Pedro
Tadeu – Diário de Notícias, opinião
A
notícia é avançada, com decoro e elegância, por uma revista cor-de-rosa, a
furar o bloqueio da generalidade da classe jornalística, conhecedora há semanas
do assunto: a mulher do primeiro--ministro sofre de cancro. O próprio Passos
Coelho, em comunicado, pede à comunicação social respeito pela privacidade da
família e, elegantemente, imprensa, rádio e televisão não desenvolvem o caso.
Quatro
meses depois leio, espantado, em duas páginas doCorreio da Manhã, um resumo das
declarações prestadas por Laura Ferreira à autora de uma biografia autorizada
do primeiro-ministro.
A
mulher de Passos Coelho explica como encara a hipótese da morte, dá detalhes
sobre alguns tratamentos, fala da própria forma como a doença alterou a
expressão da afetividade entre ela e o marido.
O
cancro da mulher de um primeiro-ministro é notícia? Recordo que a primeira
informação publicada no primeiro número desteDiário de Notícias, em 1864, há
150 anos, foi esta: "Suas Magestades e Altezas passam sem novidade em suas
importantes saudes." A curiosidade sobre o estado de saúde dos poderosos
está, portanto, na génese do jornalismo moderno.
Regras
deontológicas entretanto desenvolvidas, na forma como os jornalistas
portugueses normalmente as interpretam, atiram estes assuntos para o lixo da não
notícia.
Contraditoriamente,
essa reserva é constantemente violada quando esse tipo de informações tem como
alvo anónimos, músicos pop, atores, vedetas de televisão, famosos de revistas
do coração.
A
privacidade na doença, na realidade, só é respeitada pela comunicação social
quando envolve políticos com poder efetivo, empresários e gestores de grande
dimensão, intelectuais de topo. Esta privacidade só é válida para quem domina.
No
caso de Passos e da mulher, mesmo à luz do critério jornalístico mais pundonoroso,
o cancro teria de ser notícia se, por exemplo, houvesse abuso da família do
primeiro-ministro na utilização do Serviço Nacional de Saúde (ou mesmo de
serviços privados) com prejuízo de outros doentes. Como nada há sob esse
ângulo, é defensável e, porventura, louvável o silêncio a que os jornais se
remeteram.
Mas
eis que num livro de propaganda política, de elogio à personalidade de Pedro
Passos Coelho, a privacidade solicitada deixa de o ser e o cancro de Laura
Ferreira é servido ao sentimentalismo das massas.
E
o jornalismo, tolhido pela moralidade manipulada, fica a titubear, corneado, a
pergunta: "o cancro da mulher de Passos não pode ser notícia mas, afinal,
pode ser propaganda?!". Pelos vistos, sim.
PS:
Vou ter imensas saudades de Oscar Mascarenhas. Deitei uma lágrima. Um beijo
Natal Vaz. Um abraço João Vaz.
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