segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

12 ANOS DE ESCRAVIDÃO E O BRASIL



Urariano Mota*, Recife – Direto da Redação

Recife (PE) - Mais de um crítico já observou que o filme “12 Anos de Escravidão”,  para historiadores norte-americanos, delimita um marco no conhecimento da escravidão. Falemos agora do que esse filme representa para os brasileiros. 

Na última sexta-feira, na fila do cinema aonde fui, não havia um só negro. Minto: havia só este mulato que agora escreve. Ao procurar outro na fila, recebi dos cidadãos de pele mais clara uns olhos envergonhados, que se baixavam até o chão. Tão Brasil. Tão brasileiro é o pudor educado para o que não se enfrenta. Mas o filme na tela nos pagaria. Lá, podemos ver o retrato da casa-grande: a indiferença de todos ante a tortura. Linda, a sinhá olha da varanda o negro ser torturado e nada vê, melhor, assiste ao espetáculo obsceno como uma liberalidade do senhor, o seu marido. Que aula. É um filme quase didático da infâmia, do que no Brasil está encoberto até hoje.

Para a nossa própria história, a do Nordeste do açúcar em especial, para o que não se destaca em Gilberto Freyre, para o que em Gilberto é prosa encantatória, a realidade no filme mostra um escravo na forca, pendurado por horas em uma árvore, enquanto a rotina da fazenda segue sem distúrbio, sem assaltos de horror ou de repulsa. Mas isso é tão Brasil, amigos. Hoje mesmo, aqui na minha cidade, na sua,  jovens são amarrados em postes, os velhos pelourinhos. Os novos escravos são espancados, enquanto comunicadores na televisão aprovam e ganham dinheiro e fama por açular a massa para o linchamento.  
Se houvesse uma só imagem a destacar, eu destacaria a tortura de uma escrava sob o chicote. Por um lado, lembrei o comportamento da sobrevivência sob os torturadores na ditadura brasileira.  Por outro, se fosse desenvolvida ao nível do real, do histórico, a cena daria vômitos pela agonia da dor, apesar de apenas representada. Porque a realidade é ainda mais cruel que o mostrado na tela. E os corações mais delicados, e hipócritas por extensão, se recusam a ver que os negros escravos no Brasil eram passados em moendas de cana, que expulsavam suas vísceras como bagaço. Outros, após o chicote, condenados à morte tinham as feridas abertas lambidos por bois. E aqui não preciso falar o quanto é áspera, cruel e ferina a língua de um boi. Poupemos o domingo. Mas de passagem menciono que  negros eram ferrados no corpo como os quadrúpedes da fazenda. Eles não tinham a marca do dono por uma medalhinha, como aparece no escravo Salomon no filme.

É estranho, é sintomático da crueldade brasileira, que os melhores relatos sobre a nossa escravidão (nossa aí em mais de um sentido, de falta de espírito liberto e de herança cultural) venham de estrangeiros, como os descritos em Charles Darwin e Vauthier, o engenheiro francês que viveu no Recife.

De Vauthier cito: “Madame Sarmento nos contou que como sua negrinha lhe tinha roubado seis vinténs, ela amarrou-lhe as mãos e deu-lhe umas boas chicotadas!!! Levantando- lhe a roupa!!! Sem nenhum constrangimento!!! Diante dos filhos!!! O mais velho deles observou que o posterior da negrinha não era mais bonito do que o de um cavalo, quando levanta a cauda. Qualquer pessoa poderia chegar a praticar coisas semelhantes num momento de excitação e envergonhar-se delas depois, mas contá-las... Que mulher! Que alma!... Hoje o cadáver de um negro ficou boiando na praia, debaixo das nossas janelas, levado e trazido pelas oscilações das marés. Mil pessoas passaram, viam-no, pararam um instante antes de seguirem caminho muito filosoficamente. Aprecio pouco as ideias geralmente admitidas sobre cadáveres que tendem em alguns casos a conceder mais cuidados aos despojos sem alma do que ao ser quando está vivo – mas este descaso, essa indiferença geral perante a morte – é verdade que era um negro! Um negro vivo já é pouca coisa: o que será então um negro morto? Essa incúria generalizada com as exalações que emanam de um cadáver, tudo isso caracteriza de modo bem saliente esta barbárie, engastada na selvageria e mal maquilada em civilização”. 

Saímos do cinema com uma frase do personagem na memória:  “Eu sou a prova de que não existe justiça na terra”. Brancos, negros e mestiços de todas as cores bem compreendemos. Enquanto os miseráveis continuarem a ser presuntos, presidiários, enquanto não for vista a pele mais negra no topo da sociedade, em um papel que não seja o de capitão-do-mato, como Joaquim Barbosa, não existe justiça no Brasil. Mas podíamos começar pela conhecimento real da nossa história.

É necessário que esse filme se prolongue em artigos e discussões entre os brasileiros. Ele é o vislumbre do que temos sepultado. Vejam o filme e releiam a história escura, oculta da escravidão. O filme é melhor do que os livros de sociologia escritos no Brasil até hoje. 

*É pernambucano, jornalista e autor dos livros "Soledad no Recife" e “O filho renegado de Deus”. O primeiro, recria os últimos dias de Soledad Barrett. O segundo, seu mais novo romance, é uma longa oração de amor para as mulheres vítimas da opressão de classes no Brasil.

Portugal: O ESTADO ESTÁ MUITO MELHOR, AS PESSOAS É QUE NÃO…



Alberto Nogueira Pinto – Público, opinião

As Escrituras narram o episódio dos vendilhões do Templo. Cristo, que era pacifista, expulsou-os à força do chicote. Escorraçou os hereges sem moral e sem ética.

A democracia prescinde de instrumentos tão violentos e agressivos como os usados por Cristo. Vive o processo histórico. A interregnos e sobressaltos, com dor, sofrimento e angústias, tomada por vendilhões sem valores e sem princípios. O seu “chicote” são as ideias, os valores e a força do voto. Os vendilhões não o conseguirão vender ou vencer, embora o desrespeitem. Dissimulam respeitá-lo. No íntimo, odeiam-no. Questiona, periodicamente, o que anseiam e só isso: o poder.

Mercadejam a Pátria e o Estado a estrangeiros e amigos.

Aguardamos, com sofrimento e espanto, o que da Pátria e de nós ainda resta. Não calamos. Temos a força da revolta na palavra.

Transaccionam tudo na bolsa e em concurso público. Mais por ajuste directo. Cozinhado às ocultas.

Estará sempre presente a nossa História. Dialogaremos com ela a ler Os Lusíadas. Na Torre de Belém, na Torre dos Clérigos, nos Jerónimos.

Não são permeáveis às negociatas da bolsa e mercados.

Olharemos em todo o futuro a corrida do Tejo, do Mondego e do Douro para o Atlântico, onde mergulham. Desesperados, não podem vender a Serra da Estrela, as areias finas do Algarve. A natureza não é vendável.

Desgraça e tristeza nossa, passaremos a ver e sentir águas das monções orientais ou de outro mercado, nas torneiras e duches das habitações. Como a energia que ilumina e aquece as nossas casas, de preço sempre a subir, dizem eles, até 2020.  

As cartas de amor, a enviar e receber, estão agora sujeitas à volúpia e espionagem de serviços secretos. Os CTT mudaram de mãos e pés. Num “sucesso” bolsista.

As estrelas e o céu azul de Lisboa brilharão com ou sem eles. A natureza supera a ganância de mercados e governos. Rejeita tributações, beatíficos mercados.

Lá vem a dor da alma, o sofrimento, a depressão. Que vão eles fazer aos nossos aviões com décadas e décadas de existência? Vender. Vendem tudo. Viajaremos numa airline qualquer. Um símbolo de Portugal. Uma companhia aérea que dá rendimento. A TAP, diz Fernando Pinto, o administrador, “está cada vez melhor…”. Vão vendê-la!  A “investidores institucionais”, claro. O Governo vai vender a TAP. Comprou-a nas eleições. Fica com uns niquinhos do seu capital. A ver os outros voarem.

Sem as vendas, a Nação já era pobre. Com elas, ficou mais pobre.

Isto encaixa na novel teoria jurídico-constitucional do Estado: “a vida das pessoas não está melhor, mas a do País está muito melhor…”, ditou Luís Montenegro, génio de Direito Constitucional. O País, o Estado existe por si, para si, não para as pessoas. Governam para o Estado!

O País não tem nada a ver com pessoas! É uma entidade mítica. Concretiza-se nas assembleias ruidosas e obedientes do Coliseu dos Recreios. Onde se aplaude o chefe, fonte de todo poder, do lugar e das benesses.

A Comunidade, as pessoas não são nada. Que fiquem sempre pior.

Procurador-Geral Adjunto

POSIÇÃO DE PORTUGAL FACE AO EXTERIOR AGRAVOU-SE



Jorge Nascimento Rodrigues - Expresso

Apesar do excedente externo registado em 2013, a posição de devedor líquido face ao exterior piorou. Continua a ser a pior da zona euro em relação ao PIB.

A economia portuguesa conseguiu registar em 2013 um excedente externo de 2,6% do PIB, mas, apesar dessa melhoria, a posição líquida de investimento internacional (PLII) agravou-se em 2,7 pontos percentuais, segundo dados do Banco de Portugal (BdP) na sua Nota de Informação Estatística.

Este indicador, no caso português, é negativo, sendo o mais elevado da zona euro em relação ao PIB, superior inclusive ao registado para a Grécia e Irlanda. A PLII da economia portuguesa subiu de -116,1% do PIB em 2012 para 118,9% em 2013. A posição de Portugal como devedor líquido face ao exterior piorou.

O PLII é usado para medir a diferença entre o stock de ativos e de passivos de natureza financeira, permitindo avaliar o saldo entre os ativos externos detidos por portugueses e os ativos em Portugal detidos por não residentes. Mostra a posição de um dado país face ao exterior.

Como este indicador é avaliado a preços de mercado, a sua evolução é determinada não apenas pela variação dos ativos e dos passivos face ao exterior, registada na balança financeira, mas também por variações de preço, variações cambiais e outras.

Em 2013, as variações de preços, em termos líquidos, tiveram uma contribuição negativa, sublinha o BdP. O que foi devido à desvalorização do preço do ouro, o que afetou o ativos de reservas em ouro do BdP,  e às valorizações de títulos emitido pelo Estado português e detidos por não residentes e de ações de bancos e sociedades não financeiras residentes detidas por não residentes.

Em relação aos dados finais do terceiro trimestre de 2013, as posições eram a seguintes entre os periféricos da zona euro: -115,7% do PIB para Portugal; -108,2% para Grécia; -107,8% para Irlanda; - 96,6% para Espanha; - 88,3% para Chipre. O rácio para Itália não estava ainda disponível; é negativo, também, mas é muito inferior.

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Portugal: A PROCISSÃO DE PASSOS



José Mendes – Jornal de Notícias, opinião

"Pode o PS estar descansado, não iremos perder tempo agora com esse debate". Quem o diz é Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro e líder do PSD, no discurso de abertura do Congresso do seu partido, referindo-se à revisão da Constituição.

Para o português comum, esta afirmação é, no mínimo, incompreensível. Como pode um primeiro ministro ter enviado para o Parlamento um par de orçamentos do Estado polvilhados de normas inconstitucionais, quase todas destinadas a penalizar especificamente os portugueses servidores do Estado e os portugueses pensionistas, e agora deixar cair a sua argumentação porque não quer perder tempo com uma minudência que se chama revisão constitucional?

É grave que um primeiro-ministro tenha tentado, pela ação governativa, redesenhar o projeto de Estado plasmado na Constituição. Se a isto acresce um nível de inconsistência como o agora demonstrado, então entramos no plano do descrédito.

Num discurso algo errático, Passos Coelho procurou, na abertura do congresso do seu partido, demonstrar duas teses: a de que o PSD se mantém fiel à social-democracia e a de que o país está muito melhor.

Foi quase penoso assistir a esta espécie de crise de identidade. Dedicar tantos minutos a sublinhar a natureza social-democrata fez lembrar aqueles que sempre nos recordam que são muito sérios e indefectíveis da verdade, parecendo atribuir ao facto um tal caráter de excecionalidade que justifica a menção enfática e repetida. Desconfio destes moralistas.

A narrativa construída ao longo desta semana sobre o pretenso milagre económico que está a acontecer em Portugal foi praticamente esmagada pelo relatório do FMI, que veio recordar as fragilidades dos indicadores macroeconómicos que o Governo anda por aí a espalhar. De facto, até por respeito à inteligência dos portugueses, o primeiro-ministro devia evitar exibir "o orgulho de estar a vencer uma das mais graves crises económicas e sociais do nosso tempo".

Na sua referência a "algumas vozes" que questionam a sustentabilidade das exportações e do défice, o que inclui o FMI e personalidades de vários quadrantes, incluindo o PSD, Passos Coelho lembra aquela mãe que proclamava eufórica que o filho era o único com o passo certo num desfile militar, deixando claro que todos os outros soldados, apesar de afinados no ritmo, marchavam com passo errado.

Ao "orgulho" de Passos Coelho não resisto a contrapor aquele que é o sentimento de tantas e tantas pessoas com que nos cruzamos no dia a dia. O que esses portugueses dizem é que não desejam um país governado por quem pensa que a Constituição deve ser suspensa e que o Tribunal Constitucional é uma força de bloqueio. Não desejam um país governado por quem declarou guerra ao Estado social. Não desejam um país governado por quem acha que tudo o que é público é mau, incluindo os servidores do Estado. Não desejam um país governado por quem trata os reformados e pensionistas como meros números vermelhos, que apenas engrossam a coluna da despesa do Orçamento. Não desejam um país governado por quem pensa que o país pode prescindir da Ciência e do Ensino Superior de qualidade. Não desejam um país governado por quem convida os jovens à emigração.

O primeiro-ministro orgulhoso que estes dias se exibe no Coliseu dos Recreios é uma espécie de negativo dos portugueses desempregados, dos jovens que abandonam o Ensino Superior, dos habitantes do interior que veem os tribunais, as repartições de finanças e as juntas de freguesia fugir para longe, das empresas vítimas da estagnação do consumo interno e do investimento. Estes cidadãos, aqueles que foram esmagados pelos impostos que permitiram pintar de laranja os indicadores macroeconómicos, são apenas danos colaterais.

Passos Coelho lançou, neste discurso, a sua recandidatura a primeiro-ministro nas eleições de 2015, acreditando protagonizar o milagre da salvação nacional. A minha visão é bem diferente. Pareceu-me mais ter cumprido uma estação no seu lento e penoso caminho para o calvário. E, ao contrário do que diz, é possível em Portugal um caminho alternativo a esta procissão de Passos.

Portugal: Número de casais com ambos os cônjuges desempregados sobe em Janeiro




Segundo o IEFP, no final de Janeiro, estavam inscritos nos centros de emprego 669.668 desempregados, dos quais 48% eram casados ou viviam em união de facto

O número de casais com ambos os cônjuges desempregados avançou 2% em janeiro, face a igual mês de 2013, e atingiu os 13.250.

De acordo com os dados recolhidos pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), no final de janeiro, havia mais 263 casais do que um ano antes a garantirem a sua sobrevivência com as prestações sociais de desemprego pagas pelo Estado.

Em dezembro, o número de casais nesta situação fixou-se nos 12.713, o que representa um aumento de 4,2% em janeiro, em termos mensais.

Segundo o IEFP, no final de janeiro, estavam inscritos nos centros de emprego 669.668 desempregados, dos quais 48% eram casados ou viviam em união de facto, perfazendo um total de 320.572.

O universo dos casais desempregados em que ambos os cônjuges recebem prestações de desemprego representa assim uma fatia de 4,13% do número total de desempregados inscritos sinalizados como casados ou em situação de união de facto.

Lusa, em jornal i

Portugal: UMA IMPREVISIBILIDADE, UMA SURPRESA E UMA INEVITABILIDADE



Tomás Vasques – Jornal i, opinião

A narrativa política está construída e foi dita neste congresso: "A vida dos portugueses não está melhor, mas o país está"

O PSD reuniu em congresso, e cumpriu-se a liturgia própria da maior parte dos congressos partidários. Deste ou de qualquer outro partido, o que tem transformado a política num assunto de crentes. Neste fim-de-semana, o líder do partido e primeiro-ministro, rodeado de párocos, frades e abades, de arcebispos, bispos e cardeais, que se desfizeram em aplausos, como quem acumula pontos para os trocar por lugares no partido e no Estado, anunciou, como na liturgia dos católicos romanos, a entrega e o sacrifício do PSD para a salvação dos homens e do país. Fica por saber se o que foi dito no espectáculo mediático, que rodeou o conclave, ultrapassou as paredes do convento das Portas de Santo Antão e chegou ou não ao rebanho.

Apesar dos rituais, os congressos do PSD, mais do que qualquer outro partido nacional, reservam-nos sempre uma surpresa. Ainda hoje se fala na aparição num congresso, no Casino da Figueira da Foz, em 1985, de um economista, que nada tinha a ver com política, na altura entretido a instalar a Universidade Católica, no Porto, que foi até ao Casino, fazer a rodagem do seu novo carro, meteu uma moeda na máquina e saiu-lhe a presidência do partido, mais dez anos de primeiro-ministro e outros tantos de Presidente da República. Desta vez, tudo correu mais comedido porque os tempos não estão para tanta sorte. A celebração do Coliseu traduziu-se numa imprevisibilidade, numa surpresa e, por fim, numa inevitabilidade já antes anunciada.

A imprevisibilidade. A proposta de Passos Coelho para que o esquecido Miguel Relvas, que foi corrido do governo por indecente e má figura, e equivalências a mais, encabeçasse a lista ao conselho nacional do partido. Trata-se de uma tentativa de ressurreição de um defunto político, que foi enterrado por nada abonar a favor da nobre arte da política. E, assim, estalou o verniz da almejada recuperação da "matriz fundadora social-democrata" do PSD, tão procurada, por motivos eleitorais, neste congresso. Até os próprios congressistas, gente devota, encarregados de pastorear o rebanho, se indignaram com tal ressurreição proposta pelo líder do partido. Só 179 dos mais de 1700 homens de fé presentes se renderam ao milagre.

A surpresa. Marcelo Rebelo de Sousa, preterido por Passos Coelho, na sua moção ao congresso, como candidato do partido às próximas presidenciais, apareceu no Coliseu. De improviso. Decidiu-se durante uma viagem de avião - disse. Ele que tão grande contributo deu à fundação do PSD sentiu--se comovido pela celebração dos 40 anos do seu partido. Não podia deixar de estar presente. Mesmo que, na sua cabeça, tudo estivesse preparado há semanas, fez uma intervenção que marcou o congresso. Apesar do estilo coloquial, pretensamente emotivo e afectivo, mas muito estudado e estruturado, amesquinhou ou reduziu à mediocridade todas as intervenções anteriores. Nalguns casos, demonstrou que muitos cardeais são patetas. E, por isso, saiu em ombros do congresso, depois de uma volta à praça. O que diz duas coisas sobre esta celebração litúrgica: Passos Coelho só lidera o PSD porque é primeiro-ministro e que o comentador político mais popular do país só não é candidato às presidenciais se não quiser. Mesmo contra a vontade do líder do seu partido.

A inevitabilidade. Passos Coelho fez deste congresso o arranque oficial de uma prolongada campanha eleitoral. Está a jogar para linha, nas próximas europeias, mas a pensar em fazer bingo nas legislativas de 2015. Como em equipa que ganha não se mexe, vai repetir a fraude da última campanha eleitoral. Tal como disse a uma miúda de 15 anos que nunca retiraria o subsídio de Natal aos pais, vai agora falar do "milagre económico" e do "país de sucesso" que resultou, passados três anos, das suas políticas de austeridade. Vai falar da balança de pagamentos, das exportações ou do desemprego com a mesma desenvoltura com que disse que só iria cortar nas "gorduras do Estado". A narrativa política está construída e foi dita neste congresso: " A vida dos portugueses não está melhor, mas o país está".

PS - A oposição - as oposições - têm de fazer mais do que têm feito para desmontar mais estas falácias.

Jurista, escreve à segunda-feira

Ex-deputada timorense Maria Paixão da Costa é nova embaixadora em Portugal



Díli, 24 fev (Lusa) - O chefe de Estado timorense, Taur Matan Ruak, nomeou hoje Maria Paixão da Costa, antiga deputada e vice-presidente do parlamento nacional, como nova embaixadora de Timor-Leste em Portugal, numa cerimónia que decorreu no Palácio da Presidência.

Licenciada em Ciência Política pela Universidade Nacional de Timor-Leste, Maria Paixão da Costa, 53 anos, é mãe de 10 filhos e desde a restauração da independência, até 2012, foi deputada, chegando a ocupar o cargo de vice-presidente do parlamento do país.

"Desliguei-me da política, vou entrar numa nova experiência, fazer todos os esforços para promover o meu país, estreitar os laços existentes entre os dois Estados [Timor-Leste e Portugal] e defender os interesses dos cidadãos timorenses residentes em Portugal", declarou à agência Lusa Maria Paixão da Costa.

Segundo a embaixadora, que inicia funções em Lisboa em meados de março, um dos objetivos da sua missão é captar investimento para Timor-Leste, que ainda está "numa fase de reconstrução".

"O Presidente da República recomendou a captação de investimento e chamou a atenção para a realização da cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)", disse.

Timor-Leste assume pela primeira vez a presidência da CPLP durante a cimeira, que, segundo o Governo timorense, se deverá realizar entre 20 e 25 de julho em Díli.

"Farei tudo com firmeza e imparcialidade para servir a nação", frisou a embaixadora, que também quer reunir a comunidade timorense em Portugal, para a conhecer e perceber quais são as suas necessidades.

Na cerimónia, o Presidente timorense nomeou também Domingos Sarmento como embaixador de Timor-Leste nos Estados Unidos, Ovídeo Amaral para o Vaticano, Cristiano da Costa para a Nova Zelândia e Caetano Guterres para Moçambique.

MSE // ARA - Lusa

Timor-Leste assina contrato de 2,3 milhões de dólares com Águas de Portugal




Lisboa, 24 fev (Lusa) - O Governo timorense assina nas próximas semanas um contrato de 2,3 milhões de dólares (1,67 milhões de euros) com o grupo Águas de Portugal para o saneamento e drenagem de águas pluviais de Díli, informou hoje o ministro responsável.

"Escolhemos a Águas de Portugal (AdP) para implementar uma segunda fase do plano de saneamento e drenagem para a cidade de Díli. O contrato deveria ser assinado nos próximos dias, mas infelizmente não podemos fazer isso por causa de aspetos técnicos. Esperamos poder assinar na próxima semana", disse o ministro das Obras Públicas de Timor-Leste, Gastão de Sousa.

O ministro falava à Lusa no final de uma reunião com a administração do grupo AdP, em Lisboa, durante a qual houve uma "troca de experiências" nos setores da água, saneamento e resíduos sólidos.

"Celebrámos 10 anos de independência e temos de aprender muito. (...) Vamos replicar a vossa experiência em Timor-Leste e por isso escolhemos a AdP", acrescentou o governante timorense, sublinhando que o contrato não exclui o setor dos recursos humanos, nomeadamente a formação do pessoal "especialmente no saneamento básico".

O presidente do grupo, Afonso Lobato Faria, disse por seu lado que o âmbito do contrato é "essencialmente estudar/planear soluções para a rede de drenagem de águas pluviais e águas domésticas".

"Portugal passou nos últimos 20 anos por um processo evolutivo significativo nestas áreas. Temos todo o gosto em partilhar estas experiências", disse o administrador.

Recordando que a Águas de Portugal já esteve presente em Timor-Leste, de onde está ausente desde 2007, Lobato Faria afirmou que o contrato a assinar em breve representa "o reinício de um processo que não deve ser visto só do ponto de vista económico".

"É um processo de dois países irmãos que tendem a colaborar no sentido de resolver os problemas reais da população", disse o responsável.

De acordo com o Censos de 2010, apenas 66% da população de Timor-Leste tem acesso a alguma forma de água tratada e apenas 39% das pessoas têm acesso a instalações sanitárias melhoradas.

Naquele ano, pode ler-se no Plano Estratégico de Desenvolvimento 2011-2030, apenas 57% da população rural de Timor-Leste tinha acesso a água e apenas 20% estava coberta pelo saneamento básico, sendo objetivo do Governo aumentar a cobertura de água potável para 75% da população rural e melhorar as instalações de saneamento em 40% das comunidades rurais.

Já nas áreas urbanas, que albergam 30% da população timorense, estima-se que o acesso a sistemas de abastecimento de água seja de 63%, uma taxa que não é homogénea nem representativa da qualidade do serviço.

Em Díli, por exemplo, há 36% de ligações domésticas ao sistema de abastecimento de água registadas e, destas, apenas 22% têm acesso a água 24 horas por dia.

Durante a sua estadia em Portugal, até quinta-feira, o ministro reúne-se ainda com o ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia português, Jorge Moreira da Silva, com quem assina um protocolo de entendimento que será "um protocolo chapéu".
"Esperamos que possa ser em breve [complementado] com um plano de ação mais específico", afirmou Gastão de Sousa.

Um encontro de cortesia com o ministro da Economia, António Pires de Lima, uma visita à estação de tratamento de águas residuais do Porto e outra ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil são outros pontos na agenda do ministro.

FPA // VM - Lusa

YOHAN GOUTT GONÇALVES FICARÁ NA HISTÓRIA DE TIMOR-LESTE



25 de Fevereiro de 2014, 01:03

O esquiador Yohan Goutt Gonçalves termina a sua participação em Sochi dizendo que pretende permanecer na memória de Timor-Leste, um dia depois de ter terminado no 43.º lugar a prova de slalom em esqui alpino dos Jogos Olímpicos de Inverno Sochi 2014.

"Que experiência para mim! Esta corrida vai estar sempre na minha memória e espero que também fique na história de Timor-Leste. Foi difícil ser o último a partir para um dos percursos mais difíceis da minha carreira, mas terminei, fui 43.º entre 117", escreveu Yohan Goutt Gonçalves, na sua página na rede social Facebook.

O esquiador timorense de 19 anos, que tem também nacionalidade francesa e reside em França, agradeceu o apoio conquistado através da Internet, realçando a experiência obtida em Sochi: "Sinto que aprendi imenso e que saio destes Jogos um homem feito".

"Eu quero ainda agradecer muito aos meus pais, que apoiaram o meu sonho desde tenra idade e sem eles eu não teria feito isto! Viva Timor-Leste", conclui Yohan Goutt Gonçalves.

0 presidente da Federação de Ski de Timor-Leste (FSTL) Hélder Encarnação ficou muito satisfeito pela participação de Yohan Goutt Gonçalves. "Ele representou muito bem Timor-Leste. Ficou no 43º lugar, entre os 117 atletas que concluíram a prova."

"O objectivo da participação do Yohan era dar a conhecer Timor-Leste ao Mundo e chamar a atenção dos meios de comunicação social. Isto foi conseguido pelo Yohan, que deu a conhecer aos seus amigos atletas que nunca tinham ouvido falar de Timor-Leste e em relação aos media no geral que deram destaque a um país que estava a participar pela primeira vez nos jogos olímpicos de Inverno" segundo Hélder Encarnação.

Desde a Lusa, à NBC, passando pela CNN, o próprio SAPO Timor-Leste, a TVTL (a Televisão de Timor-Leste), o Wall Street Journal, a TF1, a Associated Press, entre muitos outros meios de comunicação, Yohan conseguiu colocar Timor-Leste no mapa, disse o presidente da FSTL.

Yohan Gonçalves concluiu as duas mangas do slalom em 2.30,89 minutos, gastando mais 49.05 segundos do que o vencedor, o austríaco Mario Matt.

SAPO TL com Lusa - Foto cedida gentilmente por Yohan Goutt Gonçalves

Moçambique: POLÍCIA APREENDE ARMAS E DETÉM HOMENS DA RENAMO




São ao todo 15 armas do tipo AKM, igual número de carregadores e mais de 2 800 mu­nições.

A Polícia da República de Mo­çambique (PRM) em Inhambane apreendeu, semana passada, ar­mamento e munições que esta­vam na posse de sete homens da Renamo. São ao todo 15 armas do tipo AKM, igual número de carregadores e mais de 2 800 mu­nições.

A detenção ocorreu na EN1, mais concretamente na localida­de de Joacane, no distrito de Mor­rumbene. Segundo a Polícia, o armamento saiu de Chimoio com destino a Maputo, e estava disfar­çada em sacos de milho. Três indi­víduos que seguiam numa viatura atribuída pela Assembleia da Re­pública a um deputado da Rena­mo já se encontravam na Maxixe, há três semanas.

O motorista contou que saiu de Chimoio com instruções para ir a Maputo, mas chegados a Maxixe, o seu superior, cujo nome não re­velou, informou-os que deveriam permanecer no local. Na madru­gada de sexta-feira, ficou acorda­do para deviam ir socorrer cole­gas cuja viatura havia avariado na EN1. Chegados no local, depara­ram-se com os agentes da PRM e, apercebendo-se da emboscada, começaram a disparar contra a Polícia, o que resultou numa tro­ca de tiros. Dois integrantes do grupo conseguiram fugir, mas vi­riam a ser capturados no distrito de Zavala, a sul da província de Inhambane.

O País (mz)

Moçambique: Combatentes defendem entrada de novos candidatos à sucessão de Guebuza




Combatentes criticam o secretário geral da Frelimo Filipe Paúnde

A Associação dos Combatentes de Luta de Libertação (ACCLNN), um dos órgãos sociais mais influentes da Frelimo, defende que o partido deve abrir espaço para mais candidatos à sucessão do actual presidente da República, Armando Guebuza.

Reunidos, hoje, na terceira sessão ordinária da ACCLNN, os combatentes criticaram ainda o secretário-geral do partido, Filipe Paúnde, que entende que não há lugar para novos candidatos à luz dos estatutos da Frelimo.

“Os combatentes renovam a confiança incondicional ao presidente Armando Guebuza como presidente da ACLNN e da Frelimo. Quantos aos comentários sobre os candidatos para a sucessão de Guebuza, os combatentes concluíram que ainda há espaço para entrada de mais candidatos”, disse Carlos Siliya, porta-voz da organização.

A Comissão Política da Frelimo indicou, em meados de Dezembro passado, Alberto Vaquina, primeiro-ministro, José Pacheco, ministro da Agricultura, e Filipe Nhusy, ministro da Defesa, como os candidatos a candidato da Frelimo à chefia de Estado.

O País (mz)

Moçambique: COMBATENTES ATACAM RENAMO




III Sessão Nacional da Associação dos Combatentes de Luta de Libertação Nacional

A III Sessão Nacional da Associação dos Combatentes de Luta de Libertação Nacional (ACLLN) arrancou hoje, sexta-feira, na cidade da Matola. O presidente da organização, Armando Guebuza, voltou a atacar, no discurso de abertura, a Renamo, reiterando que nada justifica colocar a paz em risco.

“De há uns tempos para cá, um partido político nacional decidiu enveredar pela via da violência armada contra o nosso povo e contra as Forças de Defesa e Segurança. A paz é um bem valioso para todos nós e nada justifica que ela seja posta em causa”, diz Guebuza.
Neste encontro, a ACLLN vai debater os principais desafios da organização em pleno ano eleitoral e no ambiente de tensão que se vive no país. A eleição do candidato da Frelimo à Presidência da República também consta da agenda.

O País (mz)

Na foto: Membros do Comité Central da Frelimo na III Sessão Nacional da ACLLIN

MOÇAMBIQUE A SAQUE...



Pró @Verdade – Verdade (mz)

Para lá do véu da despesa pública, há um mundo de gastos exorbitantes para garantir conforto aos antigos estadistas e/ou dirigentes superiores do Estado. No espaço de um ano, Marcelino dos Santos viveu numa casa que custou, de arrendamento, ao erário, cinco milhões quarenta e seis mil e seiscentos meticais (5.046.600). Dados em posse do @Verdade mostram que ao mesmo tempo decorria a reabilitação da moradia do histórico combatente pela luta de libertação nacional, sem concurso público,com um custo total fixado em 2.800.000,00 meticais. Um luxo que atropela procedimentos é apenas permitido a“gente grande”....

Durante um ano, Marcelino dos Santos residiu numa vivenda independente de três pisos, com três suites e dois quartos simples, três salas, uma cozinha, três casas de banho, anexo e piscina no bairro da Sommerschield II. Esse luxo custou - aos cofres do Estado - cinco milhões quarenta e seis mil e seiscentos meticais (5.046.600). Efectivamente, dos Santos custou ao erário oito milhões quinhentos cinquenta e oito mil e duzentos meticais (7.846.600).

A luxuosa e espaçosa residência foi arrendada pelo Gabinete de Assistência aos Antigos Presidentes da República e Atendimento aos Dirigentes Superiores do Estado (GADE) para que se procedesse à reabilitação da casa do histórico líder da Frelimo. “Tendo sido autorizada a reabilitação da residência de SEXA, Marcelino dos Santos, antigo presidente da Assembleia da República, tornou-se necessário transferir a família para uma casa provisória alugada para o efeito”, diz a nota no 025/ GADE enviada ao Secretário Permanente do Ministério das Finanças.

Numa cópia em anexo, de 29/10/2010, enviada à Direcção Nacional do Orçamento do Ministério das Finanças, o GADE remete a factura no 0069 da empresa Marabillda, Imobiliária e Serviços, “no valor de 1.731.600 meticais correspondente ao pagamento da renda trimestral (...) da casa onde S. Excia. Marcelino dos Santos e a família irá habitar enquanto decorrem as obras da sua residência” por “indisponibilidade orçamental” daquele departamento que zela pelo atendimento aos dirigentes superiores do Estado. @Verdade tem em mãos uma cópia do contrato de arrendamento e verificou que o número 2, da cláusula quarta, refere que “todas as benfeitorias e obras que o Arrendatário (GADE) fizer no imóvel, ficarão pertencendo ao imóvel, devendo os custos serem suportados pelo Arrendatário (GADE)”.

O Departamento de Bens, Serviços e Investimento informou na nota no 44/041.41GADE/2011 de 04/02/2011 que “por despacho de 28/02/2011 (...) foi autorizada a disponibilização do contravalor de 30 mil dólares para pagamento de arrendamento dos meses de Fevereiro, Março e Abril/2011, a favor da Marabil Lda”. Assim, continua, “pela ordem de pagamento no 18 de 01/03/2011 foi efectuada a transferência de fundos no valor de 958.500,00 meticais ao câmbio de 31,95 meticais do dia 02/02/2011 do Banco de Moçambique”. (Ver ordem de pagamento em anexo).

Contudo, nos termos do artigo 9, no 5, alínea a), da Lei 32/2007 que aprova o Código do IVA, consta que a alocação de imóveis para fins de habitação está isenta do pagamento do referido imposto. O Ministério das Finanças, através da Direcção Nacional de Contabilidade Pública (DNCP), detectou essa anomalia no contrato de arrendamento e solicitou que o GADE intercedesse junto da Marabil, Lda. para devolver aos cofres do Estado 105.300,00 meticais cobrados indevidamente. No entanto, a Marabil alegou que “todas as facturas emitidas não incluem o IVA (ver factura com IVA no anexo) e que as mesmas apresentam o valor líquido depois de deduzido o valor correspondente ao IRPC”.

A factura 0069, na posse do @Verdade, emitida no dia 1 de Novembro de 2010, apresenta a importância de 1.480.00000 acrescidos de 251.600.00 de IVA. O total que foi cobrado ao Estado, naquela factura, é de 1.731.600 meticais. No entanto, a 22 de Agosto de 2011 referente ao pagamento das rendas daquele mês, Setembro e Outubro do mesmo ano é que a factura muda de formato. Ou seja, o valor reduziu para 1.275.000, dos quais foram retidos na fonte 255.000,00 de IRPC.

No período em apreço, o GADE enviou à DNCP um pedido de pagamento nos valores de 2.810.000,00 e 1.731.600,00 meticais, respectivamente. A Marabil, Lda. recebeu o valor acima citado pelo arrendamento de uma moradia. A E.R.R, por sua vez, ganhou quase três milhões de meticais pela reabilitação da residência de Marcelino dos Santos. “Para efeitos de reabilitação e arrendamento da residência de SEXA Marcelino dos Santos, vimos junto de V. Excia solicitar o pagamento de 4.541.600 meticais às empresas E.R.R (...) e Marabil”, lê-se na requisição do valor.

Depois da troca de correspondência sobre a questão relacionada com o IVA e a substituição pelo IRPC houve, diga-se, consenso entre as partes. Um ofício do DNCP, assinado por Amélia Mutemba, directora nacional de Contabilidade Pública, refere que “sobre o assunto em referência e, para a formalização do consenso alcançado (...) tenho a honra de informar que foi transferido o montante de 713.100,00 meticais referente ao pagamento das rendas dos meses de Agosto a Outubro de 2011, respeitante à residência de S. Excia. Marcelino dos Santos. A operação bancária foi efectuada no dia 25/08/2011 de acordo com a ordem de pagamento.

Efectivamente, entre a reabilitação da residência do histórico combatente da libertação nacional e o arrendamento de uma moradia, os cofres do Estado desembolsaram pouco mais do que sete milhões de meticais sem concurso público. A situação que deixa, mais do que claro, de que quando se trata de dirigentes superiores do Estado a lei é pontapeada. Ou seja, a reabilitação da habitação de Marcelino dos Santos custou dois milhões e oitocentos e dez mil meticais (2.810.000, 00) muito acima dos 300 mil meticais estipulados como valor máximo no regulamento de obras públicas até ao qual pode ser dispensado o concurso público.


Angola: A MINA DOS SME PRODUZ MILHÕES DE DÓLARES



Folha 8 – 22 fevereiro 2014

A direcção do Servi­ço de Mi­gração e Estrangei­ros (SME) está, devi­do a uma estratégia que vai de mal a pior, a ser varrida por um vendaval, mais um, que teve a sua origem na instauração de um inquérito aos seus al­tos responsáveis levada a feito sob a égide do actual ministro do Interior, Ân­gelo da Veiga Tavares.

O inquérito aponta para roubos e desvios finan­ceiros, aos cofres do Es­tado, na ordem de mais de 20 milhões de dólares, por parte da direcção, superiormente, liderada por Paulino da Silva, que corre o risco de se trans­formar no próximo milio­nário, mas legitimado pela bênção do actual minis­tro, que voluntária ou in­voluntariamente encobre o resultado do inquérito e demais falcatruas.

“O ministro na sua mensa­gem de ano novo falou so­bre as irregularidades no SME, mandou instaurar um inquérito, este apurou anomalias graves, mas agora o ministro diz que Paulino da Silva, merece perdão e pode continuar, no cargo, logo a enrique­cer de forma ilícita”, disse ao F8, um alto funcionário do Ministério do Interior.

Para este, só podem ser tiradas duas ilações; “ou o roubo deixou de ser cri­me, quando praticado por oficiais do ministério do Interior ou é sócio nesta roubalheira do ministro Ângelo Veiga”.

Recorde-se o discurso do mesmo em Dezembro de 2013, sobre a débil saúde do SME: “continuam a registar-se irregularida­des no tratamento de actos migratórios, parti­cularmente em relação a vistos de trabalho e car­tões de residente, confor­me pudemos constatar no trabalho de inspeção de seguimento, que or­denei que fosse realizado no SME... e fazendo uma analogia com o futebol, alguns já estão com acu­mulação de cartões ama­relos e outros a trabalhar lesionados, o que certa­mente recomendará algu­mas alterações no plantel para melhor responder as exigências do momen­to e mostrar o vermelho directo aqueles que co­meteram falta...”, afirmou Veiga, que agora, em pos­se do resultado do inqué­rito se mostra impotente, para ser escravo das suas próprias palavras.

E imaginar que por muito menos Quina da Silva, foi parar a cadeia, pese ser da sua lavra o projecto da compra de terreno e construção da nova sede na Maianga, a implanta­ção do site, para consulta dos utentes, a criação do CDEI (Centro de Deten­ção de Imigrantes Ile­gais), do CIT (Centro de Instalação Temporária), no Aeroporto para os imi­grantes. Tudo isso para Quina não serviu de ate­nuante, por parte nem do ministro do Interior, Tri­bunal, nem mesmo Presi­dente da República, pese serem compadres.

“Para mim a Quina da Sil­va, foi a melhor técnica que passou pelo SME, o seu principal problema foi a arrogância, mas compe­tência ela tem e não rou­bou como estes, que sem terem feito nada saiem de lá milionários, definitiva­mente, temos de aceitar o Presidente da República, parece dar-se bem com quem defrauda os cofres públicos”, disse o oficial superior do ministério do Interior, Landa Pedro. E nós concluimos, a ser ver­dade a análise feita, Quina da Silva, ao lado destes se­nhores; Freitas e Paulino, era um feto. Tanto assim é que a caravana da dela­pidação do erário público de Paulino Cunha da Silva poderá continuar a sua marcha, na lógica de, “o crime compensa”…

O INÍCIO DA CRISE NOS SERVIÇOS

O descalabro dos Serviços de Migração começou com a saída, em Abril de 2006, de Joaquina da Silva e com as diatribes do consultor David Rocha que, por sua iniciativa, induziu todos os directores que foram passando pelos serviços a erros que visavam tão so­mente a sua estratégia de chegar ao topo do SME.

É público, tendo aliás sido motivo de exposições dirigi­das ao Presidente da Repú­blica, que depois das exone­ração de Freitas Neto, David Rocha influenciou Paulino Silva, ainda Director, para nomear Gilberto Teixeira Manuel, Teixeira Adão da Silva e Vidal Vilela, que já eram alvos de denúncias de corrupção no consulado de Freitas Neto, para os depar­tamentos mais importan­tes do SME (Estrangeiros, DDRA, e Fronteiras).

Do ponto de vista da socie­dade civil espera-se, como o mais elementar sentido de justiça, que todos os impli­cados nos casos de corrup­ção sejam julgados e que os bens adquiridos por essa via revertam a favor do Estado.

No SME comenta-se, in­clusive, a existência de um esquema fraudulento que permitiu que a atribuição de um número anormal de vistos de trabalho e títulos de residência, principal­mente a cidadãos chineses, brasileiros, portugueses e de outras nacionalidades, numa rede que envolve milhões e milhões de dó­lares.

A confirmar-se, é mais uma acha na fogueira e que se junta aos escândalos que envolveram anterio­res direcções, desde logo o famoso “caso Quina” (a ex-directora Joaquina da Silva) que, como atrás dissemos, foi a única a ir a tribunal e ser julgada, jun­tamente com o seu adjunto Rui Garcia Neto, sem se ter provado o desvio de milhões e o cometimento de irregularidades como as que se vêm praticando.

MILHÕES SUMIDOS EM TÃO POUCO TEMPO

O director Paulino da Silva é acusado, em inquérito interno, de ter montado um esquema para emissão de vistos de trabalho e tí­tulos de residência a troco de avultadas somas em dinheiro. Fala-se em mais de 20 mil dólares por docu­mento! Diz-se que ele teria embolsado mais de 18 mi­lhões de dólares, que o seu adjunto, João Sousa Santos, 12 milhões e a funcionária Flávia, 9 milhões, além do Gilberto Manuel, Teixeira Adão da Silva, Cordeiro João e outros, na faixa dos 6 à 10 milhões.

Certo é que o consultor David Rocha já está a es­fregar as mãos de contente por ver que vai, finalmente, assumir o lugar que sem­pre ambicionou mas cujo desejo escondia nas mano­bras que foi engendrando para provocar a demissão de todas as anteriores di­recções do SME, desde o tempo da Joaquina da Silva.

Neste imbróglio a excep­ção respeita ao general Dinho Martins, que foi apeado na sequência da de­missão do também general Leal Monteiro Ngongo de ministro do Interior, por causa do alegado seques­tro do cidadão português José Oliveira, de S. Tomé e Príncipe.

Embora seja um proces­so que, como outros, peca pela sua opacidade, sabe-se que foram suspensos como resultado de um inquérito, da Inspecção do Ministé­rio do Interior, os respon­sáveis Gilberto Teixeira Manuel, Teixeira Adão da Silva e uma terceira identi­ficada apenas por Flávia.

O primeiro desempenha a função de responsável do Departamento de Es­trangeiros, o segundo da Documentação, Registros e Arquivos e a terceira do Expediente Migratório do SME.

Curioso é verificar que, do ponto de vista oficial, Pa­trício Geremias, porta-voz do MININT, afirma des­conhecimento total sobre este assunto. No entanto, Simão Milagres – porta­-voz do SME – confirma a suspensão dos referidos responsáveis seniores do SME, nomeadamente Gil­berto Teixeira Manuel, Teixeira Adão da Silva, Flá­via e Esperança, dizendo que a decisão foi tomada pelo próprio ministro do Interior.

“Isso é oficial. As suspen­sões foram feitas com base nos documentos do próprio Ministério do In­terior”, explica o porta-voz do SME, acrescentando que “tudo aconteceu por causa de supostas irregu­laridades que terão sido detectadas, mas importa salientar que nenhum dos visados foi exonerado das suas funções até ao mo­mento”.

A actual direcção do SME sucedeu a que foi nomea­da pelo anterior ministro do Interior, Sebastião Martins. Antes da saída de Freitas Neto, então director, já havia registo e denúncias de outras ir­regularidades e que então constituíram matéria de facto para o veredicto do ministro do Interior.

Uma delas respaldou­-se na suspensão de José Maria dos Santos Miguel, chefe do Departamento de Estrangeiros do Ser­viço de Migração e, na sequência de uma inspec­ção interna realizadano Departamento de Estran­geiros. Apurou-se que um seu suposto familiar tinha em seu poder 30 passaportes de cidadãos estrangeiros, sobretudo mauritanos.

Esse homem apresentou­-se às autoridades migra­tórias no Aeroporto 4 de Fevereiro como irmão de José Maria dos Santos Mi­guel, que chegou ao SME em finais de 2010, trans­ferido dos Serviços de In­teligência e Segurança do Estado (SINSE).

*Voltaremos

UNICEF PEDE AJUDA PARA MILHÕES - MAIS DE 500 MIL SÃO ANGOLANOS



Folha 8 – 22 fevereiro 2014

Unicef lan­çou agora um apelo de emergência de 2,2 mil milhões de dólares, o maior de sempre, para aju­dar 85 milhões de pessoas, entre as quais 59 milhões de crianças, em 50 países, entre os quais Angola para o qual são pedidos seis milhões de dólares, meta­de dos quais se destinam ao sector da água, higiene e saneamento. Este ape­lo para o nosso país visa alcançar 517.800 pessoas, entre as quais 421 mil crian­ças, em 2014.

O montante inédito previs­to no Apelo Humanitário para as Crianças em 2014 deve-se “ao número de si­tuações de emergência em larga escala e de grande complexidade que conti­nuam a causar deslocações massivas de populações e a pôr em risco a vida e o bem-estar de milhões de crianças”, escreve a Unicef num comunicado enviado à Imprensa.

A maior percentagem des­te montante (28%) destina­-se a fornecer água, higiene e saneamento a 23 milhões de crianças e outros 20% a alimentar 2,7 milhões de crianças que sofrem de malnutrição aguda severa.

Cerca de 40% do total pedi­do pela Unicef, 835 milhões de dólares, são destinados à Síria e àquela sub-região, onde a Unicef quer prestar assistência vital, nomea­damente em “imunização, água e saneamento, edu­cação e protecção”, mas também para promover competências em matéria de coesão social e de refor­ço da paz.

Citado no comunicado, o director de Programas de Emergência do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Ted Chaiban, conta que aca­ba de regressar do Sudão do Sul, “onde o mais re­cente conflito de grandes proporções está a pôr em causa a vida de milhões de crianças inocentes”.

“Mais de 400 mil crianças e as suas famílias foram des­locadas devido ao conflito e mais de 3,2 milhões de pessoas precisam de assis­tência humanitária”, exem­plifica Ted Chaiban, subli­nhando que as crianças do Sudão do Sul se juntam a “milhões de outras crian­ças afectadas pelos confli­tos na República Centro­-Africana e na Síria”.

Apesar de estes serem os casos que actualmen­te centram mais atenções mediáticas, “há muitas outras situações críticas para as quais também é necessário financiamento imediato e ajuda humani­tária urgente”, acrescenta o mesmo responsável, citan­do os casos do Afeganistão, da Colômbia, da República Democrática do Congo, da Birmânia, da Somália, ou do Iémen.

Entre os 50 países para os quais a Unicef pede um montante específico está Angola, para o qual são pedidos seis milhões de dólares, metade dos quais se destinam ao sector da água, higiene e saneamen­to, “devido à crítica falta de água”.

Este apelo para Angola visa alcançar 517.800 pessoas, entre as quais 421 mil crian­ças, em 2014.

“As crianças são sempre o grupo mais vulnerável em emergências, correndo riscos elevados de violên­cia, exploração, doença e negligência,” afirmou Ted Chaiban.

No relatório que acompa­nha o apelo humanitário deste ano, a Unicef faz o balanço do trabalho rea­lizado em 2013, referindo que, nesse ano, 24,5 mi­lhões de crianças foram vacinadas contra o saram­po, perto de 20 milhões de pessoas passaram a ter acesso a água potável, 2,7 milhões de crianças obti­veram acesso a uma edu­cação de melhor qualidade, 1,9 milhões de crianças re­ceberam tratamento para a malnutrição aguda severa e 935.000 beneficiaram de apoio psicológico.

No entanto, sublinha a or­ganização, devido ao dé­fice de financiamento em países como a Eritreia, o Lesoto ou Madagáscar, bem como às restrições ao acesso humanitário, à inse­gurança e a um ambiente em que as intervenções são difíceis, muitas das necessidades ficaram por satisfazer.

FOME NA CPLP ASSOLA 28 MILHÕES DE LUSÓFONOS




O primeiro-ministro moçambicano, Alberto Vaquina, salientou que cerca de 28 milhões de pessoas passam fome no total dos países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

O governante falou do tema no lançamento da campanha «Juntos contra a fome», da CPLP, e destacou que só em Moçambique uma em cada duas crianças até aos cinco anos passa fome. O objetivo da campanha passa por minimizar os efeitos desta calamidade nos países lusófonos.

«Se tivermos em conta que a desnutrição crónica provoca graves défices de nutrientes indispensáveis ao crescimento equilibrado das crianças, afetando gravemente a sua capacidade de aprendizagem, notamos que essas crianças, por serem potenciais vítimas de insucesso escolar, serão os adultos pobres no futuro», declarou Vaquina na sessão, citado pelo O País, lamentando que tal aconteça nos dias de hoje.

Dados divulgados pelo Ministério da Agricultura de Moçambique revelam ainda que no país são cerca de 300 mil os cidadãos a passar fome.

A Bola

O QUE HOUVE NA UCRÂNIA?




Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular. Três grandes jogadores estão assentados neste terreno: a Rússia, a União Europeia e os EUA.

Flávio Aguiar - Carta Maior

Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular.

Tudo começou com uma série de manifestação empilhadas umas sobre as outras: uma juventude ansiosa por se identificar com a União Europeia, uma classe média cansada pelas sucessivas vagas de corrupção dos sucessivos governos, uma insatisfação com o autoritarismo e o fechamento do governo de Viktor Yanukovitch, o desejo de maior ascendência de grupos do oeste do país em detrimento de grupos do leste do país.

A repressão que o governo desencadeou abriu caminho para uma intensificação do descontentamento, açulado pelos partidos de oposição representados no Parlamento e pelo  encorajamento internacional – da União Europeia a políticos norte-americanos, republicanos e democratas.  De todos os mais animado foi o senador republicano John McCain, em dezembro, gritando na praça da Independência (Maidan), foco e espaço das concentrações: “O mundo livre está com vocês! A América está com vocês!” Melhor lembrança da Guerra Fria e do dito “A América para os [norte-]americanos” seriam impossível. Como nos velhos “bons” tempos, o alvo continua sendo a Rússia.

No pano de fundo destas confrontações estão as desigualdades do país. O leste e o sul – junto à Rússia e ao Mar Negro são mais desenvolvidos e industrializados do que o oeste, mais pobre. O leste, de um modo geral, tem seu foco econômico voltado para a vizinha Rússia, de que depende o abastecimento de gás do país, vital para a indústria e para o aquecimento durante o rigoroso inverno. Se a Rússia endurecer a questão do fornecimento de gás, cortando-o ou simplesmente cobrando o preço de mercado, a Ucrânia literalmente congela – em todos os sentidos. Entretanto para o oeste, mais  próximo da União Europeia, a aproximação com esta significaria em tese uma maior autonomia em relação ao governo central e às demais regiões do país, além de mais oportunidades de colher investimentos. Pelo menos em tese.
 
Há também a questão do histórico repúdio aos russos, maior no oeste, um repúdio cujas últimas e trágicas edições foram uma relação ambígua – para dizer o mínimo – de movimentos nacionalistas ucranianos com o regime nazista da Alemanha, e um conflito sangrento e frequentemente descrito como “inútil” com o regime soviético. No leste há também um fator étnico: o número de habitantes russos é muito grande, o que mexe com os brios dos movimentos nacionalistas. E é bom lembrar que na Europa, ao contrário da América Latina, nacionalismo é sempre coisa de direita.

Se este é o pano de fundo , deve-se levar em conta o que acontece nos bastidores e também no palco da política ucraniana. Nos bastidores pairam as sombras dos grupos econômicos – assim como na Rússia liderados pelos chamados “oligarcas” – que se formaram depois do desmanche da ex-União Soviética, dos processos de privatização de tudo, feitos a toque de caixa, e da independência. Estes grupos de oligarquias é que dão as cartas – o poder do dinheiro – para os que estão no palco, os políticos e seus partidos.
 
Entretanto na Ucrânia não houve, pelo menos até o momento, um Vladimir Putin que, na Rússia, digamos, “botou a casa em ordem”, oferecendo aos oligarcas a manutenção de suas fortunas recém feitas (sobretudo durante o governo de Boris Yeltsin) desde que não se metessem em política. Enfiando os principais desobedientes na cadeia ou mandando-os para o exílio – confortável, na verdade – Putin e seu neoczarismo disfarçado de república impuseram uma espécie de “pax romana” em seu território. Na Ucrânia não houve este Putin, mas uma guerra de grupos ora antangônicos, ora aliados, pelas benesses dos oligarcas e pelos espaços de poder, o que conduziu todos a uma política onde alianças ocasionais são apenas passos para uma ideal tomada total do poder, no melhor estilo do “para mim e os meus tudo, para os demais os rigores da lei”. Este foi o conflito que se estabeleceu entre o atualmente já ex-presidente  Viktor Yanukovitch e sua maior rival, Yulia Tymoschenko, que já fora primeira-ministra por duas vezes, líder do partido chamado de União de Toda a Ucrânia – Pátria Mãe, diríamos em português, embora em ucraniano seja “Pátria Pai”.

Yanukovitch, chegando à presidência em 2010, ensaiou e pôs em prática uma reforma consitucional para aumentar a concentração de poderes em torno da presidência, alijando os demais partidos – inclusive o do Tymoschenko – até mesmo das suas franjas. E através de denúncias de corrupção e de um julgamento carregado de suspeitas botou Yulia na cadeia. Aqui pode-se ter uma ideia das complicações da política ucraniana. Yanukovitch é visto em geral como próximo da Rússia e Tymoschenko como aliada da União Europeia. Pois o primeiro processo aberto contra ela acusava a ex-primeira ministra de abuso de poder e super-faturamento no contrato de fornecimento de gás para Gazprom, a principal empresa russa do setor e uma das maiores do mundo que, como a Petrobrás, reúne capitais privados mas tem seu controle acionário e de fundos nas mãos do Estado.

Entrementes, o pró-Rússia Yanukovitch se aproximava da União Europeia e aprestava-se a assinar um acordo de livre-comercio com ela. Nesta altura, Moscou acendeu a luz vermelha. Para se entender isto precisamos sair do teatro da política ucraniana e olhar o terreno em volta onde ele está localizado. Três grandes jogadores estão assentados neste terreno, como os bispos de um jogo de xadrez, mais um cavalo que joga com dois deles, contra o terceiro. Os jogadores são a Rússia, a União Europeia e os Estados Unidos, e o cavalo é a OTAN, a aliança militar que teve como principal inimiga a antiga União Soviética e que agora, além de policiar o norte da África  e áreas próximas, continua, nem que seja por força do hábito, a cercar seu adversário  histórico, atraindo para si os ex-satélites deste.

Os interesses dos Estados Unidos e da UE não são coincidentes na região, pois na atual conjuntura interna de Washington não interessa atiçar o confronto – a não ser na retórica – com a Rússia, devido às necessidades de acertos na Síria, no Irã, etc. Já a UE tem interesse em desembarcar seus avatares dentro do teatro ucraniano, ampliando sua área de influência econômica, seu mercado e suas ‘reformas de austeridade’. Outro fator que complica este movimento é o temor histórico dos EUA de que, mesmo com rivalidades marcantes, a proximidade entre Alemanha e Rússia termine por forjar  uma aliança estável  e poderosa que desenvolva um outro núcleo regional de poder. Na base de um movimento destes estaria novamente o gás russo, de que a Alemanha já depende e vai depender mais quando – e se – cumprir a promessa de desativar suas usinas nucleares.

De um modo ou de outro, o fato é que a Rússia colocou um sinal de “Pare!” nos movimentos de Yanukovitch: prometeu 15 bilhões de euros em empréstimos quase a fundo perdido – coisa que a UE, às voltas com suas próprias quebradeiras, não tem condições de oferecer à quebrada Ucrânia – baixou ainda mais o preço do gás e pôs à disposição um acordo de livre-comércio consigo mesma, mais outros países da região, ex-repúblicas, como a Ucrânia, da antiga URSS. Yanukovitch, que já estava com a caneta na mão e embarcando para Bruxelas, tampou aquela e desceu do avião. Junto aos projetos de novos capitalistas e da classe média do oeste ucraniano (onde o desemprego também é grande entre os jovens), que já sentiam o doce odor dos euros ao alcance da mão, este recuo foi a gota d’água.

Voltando ao cenário político, a gôta d’água acabou se transformando num mar de sangue. É verdade que as manifestações foram reprimidas duramente pela polícia. Mas rapidamente sua linha de frente e também seu espaço foram ocupados por movimentos de extrema-direita, nacionalistas xenófobos, antirrussos, anti-direitos humanos, anti-imigrantes, antissemitas, anti-etc., tradicionais na Ucrânia. São grupos de combate, armados, que fizeram frente a uma polícia que progressivamente foi se tornando caótica e desorganizada. Estes grupos são ligados, mas não necessariamente subordinados, ao Partido Svoboda, de extrema-direita, que tem representação no Parlamento. Na última semana os confrontos chegaram ao paroxismo.

Na frente de negociação assentaram-se à mesa três ministros de Relações da União Europeia (Alemanha, França e Polônia), Yanukovitch, três partidos de oposição e mais um representante da Rússia. Enquanto isto, na praça em frente, o conflito de agudizou, com armas de fogo de parte a parte, e franco-atiradores que provavelmente eram de ambos os lados, embora a polícia tivesse ainda maior poder de fogo. O resultado foi de centenas de feridos e muitas dezenas de mortos; as cifras destes últimos variavam entre cerca de 50 a mais de 70, com pelo menos 11 policiais. A certa altura o noticiário chegou a informar que 70 policiais tinham sido “sequestrados” pelos “manifestantes”.

Coloquei “manifestantes” agora, logo acima, entre aspas, porque houve um movimento constante por parte da mídia do Ocidente de idealizar o que ocorria na praça principal de Kiev, apresentando os acontecimentos como um confronto desproporcional entre a brutal repressão do governo e os “amantes da liberdade”.
 
Apesar desta cortina de fumaça, logo começaram a vazar as informações de que estes últimos eram na maioria e na verdadeira verdadeiras gangues neo-fascistas que não aceitavam nenhuma negociação nem nada , a não ser a queda de Yanukokovitch e o afastamento da arqui-inimiga Rússia.

Na mesa de negociação chegou-se a um acordo, envolvendo um recuo nas reformas constitucionais promovidas pelo presidente, eleições em dezembro deste ano e a formação de um governo provisório de coalizão. Mas na praça a força policial vinha recuando cada vez mais diante dos “manifestantes”, a tal ponto que estes ampliaram os espaço sob seu controle, chegando inclusive a tomar as entradas do palácio presidencial. Sentindo-se sem condições de segurança, Yanukovitch deixou a capital em direção ao nordeste do país.

Seguiu-se nesta altura um verdadeiro golpe de estado no novo estilo “legalizado” corrente em várias ocasiões neste século XXI (Honduras, Paraguai, Grécia, Itália...): o Parlamento declarou que Yanukovitch “abandonara o cargo” e destituiu-o da presidência, com vários ex-membros de seu partido bandeando-se para o lado da oposição, antecipando as eleições para maio e libertando Tymoschenko, que já declarou-se candidata.

Que acontecerá no futuro? É uma boa pergunta. Antes de conjeturar, um parêntese: e as Forças Armadas da Ucrânia? Trata-se mesmo de um parêntese. Depois da independência em relação à ex-União Soviética, as FFAA abriram mão do arsenal nuclear que estava acantonado em seu território, passando-o à nova Rússia emergente, e diminuiram seu contingente de quase 800 mil para pouco mais de 300 mil homens. Estão entre a cruz e a caldeirinha, realizando manobras tanto com a Rússia quanto com a OTAN, que já se declarou de braços abertos para receber este novo aliado quando ele quiser aderir. O namoro está no ar, e só não se concretizou por causa da vigilância do chá-de-pera Rússia. Até o momento, pelo menos, as FFAA ucranianas parecem estar olhando para o lado – pois nem mesmo a segurança do presidente foram capazes de garantir.

A este caldo complicado junta-se a ameaça do país rachar em dois (pelo menos): a Criméia já manifestou desejos de se separar do restante do país e pedir sua reintegração à Rússia. E no oeste também há manifestações de separatismo e aproximação com a UE, à revelia das outras regiões.

O que vai acontecer vai depender das mensagens que estarão neste momento sendo trocadas entre Moscou, Washington, Bruxelas, Berlim, Paris e em menor grau outras capitais europeias, como Londres e Varsóvia. Qual será o novo arranjo entre os partidos políticos ucranianos? É uma boa pergunta. Tymoschenko vai mesmo recuperar seu antigo espaço na oposição  que liderava, hoje ocupado por Vitali Klitschko, do Partido Democrático Aliança pela Reforma? O Svoboda vai aumentar seu poder de fogo? O que fará Yanukovitch? Os movimentos de trabalhadores, sobretudo no leste, ainda se mantinham a seu favor, embora no momento, com seu enfraquecimento,  isto não tenha significado muito no tabuleiro enxadrístico ucraniano. E o que farão os grupos neofascistas que mantém Kiev sob seu controle?

O que estes farão ainda não se sabe. Mas já se sabe o que estão fazendo. No domingo pela manhã (23), enquanto eu redigia estas notas, corria a notícia – em tom discreto, ao lado da retumbância triunfal dada ao discurso de Yulia Tymoschenko na praça da Independência – de que a Embaixada de Israel na Ucrânia emitira um comunicado pedindo que todos os judeus se abstivessem de sair às ruas de Kiev ou até mesmo deixassem a capital, se pudessem, diante dos ataques contra eles que vem se sucedendo e intensificando nas ruas, com espancamentos, perseguições e outras coisas deste tipo.

Como em velhos mas nada bons tempos, brinca-se com fogo por aqui.

(*) Publicado originalmente no Blog do Velho Mundo, na Rede Brasil Atual.

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