Numa
altura em que se reportam aumentos progressivos de casos de malária e diarreias
agudas em Nampula, crianças com idades compreendidas entre cinco e 10 anos,
incluindo alguns adultos, aproveitam-se das altas temperaturas que se fazem
sentir naquela cidade do norte de Moçambique para passarem os seus tempos
livres nos esgotos e valas de drenagem. Os petizes dedicam parte considerável
do seu tempo ao banho e, obviamente, ao consumo de águas estagnadas, enquanto
as mães tratam da higiene de toda a família, recorrendo a várias fontes
alternativas.
Centenas
de pessoas, com destaque para as crianças, a maior parte das quais oriunda de
famílias de baixa renda, estão em risco de contrair várias doenças, em Nampula,
devido à sua persistente acção de mergulho nas valas de drenagem e esgotos,
algo que se prende com o crónico problema de falta de água potável no terceiro
maior centro urbano de Moçambique.
Ainda
não são notáveis as consequências directas daquele tipo de prática, mas alguns
profissionais da Saúde ouvidos pelo @Verdade não descartam a possibilidade da
eclosão e ou propagação de fenómenos tristes, com enfoque para a cólera e
doenças da pele nas comunidades, em virtude da aparente apatia das entidades
governamentais. Nos bairros de Muahivire, Muhala, Namutequeliua e Muatala,
zonas consideradas vulneráveis a doenças epidémicas, derivadas das precárias
condições ambientais, a população diz não ter acesso a água potável, facto que
a leva a procurar fontes alternativas.
Algumas
mulheres das Unidades Comunais de Muaweryaka e Muakothaia, no populoso bairro
de Muahivire, têm nos esgotos e valas de drenagem a sua principal fonte de
busca de água para o banho e lavagem de roupa e, em alguns casos, para a
confecção de alimentos. Em conversa que mantiveram com o @Verdade, as visadas
confirmaram o aumento de casos de doenças diarreicas e de outras enfermidades
de origem duvidosa naquelas zonas residenciais, derivadas, supostamente, do uso
de águas negras, misturadas com excrementos humanos.
As
mulheres em discurso directo
Ângela
Francisco, de 26 anos de idade, vive com o seu marido e quatro filhos menores em Muaweryaka. Ela
percorre todos os dias pelo menos três quilómetros para obter 20 litros de água potável
nos bairros circunvizinhos, ao preço que varia entre dois e três meticais,
enquanto a sua filha mais velha trata de encher os bidões com água retirada dos
esgotos para outras necessidades.
“Muitas
vezes, sou obrigada a recorrer a esta água, principalmente, quando não disponho
de dinheiro. Estou ciente das consequências, mas não tenho outra saída. O custo
da água captada dos poucos poços existentes também no bairro é bastante
oneroso”, afirma a nossa entrevistada, visivelmente constrangida. Juliana
Manuel, mãe de dois filhos, acorda de manhã para cuidar da sua higiene e da sua
família.
Devido
à sua condição social, ela diz não ter alternativa senão servir-se daquele tipo
de água, devido às suas limitações financeiras. “Sou desempregada e não tenho
marido. Não disponho de posses para comprar água todos os dias”, refere. Muaweryaka
e muakothaia são termos pejorativos que, traduzidos em língua macua (a mais
falada nas províncias de Cabo Delgado, Nampula, Niassa e Zambézia), significam
“se (você) consegue” e “terra de montanhas”, numa clara alusão ao sofrimento a
que estão sujeitos os moradores daquelas duas comunidades, na sequência da
falta de serviços básicos, com destaque para a água potável.
Sem
solução à vista
Entretanto,
apesar das queixas apresentadas pelas populações, as autoridades
governamentais, sobretudo as que lidam com questões de água na urbe, ainda não
estão sensibilizadas sobre as consequências que poderão advir do uso das valas
de drenagem. Além das sistemáticas restrições no fornecimento daquele precioso
líquido, o sistema não satisfaz as reais necessidades das cerca de 700 mil
pessoas que residem na cidade de Nampula, havendo quem ainda dependa de fontes
alternativas, como são os casos dos moradores dos bairros Namicopo, Mutauanha,
Cossore, Muahivire e Rex. O projecto de reabilitação e expansão da barragem e
que tinha em vista a duplicação do sistema de captação e distribuição de água
dos anteriores 20 mil para 40 mil metros cúbicos/diários ainda não regista
qualquer impacto social no seio de muitas famílias daquela cidade nortenha.
Cenário
idêntico também em Nacala
À
semelhança da capital provincial de Nampula, a cidade de Nacala-Porto figura na
lista dos principais centros urbanos mais carenciados no que tange ao
abastecimento de água potável. Estima- -se que cerca de metade dos 300 mil
habitantes daquela urbe portuária estejam a consumir água imprópria. Dentre os
bairros mais carenciados, o destaque vai para os de Triângulo, Muanona,
Murrupelane e Maiaia. Nestes locais, a água chega a ser vendida ao preço que
varia entre cinco e 10 meticais por cada bidão de 20 litros, apesar dos
esforços que estão a ser empreendidos pela edilidade e pelo Fundo de
Investimento e Património do Abastecimento de Água (FIPAG) visando inverter
esta situação.
Em
várias famílias, as crianças têm sido as mais prejudicadas pela situação de
falta água, uma vez que estas são obrigadas a permanecer longos dias sem
tomarem banho e, em alguns casos, ninguém trata dos seus cuidados primários de
saúde. Muaija João e Luísa Momade, residentes nos bairros de Matapue e
Naherengue, arredores daquela cidade, contaram ao @Verdade os episódios tristes
por que passam no seu dia-a-dia na companhia das respectivas famílias. Além de
terem sido privadas do consumo de água potável há já bastante tempo, Muaija e
Luísa recorrem ao mar para a lavagem de utensílios domésticos, uma situação que
consideram vergonhosa num país cujos discursos políticos se centram na melhoria
dos serviços básicos das comunidades.
Os
nossos interlocutores consideram que os seus direitos e as dos seus filhos
estão a ser relegados para último plano. O novo governo municipal de
Nacala-porto, saído das eleições autárquicas de 2013, diz ter esboçado um
projecto para a construção de 15 fontenários móveis nas zonas mais críticas,
bem como a reabilitação de outras 26 que se encontram inoperacionais, mas a
população considera- o “uma gota de água no oceano” a avaliar pelo progressivo
aumento demográfico naquela autarquia.
A
barragem de Nacala, que dista cerca de 35 quilómetros da
cidade, encontra-se praticamente seca, apesar de ter beneficiado de obras de
reabilitação, no quadro do projecto da Millennium Challenge Account (MCA),
financiado pelo Governo americano. Este facto leva muitas pessoas das cidades
de Nampula e Nacala ao consumo de águas de proveniência duvidosa e com todos os
riscos daí resultantes.
Enquanto
não se tomam quaisquer medidas urgentes no sentido de corrigir a situação,
várias famílias continuam vulneráveis a várias enfermidades evitáveis e que
hoje constituem as principais causas de demanda dos cuidados de saúde e de internamento
nas diferentes unidades sanitárias daquele ponto do país. Um responsável ligado
à Saúde que não quis ser identificado confirmou ao @Verdade a reactivação de
algumas unidades de tratamento de diarreias e cólera, motivo para afirmar que a
saúde pública está sob forte ameaça, naquela província do norte de Moçambique.
UNICEF
e a OMS destacam a necessidade de lavagem das mãos
Não
obstante os sistemáticos apelos lançados pelos diferentes organismos
internacionais, com destaque para o Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), para a necessidade de se
apostar na preservação ambiental e nos cuidados primários de saúde, em
Moçambique a realidade tem-se mostrado diferente, sobretudo em relação à
criança.
No
quadro das celebrações do Dia Mundial de Lavagem das Mãos, assinalado no
passado dia 15 de Outubro sob o lema “Escolha a Saúde, Escolha lavar as Mãos”,
reiterou-se a exortação visando a lavagem das mãos, mas em Moçambique ainda se
está aquém do desejável, a avaliar pela ocorrência de doenças relacionadas com
a falta de higiene das mãos e do saneamento do meio, tais como a diarreia, a
cólera e a conjuntivite.
As
diarreias são a terceira causa de morte de crianças, no país, segundo o
Inquérito Nacional sobre Causas de Mortalidade em Moçambique (INCAM,
2007-2008), dados reconfirmados pelo Inquérito Demográfico de Saúde, (IDS,
2012:145), que aponta que 11.1 porcento de crianças passou por uma situação de
diarreia nas últimas duas semanas que antecederam o inquérito, que constitui a
quarta causa de mortalidade em todas as faixas etárias em Moçambique.
A
UNICEF e a OMS sustentam que a lavagem das mãos é muito importante na luta
contra as doenças ligadas à falta de higiene e a um deficiente saneamento do
meio. A celebração, no dia 15 de Outubro, em todo o Mundo, e pela sétima vez,
do Dia Mundial de Lavagem das Mãos, aconteceu com a lembrança de que esta
prática simples pode salvar vidas. Para o Governo moçambicano, a lavagem das
mãos faz parte de um conjunto de medidas que são necessárias para se deter a
propagação destas doenças, como um meio de defesa adicional, que é barata e
facilmente disponível.
Em
Moçambique ainda não se registam casos de ébola, mas o facto de a actual
epidemia constituir “um evento extraordinário e um risco para a saúde pública
de outros Estados” (Declaração da OMS do 8 de Agosto de 2014), incluindo a
República de Moçambique, impõe-se que medidas urgentes de prevenção e
mobilização social sejam tomadas pelo Governo e parceiros. Lavar as mãos com
água e sabão ou cinza é uma dessas medidas.
Além
de ébola, as estatísticas mundiais divulgadas recentemente pelo UNICEF e pela
OMS indicam que a nível global, em 2013, mais de 340 mil crianças menores de
cinco anos - quase mil por dia - morreram de doenças diarreicas devido à falta
de água potável, saneamento e higiene básica. A Parceria Global Público-Privada
para a Lavagem das Mãos com Sabão lançou o Dia Mundial de Lavagem das Mãos, em
2008, o qual é acolhido por governos, instituições internacionais, organizações
da sociedade civil, ONG’s, empresas privadas e pessoas singulares em todo o
mundo.