segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

AINDA OS VOTOS DE PORTUGAL NA ONU

 

Daniel Oliveira – Expresso, opinião
 
Na sexta-feira escrevi que "uma resolução de solidariedade com a luta do ANC e dos sul-africanos, que incluía um apelo para a libertação incondicional de Mandela", votada da Assembleia Geral da ONU, em 1987, teve o voto contrário de Portugal. Tal informação confirmou-se. Desconhecia o sentido do voto português noutras resoluções do mesmo dia o que, tenho de reconhecer, tornou o meu texto incompleto e facilmente sujeito a crítica. Uma delas (a resolução "G"), que é mais genérica e de longe a mais recuada das sete resoluções votadas (uma oitava passou sem votos) nesse dia sobre a África do Sul, terá contado com o voto favorável de Portugal.
 
Segundo responsáveis de então por estes votos contraditórios, esta discrepância terá acontecido por a resolução "A" defender a luta armada. Esta justificação, então apresentada, não faz qualquer sentido. A resolução não defende a luta armada. Muito menos a considera, como terá afirmado a declaração de voto portuguesa, "como único meio de corrigir situações de injustiça". Apena reafirma a "legitimidade da luta do povo da África do Sul e o seu direito a escolher os meios necessários, incluindo a resistência armada, para conseguir a erradicação do apartheid".
 
A legitimidade do uso das armas para impor a democracia e erradicar um regime ilegítimo não é matéria de discussão e é improvável que Portugal a pusesse em causa. A nossa democracia foi imposta pelo uso das armas e apoiámos, no período logo a seguir, o direito dos timorenses a usarem a resistência armada. O que corresponde, aliás, ao que se pode ler na nossa Constituição, relativa às relações internacionais, onde Portugal reconhece o direito dos povos "à insurreição contra todas as formas de opressão". Se assim não fosse, Portugal seria o primeiro país radicalmente pacifista à face da terra, que negava o uso da força armada para impor a democracia e um poder legitimo. A posição constante naquela moção é a genericamente aceite em todos os casos semelhantes e foi, aliás, aquela que a ONU adoptou em relação a todos os países colonizados, por exemplo. Não é por acaso que a posição portuguesa foi tão minoritária naquele voto.
 
Mas para provar a falta de validade deste argumento não precisamos de tanto debate. Basta olhar para as restantes votações desse mesmo dia. Portugal não votou apenas contra a resolução "A", mas também contra as resoluções "C" (que apelava a vários países, incluindo os EUA e o Reino Unido, a apoiarem as sanções) e "D" (que apelava ao fim da colaboração militar entre Israel e o regime sul-africano). E absteve-se nas resoluções "B" (que reafirmava e especificava sanções à África do Sul), "E" (que solicitava financiamento para o Comité Especial Contra o Apartheid) e "F" (que reforçava as medidas para o embargo de petróleo ao regime sul-africano). Das sete resoluções votadas nesse dia, Portugal apenas aprovou uma. E nenhuma das outras cinco resoluções que não contaram com o seu apoio fazia qualquer referência a qualquer tipo de luta armada.
 
A resposta para este comportamento é simples e, como fica demonstrado, não tem qualquer relação com um suposto e estranho purismo português em relação ao uso das armas para impor regimes democráticos e legítimos: Portugal só votou a resolução que não correspondia a nenhuma ação ou decisão concreta de apoio à luta contra o apartheid e que se ficava por meros apelos genéricos. As razões conhecemos e até podem ser aceites por alguns: a situação da comunidade portuguesa na África do Sul (que referi no meu texto), a relação com outros aliados preferenciais (EUA, Reino Unido e Israel) e o absoluto alinhamento, em política externa, com as posições britânicas. Todos eles confirmados por vários ex-embaixadores na ONU, que reconhecem que o princípio geral era "não fazer ondas". Fingir que o problema era a "luta armada" é um ato de cinismo e uma mentira. Uma mentira que outras votações noutros momentos (dei o exemplo referido por Ana Gomes, numa resolução sobre as crianças vítimas do apartheid) também desmentem.
 
Como se vê por este conjunto de votos, a posição do governo português era do mínimo de comprometimento possível com o movimento externo e interno de luta contra o apartheid e duma solidariedade quase nula com o ANC de Nelson Mandela. Vale a pena, a este propósito, ler o texto do ex-secretário de Estado da Cooperação João Cravinho, no seu facebook (sem link) sobre as relações de Portugal com o regime sul-africano. E esse era o sentido fundamental do meu texto que as votações daquele dia não só não desmentem como confirmam, tal como aqui demonstrei. E não há três dias de luto nacional que escondam este facto histórico. Ainda bem que a posição portuguesa mudou. Pena que tenha mudado quando ela já é indiferente. Porque insisto nisto? Porque para aprender com o exemplo dos outros temos de reconhecer os momentos em que não soubemos nós próprios estar à altura da sua coragem. Apenas isso. Oportunismo e aproveitamento político é mudar a história para ficar bem nela.
 
Depois de o ter feito no Expresso em papel, escreverei aqui, amanhã, sobre Mandela e o seu legado. Aquele que parece ser ignorado por tanta gente, incluindo o primeiro-ministro de Portugal, que recordou, em nota oficial, o "lider da resistência não violenta ao regime de segregação racial". É infinita a ignorância.
 

Portugal: O PARTIDO ALEMÃO OU A BATALHA DE MASSAMÁ

 

Artur Portela – jornal i, opinião
 
Ensaio de Artur Portela, o renascimento do espírito da "Funda" - as crónicas que o autor assinava e que marcaram a vida política com prosas particularmente incisivas
 
O PSD foi partido de combate.

Foi partido de resistência.

Foi partido de rasgo.

Do rasgo de Francisco Sá Carneiro e de muitos outros, alguns dos quais se encontraram, há dias, no Porto.

Uma coisa o PSD nunca foi: um partido estrangeiro.

Pelo contrário.

O PSD sempre foi um partido entranhadamente português.

Ora o PSD corre, neste momento, o risco parecer, e cada vez mais, um partido estrangeiro.

O PAP – Partido Alemão de Portugal.

Contribuindo, de forma cada vez mais clara e mais rápida, para dessocializar e desdemocratizar o PSD.

Para o ano – o ano do centenário do desencadear da Primeira Guerra Mundial, e insistindo a actual direcção do partido neste seu jeito ideológico, e assumindo o PS simultaneamente a herança do sacrifício de Portugal na Flandres e da Revolução de Abril –, este PSD poderá colocar-se numa posição ainda mais auto-contundente, na cerimónia culminante da comemoração.

A imagem do partido do lado de lá de La Lys.

Ficando Portugal do lado de cá.

Portugal e o Soldado Milhões.

Ora isso é insuportável para aqueles que assumem e conhecem o património moral e político da social-democracia portuguesa.

Quem escreve estas linhas, tendo-se cruzado, junto do Lago de Genebra, por acaso, com Francisco Sá Carneiro, que se afastara da cena política portuguesa, acabou por lhe fazer uma entrevista, aquela onde ele anunciou o famoso regresso a Portugal. Foi uma demorada conversa, ao longo da margem do lago, na qual Francisco Sá Carneiro revelou, mais uma vez, a sua coragem, a sua consciência social, o seu patriotismo. Aqueles de onde decorre parte significativa da cultura do PSD.

Nada a ver com este, hoje, Portugal atracado da actual direcção do PSD. Adolescente. Ávido. Humanamente árido. E com um prego keiseriano espetado, na cabeça. De bico para cima.

Ser alemão não será porventura fácil.

Ser português e tentar retroverter, psicológica, cultural, politicamente, os alemães, imitá-los, está entre o ridículo e trágico.

Sobretudo se se tratar, não de germanofilia, mas do uso oportunístico de uma meia-ocupação financeira alemã da Europa.

Para quê?

Para desmantelar, num ápice, a Constituição e o Estado Social portugueses e fazer, de uma vezada, a revolução neo-liberal.

Um paraíso frio.

Sacrificando o PSD.

Desfigurando o PSD.

Crê-se que a Plataforma é isso que não tolera.

Compreende-se a contenção dos plataformistas, a sua preocupação quanto à unidade do PSD e quanto ao calendário eleitoral.

Mas, conhecendo-se os plataformistas e o carácter de Passos Coelho, também se compreende que está para estalar uma batalha.

A Batalha de Massamá.

A Alemanha, que não é tão má como a pintam, percebe este motim de garotos periféricos e não excessivamente competentes que confundem Calvino com o Calvin and Hobbes da banda desenhada. E perceberá, especialmente agora com um governo de Grande Coligação, a vantagem, mesmo para a Alemanha, de que Portugal tenha adultos políticos no governo.

Quando se restabelecer alguma ordem natural das coisas neste País, haverá pelo menos tempo para respirar politicamente.

E os subsecretários de Estado deixarão de ir a Troia.

De cavalos da Troika.
 

SELVAGERIA NO FUTEBOL BRASILEIRO - com vídeo

 

João Jorge BragaDebates Culturais
 
O que aconteceu no jogo Vasco e Atlético Paranaense neste domingo foi mais uma prova de falta de civilidade e de controle emocional das torcidas brasileiras. Cenas de selvageria num estádio sem policiamento (pelo entendimento do Ministério Público o jogo era um evento privado e não público, logo a polícia militar não deveria ser a responsável pela segurança), demonstram que estamos muito pouco preparados para eventos desse tipo.
 
É inadmissível que num país que sediará uma Copa do Mundo e um Olimpíada ainda haja risco de morte para aqueles que querem assistir os jogos. Já há uma nefasta política pública de elitizar o torcedor presente nos estádios feitos para a Copa, que poderá acabar sendo aplicada aos demais jogos com a desculpa que eliminando o povão a segurança será mais fácil. É coisa do tipo: “se os torcedores estão criando problemas, tiremos estes torcedores e coloquemos outros, mais civilizados”. Assim, o povo que é mal educado (por várias razões, dentre elas escolas públicas ruins) é jogado fora, sendo marginalizado.
 
A questão é que sempre é o povão quem sofre. Se o governo local, o Ministério Público, os times e a própria CBF tivessem sido mais cautelosos, provavelmente não teríamos tido aquela briga absurda entre as duas torcidas. Alguns sites (veja aqui) denunciam que já havia uma possibilidade de confronto prevista pelas próprias torcidas. Só as ditas autoridades é que não perceberam. Quando é para usar a inteligência das polícias, por exemplo, nada é feito, mas quando é para incriminar manifestantes de passeatas legitimamente organizadas, todo o aparato é mobilizado.
 
É preocupante vermos que nossas torcidas ainda são despreparadas e amadurecidas o bastante para enfrentar situações de emoção e até derrota. Cabe aqui meu temor, o que aconteceria se numa final da Copa aqui no Brasil a seleção brasileira perdesse?
 
*João Jorge Braga é natural de Minas Gerais
 
 

Brasil: A APOSTA NA DEMOCRACIA CONTRA O CAOS

 


São Paulo elegeu neste domingo 1.125 representantes para governar a cidade com Haddad, o maior conselho popular da história brasileira.
 
Saul Leblon – Carta Maior, editorial
 
A cidade de São Paulo elegeu neste domingo o maior conselho popular da história brasileira. Com pouco espaço na imprensa e uma divulgação despolitizada de parte da própria prefeitura, ele representa, paradoxalmente, talvez a resposta mais arrojada ao anseio de participação ecoado nas ruas de junho.

São Paulo reúne 32 sub-prefeituras.

A partir de 25 de janeiro - quando os conselheiros eleitos tomam posse - elas terão um organismo local de fiscalização, consulta e proposição reclamado há décadas como antídoto ao caos logístico e social na maior metrópole brasileira e uma das maiores do mudo.

Com um representante para cada 10 mil habitantes, a cidade disporá então de 1.125 vozes a falar por ela com conhecimento de causa e legitimidade.

É a aposta na democracia contra o caos. Se vingar, fará história e não apenas em São Paulo.

Embora a área de ação de cada conselheiro esteja circunscrita ao perímetro do bairro, nada impede que a Prefeitura institua fóruns regionais ou mesmo municipais, compostos por representações proporcionais destes conselhos, para debater e planejar grandes ações de interesse de toda a cidadania.

Na verdade, dada a natureza sistêmica dos grandes problemas urbanos de uma metrópole como São Paulo, essa progressão democrática é quase inevitável.

O recente reajuste do IPTU, que inflamou o espírito separatista de uma parcela da cidade cujo horizonte comunitário começa e termina na garagem do prédio, por certo teria outro respaldo político fosse ele previamente discutido e sancionado por um fórum de representações proporcionais ao mosaico paulistano.

O debate sobre o novo Plano Diretor de São Paulo, fomentado pela gestão Haddad, certamente teria uma densidade e um discernimento diferenciados, se estruturado a partir dos conselhos municipais.

O grande risco é subestimar essa oportunidade democrática abastardando-a como um simulacro do que deveria ser.

O que deveria ser passa pelas grandes questões que desafiam a democracia e o planejamento da sociedade em nosso tempo.

Marx disse que o ‘o capital nasce escorrendo sangue e lama por todos os poros da cabeça aos pés’.

A imagem se aplica literalmente à descrição do processo contínuo de valorização e exclusão em uma cidade com o tamanho e o calibre dos interesses entranhados nos 1.500 km2 de São Paulo.

A ideia de que esse açougue possa ser administrado pelo livre curso dos interesses graúdos que o dominam é o que de mais próximo se pode conceber em termos de barbárie urbana.

É disso, do direito ao livre curso dos mercados sobre a cidade, que falam as entrelinhas das críticas despejada contra a gestão Haddad por parte da emissão conservadora.

Critica-se o prefeito pelos seus acertos.

A intrínseca barbárie apregoada na fuzilaria contra o IPTU progressivo, e contra o Plano Diretor que coíbe o vale-tudo imobiliário, deriva da mesma cepa que na esfera nacional ecoa o bombardeio contra o ‘intervencionismo da Dilma’.

Os elevados custos humanos e materiais da internalização da crise mundial no sistema econômica brasileiro nunca são projetados quando se trata de fuzilar ‘a gastança’ das medidas federais tomadas para evitá-los.

Providências equivalentes, em termos de vida urbana, deveriam ter sido adotadas em metrópoles fortemente conectadas aos humores globais, como é o caso de São Paulo.

O Minha Casa, Minha Vida, no entanto, lançado como medida contracíclica no plano federal, teve na São Paulo dirigida pelo comodato Kassab/serrista, um dos seus piores desempenhos. O mesmo se pode dizer no que diz respeito à adesão ao Brasil Sem Miséria.

É forçoso arguir se até mesmo prefeitos progressistas iriam além do fatalismo ortodoxo, desprovidos de um contrapeso democrático que os conectasse diretamente ao metabolismo nervoso da cidade.

São Paulo não precisa de uma crise mundial para revelar as camadas majoritárias de sua gente expostas a um cotidiano de abandono e privação.

Num espaço por excelência de exercício da cidadania, a igualdade perante a lei aqui significa muito pouco à imensa maioria dos paulistanos desprovidos do poder econômico que lhes dê acesso aos gabinetes onde a cidade é decidida.

A cidadania que se exerce assim, esporadicamente, no comparecimento às urnas descarnado de outras instâncias de participação, revela-se um poder meramente formal diante do bloco granítico no qual se fundem a política e o dinheiro.

O gradiente dos direitos civis na metrópole é diretamente proporcional à quilometragem que separa bairros elegantes dos arruamentos suburbanos.

Ninguém escapa do inferno pelas mãos do diabo.

O que se disputa no Brasil hoje – enevoado pela vaporosa endogamia de togas e mídia-- é se o passo seguinte da história aqui será determinado pelos impulsos cegos dos mercados ou pelo planejamento democrático dos cidadãos.

A importância do conselho eleito neste domingo em São Paulo deve ser avaliada dentro dessa disjuntiva

Com algum otimismo, até mais além dela.

A história ensina que a passagem de uma época para outra requer não apenas condições objetivas, mas rupturas de engajamento social que reúnam a energia da força e do consentimento para desbravar novos caminhos.

O novo caminho no caso de São Paulo significa tornar a democracia na gestão da cidade indissociável dos que dela sempre foram excluídos.

A gestão Haddad tem um pedaço disso nas mãos a partir de agora. Cabe não desperdiçar a colheita embutida na semente.

A ver.
 

Moradores de rua são humilhados em Florianópolis: "Fora! Não precisamos de mendigos"

 


Brasil - Protesto em Florianópolis pede "Fora mendigos!". Habitantes da praia da Canasvieiras, preocupados com o turismo local, exigem saída de moradores de rua
 
Segurando cartazes como “Não precisamos de mendigos: Fora!”, moradores da região da praia da Canasvieiras, em Florianópolis, protestaram contra a presença de pessoas em situação de rua na cidade.
 
A praia é uma das preferidas de turistas argentinos, que costumam lotar os hotéis da região e o turismo é a principal preocupação dos “incomodados”. “Estamos tentando limpar a praia para a chegada do turista. Isso está queimando nossa imagem”, afirmou Luciana da Silva, uma das organizadoras do protesto, àFolha de S. Paulo.
 
No blogue SOS Canasvieiras, organizado por moradores da região, em um texto intitulado “Turismo Insustentável”, os insatisfeitos desfilam uma série de argumentos para que se expulse a população de rua da região. “Não podemos deixar esta situação se agravar, porque junto vem a sujeira, as drogas, os desentendimentos e até os homicídios, comprometendo a nossa qualidade de vida e a fama negativa perante o Brasil e o mundo”, afirma o autor.
 
Em outro trecho, a preocupação com a “vocação pelo turismo” do bairro é lembrada. “Mas não é este tipo de turistas [moradores de rua] que precisamos e queremos, nem na baixa temporada, nem na temporada de verão”. Para encerrar, o autor exalta a cobertura por parte da imprensa. “Até a grande mídia tem noticiado o “descarte” de seres humanos, ditos mendigos, aqui em Canasvieiras.”
 
“Importação”
 
Sites de notícias locais, como o Tudo Sobre Floripa, noticiam uma “suposta importação de mendigos”. “Segundo o secretario Alessandro Balbi Abreu, a denúncia partiu de um morador do local. Ele contou que a prefeitura de Balneário Camboriú, no litoral Norte, teria despejado mendigos daquela cidade em Canasvieiras”, diz a reportagem.
 
A Folha de S. Paulo afirma ter flagrado, durante a manifestação, um cartaz que reclamava da “importação” de pessoas em situação de rua, motivado pelas: “Balneário Camboriú, para de jogar mendigos na nossa praia (que vergonha)”.
 
O caso da “suposta importação” deve ser alvo de uma “abordagem” do Ministério Público e da Polícia Militar para se descobrir a origem dessas pessoas em situação de rua. Em entrevista ao Tudo Sobre Floripa, o secretário municipal de Assistência Social de Florianópolis, Alessandro Balbi Abreu, demonstrou preocupação. “O problema é que eles não querem ser ajudados, porque essa época é muito rentável pra eles.”
 
Um novo protesto contra a a presença das pessoas em situação de rua na praia da Canasvieiras está marcado para a próxima quarta-feira (11).
 
Igor Carvalho, Revista Fórum – em Pragmatismo Político
 

FIM DE VISTOS ENTRE PARIS E LUANDA VAI FORTALECER INVESTIMENTOS

 


O ministro dos Negócios Estrangeiros de Angola, Georges Chikoti, considerou que a assinatura do acordo que suprime a necessidade de vistos nas viagens diplomáticas entre França e Angola vai fortalecer os investimentos em ambos os países.
 
"Angola e França já cooperam muito. A França está entre os maiores investidores em Angola e planeia aumentar os seus investimentos noutras áreas económicas, nomeadamente a agricultura e a indústria, mas Angola tem indústrias que estão a crescer, portanto podem encontrar espaço e mercado em França", disse o responsável angolano, citado pela Bloomberg, no final da cerimónia de assinatura do acordo que isenta da necessidade de visto as viagens diplomáticas e dos serviços oficiais.
 
Antes, já o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, tinha enfatizado que foi a necessidade que criou as condições necessárias para o acordo, que entra em vigor imediatamente.
 
"É muito importante", considerou o diplomata, acrescentando que "reforçar a cooperação e as relações bilaterais" é o desejo comum do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e da França.
 
O responsável disse ainda que o Presidente angolano é esperado com brevidade no país, no seguimento de um convite formulado pelo Presidente francês, François Hollande.
 
O acordo assinado neste fim de semana acontece no seguimento de outros acordos do mesmo género: em 1982, os dois países assinaram um acordo geral de cooperação, que depois foi reforçado em 1998.
 
Este acordo acontece também no seguimento da concretização de um outro, e até antes do prazo previsto, dado que em abril de 2010 os dois países tinham anunciado que só no primeiro trimestre do próximo ano seria suprimida a necessidade de vistos para os passaportes diplomáticos e de serviço entre os dois países.
 
Lusa
 

MILIONÁRIOS EM ANGOLA VAI SUBIR 144% ATÉ 2030 - relatório

 
 
O número de milionários em Angola, no Quénia e na Nigéria mais que duplicará até 2030, potenciando as perspectivas do negócio da banca privada, de acordo com um relatório da consultora Nwe World Wealth (NWW).
 
A quantidade de milionários em Angola vai subir 144%, enquanto na Nigéria, o maior produtor africano de petróleo, vai subir 174% para 43 mil dentro de pouco mais que 15 anos, sendo que atualmente esse número está nos 15.700, disse a consultora sedeada no Reino Unido citada pela agência Bloomberg, usando uma amostra com dados do Banco Mundial, sem especificar quantos milionários contabilizou atualmente em Angola.
 
O homem mais rico de África, Aliko Dangote, é nigeriano e, segundo a Bloomberg, tem ativos no valor de 22 mil milhões de dólares, mas o maior número de milionários continuará, em 2030, na África do Sul, que deverá crescer 78% para 86.700.
 
"Estamos a prever que a Nigéria, o Gana e o Quénia sejam os maiores condutores no crescimento do negócio da gestão de riquezas em África", disse Andrew Amoils, um analista do escritório de Joanesburgo da NWW, acrescentando que esses países "já têm setores bancários relativamente bem desenvolvidos, portanto o passo para a banca privada [atendimento específico a clientes abastados] é um movimento lógico".
 
O relatório da consultora britânica não apanhou de surpresa os principais bancos que investem na gestão de fortunas, como o Barclays, o HSBC Holdings ou o UBS, o maior do mundo, que já tinha afirmado no mês passado que a Nigéria e Angola são as prioridades do banco na aposta na captação de novos clientes milionários.
 
No 'ranking' de milionários por país africano, a Nigéria vai ultrapassar o Egipto, prevê a NWW, ficando a África do Sul em terceiro lugar e o Quénia na quarta posição.
 
A Lusa tentou contactar a consultora NWW pedindo mais dados por país, mas até agora sem sucesso.
 
Lusa


Zelda la Grange – ASSISTENTE DE MANDELA FALA DO HOMEM QUE MUDOU A SUA VIDA

 


A assistente particular e neta por afinidade de Nelson Mandela falou hoje sobre o seu profundo amor pelo homem que mudou a sua vida para sempre ainda que com grande custo pessoal.
 
Zelda la Grange, oriunda da classe media afrikaner e que se tornou a mão direira do primeiro presidente negro da África do Sul, falou a uma emissora privada do seu amor pelo homem que chama de "Khulu", um diminutivo da palavra avô na língua materna de Mandela, isiXhosa.
 
"A pressão era implacável", disse a antiga assistente de Mandela que o acompanhou em todas as iniciativas protegendo-o, igualmente, das pessoas que pediam reuniões com o prémio Nobel da Paz.
 
"Amava-o profundamente", disse Zelda la Grange, 43 anos à 702 Talk Radio.
 
"Não creio que alguma vez estejamos suficientemente preparados", observou a antiga assistente sobre a morte de Mandela, aos 95 anos, acrescentando estar ainda "chocada e triste".
 
"Preparamo-nos emocionalmente mas, mesmo assim, não ultrapassamos o sentimento de perda e tristeza", frisou.
 
A sua devoção surpreendeu alguns por ser originária da comunidade afrikaner que prendeu Mandela por 27 anos devido à segregação racial, mas tem sido bastante saudada nos últimos dias devido à lealdade para com 'Madiba'.
 
"Zelda, onde quer que estejas, queremos agradecer-te", disse hoje o bispo emérito e prémio Nobel da Paz Desmond Tutu.
 
O bispo emérito, que falava num serviço de homenagem em Joanesburgo, acrescentou que Zelda la Grange "era a afrikaner mais Africana". Afrikaner é o termo que designa os colonos originais da África do Sul, os boer.
 
O ministro da Defesa da África do Sul, Nosiviwe Mapisa-Ngakula, disse, no domingo, que a África do Sul tem para com La Grange uma "dívida de gratidão".
 
"Ela sacrificou a juventude, o seu tempo. Não creio que tenha tido um namorado. É altura de lhe expressarmos apreço e gratidão", disse o ministro à Associação de Imprensa Sul-Africana.
 
Todavia, Zelda la Grange disse sentir-se desconfortável com a utilização do termo sacrifício, sublinhando: "Não podemos usar as palavras ´sacrifício`, ´Nelson Mandela` e ´Zelda la Grange` na mesma frase".
 
Zelda la Grange deixou de visitar Mandela há uns meses para não assistir à degradação física do ex-Presidente, preferindo recordá-lo como o conheceu.
 
"Foi uma altura difícil, mas creio que lhe disse tudo o que queria e isso dá-me algum conforto", referiu.
 
Sobre Mandela -- que a alcunhou de "Zeldina" -- disse ter sido um chefe "inspirador e paciente".
 
"Madiba era a pessoa mais fácil para se trabalhar, o melhor professor, um mentor", acrescentou, usando o nome de clã do prémio Nobel da Paz, ao mesmo tempo que pediu aos sul-africanos que lhe sigam o exemplo.
 
"Nós sentimo-nos muito emocionados agora porque o perdemos, mas este é também um momento para o lembrarmos e para nos lembrarmos do seu legado, dos seus valores e da sua moral e então podemos alcançar a África do Sul com que todos sonhamos", concluiu.
 
Lusa, em Notícias ao Minuto
 

QUE ETERNIDADE PARA MANDELA? – II

 

Martinho Júnior, Luanda - (ver parte I)
 
3 – Demorou alguns anos até se começarem a ouvir na África do Sul pessoas de consciência, capazes de assumirem posições claras em relação ao “apartheid institucional”, como em relação ao seu sucedâneo, o “apartheid social” ora em vigor a coberto da democracia representativa de 1 homem, 1 voto.
 
É evidente que esses poucos que em algum tempo de suas vidas foram marxistas, se foram recentemente apercebendo que, perante os desígnios históricos da lógica do capitalismo, a necessidade de se enveredar por uma lógica com sentido de vida se está a tornar numa corrida contra o tempo, em função do beco sem saída dos percursos humanos e ambientais que afectam a Mãe Terra sobretudo após a implosão socialista registada na última década do século passado!
 
O combatente Ronnie Kasrils teve a honestidade intelectual e humana de o reconhecer publicamente e de forma autocrítica, num artigo publicado em vários “sites”, sob o título “África do Sul, o pacto fáustico do ANC foi à custa dos mais pobres” (publicado em castelhano)!
 
Desse artigo faço o seguinte extracto:
 
…“Fue un grave error de mi parte concentrarme en mis propias responsabilidades y dejar los problemas económicos a los expertos del ANC.
 
Como Sampie Terreblanche ha revelado en su crítico libro, Lost in Transformtion, a finales de 1993 las grandes estrategias de negocios -incubadas en 1991 en la residencia de Johannesburgo del magnate minero Harry Oppenheimer - fueron cristalizando en secretas conversaciones nocturnas en el Banco de Desarrollo de Sudáfrica.
 
En ellas participaron los principales empresarios de la minería y la energía de Sudáfrica y líderes de la energía, los jefes de las compañías estadounidenses y británicas con presencia en Sudáfrica, y los jóvenes economistas del ANC que habían sido educados en los patrones de las economías occidentales.
 
Informaban directamente a Mandela, y fueron marginados o acobardados hasta la sumisión a golpe de amenaza de las consecuencias nefastas que tendría para Sudáfrica un gobierno del ANC que acabase aplicando unas políticas económicas que consideraban desastrosas.
 
Todos los medios para erradicar la pobreza, que era la promesa sagrada de Mandela y del ANC a los más pobres de los pobres, se perdieron en el proceso.
 
La nacionalización de las minas y de sectores estratégicos de la economía, tal y como recogía la Carta de la Libertad, fue olvidada.
 
El ANC aceptó responsabilizarse de una vasta deuda heredada del apartheid, que debería haber sido denunciada.
 
Se abandonó el impuesto sobre el patrimonio, y a las empresas nacionales e internacionales, que se habían enriquecido gracias al apartheid, se les perdonó cualquier reparación económica.
 
Se aceptó la obligación de poner en práctica una política de libre comercio y abolir todas las formas de protección arancelaria de acuerdo con los fundamentos neoliberales de libre comercio.
 
A grandes empresas se les permitió transferir sus principales activos al extranjero.
 
La dirección del ANC-SACP ansiosa por llegar al gobierno (yo mismo no menos que otros) aceptó fácilmente este pacto con el demonio, condenándose en el proceso. Y heredó una economía tan ligada a la fórmula global neoliberal y al fundamentalismo de mercado que tiene muy poco margen de maniobra para aliviar la difícil situación de nuestro pueblo.
 
No es de extrañar que su paciencia se esté acabando, que sus angustiadas protestas aumenten a medida que lucha contra el deterioro de sus condiciones de vida, porque los que están en el poder no tienen soluciones.
 
Los migajas son recogidas por la nueva élite negra emergente, la corrupción se ha hecho endémica mientras que los avariciosos y los ambiciosos luchan como perros por un hueso”…
 
4 – A luta de classes na África do Sul está aí, numa altura em que se procuram perdurar, com recurso até a figuras de líderes históricos como Nelson Mandela, os interesses de elites que só podem sobreviver enquanto tal com a lógica capitalista que advém desde os tempos do império britânico em África!
 
As nossas preocupações socorrem-se dum exemplo como o do artigo que foi publicado recentemente no Público, sob o títuloComo a estratégia do cobertor fez de Mandela uma inspiração para o mundo”, da autoria de Joana Gorjão Henriques, de que faço um extracto:
 
“Quando estava na prisão, Mandela percebeu que se tivesse frio não ia adiantar escrever uma carta ao director a queixar-se; a única pessoa que lhe poderia trazer um cobertor seria o responsável pela secção da cela onde estava.
 
Por isso, precisava de dialogar com os carcereiros.
 
A história foi contada pelo próprio Mandela ao jornalista sul-africano Allister Sparks, ex-director do Rand Daily Mail, e mais tarde correspondente dos jornais The Washington Post e The Observer.
 
Mandela começou a conhecer os carcereiros e soube que eram muito mal pagos, não tinham estudos, tendiam a ter dificuldades e como era advogado ajudou-os, deu-lhes conselhos de borla, conta-nos a partir da África do Sul o autor de vários livros, como The Mind of South Africa (1991) ou Beyond the Miracle: Inside the New South Africa (2006).
 
Ganhou a confiança deles, conseguiu saber por que é que tinham tanto medo dos negros sul-africanos e porque eram tão violentos.
 
Percebeu que eles tinham medo: medo do número de negros, de que a maioria negra tomasse conta do poder e de que eles, brancos, fossem os primeiros a perder o emprego e a sofrer — e conhecê-los era conhecer também muitos outros brancos sul-africanos.
 
Sparks foi nomeado em 1995 por Nelson Mandela para o conselho da South African Broadcasting Corporation, tornou-se o director de informação da estação em 1997, e conviveu com ele de perto.
 
Usa a história do cobertor para chegar ao osso do que pensa ter sido o legado de um homem que teve um papel decisivo no fim de uma segregação racial de 46 anos (de 1948 a 1994 — oficialmente, com as primeiras eleições multiraciais).
 
A sua contribuição para a negociação de acordos foi esta capacidade de perceber a psicologia daqueles contra quem se estava a insurgir e depois encontrar um meio de anular o factor que estava a bloquear o acordo – o medo.
 
E repete: A sua importância no movimento pelos direitos civis é isto, tem que se entender a psicologia do inimigo, das pessoas que estão a oprimir-nos e perceber: porque estão a oprimir-nos?
 
Porque tendem a tornar-se violentos?
 
A estratégia do cobertor, chamemos-lhe assim, serviu-lhe então depois nos tempos de liberdade.
 
Desenvolvendo a capacidade de se colocar no lugar dos outros e de empatizar com eles, fez gestos simples, segundo Sparks, cheios de simbolismo.
 
Nisso tornou-se muito habilidoso.
 
Por exemplo, decidiu ir tomar chá com Betsie Schoombie, a viúva de um dos homens por detrás da ideologia do apartheid, Hendrik Verwoerd, primeiro-ministro entre 1958 e 1966.
 
Visitou-a, e tornou o facto público, sublinhado que não temia perdoá-los em nome do sucesso da paz, mesmo depois dos 27 anos passados na prisão, de onde não saiu com rancor ou amargura em 1990.
 
Outro exemplo da estratégia do cobertor: Chamou todos os generais da minoria branca e disse-lhes: Eu nunca poderei derrubar-vos, mas vocês nunca nos conseguirão matar a todos.
 
É melhor entendermo-nos: eu mantenho-vos nos vossos postos mas é preciso ter generais negros também."
 
Quer dizer: foi sempre possível a Nelson Mandela utilizar a “estratégia do cobertor” quando dialogava com entidades e instituições determinantes ou formatadas pelo fascismo e pelo racismo institucional, na extrema-direita do leque sócio-político possível na África do Sul, pelo que é pertinente colocar a seguinte questão:
 
Alguma vez, desde a sua prisão, utilizou a “estratégia do cobertor” em relação à esmagadora maioria dos sul-africanos que viveram a repressão do “apartheid” (que também implicava medo), vivem na pobreza e manipulados por aqueles que sustentam a lógica capitalista tornada neo liberal ao sabor do poderoso “lobby” dos minerais!?
 
Se não o fez, ou se o fez no silêncio, qual a razão, tendo em especial atenção a muito legítima autocrítica de Ronnie Kasrils?
 
Acaso na sociedade sul-africana não havia instituições, como por exemplo o sindicato COSATU, que exprimiam a situação e as conjunturas do trabalho, bem como as múltiplas implicações nos relacionamentos sócio-políticos?
 
Nelson Mandela parece nunca ter sido marxista, poderão alguns dizer, mas outros começarão a proferir sintomaticamente que o herói da juventude, não era já a mesma pessoa que saiu da prisão na altura em que a África do Sul, sob a pressão internacional, “conseguiu” pôr um fim ao “apartheid” precisamente quando implodia o “socialismo real”!
 
A “terceira via” optou por políticas de dois pesos e duas medidas, evidenciando o medo de uns e esquecendo-se o medo de outros!
 
De facto a contínua obsessão pelo arco-íris é em si a maior das manipulações: aquela que interessa às elites dominantes para fazer esquecer a situação de luta de classes, algo de que Nelson Mandela tendeu a distanciar-se cada vez mais depois de sair da prisão!
 
Para além de nossas efémeras vidas de cidadãos do mundo, persiste a pergunta: “que eternidade para Nelson Mandela?”
 
Reprodução: Editorial publicado na página 2 do número 371 do ACTUAL, dada à estampa a 15 de Novembro de 2003.
 
A consultar:
- Os caminhos inesperados de Nelson Mandela – http://outraspalavras.net/capa/os-caminhos-inesperados-de-nelson-mandela/
 

O “APARTHEID” EUROPEU AQUI AO LADO

 

Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
 
A livre circulação para búlgaros e romenos (onde existem muitos ciganos) está em risco
 
A pobre comissária Vivienne Reding foi obrigada na semana passada a explicar aos ministros da Administração Interna da União Europeia que a livre circulação é uma pedra fundadora dos tratados da União. As coisas estão mais difíceis porque os europeus já mandaram às urtigas uma boa parte do articulado dos tratados da União. Desde que o primeiro-ministro britânico David Cameron lançou a sua cruzada anti-imigrantes – incluindo contra aqueles que chegam dos “países-irmãos-europeus” – que um dos pressupostos essenciais da constituição da Europa foi para o espaço sideral.
 
David Cameron não está sozinho: o terror de que os romenos e os búlgaros (que entraram na União Europeia em 2007) desatem a “invadir” o território francês, alemão, holandês, também é partilhado pelos responsáveis dos governos dos respectivos países. Esses governos, que durante anos tentaram combater a extrema-direita através da “civilização”, hoje encarnam o velho e popular conceito estratégico do “se não os podes vencer, junta-te a eles”. O que estão a fazer os partidos europeus institucionais é juntar-se à extrema-direita, alegadamente para não a deixar ganhar muitos votos. É o que se passa com David Cameron (acossado pelo partido eurocéptico UKIP que defende a saída do Reino Unido da União Europeia) e por François Hollande que vai perder rotundamente as próximas europeias para a herdeira do senhor Le Pen. Quanto à Alemanha, os seus dirigentes já não têm as memórias da Segunda Guerra Mundial – foi a presença dessa memória que ajudou a transformar a Europa nos últimos 50 anos num lugar civilizado.
 
A questão vai muito além do simples facto de haver “muito mais gente” a poder partilhar a alínea do tratado fundador que fala da livre circulação. É de quem se trata, da sua cor de pele e dos seus rendimentos disponíveis. No dia 1 de Janeiro, a livre circulação deveria ser aberta a búlgaros e romenos. Ora, como se sabe, uma grande quantidade de búlgaros e romenos são ciganos. Os ciganos nunca foram bem vindos na Europa – Hitler chacinou--os como fez aos judeus – e a Europa prepara-se para lhes vedar a entrada a que legalmente têm direito a partir de Janeiro. Toda esta gente que nos últimos dias encheu a boca com o legado de Mandela, em tudo o que toca envergonha o legado de Mandela. Existe um “apartheid” europeu, mas esse assunto não interessa nada.
 
PS. Soares fez 89 anos, em luta. É o único socialista que incomoda a sério a direita.
 

PETRÓLEO, DIPLOMACIA E DIVISAS INTERNACIONAIS

 


Há um século, combustível é essencial para viabilizar projetos nacionais relevantes. Por isso, no Brasil, leilões são ainda mais incompreensíveis
 
Mauricio Metri – Outras Palavras
 
O petróleo constitui-se, não é de hoje, num recurso estratégico. Não são poucas nem triviais as razões para tanto. Tornou-se, há tempos, o principal combustível das forças armadas em geral; encontra-se ao centro da matriz de transporte de praticamente todo o mundo; e tem uso difundido e diversificado nas mais diferentes cadeias produtivas. Daí decorre uma consequência importante para as relações internacionais: o petróleo é amplamente utilizado no “jogo diplomático” como arma de pressão, retaliação, dissuasão, apoio ou sustentação, cujos cálculos, interesses e iniciativas respondem às disputas geopolíticas inerentes à competição interestatal.
 
Ao longo dos últimos anos assiste-se, por exemplo, a um acirramento das relações entre OTAN e Rússia com desdobramentos para o setor de petróleo e gás natural. Desde o fim da Guerra Fria, os EUA têm deslocado o cinturão de segurança e contenção da Rússia, expandindo-o na direção da Europa Central por meio da incorporação de países desta região à OTAN. Em 1999, República Checa, Hungria e Polônia aderiram à Organização; em 2004, Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia, Lituânia e Romênia; e, em 2009, Albânia e Croácia.
 
O Estado russo vem reagindo de diferentes formas a esse contexto. Sob alegação de que a estatal ucraniana havia retirado ilegalmente combustível do gasoduto que abastece o continente, a Rússia cortou, em 2006, o fornecimento e criou uma crise energética em diversos países europeus. Apesar da volta da normalidade de abastecimento, reafirmou-se a consciência européia acerca de sua vulnerabilidade energética em termos dos recursos provenientes da Rússia, como também se evidenciou a disposição desta em utilizá-los como arma de retaliação e dissuasão.
 
Não por outra razão, abriu-se um debate, em 2007, a partir da proposta do senador norte-americano Richard Lugar, para incorporação do conceito de “segurança energética” ao Artigo 5º da OTAN, que determina a defesa mútua entre seus membros. Nesse debate, Gal Luft, diretor do Instituto para Análise da Segurança Mundial, em Washington, afirmou que “[A OTAN] Deveria trabalhar para criar uma solidariedade política contra perturbações deliberadas do fornecimento de energia, como foi o caso do corte do fornecimento de gás por parte da Rússia à Ucrânia (…).” Para o norte-americano, a importância da OTAN para o setor decorre de sua singularidade: “(…) é o único organismo multinacional que pode contribuir com músculo para o desafio à segurança energética.” A razão para tanto é que “o mercado energético é tudo menos um mercado livre (…). Lidar com a energia como um assunto puramente econômico é um vestígio do passado. A realidade que enfrentamos hoje em dia obriga-nos a adotar um novo conjunto de instrumentos, devendo a força militar ser um deles.”
 
Christophe Paillard, da Diretoria de Assuntos Estratégicos no Ministério da Defesa Francês, até compartilha a ideia de que “alguns produtores de energia, em particular a Rússia e o Irã, têm demonstrado uma tendência para recorrerem ao gás e ao petróleo como forma de pressão política”. No entanto, para ele, “a questão é saber se um ‘clube energético’ da OTAN seria apenas uma ferramenta conveniente para manter a influência americana na Europa”. Isto porque “a ameaça da invocação do Artigo 5º foi concebida para garantir a defesa mútua, mas, quando é utilizada, também implica a ameaça de guerra. A segurança energética europeia não pode ser refém do risco do conflito aberto que a associação com a OTAN traria. Em última instância, a União Europeia é a melhor organização para o papel.” (Para maiores detalhes, veja qui).
 
Associado a este e ao contexto gerado pelo conflito na Ossétia do Sul, a Rússia propôs na Assembléia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2008, uma cúpula pan-europeia para a criação de um novo tratado de segurança coletiva na Europa, de que ela mesma faria parte. No entanto, não houve adesão, apesar da disposição para negociação da França e da Alemanha. A linha norte-americana seguiu sendo a de expandir suas posições, como os acordos com a Polônia e República Checa para instalação de base militar e sistema de escudo de defesa antimísseis.
 
Petróleo e Estrangulamento Externo
 
É relevante perceber que a importância do petróleo vai além da segurança energética, das garantias de acesso e abastecimento. Como se trata de um recurso com enorme mercado internacional, as receitas decorrentes de sua exportação possuem uso estratégico potencial para flexibilização das restrições à capacidade de importação de um país, inerentes aos processos de expansão e modernização de forças produtivas e militares em geral2. Isto porque a capacidade de importação de toda economia nacional depende, em última instância, de seu desempenho exportador. Ao viabilizar o acúmulo de reservas em divisa estrangeira, as exportações contornam o problema estrutural do estrangulamento externo sem recorrer à Conta de Capital, ou seja, sem precisar captar recursos em moeda internacional por meio do endividamento externo. Este repõem, em escala ampliada, o mesmo problema, ao criar contrapartidas futuras de envio ao exterior de recursos em moeda estrangeira.3
 
Alguns casos, antigos e recentes, bastante diversos, dessa sabedoria estratégica são descritos a seguir. Durante os anos de 1920 e 1930 e, sobretudo, ao longo da 2º Guerra, a região de Baku, no Cáucaso, foi decisiva para os objetivos dos soviéticos por suprir suas urgências de abastecimento e, também, para obtenção das divisas internacionais necessárias à passagem da “foice e martelo” para a “indústria militar e aero-espacial de ponta”. Com a própria dimensão e escalada que adquiriu a Guerra Fria, tornou-se preciso encontrar novos campos no final da década de 1950. A descoberta de petróleo em Surgut próximo às margens do Rio Ob, em 1961, deu fôlego à URSS. Os soviéticos alcançaram a posição de segundo maior exportador de petróleo, atrás apenas da Arábia Saudita, o que lhes garantiu não apenas sua segurança energética, mas também as condições para a superação do estrangulamento externo de sua economia e de suas áreas de influência.
 
A França no pós-guerra deparou-se com problemas semelhantes. Na ocasião, o país dependia das empresas britânicas e norte-americanas para seu abastecimento. A fim de alcançar sua independência energética, implementou uma intensa busca por recursos petrolíferos. Segundo Jean-Marie Chevalier, o importante era encontrar petróleo em colônias ou ex-colônias, já que o recurso poderia ser comprado com francos. Em 1954, o resultado veio. Descobriram profícuos campos de petróleo na Argélia. Apesar da independência do país em 1962, a região produtora seguiu como um enclave francês até 1971, quando ocorreu sua nacionalização. Ao investir na prospecção de petróleo em suas áreas de dominação e influência, a França revelou uma estratégia baseada num duplo movimento associado: por um lado, buscava garantir acesso direto às fontes produtoras, além de influência ou controle sobre a política de exploração; e, por outro, visava deslocar o problema da restrição externa para fora do setor energético, ao garantir sua importação com base em moeda nacional. Contornava, então, tanto o potencial de retaliação e veto das companhias anglo-saxãs, quanto uma crise de abastecimento decorrente de um problema de escassez de divisas.
 
No início dos anos de 1980, quando o governo Reagan deu novo impulso às disputas com a URSS, o uso do petróleo como arma reapareceu via estrangulamento externo. Os EUA implementaram três movimentos articulados: expandiram seus gastos militares (a “diplomacia das armas”, de que falou Maria da Conceição Tavares); deram um choque no sistema monetário-financeiro internacional, encerrando sua liquidez e reafirmando a posição do dólar como moeda de referência internacional (a “diplomacia do dólar”, de que falou Maria da Conceição Tavares); e obrigaram a Arábia Saudita a aumentar sua produção de petróleo de modo a derrubar os preços internacionais (por analogia, pode-se falar de uma “diplomacia do petróleo”). Desse modo, dificultaram a capacidade de a URSS responder a esta rodada de enfrentamento, ao tornarem ainda mais imprescindíveis à URSS as divisas internacionais, ao mesmo tempo em que fechavam os canais para sua obtenção (fosse pelo declínio forçado das receitas de exportação soviéticas, fosse pelo estrangulamento dos canais de endividamento externo fora do controle do FED).
 
Menciona-se, também, a atuação da Venezuela na última década. Por conta de seu domínio sobre os recursos (em moeda estrangeira) provenientes da exportações de petróleo, o governo de Hugo Chavez ajudou no processo de estabilização econômica da Argentina após a reestruturação da dívida externa deste país em fevereiro de 2005. A Venezuela adquiriu grandes quantidades dos títulos Boden 2012 e Bonar 2015, a ponto de se tornar o maior comprador dos bônus argentinos. Entendia que a mitigação da vulnerabilidade externa das principais economias sul-americanas era condição necessária a uma efetiva política de integração sul-americana com vistas a diluir o peso e a capacidade de arbítrio dos EUA na região. Foi durante esse período que se avançou na criação e no fortalecimento de instituições centrais ao processo de integração regional, como, por exemplo, o Mercosul e a Unasul.
 
Em suma, não é difícil observar situações de utilização do petróleo como arma efetiva no jogo geopolítico internacional, fosse como forma de garantir (ou vetar) o abastecimento de petróleo; ou como meio de flexibilizar (ou restringir) a capacidade de importação.
 
Multilateralismo, “Entorno Estratégico” e o Pré-Sal Brasileiro
 
É oportuno lembrar que, do ponto de vista global, o Brasil vem defendendo o multilaterismo em sua política externa e, dentro dessa linha, tem buscado uma reinserção mais propositiva e qualificada nos organismos internacionais em geral, de modo a discutir a própria agenda dessas instituições conforme os seus interesses nacionais estratégicos. No caso de instituições como o Fundo Monetário Internacional, cabe observar que uma reinserção mais propositiva depende, dentre outros aspectos, da capacidade de contribuição financeira e, por conseguinte, do volume das reservas internacionais disponíveis no Banco Central.
 
Dentro do marco da nova estratégia internacional brasileira, definida no âmbito do Plano Nacional de Defesa de 2005 e na Estratégia Nacional de Defesa de 2008, elaborou-se o conceito de “entorno estratégico”, que compreende a América do Sul, a Bacia do Atlântico Sul, a África Subsaariana e a Antártida, regiões onde o Brasil pretende construir uma liderança e uma influência econômica, diplomática e militar.
 
Para qualquer um desses objetivos, faz-se necessário dispor de instrumentos efetivos e, de fato, o petróleo do pré-sal brasileiro tem muito a contribuir, dado o volume das reservas da região e o domínio da Petrobrás sobre as técnicas de exploração.
 
Nessa perspectiva, tratou-se de um avanço a nova legislação para o setor (Lei 12.351 de 2010), sobretudo porque o seu Artigo 12º resguarda ao Governo Brasileiro a possibilidade de entregar à Petrobrás, sem necessidade de leilão, determinadas áreas estratégicas, “visando à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética”. Porque o governo brasileiro é o principal acionista da Petrobrás, o Artigo 12º acaba por preservar-lhe autonomia para uso do petróleo como instrumento diplomático, pois garante sua gerência exclusiva sobre a política de exploração e converte as receitas das exportações de petróleo em reservas no Bacen, sem nenhuma contrapartida futura em moeda estrangeira na forma de remessas de lucro por parte de empresas estrangeiras do setor.
 
O Caso do Campo de Libra
 
Os primeiros passos do Brasil para exploração do pré-sal, no entanto, seguiram por caminho distinto. O leilão do Campo de Libra atendeu a uma agenda caracterizada pelos dilemas macroeconômicos decorrentes da política econômica assumida pelo atual governo. Ao viabilizar uma rápida exploração do campo, por conta do financiamento de empresas estrangeiras, e por poder contar imediatamente com os recursos pagos pelo consórcio, o governo busca atenuar, segundo ele, suas dificuldades conjunturais e consolidar, na sua avaliação, perspectivas futuras mais favoráveis no que diz respeito ao cumprimento de suas metas fiscais.
 
Porque o governo não se valeu do Artigo 12º e preferiu leiloar o Campo de Libra, a política de exploração desta será determinada no âmbito do seu Comitê Operacional (Artigo 24º), composto pelo presidente da empresa pública e por um representante de cada uma das empresas consorciadas (Artigo 23º) – Petrobrás, a francesa Total, a anglo-holandesa Shell, e as chinesas CNPC e CNOOC. A questão é que qualquer iniciativa estratégica das autoridades brasileiras para uso do petróleo, em termos da sua quantidade produzida, do destino e do preço, será objeto de negociações, disputas e controvérsias no âmbito do referido Comitê. Não necessariamente haverá dentro deste convergência entre os interesses do Estado brasileiro, o das empresas estrangeiras e, indiretamente, os dos Estados de origem destas companhias.
 
Além desta perda de capacidade decisória sobre a política de exploração do Campo de Libra, parte das receitas derivadas de sua exportação será remetida aos países de origem das empresas estrangeiras consorciadas. Trata-se, com efeito, de contrapartidas futuras em moeda estrangeira. Comprometeu-se, em algum grau, o seu potencial de uso nas questões relativas ao estrangulamento externo (presente ou futuro) do país, ou a qualquer outro uso que se poderia fazer com essas reservas em moeda estrangeira.
 
O dilema de como explorar estrategicamente a região do pré-sal brasileiro seguirá em debate em razão dos demais campos ainda não explorados, já descobertos ou não. Poder-se-á ampliar o escopo de seus objetivos e usos, avançando, assim, não somente em termos da agenda macroeconômica, mas também em outras tão ou mais importantes.
 
Notas
1 Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador do Grupo “Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”. (www.poderglobal.net). O autor agradece a colaboração de Juliana Pittigliani, graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional, UFRJ.
2 Toda economia nacional, para realizar compras e pagamentos com o exterior, precisa auferir divisas internacionais, cujas ofertas não estão sob o controle de seus Estados.
3 Não se trata de uma questão fiscal, de escassez de recursos para financiar gastos dentro de uma economia, mas do desafio de se obter o instrumento de liquidação de compromissos internacionais, já que estes não podem ser pagos com moeda local.
 

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