José
Medeiros e Rafael Lima*
Sob
o “A Governança da China”, o novo livro de Xi Jinping reúne, em 18 capítulos
temáticos, 79 trabalhos apresentados pelo presidente chinês entre 15 de
novembro de 2012 e 13 de junho de 2014, como intervenções políticas, discursos,
mensagens e considerações. Mais do que as aparentes e repetitivas formalidades
discursivas, a coletânea revela como a atual geração de líderes do Partido
Comunista da China (PCCh) olha para o seu país e para o mundo e,
principalmente, quais as ideias que governarão a China nos próximos anos.
Elaborado
para dialogar com o mundo, o livro foi publicado em nove línguas - chinês,
português, espanhol, francês, inglês, alemão, russo, árabe e japonês e lançado
oficialmente pela Editora de Línguas Estrangeiras da China na 66ª Feira do
Livro de Frankfurt, na Alemanha, no início de outubro de 2014. Em português são
565 páginas e em chinês, 471. Na obra, um extensivo apêndice publicado pela
Agência de Notícias Xinhua traça um perfil de Xi Jinping, desde sua juventude
até a chegada ao mais importante posto de comando do país. 45 fotos
complementam a edição.
Como
brasileiros, tivemos o prazer de, juntos com uma equipe de tradutores chineses,
proporcionarmos aos leitores de língua portuguesa a leitura desse livro. As
limitações foram muitas, principalmente de tempo. Mas agora temos também em
nossa língua a possibilidade de melhor compreender para onde a China pretende
caminhar.
Três
grandes temas se entrelaçam ao longo do livro: o Partido, o Estado e a Nação.
No
que diz respeito ao Partido, os leitores podem adentrar em discussões de
natureza bem interna, como a política de seleção e formação de quadros, a linha
de massas e os principais desafios práticos e teóricos no atual momento
histórico. Destaca-se nas intervenções a lucidez do presidente Xi Jinping sobre
os graves problemas a serem enfrentados pelo Partido, como a corrupção e degeneração
ideológica.
Em
“A Governança da China”, fica explícito que o PCCh é o cérebro do Estado e seu
principal gerenciador. Xi Jinping, que já foi diretor da Escola Superior do
PCCh, núcleo central do pensamento marxista na China, deixa claro que os trabalhos
a serem realizados, principalmente os que se relacionam com a educação
ideológica e a prática da linha de massas, são urgentes. Perder a luta
ideológica significa perder controle do Partido, e perder o controle do Partido
significa perder o controle da governança da China. Ou, como diriam Confúcio e
Mêncio, significa perder o Mandato (Tianming), isto é, a legitimidade de
governar.
Nesse
sentido, o livro passa a ser uma obra de referência quase obrigatória. Se
muitos fracassos podem ser atribuídos ao Partido, as conquistas das China atual
não lhes podem ser negadas. Assim, compreender o Partido é uma condição sinequa
non para entender as movimentações do Estado chinês, tanto no plano interno,
quanto em suas relações com os outros Estados.
A
cultura tradicional chinesa, com seu grande legado histórico, é outro elemento
que se destaca no livro. Aliás, em quase todos os textos são recorrentes as
citações ou referências a diferentes obras clássicas chinesas, como os
múltiplos ensinamentos de Confúcio. Se em um determinado período histórico a
cultura tradicional foi duramente combatida pelo Partido, agora ela é não
sóapreciada, mas amplamente valorizada e instrumentalizadapara os
propósitosnacionais bem definidos.
Em
umaatenciosa leitura do livro também fica mais fácil compreender o porquê do
afloramento de alguns fenômenos culturais, como a internacionalmente propagada
especulação sobre a volta do confucionismo na China. Na verdade, esse fenômeno
está diretamente associado à questão do nacionalismo, elemento-chave que tem
sido diligentemente forjado pelo Partido.
Quando
se sente as entranhas da China, logo se percebe que o confucionismo e, assim
como o taoísmo, são partes da maneira de ser chinesa. Ou seja, continuam a
existir mesmo quando negados, pois depois que apareceram nunca mais deixaram de
existir, mesmo quando renegados ou impronunciados. No caso do confucionismo,
vale enfatizar que, ainda que seja um elemento sempre presente, o mesmo não é
um elemento dirigente. No caso do Estado chinês, esse papel continua nas mãos
do Partido, que é tipicamente marxista-leninista, obviamente com
características chinesas.
Em
seu livro, Xi Jinping fala com todos. Explica a China e o seu projeto de China
para o mundo e para os próprios chineses, onde quer que estes estejam. De forma
clara e firme, orienta o sentido da atividade econômica segundo as
prerrogativas estabelecidas no 18° Congresso Nacional do Partido, para a
construção das metas dos “dois centenários” (O do Partido, no início de 2021 e
da República Popular, em 2049) e a concretização do sonho chinês de grande
revitalização da nação.
Em
tom de amizade e com cuidadosa diplomacia, Xi Jinping dialoga com os líderes
das grandes nações, dos países vizinhos e com todos os que se relacionam com a
China. Como um professor, aponta erros, objetivando o processo de aprendizagem
e, com seu próprio exemplo, procura orientar um padrão de comportamento para
todos os chineses,vivam na China ou no Exterior. Como pai, procura instruir as
crianças e os jovens chineses, segundo os padrões morais que acredita serem
corretos.
Em
resumo, o livro de Xi Jinping é também uma ferramenta para compreensão da
diplomacia chinesa no mundo contemporâneo. Diríamos que a China não pretende
dominar os outros países, mas dominar-se, ou melhor, governar-se. Quer ouvir e
ser ouvida. E como diz uma máxima do Daxue (O Grande Estudo), apêndice de um
dos clássicos confucionista, e sempre mencionada pelo professor e amigo
Severino Cabral, “Sabendo reconhecer as prioridades, estarás ao alcance da
via”. No livro, fica claro que Xi Jinping conhece bem as prioridades de seu
país; por isso o seu sonho é tão objetivo.
*José
Medeiros da Silva, Dr. em
Ciência Política pela Universidade de São Paulo e
Investigador convidado do Instituto Internacional de Macau.
Rafael
Gonçalves de Lima é bacharel em Relações Internacionais
pela Faculdades de Campinas (FACAMP) e atualmente faz mestrado em Relações Internacionais
na Universidade de Jilin, na China.