União
Europeia estimula governo a promover detenção indefinida de estrangeiros.
Medida fere leis gregas, mas segue tendência xenófoba dos tecnocratas
A
evolução de uma política imigratória e de controle das fronteiras na Grécia,
bem como sua dependência dos fundos da União Europeia (UE), promoveu nesse país
uma agenda que foi decidida por cima das leis nacionais, se ajustou aos
interesses do bloco europeu e não levou em conta o sofrimento humano.
Em
fevereiro as autoridades gregas anunciaram que os imigrantes ilegais seriam
detidos indefinidamente até sua repatriação. A medida, baseada em uma decisão
do Conselho Jurídico do Estado, será aplicada inclusive quando a repatriação
não for factível em alguns casos. Neste final de mês, um tribunal grego
considerou que a decisão é contrária à legislação nacional e europeia e pediu
sua revogação. As autoridades ainda não se pronunciaram a respeito.
Desde
agosto de 2012, quando a polícia implantou uma política de repressão contra os
imigrantes ilegais, conhecida como Operação Xenios Zeus, a detenção
administrativa foi aplicada em grande escala, frequentemente pelo período
máximo de 18 meses vigente na época. Agora, o Conselho Jurídico do Estado
considera que a extensão desse prazo não é uma “detenção”, mas uma medida
restritiva em benefício dos imigrantes que, se forem libertados, poderiam estar
expostos a situações de perigo.
A
detenção foi denunciada como ineficaz e desumana por diversas organizações não
governamentais, tanto internacionais como gregas. A organização Médicos Sem
Fronteiras (MSF) qualificou a medida de “sinal atroz do duro tratamento que o
país dá aos imigrantes”. Em um informe de abril sobre as condições de vida nos
campos de detenção gregos, a MSF afirma que a “detenção sistemática e
prolongada provoca consequências devastadoras sobre a saúde e a dignidade de
migrantes e solicitantes de asilo na Grécia”.
Apesar
das fortes críticas, as autoridades gregas não demonstram intenção de
flexibilizar suas duras medidas. Pelo contrário, a tendência para adotar
controles mais rígidos parece estar em linha com as diretrizes e os
reordenamentos financeiros da Comissão Europeia, o órgão executivo da União
Europeia.
Em
setembro de 2012, um mês depois de a Grécia colocar em marcha o plano Xenios
Zeus, foram modificadas as normas de aplicação do Fundo Europeu para o Retorno
e entre as mudanças adotadas está a possibilidade de financiar projetos de infraestrutura,
tais como renovação, restauração e construção de centros de detenção. Esse
Fundo é a estrutura europeia que financia a maioria dos projetos de controle da
imigração no continente.
Além
disso, em 2013 a
Comissão Europeia propôs aumentar em 20% a taxa de cofinanciamento da UE nos
projetos relacionados com os controles imigratórios cobertos tanto por esse
Fundo quanto pelo Fundo das Fronteiras Externas, que chegavam a 50% e 75%,
respectivamente. A modificação não se traduziria em um aumento do financiamento
da UE, mas permitiria aos Estados membros reduzir o cofinanciamento nacional
obrigatório. No caso da Grécia, o valor seria reduzido dos atuais 25% para 5%.
A proposta legislativa foi aprovada na primavera boreal de 2013.
A
dependência que a política grega tem do apoio da Comissão Europeia é
inquestionável, assegurou à IPS a pesquisadora Danai Angeli, do centro de
Estudos Eliamep e diretora do Midas, um projeto de pesquisa sobre a
rentabilidade das políticas de controle imigratório que terminará no final
deste ano.
“A
prática da detenção sistemática seria impossível sem o apoio dos fundos
europeus”, afirmou Angeli. “Sem esses recursos, o foco na Grécia se deslocaria,
possivelmente, para soluções alternativas que levariam muito mais em conta um
enfoque de rentabilidade e a detenção nunca teria adquirido a condição de
prioridade política”, acrescentou.
Apesar
do evidente custo em sofrimento humano, a política de detenções em grande
escala não é só a opção mais destacada na UE, mas pareceria coincidir com uma
agenda de militarização e privatização dos controles fronteiriços e dos
imigrantes ilegais, segundo Martin Lemberg, professor do Centro de Estudos
Avançados em Migração, da Universidade de Copenhague.
“Apesar
das declarações públicas que condenam a catástrofe humanitária nas fronteiras
externas da UE, o bloco nunca deixou de apoiar novos projetos e controles mais
rigorosos nas fronteiras do sudeste europeu”, apontou Lemberg à IPS. “Podemos
ver essa dupla moral como uma forma para que a UE se transforme continuamente
em um espaço político relevante em uma Europa onde os partidos contrários aos
imigrantes ocupam uma parte cada vez maior dos parlamentos nacionais e do
Parlamento Europeu”, acrescentou.
Em
dezembro de 2013, a
Comissão Europeia anunciou a implantação do Eurosul, um projeto que permitirá a
vigilância constante do Mar Mediterrâneo. Embora esse órgão o tenha apresentado
como “um instrumento novo para salvar as vidas dos imigrantes”, organizações e
legisladores europeus, entre eles a representante alemã do Partido Verde
Europeu, Ska Keller, o criticaram por estar “a serviço da batalha contra a
imigração ilegal”.
Também
em dezembro de 2013, a
UE propôs “fixar normas para a vigilância das fronteiras marítimas externas”, e
dez dias depois a cúpula anual do Conselho Europeu decidiu as prioridades para
melhorar a eficácia da política de defesa e a capacidade operacional do bloco.
“O
Eurosul é um excelente exemplo do que podemos chamar de captura reguladora, ou
seja, os processos de lobbye governança em múltiplos níveis, nos quais
atuam empresas de segurança privada e militares”, criticou Lemberg.
“Naturalmente, a própria Comissão Europeia, é capaz de transformar as políticas
de controles fronteiriços dos Estados-nação individuais sem ter de lidar
diretamente com seus parlamentos nacionais”, acrescentou.
Em
abril, o Ministério de Assuntos Marítimos grego apresentou uma licitação para
alugar os serviços de vigilância de suas fronteiras marítimas no Mar Egeu. O
projeto prevê compensação de 73,8 mil euros por 60 horas de vigilância no
período de dois meses, ou seja, média de 1,23 mil euros por hora, com 75% do
custo coberto pelos fundos europeus e os 25% restantes pelo Estado grego.
Também
estabelece a privatização dos serviços de segurança em três dos maiores centros
de detenção do país, o que atraiu os principais atores do setor privado, como a
G4S, a maior empresa de segurança privada do mundo, criticada pelo tratamento
que dá aos detidos em seus três centros de asilo na Grã-Bretanha. A maior parte
dos custos, calculado em cerca de 14 milhões de euros por ano, também será
coberta pelos fundos europeus.
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