quinta-feira, 3 de julho de 2014

EMPRESÁRIO ITALIANO VÍTIMA DE TORTURA NA GUINÉ EQUATORIAL



ANA DIAS CORDEIRO  - Público

Roberto Berardi foi preso em Janeiro de 2013, depois de questionar a gestão de uma empresa criada com o filho do Presidente Obiang. Três organizações internacionais acompanham o caso. País entra este mês para a CPLP como membro de pleno direito.

Como vários empresários estrangeiros, vítimas de extorsão e de ameaças na Guiné Equatorial, o italiano Roberto Berardi aceitou a principal condição imposta pelo regime para investir no país: associar-se, sem receber contrapartidas, a um membro da família mais próxima do Presidente. Em 2008, recebeu o convite do filho mais velho do chefe de Estado e seu provável sucessor, Teodorin Nguema Obiang Mangue. Mudou-se para a Guiné Equatorial e criou com ele uma empresa de construção, a Eloba Construcciones SA de que foi director-executivo até ser preso em Janeiro de 2013.

Berardi permanece desde então na prisão de Bata, segunda maior cidade do país, onde tem sido vítima de tortura e se encontra em perigo de vida, segundo denunciam a Human Rights Watch (HRW) e a Organização Mundial contra a Tortura (WOAT, na sigla em inglês).

O empresário foi posto em isolamento em Dezembro passado, sem contacto com o exterior, numa cela de 2,5 por 3 metros. A família em Itália, cujos testemunhos contribuem para o trabalho das duas organizações, teme pela sua vida. E acredita que o objectivo do regime é ver Berardi morrer na prisão para não depor em processos judiciais contra Teodorin Obiang. Este é acusado de corrupção e compra de bens e propriedades, através de práticas criminosas, nos Estados Unidos e em França, que em 2012 emitiu contra ele um mandado de captura internacional.

O Presidente Obiang é esperado no próximo dia 23 de Julho em Díli, na cimeira de chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Na reunião de alto nível, que se realiza de dois em dois anos, deverá ser formalizada a adesão do país como membro de pleno direito depois de em Fevereiro passado, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos oito países lusófonos terem aprovado a entrada por considerarem que a antiga colónia espanhola cumpriu o roteiro previsto para os direitos humanos.

Ao longo deste ano e meio na prisão, várias vezes Roberto Berardi teve crises de malária, sofreu de disenteria e muitas vezes apresentou uma condição física muito debilitada. Mas nunca esteve tão doente como esta semana, garante a família com base num relatório médico, acompanhado por análises feitas no laboratório do Hospital Universitário de Bata, datado da última segunda-feira, 30 de Junho, e enviado ao PÚBLICO.

Berardi sofre de desnutrição, tem febre tifóide e um enfisema pulmonar e precisava há vários dias de ser medicado com urgência. Depois de insistentes pedidos da família, foi transferido ontem para o hospital. Stefano Berardi, irmão de Roberto, numa carta ontem enviada à responsável do Comité Internacional da Cruz Vermelha para a região da África Central, escrevia: “Estão a tentar matá-lo na prisão.” E acusava o filho do Presidente de ser responsável pela sua ordem de detenção e pelos obstáculos criados ao tratamento de Berardi em Bata.

“Não
há provas contra ele”, garantiu numa entrevista por email o seu advogado Ponciano Mbomio Nvó, que explica que o empresário de 49 anos não teve oportunidade de deixar o país antes de a sua situação se agravar, como o fizeram outros empresários antes dele.

“Ele era administrador da sociedade Eloba Construcciones, mas era o seu sócio [Teodorin Obiang] quem dispunha da conta de maneira ilegal. Assim que se apercebeu do desvio de fundos, Berardi dispôs-se a perguntar ao banco o que acontecera e o seu sócio ordenou a sua detenção e prisão. A justiça limitou-se depois a condená-lo sem provas suficientes”, defende o advogado.

E acrescenta: “A saúde de Berardi está muito debilitada. Posso visitá-lo mas ele está sob forte vigilância dos militares que guardam a prisão e esta depende do Ministério da Defesa”. Ponciano Nvó acredita que a libertação do italiano só seria possível com um indulto do Presidente Obiang, uma vez que o seu filho “não quer que Berardi testemunhe no processo judicial nos Estados Unidos”. Alguns dos ex-colegas estrangeiros de Berardi na empresa têm sido ouvidos pelos procuradores do Ministério Público norte-americano.

Na cimeira União Europeia-África no início de Abril passado, o Presidente Obiang prometeu libertar Berardi “por razões humanitárias”. Fez a promessa a Antonio Tajani, vice-presidente da Comissão Europeia, mas nada aconteceu até agora.  

Quando a Eloba Construcciones SA foi criada, em 2008, Teodorin Obiang desempenhava um cargo ministerial mas viria a tornar-se em Maio 2012, por decisão presidencial, no segundo vice-Presidente, um alto cargo não contemplado na Constituição, que lhe confere vastos poderes e o coloca como provável sucessor do pai na presidência de um país, onde as eleições – legislativas ou presidenciais – lhe têm sido sempre favoráveis, com resultados próximos dos 90% dos votos.

Criada a empresa, Teodorin Obiang detinha 60% e Berardi 40% das acções da empresa de construção com sede na mesma cidade onde agora está preso. Foi condenado em Agosto a dois anos e quatro meses por “apropriação indevida” de activos da sociedade.

Na foto: Teodorin Obiang é o filho mais velho do Presidente da Guiné Equatorial - ABDELHAK SENNA/AFP

Sem comentários:

Mais lidas da semana