LEONOR SÁ MACHADO – Hoje
Macau
“LIBERDADE ACADÉMICA NÃO ESTÁ PROTEGIDA EM TERMOS INSTITUCIONAIS”
Na
primeira entrevista depois da não-renovação do contrato, Bill Chou assegura que
tem planos para o futuro e vai continuar pelos meandros do activismo em Macau
Sobre
todo o caso da Universidade de Macau (UM): foi apenas na semana passada que
soube que o seu contrato não iria ser renovado. Era este o desfecho que
esperava?
Sim, eu já estava à espera que a universidade não me renovasse o contrato
porque já várias pessoas me disseram que o meu caso não é o primeiro em que os
contratos não são renovados por causa de conflitos com a universidade.
Quantos
são os casos?
Vários, não me recordo bem, mas talvez quatro ou cinco. Todos da universidade
de Macau, mas alguns respeitantes ao sector de gestão e outros do sector de
professores da instituição.
Na
passada segunda-feira, disse que o despedimento se ficou a dever a questões
políticas. Como pode ter essa certeza?
Porque está escrito em documentos que me foram dados no início de todo este
processo. Neles está escrito que violei regulamentos da universidade, devido ao
meu envolvimento em questões de activismo social e político. Neste momento, não
posso tornar estes documentos públicos porque são confidenciais e, para todos
os efeitos, ainda sou funcionário da universidade.
Na
sua opinião, quais são as razões para a universidade ter optado por não renovar
o seu contrato? Terça-feira, a direcção [da UM] disse, em comunicado, que
durante o processo disciplinar, o senhor quebrou premissas estipuladas no
código de ética profissional…
Sim, foi isso que a universidade disse, mas eu não fui informado sobre o facto
de ter violado o código. De acordo com o documento que me foi entregue, nenhuma
das premissas fazia sequer menção de possível despedimento como punição em caso
de violação das regras.
Esse
documento que lhe foi entregue fazia referência às regras a seguir durante o
período de processo disciplinar?
Sim, mas nunca sobre a existência de punições ou castigos. Eles nunca me
informaram que eu havia quebrado as regras. Disseram-me que fui castigado por
causa disso, mas nunca me disseram, durante todo o processo, que eu havia agido
contra as regras. Não me deram oportunidade de me defender.
Desconhece
então as razões que levaram a UM a decidir que violou as regras?
Disseram-me que violei determinados regulamentos da universidade, mas nunca o
código de ética profissional.
Que
regulamentos?
Foi-me dito que desrespeitei as pessoas que têm ligações com a universidade,
fui injusto para com que essas mesmas pessoas, desobediente com os meus
superiores dentro da instituição…
Mas
se essa é a justificação oficial da universidade, então aparentemente nada tem
que ver com questões políticas…
As acusações foram colocadas desta forma, mas eu sei que está relacionado com
questões políticas por causa dos documentos confidenciais que tenho. Há, no
entanto, informações que não são confidenciais e das quais posso falar. O
departamento que avalia o ensino dos professores disse, muito claramente, que
alguns estudantes se queixaram de eu não ser, em termos políticos,
suficientemente imparcial. Isto significa que o departamento utilizou critérios
políticos para avaliar a minha performance enquanto professor.
Ao
tornar-se membro activo da Associação Novo Macau (ANM), sabia à partida que
poderia ficar prejudicado na universidade? Porque optou por se tornar membro na
mesma?
Na verdade, não tenho a certeza sobre a relação entre a minha afiliação à ANM e
o processo disciplinar, porque a associação também tem outros membros que são
funcionários da universidade. São é diferentes de mim, no sentido em que eu sou
mais activo e eles são mais ‘low profile’.
Considera
que Macau precisa de mais pessoas no campo do activismo político e social?
Sem dúvida. Isso pode ajudar a promover o progresso social, permitindo que mais
pessoas tomem consciência dos problemas sociais e escrutinem mais as decisões
do Governo. É bastante produtivo para o desenvolvimento social e melhoria da governação.
Acha
que o nível de liberdade de expressão e de democracia está a diminuir em Macau?
Acho que está a ficar cada vez pior, porque a liberdade académica não está
protegida em termos institucionais. Por exemplo, não estamos protegidos por
nenhum sistema, que é uma das práticas em que vários países mais estão a
investir. Isto é, em termos de promoção de professores associados até um nível
em que o seu emprego se torne permanente. Em Macau, não há nenhum sistema deste
género.
Considera
que deveria haver este sistema?
Claro. A sua aplicação iria certificar a liberdade académica, que agora não
está garantida, de todo.
Considera
então que o sistema académico também está pior do que antes?
Não tanto o sistema em si… Acho é que a influência política tornou-se mais
evidente do que anteriormente.
Sobre
o documento de suspensão. A universidade continua a manter a justificação
confidencial?
Justificaram a suspensão com o aparente facto de eu impor as minhas crenças
políticas aos estudantes, de os descriminar e porque não consegui mostrar
diferentes pontos de vista durante as aulas.
Sou
Chio Fai disse ontem que a liberdade académica está assegurada em Macau. Concorda?
Antes de ser criado um sistema de protecção de funcionários e professores, não
acredito que haja liberdade académica. Tal como eu, também outros professores
podem ser simplesmente despedidos.
Na
sua opinião, vão haver mais casos como o seu?
Sim, porque hoje em dia há cada vez mais meios de comunicação social em Macau e
estes meios têm expectativas elevadas no que diz respeito à opinião pública,
incluindo de pessoas que critiquem o Governo, que são muitas vezes académicos.
É natural que, no futuro, outros académicos “pisem a linha vermelha” e
enfrentem situações como a minha.
O
jornal norte-americano New York Times publicou uma notícia sobre o seu caso com
a UM com informações enviadas por si. Qual é a sua opinião relativamente ao facto
da situação estar já exposta a um nível tão global?
Estou triste. Macau merecia melhor, mas infelizmente não é possível, devido à
mentalidade das pessoas influentes e do sistema político vigente… Não podemos
ter uma vida melhor em
Macau. Espero que a pressão das comunidades internacionais
possam forçar o Governo a repensar vários tipos de políticas. É melhor ter a
atenção de um meio de comunicação internacional do que de nenhum.
Relativamente
à campanha de Chui Sai On para Chefe do Executivo. Qual é a sua opinião sobre o
programa e a campanha do candidato?
A campanha está mal organizada e mal liderada. Na verdade, acho que Chui nunca
tentou relacionar-se com os cidadãos, porque está mais interessado em chamar a
atenção dos membros do colégio eleitoral. É compreensível, uma vez que são as
pessoas que o vão eleger. Acho que, de forma a assegurar isso, o Governo e o
Chefe do Executivo têm que se aproximar mais da população. O sistema eleitoral
tem que ser reformulado de forma a melhor integrar a população, permitindo que
os cidadãos participem activamente.
Concorda
com o sufrágio universal?
Sim, acredito que essa é uma das soluções.
Recentemente,
Chui Sai On prometeu pensar sobre o desenvolvimento da democracia. Como vê
estas declarações?
Não estou certo de qual a definição de Chui Sai On de ‘democracia’.
Provavelmente, passa por simplesmente criar mais consultas públicas, por
exemplo. Não acho que sejam uma má ideia – é útil, até – mas acho que não é uma
medida muito eficaz para ter a certeza que o Governo ouve a opinião das
pessoas. Acho que não é suficiente. O sufrágio universal é crucial e acho que o
Chefe do Executivo deve pensar bem nisto.
Sobre
o “referendo civil”. Qual a sua opinião sobre a última decisão do tribunal, de
recusar o recurso da Sociedade Aberta de Macau?
Fiquei bastante desapontado, porque parece-me que o tribunal não quer
confrontar o Governo nesta matéria, sobre a possibilidade dos organizadores
utilizarem espaços públicos para a realização da iniciativa. Em 2012, uma
actividade semelhante denominada “votação” e à qual o Governo não colocou
objecções. Parece-me que o Executivo está a tomar uma posição inconsistente,
tendo em conta o que já aconteceu. O tribunal está relutante em confrontar esta
inconsistência.
Considera
que o Governo tomou esta posição porque receia as consequências de uma
iniciativa como esta?
Sim, na questão da desobediência civil. O “referendo civil” nada tem que ver
com desobediência civil, mas provavelmente o Governo tem receio disso porque
não quer ficar constrangido com o resultado das votações. Já percebemos que o
Chefe do Executivo não é uma personagem popular entre os votantes e é por isso
mesmo que se quer que as pessoas se mantenham afastadas deste tipo de
actividades. Essa é a razão pela qual acho que o Governo está a tentar restringir
a realização das iniciativas relacionadas com o “referendo civil”.
Que
assuntos considera serem os mais importantes para Chui Sai On se concentrar
durante a campanha?
A habitação é o problema mais importante e o candidato devia concentrar-se em
equilibrar o preço das casas e providenciar mais habitações públicas, de forma
efectiva. Ao mesmo tempo e considerando que vários problemas sociais do
território têm origem no sistema político vigente, acho que devia ser
introduzida uma reforma política.
Como
seria feita essa reforma?
Introduzindo o sistema de sufrágio universal para as eleições do Chefe do
Executivo e aumentando o número de deputados eleitos na Assembleia Legislativa,
por exemplo.
Em
geral, acha que os cidadãos locais se preocupam com questões políticas?
Acho que a grande maioria não está satisfeita com o sistema política actual,
mas não têm determinação ou perspectivas políticas para se organizarem
colectivamente e reclamarem que querem um Governo mais democrático.
Em
relação ao futuro. Que planos tem?
Tenho vários projectos em mão, mas tenho que proteger as pessoas que me
ajudaram, por isso não posso revelá-los para já.
São
relacionados com activismo ou ensino?
Respondo assim: nunca tive nem nunca terei lucro com iniciativas activistas.
Informação - Associação
Novo Macau questiona UM sobre demissão de Bill Chou
Relativamente ao recente despedimento do professor Bill Chou da Universidade de
Macau (UM), a Associação Novo Macau (ANM) comentou que a instituição de ensino
superior carece de razões para a não renovação do contrato.
“A universidade está a instaurar uma punição sem justificações suficientes. A
ANM considera que a acção é uma violação grosseira ao ensino superior e à
dignidade académica e por isso mesmo expressamos a nossa indignação”, frisou a
associação, em comunicado.
O colectivo de activistas disse ainda que a UM não mencionou de que forma Bill
Chou violou as regras da universidade, acrescentando que todo o processo foi um
negócio feito debaixo da mesa, sendo mesmo “uma decisão política”. No mesmo
documento, a ANM salienta que Chui Sai On é responsável por clarificar os
trâmites de todo o caso, uma vez que é Chefe do Executivo. “O Governo devia
pressionar a UM para que esta explicasse o caso. Não pode justificar para
sempre o ‘respeito pela gestão administrativa da UM’ para fugir as
responsabilidades”, frisou a associação em comunicado.