Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Custou,
mas nasceu! O novo Governo só foi possível porque o regime democrático
constitucional português deu suficientes sinais de amadurecimento, o povo
manteve a serenidade e a atenção necessárias e porque houve atores políticos
com valores e coragem.
O
presidente da República (PR) devia ter agido com forte preocupação de
contribuir para a estabilidade do país e para ajudar a uma solução governativa
nova, desde que ela surgiu com apoio parlamentar maioritário, como determina a
Constituição da República. Infelizmente não o fez. Cavaco Silva e a Direita a
que pertence agiram em sintonia. Sem pudor, tudo fizeram para transformar o
resultado das eleições legislativas em perigosa crise política e impedir a
formação do novo Governo. O atual Executivo não é, pois, filho de uma crise
política, mas sim da capacidade do regime e do povo para resistirem à
"institucionalização" dessa mesma crise.
A
Direita mais retrógrada e o seu presidente continuarão a conjurar todos os
perigos e diabos à solta, nos planos interno e externo; agora, para despertar e
organizar contrapoderes. Os "esclarecimentos" pedidos a António Costa
e aos partidos da Esquerda tinham por objetivo complicar o processo e, acima de
tudo, identificar campos e conteúdos potenciais da ação de poderes, "forças
de bloqueio", que possam perturbar o Governo, ou mesmo destruí-lo. Qual a
racionalidade do "pedido de esclarecimento" do PR relativo ao setor
financeiro? Será que perante novos buracos que entretanto venham a público, se
colocará ao lado de interesses egoístas de banqueiros sem escrúpulos?
Cavaco
Silva, que nunca se preocupou com a falta de rigor e ética do Governo PSD/CDS,
e que propagandeia falsos êxitos das políticas austeritárias, ficará à espreita
de qualquer dificuldade ou escorregadela do novo Governo para o perturbar e
atacar.
A
Assembleia da República (AR) é agora o centro fundamental da vida política, o
local obrigatório de discussões, conflitos e negociações influenciadoras da
governação. É uma realidade nova que exige tempo de aprendizagem. A Direita,
como vem demonstrando, vai tentar provocar chicana política, furtando-se ao
confronto democrático. Que aproveitamento estará Cavaco Silva disposto a fazer
disso?
Na
tomada de posse do Governo, o PR desconsiderou o papel da AR, ao mesmo tempo
que relevou, mais uma vez, o papel da Concertação Social (CPCS). Porquê? Ele
sabe muito bem que o CPCS não é um segundo Parlamento e muito menos um
Parlamento autónomo. O CPCS é, no regime em que vivemos, uma relevante
instituição "cuja principal atribuição é a promoção do diálogo e da
concertação social". Os seus acordos são importantes em função da
representação que os suporta e até pela simbologia que adquirem, mas não são
leis. E jamais se podem sobrepor às decisões da AR. Os compromissos que é preciso
trabalhar continuamente no mundo do trabalho, para que haja desenvolvimento
económico e social passam pelo CPCS, mas incluem também a negociação coletiva -
essa, sim, com força de lei à luz da Constituição da República e das normas
internacionais -, o diálogo e negociação permanentes, nomeadamente nas empresas
e setores de atividades. É necessário encetar um ciclo de novas práticas.
Cavaco
Silva, ratão da política, sabe que a relação de forças no CPCS é mais favorável
aos objetivos da Direita e de grandes interesses económicos e financeiros, e
logo vê ali um possível contrapoder. Não está de forma alguma assegurado, mas o
tiro pode sair-lhe pela culatra: hoje, a esmagadora maioria dos empresários
portugueses pouco ou nada têm a ver com os objetivos prosseguidos pelos
herdeiros de um capitalismo comprometido com o fascismo que agora agita os
espantalhos dos excessos do PREC; há muito partir de pedra entre os
"parceiros sociais" ao longo dos últimos anos que pode gerar
aproximações e até compromissos novos; o Governo é o primeiro municiador e
condutor (para o mal e para o bem) da Concertação Social e pode, se nisso se
empenhar, trazer dinâmicas e conteúdos inovadores àquele importante espaço de
diálogo e negociação.
Fiquemos
atentos não apenas à ação do Governo, mas também à organização e ação dos
contrapoderes.
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