domingo, 24 de agosto de 2014

ASSASSINO DO JORNALISTA AMERICANO “ESTAGIOU” EM ANGOLA NO SINFO/SINS - o artigo




JIHADISTAS DO (NOSSO) REGIME DECAPITAM MUITOS CIDADÃOS

Folha 8, 23 agosto 2014

DISA/SINFO/SINSE ASSASSINARAM DA MESMA FORMA KAMULINGUE E CASSULE

O chama­do Estado Islâmico do Iraque executou o jornalis­ta norte­-americano, James Foley, que desaparecera há dois anos na Síria. Ao que tudo indica, alguns dos inte­grantes deste grupo ter­rorista (Beatles como é conhecido) “estagiaram” em Angola com a cober­tura e apoio dos serviços secretos do nosso país. Seguem, aliás, a originária metodologia do regime que, embora sem alarde, também “decapita” to­dos aqueles que pensam de forma diferente. São disso exemplos, entre ou­tros, Alves Kamulingue e Isaías Cassule.

Os jihadistas justificam a decapitação, esta e outras já anunciadas, como re­taliação aos ataques dos EUA. A comunidade in­ternacional uniu-se para condenar a acção terro­rista. E fez bem. Mas onde está essa mesma comuni­dade quando são os Es­tados, os governos, a ter comportamentos simila­res – não à luz do dia mas na escuridão das esquinas da ditadura – contra os seus cidadãos?

Os EUA, por exemplo, sabem que estes e ou­tros jihadistas estiveram em Angola e aqui rece­beram formação e treino. Outros países africanos também foram utilizados para o mesmo fim. Ale­gadamente as autorida­des locais terão pensado que estavam a aprimorar o espírito assassino do leão, apenas, claro, para que este se exibisse nos palcos circenses. O re­sultado está à vista. Mas tudo continua na santa paz dos poderosos que de um lado colocam os bons, os bestiais, e do outro os maus, as bestas.

O Iraque, ou o que resta dele, está em guerra e a única lei que por lá se co­nhece é a da selva onde, como sempre, vigora a razão da força. Isso justifi­ca esta e outras barbáries, cometidas por todas as partes envolvidas? Não. Claro que não! Nunca.

Não justifica mas com­preende-se. É tempo de guerra e a estratégia é a do vale tudo. Cada um luta com as armas que tem. Os jihadistas raptam e servem-se das vítimas para fazer chantagem, para amedrontar, para es­palhar a anarquia.

Não podemos, contudo, esquecer que também existem Estados, gover­nos, que raptam cidadãos indefesos, por regra ape­nas revoltados verbal­mente contra as injustiças que vivem, e os executam sumariamente. Ao con­trário dos jihadista, não fazem alarde disso por­que, nesses casos, o silên­cio é o segredo para fazer desaparecer, sem deixar rasto, opositores políticos ou sociais.

Num vídeo publicado na terça-feira, um jihadista identifica o prisioneiro como James Foley, que aparece de joelhos a te­cer duras críticas à ac­ção militar dos EUA e a apontar o governo norte­-americano como o seu “o verdadeiro assassino”. O vídeo, cuja autenticidade já foi confirmada, foi transcrito e divulgado (um excerto) pelo Grupo de Inteligência SITE, uma organização que se dedi­ca a monitorizar a “amea­ça jihadista”.

As imagens mostram Ja­mes Foley. Mas poderiam muito bem mostrar os nossos compatriotas Al­ves Kamulingue e Isaías Cassule. A situação não terá sido muito diferen­te. O executor não foi um jihadista? Se calhar, no contexto próprio, foi também uma espécie de jihadista do regime.

Com o título “Uma men­sagem para a América”, o vídeo mostra o jornalista, de joelhos numa paisa­gem desértica, vestido com um uniforme cor-de­-laranja numa aparente alusão aos presos milita­res de Guantánamo. Ao lado, um jihadista do Es­tado Islâmico do Iraque, vestido de preto e en­capuzado. Armado com uma faca, o extremista começa por dizer, em in­glês, que a execução que se vai seguir é uma reta­liação aos recentes ata­ques aéreos ordenados pela Administração Oba­ma contra os extremistas no Iraque.

James Foley, de 40 anos, trabalhava como jorna­lista para o Global Post, jornal de Boston, assim como para a agência de notícias France Press, quando desapareceu de território sírio em No­vembro de 2012. Alves Kamulingue e Isaías Cas­sule, entre ouros, traba­lhavam apenas para sub­sistir no seu país, no país que amavam, e foram assassinados. Não teriam certamente um uniforme cor-de-laranja e não te­rão sido degolados. Uns quantos tiros foram sufi­cientes.

“Peço aos meus amigos, família e entes queridos que se insurjam contra o meu verdadeiro assassi­no – o governo dos EUA – porque aquilo que me vai acontecer é apenas o resultado da sua crimina­lidade complacente”, diz James Foley, terminando com a frase em que diz “não ser cidadão ameri­cano”.

Nós não conhecemos as últimas palavras de Al­ves Kamulingue e Isaías Cassule, mas admitimos que – se isso pudesse sig­nificar uma réstia de es­perança – poderiam mui­to bem ter dito: “amamos o nosso regime, o nosso querido líder, o arquitec­to da paz, o escolhido de Deus”.

No vídeo, o combatente do grupo radical islâmi­co – cidadão britânico - dirige-se directamente a José Eduardo dos Santos, perdão, a Barack Obama para afirmar que o ISIS vai responder “com todos os meios” aos ataques da for­ça-aérea norte-americana. A declaração é peremptó­ria: “vamos afogar-vos no vosso próprio sangue”.

“Vocês não estão mais a combater um grupo in­surgente, nós somos um exército islâmico e um Estado que tem sido aceite por um elevado número de muçulmanos em todo o mundo, por isso qualquer agressão contra o Estado Islâmico é uma agressão contra os muçulmanos que aceitaram o Califado Islâmico. Por isso qual­quer tentativa de Obama negar os direitos dos mu­çulmanos de viverem em segurança debaixo da li­derança do Califado irá re­sultar num derramamento de sangue do vosso povo”, diz o jihadista.

Nas imagens finais apa­rece ainda um segundo prisioneiro, que está a ser identificado como Ste­ven Sotloff, também jor­nalista norte-americano desaparecido na Síria em circunstâncias semelhan­tes. Sotloff aparece vesti­do nos mesmos trajes do que Foley. “Obama, a vida deste cidadão americano depende da sua próxima decisão”, diz o jihadista em jeito de ameaça.

Entretanto, a mãe do jor­nalista James Foley divul­gou um comunicado onde se mostra “orgulhosa” do filho e onde pede aos “se­questradores” para “pou­parem as vidas dos res­tantes reféns” que, como ele, “são inocentes”.

No dia 27 de Maio de 2012, Alves Kamulingue foi raptado por elementos dos Serviços de Informa­ção e Segurança de An­gola. Dois dias depois, a 29 de Maio, desapareceu Isaías Cassule.

Só um ano e meio de­pois, em Novembro de 2013, surgiram à revelia das forças de segurança, novas informações sobre o destino dos dois desa­parecidos. Cassule fora espancado até à morte e atirado a um rio, enquan­to Kamulingue foi morto a tiro e abandonado numa mata.

O processo de Alves Ka­mulingue e de Isaías Cas­sule andou muito tempo fechado e sem que as au­toridades se pronuncias­sem, o que correspondia à estratégia do executor moral, Sebastião Martins. Quanto mais tempo pas­sasse sem se descobrir qualquer indício, e no meio de muita contra­-informação oficial, mais remotas eram as possibi­lidades de se saber de fac­to o que tinha acontecido.

Isto foi em Angola e não no Iraque. Isto não teve registo vídeo. Mas que diferença existe, afinal, entre os executores de Ja­mes Foley e os de Kamu­lingue?

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