Bocas
do Inferno
Mário
Motta, Lisboa
A
Guiné Equatorial, na prática, já é elemento integrado na CPLP,
independentemente de não cumprir os requisitos que lhe permitam aderir à
comunidade. Oficialmente só após 23 de Julho será assim considerado na reunião
da CPLP em Díli, Timor-Leste. A Guiné Equatorial está sob uma ditadura de quase
40 anos que recentemente teve eleições de fachada para poder alegar que
enveredou pelo caminho dos países democráticos e assim ser admitida na CPLP.
Seria escusado aqui recordar que o “vencedor” das eleições foi o ditador
Teodoro Obiang, cujo perfil publicamos mais em baixo com a ajuda da Wikipédia.
É
mais que evidente que a Guiné Equatorial está abusivamente sequestrada pela
família Obiang e seus colaboradores, não é uma democracia nem próximo disso.
Antes pelo contrário. Não existem duas dezenas de pessoas na Guiné Equatorial, ali
nadas e criadas, que falem português. Nem a história da Guiné Equatorial está
assim tão ligada à lusofonia (condições exigidas para integrar a CPLP). A Guiné
Equatorial é o corpo mais estranho à CPLP que se possa imaginar. A sua
integração na comunidade lusófona deve-se à gula dos que atualmente dirigem os
países da lusofonia e aos promissores negócios e exploração a praticar naquele
país que é dos sequestradores Obiang com Teodore, alegado PR eleito, na
primeiríssima fila.
É
certo que os países da lusofonia estão cada vez mais em débito nos comportamentos
democráticos. Em Portugal existe uma semelhança de ditadura por via de
imposição de uma atual pseudo-maioria apoiada por um PR nas mesmas
circunstâncias. Foram eleitos por uma menor percentagem de eleitores (2 em 9
milhões) mas com a constatação de serem autênticos mentirosos que prometem e
não cumprem, com o desgaste e práticas governativas, perderam a maior parte
desse número de apoiantes – o que em democracia a sério obrigaria a eleições
antecipadas por falta de apoio eleitoral e popular.
A
Guiné-Bissau também pertence à CPLP… Todos sabemos o tipo de democracia ali
vigente. Os crimes associados aos golpes de estado frequentes falam por si. A
impunidade dos criminosos, geralmente militares, é por demais evidente. Parece
que agora vai haver uma acalmia. Eleições, novo presidente da República, novo
governo. Até quando?
Cabo
Verde é uma das poucas democracias em África que é aceitável. Demasiado
alinhada com o mundo ocidental mas mesmo assim… Decerto a nação mais
democrática de África. Apesar de isso não implicar que também ali sejam
cometidos muitos atropelos à democracia.
Angola.
Basta que se diga que o regime dura quase desde a descolonização, em 1975, e
que o atual PR está no poder há quase tanto tempo quanto Teodoro Obiang (cerca
de 40 anos). As eleições em Angola são apontadas internacionalmente como
duvidosas em diversos aspetos e a governação soma quotidianamente casos
escabrosos em que as vítimas (algumas assassinadas) são os contestários ao
regime. Uma nação rica com níveis de pobreza arrepiantes. Onde sobram a fome e
carências inadmissíveis de cuidados de saúde. Os atropelos aos Direitos Humanos
faz de Angola um alvo justo contra os detentores dos poderes e com isso a
repressão mais ou menos a descoberto aumenta. Infelizmente as oposições
angolanas contribuem para que o partido no poder, o MPLA, se cristalize - tal é
a enorme barafunda que habita dentro e entre eles, cortando cerce a
possibilidade de se tornarem credíveis e efetivamente democráticos para com a
população angolana. Por sistema, em eleições mais ou menos manipuladas, a
população acaba por votar no MPLA com maior incidência por temor do
desconhecido.
Moçambique,
outro país da CPLP, está em
guerra. Eleições duvidosas, manutenção do regime da Frelimo
desde a independência, tal como Angola. Segundo observadores, em Moçambique, a
Frelimo está em modo de sobrevivência a todo o custo – se necessário recorrendo
ao método comum em ditaduras – a aniquilação dos opositores. Isso mesmo tentou
fazer com o dirigente da Renamo, Afonso Dhlakama, ainda há pouco tempo.
Opositor que insiste em enfrentar o regime da Frelimo e tem sobrevivido aos que
lhe querem tirar a vida. Moçambique, país democrático? Tenhamos muitas dúvidas.
A questão que se põe tem que ver com o facto de também a Renamo padecer de défice
democrático e os restantes partidos minoritários alternativos não merecerem da
parte dos eleitores a representatividade em votos que lhes permita exercer uma
oposição eficaz.
Dos
PALOP, Países Africanos de Língua Portuguesa (onde é que cabe aqui a Guiné
Equatorial se a população não sabe e não fala português?) ainda resta referir
São Tomé e Príncipe. Um pequeno país que até tem tido um regime de alternância
partidária a governar, independentemente das peripécias e tendências
ditatoriais que manifestam. Democracia em débito também ali. São Tomé e Príncipe,
um pequeno país, carenciado, em que os que se anunciam para ajudar têm como
fito conseguir contrapartidas e explorar. Conclui-se assim que nos PALOP a
democracia é muito deficitária e a que se julga ver é de fachada ou só pontual.
Até Portugal está a enveredar por essa via.
No
Brasil o partido no poder, o PT, de Lula, com Dilma Rousseff em PR, pugna por
implementar de facto melhorias e práticas democráticas que na realidade estão a
abranger a maioria da população tão injustiçada pelas ditaduras que prevaleceram
naquele país por décadas. Mesmo assim o Brasil padece de muito débito
democrático. Mais flagrante é o crime – porque de verdadeiro crime se trata –
dos maus-tratos e extinção programada das tribos índias, os verdadeiros
brasileiros, assim como dos descendentes dos escravos para ali levados por
negreiros portugueses ou de outras nacionalidades. Os negros, esses, sofrem as
regras de um verdadeiro aparteide que tantas vezes é silenciado. Democracia no
Brasil? Às vezes.
Timor-Leste.
O longínquo Timor-Leste que no próximo 23 de Julho assume a presidência da
CPLP. País lusófono mais recente na CPLP, por via da ocupação indonésia que em
1975 e durante 24 anos ceifou mais de 200 mil timorenses. Também aqui se
verificaram assomos de tendências ditatoriais. Depois de um golpe de estado
Xanana Gusmão impôs-se a tudo e a todos através do poder das armas e da
persuasão como ex-guerrilheiro e resistente de longa história em prisão
indonésia. A contestação a Xanana Gusmão e ao seu regime representa, em termos
eleitorais e reais, uma minoria. Além disso Xanana está a demonstrar não estar
agarrado ao poder e anunciou que em Setembro vai demitir-se e abandonar a
política (?), gerando novas eleições, presume-se. Em pouco mais de 10 anos foi
nascendo em Timor-Leste uma elite dominante que enriqueceu num ápice sem que se
encontre uma explicação plausível dentro dos parâmetros da honestidade e da
transparência. O mais evidente é que foi através da corrupção e do roubo
descarado mas impune. Timor-Leste é um país muito recente mas nem por isso tal
facto serve de atenuante. Democracia? Como o pisca-pisca: umas vezes sim,
outras não.
Grosso
modo, para evitar mais delongas, estes são os países associados na Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa. Em que a Guiné Equatorial passará a ser membro
de pleno direito a partir do próximo dia 23. Está-se mesmo a ver que até pelo
importante facto de não se coadunar com a definição Língua Portuguesa só resta
à “propriedade” de Obiang ter por destino ser a presença de um corpo estranho
na Comunidade dos Países que têm povos que comunicam em português. Até
Timor-Leste, cujo povo se viu proibido de se expressar em
português pelos ocupantes indonésios, durante 24 anos, supera totalmente a
Guiné Equatorial no aspeto linguístico e domínio da língua portuguesa. Para
isso tem levado a cabo programas escolares nesse sentido. Não é o caso da Guiné
Equatorial.
Perante
o estado das nações que integram a CPLP, com maiores ou menores défices democráticos,
onde prevalece a corrupção e até assassinatos políticos e violações dos
Direitos Humanos, compreende-se que nenhuma se oponha à admissão da Guiné
Equatorial na comunidade lusófona. Não se opõem e até apoiam e dizem maravilhas,
manifestando grandes esperanças e credibilidade no regime Obiang. Como é o caso
de Timor-Leste, em que governo e oposição se mostram enlevados na admissão para
a CPLP da Guiné Equatorial. Disso nos dão conta declarações das principais figuras
da elite timorense, como é o caso de Xanana Gusmão e de Mari Alkatiri
(Fretilin), entre outros – o que não deixa de constituir uma surpresa para os
menos avisados.
CPLP,
pois. Ou questiona o roto ao nu “porque não te vestes tu?” – à laia dos que são
farinha do mesmo saco. Grandes esperanças que o ditador sanguinário deixe de
ser sanguinário e passe a ser só ditador, ou até que se converta e renda-se à
democracia?
Leia
mais em Página Global