Libertos
da canga, apesar das responsabilidades acrescidas, podemos sorrir
Olhar
em frente e alimentar alguma esperança. Entramos em terra incógnita, é tudo
novo. Como em 1974. Deixamos para trás a direita em todo o seu esplendor. As
últimas semanas testemunharam um crescendo da direita como ingenuamente se
chegou a julgar impossível. Utilizando um estilo arruaceiro de que são belos
exemplos os debates na televisão com muita gesticulação, numa torrente
palavrosa, quase histriónica, a impedir que outros falassem, numa enumeração de
factos e temores insustentáveis, as vozes em falsete, o tom ameaçador, a
insinuação de que estávamos perante um golpe de estado, mesmo as ameaças. Tudo
isto em directo, à fartazana, em todos os canais televisivos sejam abertos ou
não. Até à exaustão para quem os ouvia, para quem os tentava moderar, para quem
os tinha de suportar à mesa do debate. Pouco satisfeitos com este andamento, a
cereja no topo do bolo: a peregrina sugestão de rever a Constituição porque se
perdeu a maioria parlamentar! Coisa de criança, inexplicável. Ao lançar esta
proposta, o primeiro-ministro tentava aliciar o PS? Foi uma proposta
desenvergonhada, despropositada a revelar bem como Passos Coelho estava de
cabeça perdida. A história caminhava para o seu fim mas haveríamos ainda de
registar três episódios. A visita de Cavaco Silva à Madeira com momentos
anedóticos, escusados, foi o primeiro desse Grande Final. Depois seguiram-se as
consultas em Belém, dizem, a personalidades. Assistir pela televisão à entrada
e saída de tantos notáveis (!) ficará para sempre na pequena grande história.
Uma encenação de poder. Para a representação de cada organização, um pequeno
grupo, o mais importante uns passos à frente dos outros (suspeito que
ensaiaram), ar dorido e circunstancial, passo largo mas decidido. À saída, a
grande oportunidade das declarações urbi et orbi cada uma a vaticinar
um futuro mais negro que o do prognóstico anterior. Gente exímia, certamente,
neste lançar de terror mas cabe perguntar quem são aquelas personalidades?
Porquê aquelas todas conotadas com a direita e nem uma afecta à esquerda
(exceptuando os representantes sindicais)? Mais o banqueiro surpresa a colorir
o conjunto. Sobretudo o desfile de economistas, escolhidos a dedo. Sim, claro,
resultado de um escrutínio democrático feito por Belém. Assim, como num
concurso cujo resultado já era antes de o ser. Episódio ridículo e tristérrimo.
Para encerrar a história, a chamada repetida de António Costa a Belém. Se a
intenção era a de “posso, quero e mando”, resultou mal. Nenhum dos partidos envolvidos
com o novo governo se atemorizou e, apesar de contrariada, a indigitação acabou
por sair.
Eis
o novo governo. Será o 21º desde 1974, não será o que verdadeiramente se
chamaria de governo de esquerda mas, renovando as expectativas, constitui um
bom ponto de partida. Ao olhar para a situação, teremos de sabiamente
aproveitar as condições criadas e começar a construir. Que seja pedra sobre
pedra. Trabalho não vai faltar para um apoio fundamentado, para as reversões
legislativas que se impõem, para a preparação de dossiers que
permitam ir recuperando terreno. Ninguém imagina que se vai fazer este caminho
sem dor ou algum tropeção mas a alegria (e convicção) de poder reaver, ainda
que aos poucos, aquilo que foi retirado aos trabalhadores, aos pensionistas,
aos desempregados, aos jovens, a inabalável confiança num futuro menos sombrio
construído por nós próprios, traz o alento necessário e suficiente para
avançar. Para abandonar o desânimo e somar forças a cada escolho ultrapassado.
Recuperar a dignidade, recusar a austeridade que se faz tarde.
*Esquerda.net
- Luísa Cabral Bibliotecária reformada da função pública.
Candidata do Bloco de Esquerda nas eleições legislativas de 2015, pelo círculo
eleitoral de Lisboa.
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