Nuno
Ramos de Almeida – jornal i, opinião
Só é possível perceber o desastre a que chegámos sabendo que temos uma das sociedades mais desiguais do mundo, em que são sempre os mesmos a mandar
Thomas
De Quincey, no seu "Assassínio considerado como uma das
belas--artes", tem esta observação reveladora: "Quantas pessoas
começaram por uma simples morte que no momento lhes pareceu não ter nada de
repreensível e acabaram por se comportar mal à mesa!" Esse raciocínio é a
base da supervisão bancária moderna. Relembremos os casos mais mediáticos dos
últimos anos: como Ricardo Salgado, Oliveira Costa e os seus pares se
comportavam bem à mesa, a supervisão não acreditou que podiam não ser muito
honestos. Aquilo que às pessoas normais parece uma actuação grave e dolosa, a
Vítor Constâncio como a Carlos Costa parecia um conjunto de pecadilhos, quando
muito algumas extravagâncias, que certamente os cavalheiros iam rapidamente
corrigir, sem necessidade de os incomodar muito à hora do jantar. A civilização
começa pelo respeito das digestões mais difíceis. No fundo, a base da
supervisão moderna, como a do mundo livre, é um dicionário de etiqueta de Paula
Bobone.
Neste
clima de boa educação, a razão por que temos um país em que um pobre que rouba
um supermercado é preso e um rico só quando tropeça muito é incomodado pela
justiça, é vivermos numa sociedade profundamente desigual. Só assim se percebe
que andemos a pagar 8 mil milhões de euros dos buracos do BPN, que vamos acabar
por pagar uma verba impensável pelas malfeitorias da gestão do GES e do BES (há
quem já fale em 20 mil milhões, tal é o clima de desconfiança a esse respeito).
Em
Portugal mandam sempre os mesmos. Num trabalho académico sobre as elites
verifica-se que esta espécie de casta nacional era basicamente a mesma em todos
os regimes, desde a monarquia constitucional, atravessando a República,
passando pela ditadura e chegando à democracia. Há ministérios em que os netos se
sucederam nas pastas pela mesma ordem dos avós.
Esta
promiscuidade entre grupos económicos e políticos foi agravada pelas leis do
salazarismo, como a do Condicionamento Industrial, que permitiu que uma das
economias menos desenvolvidas da Europa tivesse um dos maiores graus de
concentração económica do velho continente. Tirando o interregno revolucionário
de 1974-75, foi mantida e aprofundada na democracia. Isso pode verificar-se
pelo facto de a nossa sociedade ser hoje das mais desiguais dos países
industriais e muitos titulares dos ministérios das Finanças, da Economia e das
Obras Públicas ficarem ligados aos grandes grupos económicos e financeiros,
parte deles ao BES.
Só
assim é possível explicar a divisão do esforço de austeridade. Em Portugal só
quem trabalha, além dos pobres e dos reformados pagaram a crise: os mais ricos
ficaram mais ricos. Para este governo os contratos especulativos das parcerias
público-privadas e swaps são sagrados, mas os contratos de trabalho e as
reformas são para roubar a seu bel-prazer.
Toda
esta forma de economia é essencialmente corrupta, vive de privilégios
concedidos por governos e ministros feitos com os grandes grupos a quem
oferecem benesses. Oliveira Costa e Ricardo Salgado serão eventualmente erigidos
em bodes expiatórios, apenas porque exageraram e acabaram a sujar a toalha de mesa.
Editor-executivo.
Escreve à terça-feira
Sem comentários:
Enviar um comentário