JIHADISTAS
DO (NOSSO) REGIME DECAPITAM MUITOS CIDADÃOS
Folha
8, 23 agosto 2014
DISA/SINFO/SINSE
ASSASSINARAM DA MESMA FORMA KAMULINGUE E CASSULE
O
chamado Estado Islâmico do Iraque executou o jornalista norte-americano,
James Foley, que desaparecera há dois anos na Síria. Ao que tudo indica, alguns
dos integrantes deste grupo terrorista (Beatles como é conhecido)
“estagiaram” em Angola com a cobertura e apoio dos serviços secretos do nosso
país. Seguem, aliás, a originária metodologia do regime que, embora sem alarde,
também “decapita” todos aqueles que pensam de forma diferente. São disso
exemplos, entre outros, Alves Kamulingue e Isaías Cassule.
Os
jihadistas justificam a decapitação, esta e outras já anunciadas, como retaliação
aos ataques dos EUA. A comunidade internacional uniu-se para condenar a acção
terrorista. E fez bem. Mas onde está essa mesma comunidade quando são os Estados,
os governos, a ter comportamentos similares – não à luz do dia mas na
escuridão das esquinas da ditadura – contra os seus cidadãos?
Os
EUA, por exemplo, sabem que estes e outros jihadistas estiveram em Angola e aqui receberam formação e treino. Outros países africanos também foram
utilizados para o mesmo fim. Alegadamente as autoridades locais terão pensado
que estavam a aprimorar o espírito assassino do leão, apenas, claro, para que
este se exibisse nos palcos circenses. O resultado está à vista. Mas tudo
continua na santa paz dos poderosos que de um lado colocam os bons, os
bestiais, e do outro os maus, as bestas.
O
Iraque, ou o que resta dele, está em guerra e a única lei que por lá se conhece é
a da selva onde, como sempre, vigora a razão da força. Isso justifica esta e
outras barbáries, cometidas por todas as partes envolvidas? Não. Claro que não!
Nunca.
Não
justifica mas compreende-se. É tempo de guerra e a estratégia é a do vale tudo.
Cada um luta com as armas que tem. Os jihadistas raptam e servem-se das vítimas
para fazer chantagem, para amedrontar, para espalhar a anarquia.
Não
podemos, contudo, esquecer que também existem Estados, governos, que raptam
cidadãos indefesos, por regra apenas revoltados verbalmente contra as
injustiças que vivem, e os executam sumariamente. Ao contrário dos jihadista,
não fazem alarde disso porque, nesses casos, o silêncio é o segredo para
fazer desaparecer, sem deixar rasto, opositores políticos ou sociais.
Num
vídeo publicado na terça-feira, um jihadista identifica o prisioneiro como
James Foley, que aparece de joelhos a tecer duras críticas à acção militar
dos EUA e a apontar o governo norte-americano como o seu “o verdadeiro
assassino”. O vídeo, cuja autenticidade já foi confirmada, foi transcrito e
divulgado (um excerto) pelo Grupo de Inteligência SITE, uma organização que se
dedica a monitorizar a “ameaça jihadista”.
As
imagens mostram James Foley. Mas poderiam muito bem mostrar os nossos
compatriotas Alves Kamulingue e Isaías Cassule. A situação não terá sido muito
diferente. O executor não foi um jihadista? Se calhar, no contexto próprio,
foi também uma espécie de jihadista do regime.
Com
o título “Uma mensagem para a América”, o vídeo mostra o jornalista, de
joelhos numa paisagem desértica, vestido com um uniforme cor-de-laranja numa
aparente alusão aos presos militares de Guantánamo. Ao lado, um jihadista do Estado
Islâmico do Iraque, vestido de preto e encapuzado. Armado com uma faca, o
extremista começa por dizer, em inglês, que a execução que se vai seguir é uma
retaliação aos recentes ataques aéreos ordenados pela Administração Obama
contra os extremistas no Iraque.
James
Foley, de 40 anos, trabalhava como jornalista para o Global Post, jornal de
Boston, assim como para a agência de notícias France Press, quando desapareceu
de território sírio em Novembro de 2012. Alves Kamulingue e Isaías Cassule,
entre ouros, trabalhavam apenas para subsistir no seu país, no país que
amavam, e foram assassinados. Não teriam certamente um uniforme cor-de-laranja
e não terão sido degolados. Uns quantos tiros foram suficientes.
“Peço
aos meus amigos, família e entes queridos que se insurjam contra o meu
verdadeiro assassino – o governo dos EUA – porque aquilo que me vai acontecer
é apenas o resultado da sua criminalidade complacente”, diz James Foley,
terminando com a frase em que diz “não ser cidadão americano”.
Nós
não conhecemos as últimas palavras de Alves Kamulingue e Isaías Cassule, mas
admitimos que – se isso pudesse significar uma réstia de esperança – poderiam
muito bem ter dito: “amamos o nosso regime, o nosso querido líder, o arquitecto
da paz, o escolhido de Deus”.
No
vídeo, o combatente do grupo radical islâmico – cidadão britânico - dirige-se
directamente a José Eduardo dos Santos, perdão, a Barack Obama para afirmar que
o ISIS vai responder “com todos os meios” aos ataques da força-aérea
norte-americana. A declaração é peremptória: “vamos afogar-vos no vosso
próprio sangue”.
“Vocês
não estão mais a combater um grupo insurgente, nós somos um exército islâmico
e um Estado que tem sido aceite por um elevado número de muçulmanos em todo o
mundo, por isso qualquer agressão contra o Estado Islâmico é uma agressão
contra os muçulmanos que aceitaram o Califado Islâmico. Por isso qualquer
tentativa de Obama negar os direitos dos muçulmanos de viverem em segurança
debaixo da liderança do Califado irá resultar num derramamento de sangue do
vosso povo”, diz o jihadista.
Nas
imagens finais aparece ainda um segundo prisioneiro, que está a ser
identificado como Steven Sotloff, também jornalista norte-americano
desaparecido na Síria em circunstâncias semelhantes. Sotloff aparece vestido
nos mesmos trajes do que Foley. “Obama, a vida deste cidadão americano depende
da sua próxima decisão”, diz o jihadista em jeito de ameaça.
Entretanto,
a mãe do jornalista James Foley divulgou um comunicado onde se mostra
“orgulhosa” do filho e onde pede aos “sequestradores” para “pouparem as vidas
dos restantes reféns” que, como ele, “são inocentes”.
No
dia 27 de Maio de 2012, Alves Kamulingue foi raptado por elementos dos Serviços
de Informação e Segurança de Angola. Dois dias depois, a 29 de Maio, desapareceu
Isaías Cassule.
Só
um ano e meio depois, em Novembro de 2013, surgiram à revelia das forças de
segurança, novas informações sobre o destino dos dois desaparecidos. Cassule
fora espancado até à morte e atirado a um rio, enquanto Kamulingue foi morto a
tiro e abandonado numa mata.
O
processo de Alves Kamulingue e de Isaías Cassule andou muito tempo fechado e
sem que as autoridades se pronunciassem, o que correspondia à estratégia do
executor moral, Sebastião Martins. Quanto mais tempo passasse sem se descobrir
qualquer indício, e no meio de muita contra-informação oficial, mais remotas
eram as possibilidades de se saber de facto o que tinha acontecido.
Isto
foi em Angola e não no Iraque. Isto não teve registo vídeo. Mas que diferença
existe, afinal, entre os executores de James Foley e os de Kamulingue?
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