos que suportam a dívida das familias: -56% desde o começo da crise
  Hipotecas em atraso há mais de seis meses: 17% de todas as hipotecas
 
Como pode alguém afirmar que esta economia constitui uma "história de êxito" e um motivo para celebrar o fim da espiral deflacionária da dívida? São dois os argumentos sobre os quais o triunfalismo da UE é construído. Primeiro, o espectacular desempenho exportador da Irlanda (exportações anuais excedendo o PIB do país!) e, em segundo lugar, o colapso dos yields dos títulos governamentais a 10 anos que tornam possível a Dublin retornar aos mercados monetários, ao invés de retornar ao MEE [1] para mais empréstimos de salvamento externo.

Vamos destrinçar estas duas grandes histórias de êxito, começando com as exportações.

A Irlanda é o maior paraíso fiscal flutuante sobre o planeta. Companhias como a Google e a Apple reconhecidamente lavam suas receitas através de Dublin de uma maneira que reduz maciçamente seus pagamentos fiscais enquanto reforçam para níveis ridiculamente fictícios o PIB da Irlanda. Qualquer um que conteste isto deve apresentar uma explicação alternativa para o facto de que cada empregado da Google da Irlanda produz €4,8 milhões de receitas por ano! Tudo isto significa que as maravilhosas estatísticas de exportação não se traduzem nem em impostos corporativo nem num número significativo de empregos a partir dos quais o governo possa obter rendimento e impostos indirectos a fim de servir suas dívidas.

Quanto às yields dos títulos do governo, levanta-se uma questão interessante: Por que estão elas tão baixas quando os dados acima revelam que a Irlanda, em vista da economia interna letárgica, permanece perfeitamente incapaz de refinanciar sua gargantuesca dívida pública? Por que os correctores de títulos já não estão mais a despejar títulos do governo (como o fizeram em 2011 e até Junho de 2012)? A resposta é simples: Porque eles entenderam que o BCE e Berlim nunca deixarão Dublin incumprir dada a desesperada necessidade da Europa de proclamar a Irlanda como "prova" de que suas políticas estão a funcionar. O corretores de títulos, dito simplesmente, confiam em que o BCE, através das OMT
[2] de Draghi ou de outra forma, encontrarão meios de permitir a Dublin resgatar seus títulos mesmo que o povo irlandês e o seu governo permaneçam firmemente trancafiados na prisão da dívida.
 
[1] MEE: Mecanismo Europeu de Estabilidade .
[2] OMT: Outright Monetary Transactions. Referem-se a compras pelo BCE de títulos emitidos por estados membros da Eurozona.

O original encontra-se em
yanisvaroufakis.eu/2013/11/22/the-emerald-isle-remains-in-chains/

Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .
 

CONTRA O EURO

 

João Rodrigues [*]

Este livro [1] , diz-nos Juan Francisco Martín Seco na introdução, foi escrito com "raiva", dada a destruição evitável que está sendo gerada na economia, no Estado social e na democracia espanholas. Felizmente, a "raiva" foi posta ao serviço de uma argumentação clara e racional. As grandes linhas do argumento contra o Euro são conhecidas e o livro apresenta-as claramente, tendo a vantagem adicional de nos mostrar como a atitude das elites económicas e políticas espanholas em relação ao Euro e à integração neoliberal que lhe esteve indelevelmente associada foi tão semelhante à das castas portuguesas: o mesmo egoísmo, a mesma miopia, a mesma arrogância, os mesmos complexos do bom aluno e a mesma atitude moralista imoral depois da crise rebentar – vivestes acima das possibilidades, agora é altura de pagar.

As causas estruturais da dívida externa elevada são claramente identificadas: o Euro, uma moeda sem Estado, desligado das finanças públicas, e que aumentou as assimetrias entre os Estados realmente existentes, não serve as economias europeias menos desenvolvidas e agora sem meios decentes para gerir a sua inserção internacional. A acumulação de défices da balança corrente foi um sintoma da perda de competitividade, de uma moeda demasiado forte. Agora, os défices são provisoriamente debelados pelo destrutivo e injusto, até porque só recai sobre os assalariados, mecanismo da desvalorização interna. Este deixa um lastro institucional, social e laboral, pesado, tal como a construção do euro, por via essencialmente da liberalização financeira, já o tinha feito. O trabalho de neoliberalização ficaria completo.

Parte do livro é constituída por um impressionante corpo de autocitações de escritos do autor, fundamentalmente dos anos noventa: um bem vos avisei sem falsas modéstias. Não se trata de mais um oráculo, mas sim de ter tido a capacidade de identificar, com a ajuda de história racionalizada, por exemplo das desvalorizações cambiais quando a coisa apertava, mecanismos e padrões emergentes, mas ignorados pela sabedoria convencional euro-contente.

Seco, um economista entre a alta administração pública e academia e que rompeu com o PSOE na década de noventa, insiste que a União Europeia saída de Maastricht e confirmada nos Tratados subsequentes, baseada numa moeda disfuncional e numa lógica de expansão sem fim das forças do mercado capitalista, não é união, já que reforça os mecanismos de polarização e não é europeia, já que destrói o Estados sociais e as democracias. Os mecanismos nesta altura são muito claros: sem moeda própria e controlada pelos poderes públicos democráticos, sem algum tipo de controlo de capitais, não existe, nem existirá, o grau soberania que é condição necessária para que as constituições democráticas e sociais anti-fascistas, ainda tão temidas pelo capital financeiro, e por potenciais boas razões, possam ser cumpridas nas suas dimensões essenciais. Um bom contributo para que as forças sociais e políticas que se dizem progressistas se possam ver livres, também do outro lado da fronteira, das custosas ilusões do Euro.
[1] Ediciones Península, Madrid, 2013, 208 p., ISBN 978-84-9942-202-2

[*] Economista, co-autor de A crise, a troika e as alternativas urgentes , Tinta da China, Lisboa, 2013, 198 p., ISBN 978-989-671-169-6

O original encontra-se em
ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2013/11/contra-el-euro.html

Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/ .
 

UE - Parceria oriental: “A EUROPA ESTÁ A PERDER A BATALHA PELA UCRÂNIA”

 


Oukraïnska pravda, Gazeta Wyborcza, SME & 4 outros – Presseurop – imagem AFP
 
Ao renunciar, em 21 de novembro, à assinatura do acordo de associação proposto pela União Europeia, na Cimeira da Parceria Oriental da próxima semana, em Vílnius, Kiev vira as costas à Europa e cede às pressões políticas e económicas da Rússia, considera a imprensa europeia.
 
Ao rejeitar no mesmo dia os projetos de lei que permitiriam a transferência para o estrangeiro, por motivos de saúde, de Iulia Tymochenko, opositora do regime que está detida, o Parlamento ucraniano rejeitou igualmente a principal condição colocada pela União para a assinatura do acordo.
 
“Viktor Yanukovych ou o fim de um sonho”, titula o site noticioso Ukrainskaia Pravda, na sequência da decisão do Governo ucraniano de não assinar o acordo de associação com a União Europeia, uma semana antes da cimeira de Vílnius (28 e 29 de novembro), dedicada à Parceria Oriental da União Europeia. Para este jornal de oposição, foi por “ter-se excedido em exigências e em bluffs” que o Presidente ucraniano, Viktor Yanukovych, pôs fim ao “sonho” de todo um país:
 
Este acordo de associação não fascinava apenas os meios de comunicação estrangeiros, mas também os próprios ucranianos. Falávamos disso em toda a parte: nos mercados, nos transportes públicos e nas casas noturnas.
 
Em Varsóvia, o cronista Mirosław Czech, da Gazeta Wyborcza, salienta que, ao atirar pelos ares a mesa onde o acordo de parceria iria ser assinado, o Governo ucraniano confirmou a opinião dos políticos europeus que afirmavam que Yanukovych estava a meter a Europa numa caça aos gambuzinos, tentando obter melhores condições do negócio com a Rússia. E nenhuma pessoa séria voltará a sentar-se para falar de cooperação com um tal político. O Presidente ucraniano ficou perigosamente perto de políticos como [o Presidente bielorrusso] Alexander Lukashenko, e a Ucrânia de países governados ao estilo bielorrusso. Mas a esperança é a última a morrer. Durante uma visita à Áustria, Yanukovych declarou que a Ucrânia não vai desistir da integração na União Europeia. [...] Então, nem tudo está ainda perdido? Quem sabe. Nos últimos 20 anos, os acontecimentos na Ucrânia trouxeram-nos surpresas ainda maiores.
 
“Kiev retira-se da União”, é o título do SME. No diário de Bratislava, lê-se que a reviravolta nas relações entre a União Europeia e a Ucrânia é uma grande lição para os diplomatas europeus, que se caracterizam muitas vezes pelo “otimismo infundado”, sem entenderem com quem estão a negociar. Se a decisão de Kiev representa um grande problema para a Europa, vai ter consequências ainda piores para os ucranianos, considera o SME, pois a escolha entre Bruxelas e Moscovo não tem apenas a ver com vantagens económicas de curto prazo [...], mas é também uma opção entre um Estado democrático, com um sistema legal que funciona melhor, de um lado, e um estado “gangster” e a miséria cada vez mais profunda, do outro. Yanukovych escolheu a segunda opção. Se ele e os seus próximos podem daí colher benefícios, a maioria dos ucranianos vai pagar isto muito caro.
 
“Depois de ter perdido de forma lamentável o jogo contra a França, a Ucrânia perdeu a Europa? Tem todo o ar disso”, diz Le Soir, em Bruxelas, evocando a eliminação da Ucrânia da qualificação para o Mundial de Futebol de 2014. Para o jornal belga, a Parceria Oriental, que deveria aproximar a Europa das ex-repúblicas soviéticas, está “em estado de morte clínica”, e as pressões russas não são alheias ao facto:
 
Os lituanos, que asseguram até ao final do ano a presidência rotativa da União Europeia, veem assim esfumar-se o seu sonho de coroar a sua passagem com um êxito em Vílnius. [...] Os poderosos argumentos sonantes e trôpegos de Moscovo levaram, pois, a melhor.
 
No mesmo comprimento de onda, o Frankfurter Allgemeine Zeitung constata um verdadeiro “braço de ferro” entre a União Europeia e a Rússia. Segundo o jornal, este desfecho, após um ano de negociações sobre o acordo de associação, peca por chegar “tarde de mais”:
 
À força de ameaças, bloqueios comerciais e controlos aduaneiros desmesurados, o Governo de Kiev percebeu bem a mensagem de que a Rússia tem meios para atirar o país abaixo, país esse que tem já muitos problemas e poderia até ir à falência, se assinasse o acordo com a União Europeia.
 
“A Europa está a perder a luta pela Ucrânia”, resume o diário austríaco Die Presse, na primeira página, ao dar conta da estupefação reinante em Bruxelas, onde ao meio-dia de 21 de novembro ainda se falava de uma “situação dinâmica”, abstendo-se depois de comentar, no período da tarde. Mas é sobretudo a reviravolta que pasma Die Presse:
 
Agora, será dada prioridade à participação no projeto concorrente, a união aduaneira instigada por Moscovo, que [o Presidente Viktor Yanukovich] tinha posto de lado à partida.
 
Por último, em Talin, o Eesti Pävaleht manifesta a sua inquietação por a União Europeia não poder continuar a prestar assistência à Ucrânia, agora que Kiev escolheu o campo russo:
 
Os acontecimentos de ontem demonstraram que o Presidente Viktor Yanukovych não teve força suficiente para dar o passo decisivo. A pressão russa, por um lado, e as condições impostas pela União Europeia, por outro, faziam prever uma tarefa complicada. [...] Esta inversão, em que Kiev suspendeu as suas relações de amizade com a Europa, parece conduzir a uma situação em que a Ucrânia não tem mais esperança de ajuda do Ocidente, perante qualquer tipo de pressão de Moscovo.
 

UE – CRISE DA DÍVIDA: E SE A GRÉCIA SE REBELASSE?

 


Financial Times, Londres – Presseurop – imagem Patrick Chappatte
 
Desde o início da crise financeira, o Executivo de Atenas tem aplicado contra vontade as medidas de austeridade. Mas, hoje, o Governo, fragilizado no Parlamento, tem cada vez mais razões – inclusive económicas – para dizer “não” aos credores.
 
 
O que acontece se um país sujeito a um programa de resgate decidir finalmente dizer Não?
 
Esta é uma pergunta que alguns funcionários da chamada “troika” de credores internacionais começaram a fazer a si próprios em relação à Grécia. No poder há mais de um ano, marcado pela resistência às exigências de reforma, o Governo de coligação grego continua a afirmar que não tolerará mais nenhumas medidas de austeridade.
 
Em muitos aspetos, a Grécia perdeu a capacidade de causar choque. Praticamente toda a sua dívida é detida por aqueles que lhe prestaram auxílio – governos europeus, instituições da zona euro e Fundo Monetário Internacional – o que quer dizer que o conjunto mais vasto dos mercados financeiros pouca atenção lhe presta.
 
E os impasses entre o Governo de Atenas e os supervisores do resgate tornaram-se tão triviais que deixaram de ser registados na maioria dos radares oficiais, inclusive em locais como Bruxelas e Berlim, onde os decisores políticos estão mais familiarizados com as contingências do desempenho grego.
 
Mas, se a mal disfarçada irritação que se notou nos últimos dias entre os negociadores de alto nível significa alguma coisa, então, talvez haja uma mudança de natureza, e não apenas de grau, na atual ronda de conversações, que se arrasta há dois meses.
 
Riscos políticos
 
À primeira vista, a discussão centra-se num tópico já conhecido. O projeto de orçamento do Governo grego para 2014, que tem estar concluído antes do pagamento da próxima tranche de ajuda, prevê um défice orçamental de cerca de 1,5 mil milhões de euros. O programa de privatizações, que é motivo de conflito, terá de ser revisto. As reformas estruturais, como o levantamento da moratória sobre a execução de hipotecas, também têm de ser acordadas.
 
Contudo, segundo aqueles que trabalham há anos no programa para a Grécia, parece estar a verificar-se uma mudança mais fundamental. O Governo de Atenas, que nunca mostrou grande entusiasmo pelas reformas, tem ainda menos razões para cooperar.
 
“Claramente, o que aconteceu foi que o número de vítimas políticas está a tornar-se mais evidente”, declarou um negociador de alto nível da troika. “Há apenas esta vaga de oposição.”
 
Sem dúvida que, boa parte disso é “fadiga das reformas”, que atingiu a Grécia e outros países resgatados, praticamente logo depois de os respetivos resgates serem postos em prática. Mas, em Atenas, os cálculos começaram a ser feitos de uma maneira que alguns receiam tenha enfraquecido os incentivos a um acordo.
 
Para o Governo grego, o fator mais óbvio a ter em conta é de ordem política. Apesar de ter sobrevivido, este mês, a mais uma moção de confiança, a sua maioria parlamentar continua a diminuir, resumindo-se agora a apenas quatro votos, num Parlamento com 300 assentos.
 
E, ao contrário do que se passa em Portugal, onde o Governo de coligação sobreviveu recentemente a uma experiência de quase morte, a oposição grega não é um partido tradicional que, no passado, apoiou o resgate. O Syriza, de extrema-esquerda, intimidou políticos de esquerda de todos os quadrantes – incluindo apoiantes do PASOK, o partido tradicional do centro-esquerda e membro da coligação governamental –, levando-os a opor-se ao programa.
 
O Syriza classifica-se constantemente como o maior partido da Grécia, enquanto o PASOK se encontra em agonia, repetidamente atrás do partido neonazi Aurora Dourada. Uma queda do Governo de coligação poderá muito bem significar o fim do programa de resgate, tal como o conhecemos.
 
Incentivos mudaram
 
Mas há ainda uma mudança maior, embora menos notada, na situação da Grécia. O Governo está a receber mais dinheiro do que gasta, não contando com os pagamentos de juros da dívida nacional. O atual “excedente orçamental primário” significa que cada dólar adicional de imposto arrancado aos eleitores gregos se destina a pagar aos credores.
 
Apesar de os funcionários da troika não estarem de acordo quanto a se será isso que está por trás da inflexibilidade recém-adquirida, historicamente, os governos que recebem ajuda internacional tornam-se menos cooperantes depois de puderem pagar na íntegra as suas atividades diárias. Na verdade, se pudesse contar com um banco central próprio para apoiar o setor financeiro nacional, seriam poucos os incentivos para que o Governo de Atenas continuasse a pagar fosse o que fosse à UE e ao FMI.
 
Os incentivos também mudaram na zona euro. Muitos consideram que os mecanismos e guarda-fogos da zona euro impedirão que a crise grega infete o resto [dos países] da moeda única. O próximo grande pagamento da dívida grega é ao Banco Central Europeu e está previsto para maio. Até lá, há muito poucas razões para disponibilizar qualquer ajuda à Grécia.
 
No interior da troika e nos Ministérios das Finanças nacionais, algumas pessoas sempre pensaram que a saída da Grécia da zona euro era inevitável. Se não encontrarem novos motivos para aceitar o compromisso, os governantes de Atenas e os seus credores oficiais poderão ver os seus piores receios tornarem-se realidade.
 
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QUEM QUER O QUÊ?

 

Diário de Notícias, editorial
 
Quando se fala de Portugal e da sua saída do programa de assistência (PAEF) em curso, afinal, quem é que verdadeiramente traduz fielmente o pensamento e a ação da Comissão Europeia (CE)? É que, num mesmo dia, assistimos a três posições contraditórias.
 
Olli Rehn, o comissário europeu para os Assuntos Económicos, louvou-se na redução para metade dos défices públicos na Europa e, reconhecendo serem ainda incipientes os sinais de viragem da economia europeia, decretou ter chegado a hora de abrandar o ritmo das quedas futuras dos défices de Estado na União Europeia e de apostar em medidas que reforcem o crescimento económico e a criação de emprego.
 
Por seu lado, o relatório da CE com as conclusões das 8.ª e 9.ª avaliações insiste na necessidade de atingir sem falhas as metas traçadas para 2014 e assinala mesmo os obstáculos que teriam de ser superados se alguma das medidas de corte na despesa pública viesse a provocar novo veto do Tribunal Constitucional, complicando, segundo a CE, a perceção dos credores quanto à capacidade de Portugal poder regressar autonomamente aos mercados da dívida.
 
Finalmente, as sempre solícitas fontes anónimas da troika, entre elas as da burocracia central de Bruxelas, vão mais longe, sussurrando à imprensa financeira global que a desconfiança é a moeda de troca perante Portugal e que os credores hesitam em esperar novo resgate ou um programa cautelar na saída do PAEF, no próximo mês de junho.
 
Em que ficamos? Trava-se, mantém-se a velocidade ou acelera-se a contração orçamental? O que quer afinal a CE de Portugal e dos portugueses? Bem precisamos que acertem o discurso e clarifiquem a sua posição, no fim da próxima vinda a Lisboa, daqui a duas semanas.
 
A defesa da Constituição
 
Nunca como nos últimos anos, a pretexto do ajustamento imposto, a Constituição da República Portuguesa e o Tribunal Constitucional (TC) estiveram tão sob escrutínio. De um lado, o Governo e os seus aliados pressionam para que a interpretação do texto fundamental seja o menos restritiva possível. Do outro, as oposições pressionam, igualmente, para que a Constituição se cumpra e o Presidente da República e os juízes do Palácio Ratton a façam cumprir. A democracia também é feita destas tensões.
 
A Constituição, como é óbvio, não deve nem pode ser sacralizada e, muito menos, considerada imutável. Mas, num Estado de direito, não pode, em circunstância alguma, deixar de ser respeitada. E aquilo a que temos assistido durante o consulado da troika em Portugal, a coberto da "situação de emergência", é, no mínimo, uma tentativa de atropelo do texto constitucional que só não é mais grave porque os juízes do TC têm cumprido a missão para que foram empossados: verificar a conformidade das normas aprovadas com a Constituição.
 
É evidente que se trata de um manifesto exagero pretender afirmar que aquilo que se tem passado nos últimos anos é uma ameaça à democracia. Aliás, a tentação da retórica radical, que ontem se ouviu na Aula Magna, é que representa um mau sintoma para o regime. Porém, e em nome da responsabilidade, é bom não desvalorizar os sucessivos episódios de ataque às instituições democráticas. Sobre este assunto, aquilo que importa dizer é que quem considera que a Constituição está desajustada e deve ser alterada tem a obrigação de apresentar propostas e promover os consensos necessários à sua revisão. Mas enquanto isso não acontece, manda o dever que se cumpra a Lei que está em vigor.
 

EM BRUXELAS JÁ SE CALAVAM, NÃO?

 


Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
Isto começa a ultrapassar todos os limites. Ontem, mais uma vez, a Comissão Europeia, no relatório da 8ª e 9ª avaliação, decidiu fazer considerações depreciativas sobre as decisões passadas do Tribunal Constitucional português. E, mais grave, achou que fazia sentido desenvolver conjecturas sobre decisões futuras do TC. Coisa que nunca se atreveria a fazer sobre o TC alemão, que muitas decisões já tomou que foram determinantes para a Europa.
 
A ver se nos entendemos duma vez por todas: os manga de alpaca que escrevem relatórios sobre a situação portuguesa, que são assalariados duma instituição de que Portugal também faz parte, não têm de fazer considerações sobre as decisões dum tribunal nacional. Nem boas, nem más, nem sobre o passado, nem sobre o futuro. Esperam, num respeitoso, diplomático e sepulcral silêncio, que se exige a qualquer organismo internacional que tenha de lidar com um Estado soberano, pelas decisões dos órgãos de soberania desse país. Depois, com base nela, tratam das devidas negociações com o governo português. Sem qualquer comentário de cariz político ou institucional, para os quais não estão nem habilitados pelo currículo, nem legitimados pelo voto.
 
O problema não é estes burocratas, que da vida política conhecem uns corredores em Bruxelas e salas de espera de aeroportos, se permitirem a estes enxovalhos a uma nação independente. O problema é termos um primeiro-ministro que aceita, em silêncio, porque até considera útil, uma inaudita pressão externa sobre um tribunal nacional. Que até permite que o presidente da Comissão Europeia faça, ao seu lado, numa conferência de imprensa, parte dessa pressão. De que provavelmente ele era conhecedor prévio. O problema é um Presidente da República que assiste a tudo isto em silêncio. Assim como ouviu, em silêncio, há uns anos, na sua presença e em público, um ralhete do presidente da República Checa sobre a vida política económica interna de Portugal.
 
Nesta matéria, o problema não é estarmos resgatados ou sob protetorado. É termos detentores de cargos públicos, com obrigação de representarem Portugal, que perderam a noção da dignidade institucional e da defesa da soberania. Para Passos Coelho, entre o Tribunal Constitucional e um qualquer político da oposição não há qualquer diferença. Entre um responsável da Comissão Europeia e um articulista também não. Tudo se pode dizer, tudo se pode escrever, tudo é legitimo para pressionar um tribunal a tomar a decisão conveniente. Até permitir ataques à soberania vindos de fora. Desde que usem um pin na lapela com a bandeira nacional e se tomem posições oficiais indignadas por o presidente da FIFA ter desrespeitado Ronaldo, o patriotismo está mais do que garantido. É um patriotismo à Scolari: fica-se pela bandeira e pelo futebol.
 
Passos Coelho e Cavaco Silva não se devem espantar com o crescente desrespeito dos cidadãos, não apenas por eles, mas pelos cargos que ocupam. Se eles são os primeiros a deixar que uma instituição externa pressione abertamente um tribunal português, como podem depois explicar aos portugueses as virtudes do institucionalismo? Quem abandalha o Estado e a República não pode exigir melhor do que abandalhamento. Quem não se dá ao respeito nas relações institucionais com o exterior, não pode ser respeitado. Nem lá fora nem cá dentro.
 
Ontem, assistimos a um sinal significativo da situação nacional, com a polícia a romper um cordão da própria política. Felizmente, tudo acabou em bem. Também ontem, a Aula Magna esteve à pinha, juntando patriotas de todas as esquerdas e de várias direitas, para defender a Constituição. Onde a melhor intervenção que ouvi, e sou insuspeito de simpatia, foi a de Pacheco Pereira. Duma ou doutra forma, há um país que se levanta.

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Portugal: DIRETOR NACIONAL DA PSP DEMITE-SE

 


O motivo é a manifestação das forças de segurança ontem, em Lisboa. Principalmente, o comportamento das 'polícias' junto ao Parlamento.

Anabela Natário e Carlos Abreu - Expresso
 
Diretor Nacional da PSP pediu a demissão e o ministro da Administração Interna aceitou, confirma o governo em comunicado.
 
O diretor nacional da Polícia de Segurança Pública colocou o lugar à disposição, segundo o comunicado do gabinete de imprensa da Administração Interna, devido "aos acontecimentos ocorridos ontem em frente à Assembleia da República".
 
"O ministro da Administração Interna entendeu aceitar a disponibilidade para a cessação de funções que tem exercido como Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública", acrescenta a nota.
 
Paulo Valente Gomes tinha tomado posse no dia 1 fevereiro do ano passado, para substituir o superintendente Guilherme Guedes da Silva que o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, exonerara a 23 de janeiro.
 
"Fiz uma ponderação cuidada da situação na PSP e, avaliando várias questões, considerei que era adequado proceder a esta mudança", afirmou na altura o ministro Miguel Macedo.
 
O superintendente Paulo Valente Gomes, de 47 anos, que foi o primeiro oficial da Escola Superior de Polícia a chegar ao topo da hierarquia, antes de ser nomeado director nacional da PSP era director nacional adjunto para a Unidade Orgânica de Recursos Humanos da PSP e antes tinha ocupado a direcção do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna.
 

Brasil: EX-DIRETOR DA SIEMENS ENVOLVE ALIADOS DE ALCKMIN EM CARTEL

 

Rodrigo Mendes - Carta Maior – em Brasil de Fato
 
O ex-diretor da Siemens, Everton Rheinheimer, apontou alguns nomes ligados ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como sendo de pessoas que teriam recebido propina das multinacionais suspeitas de participar de um cartel dos trens em São Paulo. A Siemens firmou em maio um acordo de leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), comprometendo-se a colaborar com as investigações sobre o cartel.

Segundo um relatório entregue ao Cade no dia 17 de abril, Rheinheimer indicou que o secretário chefe da Casa Civil do governo Alckmin, o deputado licenciado Edson Aparecido (PSDB), foi apontado como uma das pessoas que recebeu propina no esquema do cartel por Arthur Gomes Teixeira.

Teixeira é lobista e é um dos suspeitos de fazerem a ligação entre as empresas que formavam o cartel e o Metrô e a CPTM. Rheinheimer assumiu a divisão de transportes da Siemens em setembro de 2001, durante o primeiro mandato de Geraldo Alckmin, que foi quando teriam começado as ações cartelizadas das empresas de transporte envolvidas nesse esquema.

A justiça alemã já havia concluído que a Siemens pagou ao menos 8 milhões de euros em propinas para dois funcionários públicos brasileiros. Na Alemanha, a Siemens foi condenada a pagar uma multa bilionária, por ter feito parte de um esquema internacional de corrupção.

Rheinheimer também citou o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), aliado dos tucanos, como possível beneficiário. Em um documento escrito pelo ex-diretor da Siemens e que já foi anexado ao inquérito que investiga o caso, ele afirma que há "uma série documentos que provam a existência de um forte esquema de corrupção no Estado de São Paulo durante os governos (Mário) Covas, Alckmin e (José) Serra, e que tinha como objetivo principal o abastecimento do caixa 2 do PSDB e do DEM". "Trata-se de um esquema de corrupção de grandes proporções, porque envolve as maiores empresas multinacionais do ramo ferroviário como Alstom, Bombardier, Siemens e Caterpillar e os governos do Estado de São Paulo e do Distrito Federal".

O documento ainda faz menção ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), ao secretário estadual de Energia José Aníbal, que é deputado pelo PSDB de São Paulo, Jurandir Fernandes, secretário de Transportes Metropolitanos e Rodrigo Garcia, secretário de Desenvolvimento Econômico.
 
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Brasil: BARBOSA DEVIA SOFRER IMPEACHMENT NO STF

 


Altamiro Borges, Brasília – Correio do Brasil, opinião
 
Cresce a repulsa em setores da sociedade contra a atitude arbitrária, vingativa e macabra de Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que enviou ao presidio da Papuda, em pleno feriado do Dia da Proclamação da República, os condenados no midiático julgamento do “mensalão”. Até outro ministro do STF, Marco Aurélio Mello, criticou a ação intempestiva e exibicionista. Já há inclusive setores que aventam a possibilidade de solicitar a abertura de um processo de impeachment contra o truculento Joaquim Barbosa.
 
Segundo matéria do sítio Brasil-247 desta terça-feira, a ideia foi debatida ontem na reunião dos lideres da base aliada com a presidenta Dilma. “O líder do PT, Wellington Dias (PI), defendeu que o Senado usasse a sua competência constitucional para entrar com representação contra o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal). Os petistas avaliam que Barbosa feriu a Constituição ao determinar a prisão dos condenados ao regime semiaberto em regime fechado, por não atender aos pedidos de cumprimento das penas no local do domicilio, e por não dar tratamento adequado a quem precisa de atendimento médico, como o deputado José Genoino (PT-SP)”.

Caso o processo fosse aberto, ele poderia resultar no impeachment do atual presidente do STF. “No entanto, o líder petista não teve o aval nem da presidente Dilma nem dos demais líderes presentes, por temerem mais um conflito entre o Legislativo e o Judiciário. A presidente se disse preocupada com a situação de Genoino. Segundo ela, o médico Roberto Kalil, que a atende, fez um relato dramático de seu estado de saúde. ‘O Kalil me disse que o problema do Genoíno pode ser fatal. Mas eu não posso fazer qualquer manifestação pública sobre as prisões para não criar uma crise institucional. Essa é uma questão muito delicada’”, relata o sítio.
 
A ideia, porém, não está enterrada. A cada dia surgem novas críticas à postura prepotente de Joaquim Barbosa, o que pode acelerar o seu isolamento político. Apenas a mídia golpista, com seus colunistas adestrados, continua a endeusar a atitude do presidente do STF. Os mais rancorosos inclusive já apresentam Joaquim Barbosa como potencial candidato à sucessão presidencial de 2014. Mas mesmo neste campo adverso, pipocam as primeiras divergências. Vale conferir dois artigos da Folha tucana:
 
Ricardo Mello – 18/11
 
Supremo Tapetão Federal
 
Num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar
 
Derrotada nas eleições, a classe dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos compêndios do “Direito” até encontrar casuísmos capazes de preencher as ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao tapetão.
 
O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma luva. A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo, ou provar nada. O recurso é também o abrigo dos covardes. No caso do mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava acontecendo?
 
A pergunta seguinte atesta a covardia do processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados? Qualquer pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar um esquema como teria sido o mensalão.
 
Mas mexer com Lula, pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo. Pior ainda quando todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a reeleição e nada lhe aconteceu. Por mais não fosse, que se mantivessem as aparências. Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos encrencados com licitações trapaceadas.
 
A saída foi tentar abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu. Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos. Ora o processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e vice-versa.
 
Os debates? Quantos momentos edificantes. Joaquim Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas coerentes e respeitar o contraditório. Paladino da Justiça, não pensou duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar desempregar a mulher do mesmo desafeto. Belo exemplo.
 
O que virá pela frente é uma incógnita. Para o PT, ficam algumas lições. Faça o que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do passado, do presente ou do futuro – o fato é que o partido nunca será assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o povo. Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de metrô. Mas, como foi obra do PT, cadeia neles.
 
É a velha história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não encarcerada – mesmo que a tenha devolvido. Agora, se a amiga da mesma madame levar “por engano” um colar milionário após um regabofe nos Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o mimo.
 
Nunca morri de admiração por militantes como José Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por transformações sociais. Penso até que muitas das dificuldades do PT resultam de decisões equivocadas por eles defendidas. Mas, num país onde Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.
 
Janio de Freitas – 19/11/2013
 
Quando março chegar
 
A ida dos presos para cadeias injustificáveis em Brasília proporcionou um espetáculo de marketing
 
Na conturbada sessão do Supremo Tribunal Federal de quarta passada, quando decididas as prisões do mensalão sem esperar pelo fim dos recursos de defesa, um dos vários incidentes surgiu e repicou insistentemente sem sequer indício de algo que o explicasse. A ocorrência das prisões no 15 de novembro não só o explicou, como explicou muito mais. E com mais importância.
 
Já a antecipação das prisões entrava em discussão. Ricardo Lewandowski ponderou que, tendo o procurador-geral da República entrado com novo documento no processo, do qual o ministro recebera cópia e notara o despacho “Junte-se” assinado por Joaquim Barbosa, cabia à defesa pronunciar-se a respeito. Marco Aurélio Mello endossou de pronto a ponderação, pronunciamento de uma parte chama o da outra. O documento propunha as prisões imediatas.
 
Joaquim Barbosa desfechou, com raiva, um ataque súbito ao procurador-geral Rodrigo Janot, sentado à sua direita, por lhe mandar o documento na véspera, o qual nem ao menos lera antes de despachar. Do seu teor só tomava conhecimento ali, naquela hora.
 
Não precisaria dizer, aqui, que Marco Aurélio Mello se esbaldou em gozações ao presidente do tribunal que confessava assinar e despachar documentos sem os ler. Barbosa repetiu, e repetiu mais, o ataque à atitude de Janot, no entanto adotada com perfeita formalidade e no seu direito funcional.
 
Também não precisaria dizer que Joaquim Barbosa atropelou a ponderação sobre um direito de defesa e um dever de juízo, e aparentemente foi acompanhado pela maioria (com a intensidade da balbúrdia, o presidente não conseguiu formular o sentido e a forma da decisão do tribunal; adiou-a, e não a expôs na sessão seguinte).
 
Mas toda a crítica raivosa, que o procurador-geral Rodrigo Janot ouviu como um soldado ao tenentinho que experimenta o seu recente poder de humilhar, ficou explicada no feriado. Já em meio à exaltação com Marco Aurélio e Janot, aliás, Joaquim Barbosa dissera que já tinha preparada a medida quando o procurador-geral a pedira. Mas, na sessão, isso não pareceu importante porque nada levava a prever-se a intenção de Joaquim Barbosa de determinar as prisões para 15 de novembro.
 
Claro, com seu pedido, o procurador-geral pôs-se na iminência de se apropriar das prisões e dos efeitos promocionais decorrentes de providenciá-las. Mesmo não sendo esse o propósito de Rodrigo Janot, foi até manchete de primeira página com o que pedia. A intenção marqueteira pulou-lhe na garganta.
 
A ida dos presos de São Paulo, Belo Horizonte e Goiânia, cidades de suas residências, para cadeias injustificáveis em Brasília foi, mais do que sem sentido, por isso mesmo sem amparo legal. Mas proporcionou um espetáculo de marketing político extraordinário pelo alcance, social e geográfico, e pela concentração precisa sobre o beneficiário. Se apenas para colher palmas em lugares públicos ou para mais que isto, saberemos quando março encerrar o prazo especial de inscrições partidárias-eleitorais. Mas a convicção de que não será preciso esperar até lá, com as indicações dadas pelo espetáculo fabricado para o 15 de novembro, já supera as prisões como assunto na política.
 
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