terça-feira, 29 de julho de 2014

PIOR QUE ASSALTAR UM BANCO É FUNDAR UM



Nuno Ramos de Almeida – jornal i, opinião

Só é possível perceber o desastre a que chegámos sabendo que temos uma das sociedades mais desiguais do mundo, em que são sempre os mesmos a mandar

Thomas De Quincey, no seu "Assassínio considerado como uma das belas--artes", tem esta observação reveladora: "Quantas pessoas começaram por uma simples morte que no momento lhes pareceu não ter nada de repreensível e acabaram por se comportar mal à mesa!" Esse raciocínio é a base da supervisão bancária moderna. Relembremos os casos mais mediáticos dos últimos anos: como Ricardo Salgado, Oliveira Costa e os seus pares se comportavam bem à mesa, a supervisão não acreditou que podiam não ser muito honestos. Aquilo que às pessoas normais parece uma actuação grave e dolosa, a Vítor Constâncio como a Carlos Costa parecia um conjunto de pecadilhos, quando muito algumas extravagâncias, que certamente os cavalheiros iam rapidamente corrigir, sem necessidade de os incomodar muito à hora do jantar. A civilização começa pelo respeito das digestões mais difíceis. No fundo, a base da supervisão moderna, como a do mundo livre, é um dicionário de etiqueta de Paula Bobone.

Neste clima de boa educação, a razão por que temos um país em que um pobre que rouba um supermercado é preso e um rico só quando tropeça muito é incomodado pela justiça, é vivermos numa sociedade profundamente desigual. Só assim se percebe que andemos a pagar 8 mil milhões de euros dos buracos do BPN, que vamos acabar por pagar uma verba impensável pelas malfeitorias da gestão do GES e do BES (há quem já fale em 20 mil milhões, tal é o clima de desconfiança a esse respeito).

Em Portugal mandam sempre os mesmos. Num trabalho académico sobre as elites verifica-se que esta espécie de casta nacional era basicamente a mesma em todos os regimes, desde a monarquia constitucional, atravessando a República, passando pela ditadura e chegando à democracia. Há ministérios em que os netos se sucederam nas pastas pela mesma ordem dos avós.

Esta promiscuidade entre grupos económicos e políticos foi agravada pelas leis do salazarismo, como a do Condicionamento Industrial, que permitiu que uma das economias menos desenvolvidas da Europa tivesse um dos maiores graus de concentração económica do velho continente. Tirando o interregno revolucionário de 1974-75, foi mantida e aprofundada na democracia. Isso pode verificar-se pelo facto de a nossa sociedade ser hoje das mais desiguais dos países industriais e muitos titulares dos ministérios das Finanças, da Economia e das Obras Públicas ficarem ligados aos grandes grupos económicos e financeiros, parte deles ao BES.

Só assim é possível explicar a divisão do esforço de austeridade. Em Portugal só quem trabalha, além dos pobres e dos reformados pagaram a crise: os mais ricos ficaram mais ricos. Para este governo os contratos especulativos das parcerias público-privadas e swaps são sagrados, mas os contratos de trabalho e as reformas são para roubar a seu bel-prazer.

Toda esta forma de economia é essencialmente corrupta, vive de privilégios concedidos por governos e ministros feitos com os grandes grupos a quem oferecem benesses. Oliveira Costa e Ricardo Salgado serão eventualmente erigidos em bodes expiatórios, apenas porque exageraram e acabaram a sujar a toalha de mesa.

Editor-executivo. Escreve à terça-feira

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