sábado, 21 de fevereiro de 2015

Portugal. CARVALHO DA SILVA NÃO REJEITA CANDIDATURA PRESIDENCIAL




O ex-secretário-geral da CGTP, 66 anos, distanciou-se do discurso de uma “corrida” à Presidência, e disse que não vive “obcecado” pela ideia

O ex-líder da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, disse hoje à Rádio Renascença (RR) que não exclui uma candidatura à Presidência da República se for solicitado para “dar um contributo” ao país, mas não vive “obcecado” pela ideia.

“Essa ideia de corrida não tem sentido. Se me perguntar se não reflito sobre esse problema e se não me preocupo com uma construção de uma candidatura que possa ajudar a que haja, amanhã, um Presidente da República bem diferente do atual, porque o actual também neste processo da Grécia deu mais um exemplo do que não deve ser um Presidente da República…”, referiu o sindicalista, sociólogo e coordenador da delegação Centro de Estudos Sociais (CES) em Lisboa e do Observatório sobre Crises e Alternativas.

“Se me perguntar se anda empenhado nisso, se discuto, se analiso, sim senhor, procurarei dar o meu contributo à construção”, precisou o também professor catedrático convidado da universidade Lusófona.

O ex-secretário-geral da CGTP, 66 anos, distanciou-se do discurso de uma “corrida” à Presidência, e disse que não vive “obcecado” pela ideia, mas também não rejeita essa possibilidade.

“Essa questão não está colocada e eu não vivo obcecado por essa coisa, mas também digo que se essa questão se colocar e se disser: ‘Tu tens que dar aqui um contributo’, logo se vê como se resolve a coisa”, acrescentou nas declarações à RR.

Lusa, em jornal i

Portugal - Jerónimo de Sousa. PCP condena alinhamento do Governo com os mais fortes




O secretário-geral do PCP considerou hoje que o acordo para o prolongamento da assistência financeira à Grécia mantém "orientações draconianas" para impor "medidas dolorosas" e condenou a posição do Governo português no processo de "alinhar com os mais fortes".

Em declarações aos jornalistas no final de um encontro da Juventude Comunista, o líder comunista, Jerónimo de Sousa, disse não querer fazer "juízos precipitados" sobre o acordo alcançado sexta-feira pelo Eurogrupo, mas não deixou de criticar a imposição de critérios que impedem o povo grego de decidir o seu futuro de forma soberana.

"Aquilo é relevante é que depois de um processo de chantagem, a manutenção no essencial daquilo que são orientações draconianas para impor aos povos e, nomeadamente ao povo da Grécia, medidas profundamente dolorosas que impedem o desenvolvimento económico, a justiça social e que impedem a própria soberania", afirmou Jerónimo de Sousa.

Questionado sobre as notícias que apontam para a oposição de Portugal e da Espanha ao compromisso alcançado, o secretário-geral do PCP classificou a situação como "uma nódoa para o Governo português", que entrou "num espetáculo pouco digno".

"O Governo português assumiu-se como o mais devoto defensor das orientações do Eurogrupo e particularmente da Alemanha e do seu ministro", criticou.

Jerónimo de Sousa argumentou, contudo, que tal posição da delegação portuguesa terá sido tomada para assegurar a própria sobrevivência do executivo de maioria PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho, embora tal alinhamento com "os mais fortes" possa ser confundido com "subserviência".

Depois do acordo alcançado na sexta-feira no Eurogrupo para o prolongamento da assistência financeira à Grécia, o Governo de Alexis Tsipras tem agora até segunda-feira para apresentar aos seus credores uma lista específica de reformas.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Portugal - Yiannis Bournous. Ativista do Syriza diz perceber a "agonia de Passos Coelho




Yiannis Bournous diz que a proximidade de eleições e o facto de ver os partidos mais a esquerda a crescer pode explicar a “agonia” ou preocupação de Passos Coelho relativamente à Grécia.

Um ativista político do Syriza, Yiannis Bournous, veio a Portugal para discursar no fórum subordinado ao tema 'Por uma auditoria cidadã à divida', e não deixou de falar sobre as declarações de Pedro Passos Coelho ou Mariana Rajoy relativamente à Grécia.

“Consigo perceber a agonia do Sr. Rajoy e do Sr. Passos Coelho, porque ambos terão de enfrentar eleições nos próximos meses. Em particular, o senhor Rajoy deve estar com dificuldades em dormir quando olha para a performance do Podemos, em Espanha”, afirma Yiannis Bournous, em declarações citadas pela Rádio Renascença.

Bournous defende que os governos destes dois países terão provavelmente de mudar de opinião face às últimas conquistas gregas na Europa.

“Em relação à posição do Governo português, compreendo que estamos a falar de um Governo de centro-direita, conservador, e percebemos totalmente que tem de servir as suas ideologias e prioridades políticas. Isto não quer dizer que concordemos e isso foi evidente na mesa das negociações. Mas nós esperamos que, através da elaboração de um programa alternativo de crescimento, num processo passo a passo, na Grécia,  os resultados positivos que este programa trará à Grécia pode também mudar a posição das forças que hoje se opõem a este programa”, refere o ativista.

Relembre-se que depois de quase duas semanas de conversações, Atenas e a Europa chegaram a acordo, ontem, sexta-feira, para a extensão dos empréstimos europeus por mais quatro meses.

“Não há saída da crise, nem para a Grécia nem para a Europa se não atacarmos a questão da crise humanitária”, sublinha Bournous.

Notícias ao Minuto

Portugal. EXIGIR AVALIAÇÃO E REPARAÇÃO



Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

Jean-Claude Juncker, agora presidente da Comissão Europeia, pode ter sido impulsionado a afirmar que a troika "pecou contra a dignidade" dos portugueses, dos gregos e irlandeses por razões muito diversas e até contraditórias, mas a sua afirmação é, em si mesma, um fator político novo que é preciso "descascar" e trabalhar ofensivamente.

Juncker, que gosta de ostentar o título de governante "com sensibilidade social", pode andar de consciência pesada face às práticas dos tempos de primeiro-ministro luxemburguês e de presidente do Eurogrupo. Como político experiente sabe muito bem que aquilo que está em jogo neste braço de ferro entre a gigantesca força da Alemanha e seus vassalos e a frágil Grécia, não é uma simples disputa, mas um processo político de enorme significado, onde se joga a vida de milhões de europeus em várias gerações. Neste contexto, a sua atitude - que só podia ter efeito se impregnada de alguma verdade que chocasse - tanto pode ter servido para "em desespero de causa" agir contra o desastre iminente, como para lavar as mãos face a possíveis "crimes".

O novo fator trazido por Juncker desafia os povos europeus e, em particular, os que têm sido mais atingidos pelas políticas austeritárias, a fazerem duas exigências às instituições europeias e às instituições dos seus países: que procedam a uma séria avaliação dos impactos dos programas políticos seguidos; que adotem as medidas de reparação indispensáveis, pois não pode haver atentados à dignidade, a direitos fundamentais das pessoas, não pode haver apropriações indevidas de riqueza sem punição e sem reposição.

Em Portugal, de acordo com o diagnóstico da troika, o "programa de resgate" mais do que um paliativo, seria uma terapia eficaz na eliminação de deficiências estruturais da economia portuguesa, de onde resultaria a resolução de outros problemas. Os objetivos fundamentais do programa eram: a) estimular a competitividade e o crescimento; b) gerar confiança e estabilidade orçamental; c) salvaguardar a estabilidade financeira. O que observamos de resultados? O PIB real de 2014 ficou 5,5% abaixo do nível que tinha em 2010; o emprego não caiu os 1,1% previstos mas sim 7,1%; os cortes orçamentais em áreas sensíveis e o aumento de impostos e outras taxas foram enormes; a dívida pública, que segundo a troika deveria estar em 115% do PIB em 2014, afinal atingiu os 129%; a "desalavancagem" do setor bancário transformou-se num pesadelo para a bolsa dos portugueses e mesmo assim até a falência do BES aconteceu; a recuperação é uma miragem e o "pisca-pisca" em torno do zero continua; o desemprego oficial é muito mais elevado que o previsto e grande parte está escondido por truques estatísticos.

Temos empobrecimento forçado de centenas de milhares de portugueses, transferência de milhares de milhões de euros do trabalho para o capital, cerca de 400 mil jovens escorraçados para a emigração, agravamento da pobreza que já em 2013 colocava em risco 25,6% das crianças, carências crescentes na saúde e no ensino, assistencialismo em vez de cidadania social.

A dignidade dos portugueses foi atingida. E por avaliar estão ainda outros impactos: i) a alteração da estrutura da propriedade que levou à entrega de grandes grupos económicos e da banca a multinacionais e capitais estrangeiros; ii) as profundas mudanças na estrutura do Estado e na capacidade de este assegurar direitos fundamentais aos portugueses; iii) a imposição de uma distribuição da riqueza mais injusta que aprofundou desigualdades.

Numa conferência que hoje se realiza em Lisboa, a Iniciativa da Auditória Cidadã à Dívida Pública (IAC) assume, com grande oportunidade, que "em Portugal, como noutros países da Europa sujeitos ao castigo da troika, este é o momento para reafirmar a prioridade das necessidades e da dignidade das pessoas sobre os interesses da finança".

O Governo português, as instituições e forças que o apoiam têm de ser confrontados com a responsabilidade dos seus atos. É inadmissível e criminosa a subserviência do Governo aos grandes mandantes europeus que nos exploram e vergonhoso o seu papel de "rafeiro político" a morder o povo grego. Mas o crime maior é o da governação contra o interesse nacional. Combatendo a desesperança há que aumentar a denúncia e apear este governo do poder.

*Investigador e professor universitário

Portugal. EX-JORNALISTAS AO SERVIÇO DO GOVERNO MANIPULAM A INFORMAÇÃO




Ex-jornalistas ao serviço do governo, agora chamados de "Press officers e Media consultants", falam todos os dias com os administradores, directores e jornalistas das televisões, das rádios e dos jornais e (no que aos jornalistas respeita) escrevem notícias com todos os requisitos profissionais, de modo a facilitar a vida aos... jornalistas.

Orlando Castro, jornalista

POR QUE OS JORNALISTAS BRASILEIROS NÃO REAGEM À MANIPULAÇÃO DA MÍDIA?



Fabio Lau, Rio de Janeiro – Correio do Brasil, opinião

A atitude do jornalista inglês do The Daily Telegraph, Peter Oborne, que pediu demissão por não concordar com a linha editorial do jornal na cobertura do escândalo Swissleaks/HSBC não repercutiu na mídia tradicional brasileira. Nas suas páginas, telas ou ondas de rádio, naturalmente. Mas no meio profissional, nas rodas de conversa, o caso foi debatido – aos sussurros – durante todo o dia.

– Lá é fácil. Lá tem oferta de emprego e os patrões não representam uma oligarquia!

O profissional de longa data ainda acrescentou: “Aqui, se o repórter fizer isso, será discriminado pelos próprios colegas. Obedecer cegamente ao anseio do chefe (lugar-tenente do patrão) é sinônimo de profissionalismo!”.

Fechadas as aspas, a gente encontra o tabuleiro que separa as peças deste jogo onde dono de jornal se diz porta-voz da mídia livre, mesmo que seja capaz de atos como o denunciado por Oborne: amenizar as críticas ao acusado (no caso, um dos maiores bancos do mundo) em troca de publicidade. Afinal, ao lado da corrupção profissional, ele apresentará uma justificativa que pode até soar nobre: agiu para garantir a sobrevivência da sua empresa, ao lado do status de empresário bem-sucedido.

Para que um leitor comum entenda, esta concessão escusa está para o jornalista (ou dono da mídia) como estaria a prática da eutanásia para um médico ou a assinatura da pena de morte por um juiz. São atos organicamente contraditórios.

Aos 58 anos, Peter Oborne reagiu de forma definitiva porque entendeu que os leitores do Daily Telegraph estavam sendo lesados no seu direito de serem bem informados.

O jornalista obtinha informações importantes sobre o esquema HSBC, chamado pela mídia internacional de Swissleaks, e o jornal as ignorava. Além disso, Oborne descobriu que naquele ano em que as denúncias começaram a surgir um patrocínio milionário fora oferecido pelo HSBC a uma das empresas do seu patrão. Estava fechado o círculo.

A omissão de conteúdo de informação, ou jornalístico, é o bem mais precioso cambiado pelas empresas de má fé. Negar a informação ao leitor/telespectador/ouvinte é mais lesivo (e lucrativo, se visto na outra ponta) do que deturpar ou favorecer. Omita o delito e ele, como num passe de mágica, deixará de existir. Por isso ele é tão caro – em todos os sentidos.

Não é de se esperar gestos heroicos de jornalistas brasileiros. A falta de pluralidade da mídia de certa forma pode tornar seletiva, também, a maneira de enxergar de muitos profissionais quanto ao contexto político em que se esteja inserido. Portanto, não são aparentemente tantos os casos de dramas de consciência ou frustração.

Outro particular é a escassez cada vez maior de postos de trabalho. Detentoras do mercado profissional, as cinco principais empresas brasileiras de comunicação jogam nas diversas esferas das plataformas de mídia (praticando a chamada propriedade cruzada) e sabotam a possibilidade de pluralizar o mercado. Controlam a verba de publicidade, privada e pública, eliminando assim o mais remoto ensaio de concorrência. Além disso, reféns do modelo e da força manifestos pela mídia corporativa, os governantes, de todos os partidos e matizes, se curvam e evitam o confronto.

Iniciativas heroicas da mídia livre, notadamente instadas na internet, são o único foco de resistência ao modelo que é lesivo aos leitores/ouvintes/telespectadores/internautas e jornalistas. Somente estes pequenos empreendimentos garantem a possibilidade de fazer vazar informações controladas – como o pedido de demissão de um importante jornalista do Daily Telegraph, por razões profissionais e éticas.

Por outro lado, no contexto das redações brasileiras, não raro percebe-se, aqui e ali, uma reportagem que de tão profunda e contestadora, transgressora até do ambiente político tradicional, faz despertar no seu consumidor (de TV, jornal, rádio ou internet) a crítica sobre o universo que o cerca e que a velha mídia tenta colorir com o ponto de vista do dono – do dono da voz.

Estes heróis das redações, muitas vezes anônimos, são de fato os nossos focos de resistência na mídia corporativa. E o consumidor desavisado não faz ideia da oposição que estes jornalistasenfrentam, muitas vezes de seus próprios colegas, por pensarem e tentarem agir de forma diferente, mais livre. Em cada oportunidade, em cada brecha, surgem os jornalistas de verdade. São eles os Peter Oborne das nossas redações.

Na foto: Peter Oborne: coragem para enfrentar o poder

*Fábio Lau,  é jornalista, editor-chefe do portal de notícias Conexão Jornalismo.

Brasil – QUILOMBOLAS. DIREITOS (NÃO) GARANTIDOS



Sandra Martins

O debate acerca das Comunidades de Remanescentes de Quilombos entrou no cenário político nacional quando se tornou matéria constitucional na Constituição Federal de 1988, tendo como principais bandeiras a posse da terra e o direito a sua identidade cultural.

A abrangência das abordagens presentes nesse debate é bastante expressiva, e não é nossa pretensão esgotar o assunto, por sinal, inesgotável, mas, em linhas gerais, tratar de três aspectos importantes para iniciarmos uma visão sobre o tema: o que são os quilombos; o que eles querem; e o que está ocorrendo no atual estágio em que se encontram.

Em primeiro lugar, é importante definir o que são os quilombos. Conforme o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), as comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. As estimativas deste órgão são de que existam em todo o país mais de três mil comunidades quilombolas.

A concepção de quilombos como um lugar isolado do mundo exterior, sem trocas culturais há muito foi rejeitada pela historiografia. Intelectuais acadêmicos como Flávio dos Santos Gomes e Maria Cecília Velasco colaboraram na construção de nova conceituação e percepção política e social sobre estas populações negras denominadas de Comunidades Remanescentes de Quilombos.

Os quilombos sempre desenvolveram contatos culturais e comerciais com as populações locais, o que foi fundamental para a circulação entre as brechas existentes no sistema escravista: é Campo Negro, conceito cunhado por Flávio Gomes ao pesquisar tais comunidades na região da Baía da Guanabara no século XIX.

Este conceito foi transposto para o meio urbano por Maria Cecília, que analisou o trabalho feito por negros (entre eles, o escravo de ganho) no porto do Rio de Janeiro na virada dos séculos XIX e XX. Além da hegemonia no trabalho – até o estabelecimento da força laboral do europeu de baixa qualificação –, também a cultura dos negros influenciou a própria identidade carioca. Os quilombos urbanos, portanto, não se descaracterizaram com a urbanização e mantêm vivas suas tradições e costumes ancestrais inseparáveis de seu território e história. No Rio de Janeiro, existem dois certificados: o Quilombo de Sacopã – na Lagoa Rodrigo de Freitas –, e o Quilombo da Pedra do Sal – na Zona Portuária.

Emsegundo lugar, falaremos dos seus objetivos, ou seja, o que eles querem. Os quilombos pretendem, dentre outras coisas, o desenvolvimento econômico e a acessibilidade às políticas públicas para suas regiões, que passa necessariamente pela efetiva posse e titulação de suas terras em nome da comunidade, a saber, indivisível, não podendo ser loteada e vendida.

O Estado do Rio de Janeiro tem 29 quilombos, segundo a Fundação Cultural Palmares, órgão federal que trata do processo de reconhecimento das comunidades quilombolas. A de Preto Forro, em Cabo Frio, foi a primeira a receber a titulação definitiva em maio de 2012; e, posteriormente, os quilombos de Sacopã e da Pedra do Sal, conforme mencionado acima.

Entretanto, o reconhecimento oficial para uns, a garantia do direito a terra se mostra ainda um processo árduo e interminável para a maioria. E, para acompanhar e mobilizar as comunidades de remanescentes quilombolas na luta pelos seus direitos foram criadas Organizações de Defesa Quilombola, que na sua extensa pauta de reivindicações defendem uma educação e uma saúde que respeitem sua cultura ancestral.

A compreensão acerca da luta secular destes grupos étnicos passa necessariamente por políticas públicas focalistas que privilegiam a sua historicidade invisibilizada pelo Estado brasileiro no campo da educação e da saúde: a lei 10.639/2003 – que trata, no currículo escolar, da história do negro brasileiro e africano e suas lutas de resistência contra a escravidão e o combate ao racismo; o Programa Nacional de Saúde da População Negra – instituído em 2009, com o objetivo de reverter as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional que funcionam como determinantes sociais das condições de saúde desta população; ambos resultantes do somatório de forças envolvendo o Movimento Negro, acadêmicos, intelectuais e ativistas que vêm defendendo esta pauta desde os tempos dos embates pré-emancipatórios.

Por ultimo, é necessário falarmos sobre a atual situação em que se encontra o debate. A primeira entrevista da ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Kátia Abreu (PMDB-TO), empossada na segunda gestão da presidente Dilma Rousself, deu o tom dos embates com correlação de forças desequilibradas para os movimentos sociais brasileiros, em especial, indígenas e quilombolas.

O tempo é curto, assim como as parcerias de peso para que possam ser desenvolvidas estratégias para curto, médio e longo prazos, visando a defesa dos direitos definidos pela Constituição Federal. Para tanto, no último dia 23 de janeiro, um grupo de quilombolas da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas convocou uma reunião na OAB-RJ, para discutirem a situação dos quilombos e quilombolas no Brasil. Na ocasião, criaram a Confederação Nacional Quilombola como entidade representativa nacional dos interesses quilombolas e da luta contra o racismo e titulação de terras quilombolas.

O evento teve como objetivo inicial discutir a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 e a republicação do Decreto 4.887/2013, que tratam da titulação de terras de quilombolas. Segundo relatório do Governo Federal de maio, 2014, somente 207 das 2197 comunidades quilombolas foram reconhecidas até então; é importante frisar, que em 12 anos, apenas 50 comunidades remanescentes receberam sua titulação pelo governo federal. A inexistência da titulação oficial dificulta em muito o atendimento aos benefícios sociais.

Outros aspectos pontuados no encontro foram a ausência de iniciativa dos quilombolas nas ações junto ao Judiciário que concorre para o marasmo e morosidade na titulação, a ineficácia do Decreto 4.887/2013, os problemas e a falta de infra-estrutura nas terras já reconhecidas, as necessidades de formação e capacitação pelas quais passam os jovens quilombolas e os desafios de enfrentamento ao agronegócio.

A atual conjuntura se mostra mais antagônica às lutas pelos direitos destes brasileiros, ao contrário do que foi exposto acima, apesar de muitos avanços como a formulação de programas federais como o Bolsa Família que seria também uma forma de redistribuição de renda, há muito que se fazer e que se manter. Ressalte-se que depois de 2008, ampliaram-se os obstáculos para a obtenção de posse da terra; as denúncias de violações de direitos humanos se acumulam em inquéritos não investigados, como é o caso da vulnerabilidade dos jovens quilombolas com menos de 20 anos que representam o quantitativo 75% dos quilombolas.

A partir do que foi exposto acima, pode-se concluir que houve avanços, como, por exemplo, o reconhecimento das mazelas que se abatem sistemicamente sobre as populações negras, e o reconhecimento de que as comunidades quilombolas têm direitos. Mas será que estes direitos estão sendo garantidos pelo Estado brasileiro no cotidiano? Esta é uma pergunta, que a nosso ver, deverá ser um dos pontos de partida para a continuidade dos debates.

Nota da Redação: Sandra Martins é jornalista, pós-graduanda do PENESB - Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira Faculdade de Educação/UFF, integra da Comissão de Jornalistas pela Igualdade (Cojira-Rio/SJPMRJ) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, e coordenou a 3ª edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento.

Afropress, opinião

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Cabo Verde: "A independência é um património de todos", lembra Carlos Reis




O ex-combatente Carlos Reis ensinou na Escola-Piloto do PAIGC. E estava em Conacri aquando da invasão portuguesa, em 1970, e da morte de Cabral, dois momentos marcantes na vida do antigo ministro da Educação.

Carlos Reis juntou-se à luta de libertação nacional quando era ainda estudante. O antigo combatente e histórico do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAICG) foi o primeiro quadro do partido a trocar Conacri por São Vicente, onde chegou no início de maio de 1974.

Tinha apenas 28 anos quando assumiu a pasta da Educação entre 1975 e 1981, nos primeiros anos da independência de Cabo Verde.

O histórico do PAIGC participou também na criação do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), em 1980. Atualmente é investigador e um dos administradores da Fundação Amílcar Cabral, na Cidade da Praia.

Nesta entrevista à DW África, Carlos Reis relembra os dias em que dava aulas na Escola-Piloto do PAIGC, a invasão portuguesa de Conacri, em 1970, e a morte de Amílcar Cabral, entre outros momentos que mais o marcaram durante a luta de libertação.

DW África: Quando estava em Portugal enviava muito material informativo para Cabo Verde. Como é que conseguia ludibriar a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE)?

Carlos Reis (CR): A maior parte das vezes trazia eu próprio o material - por vezes, até de boleia de avião militar! Enfim, eram situações que se viviam porque havia motivação, havia juventude e acreditava-se numa causa. Acreditava-se na necessidade de levar as informações contidas nesses documentos a um número alargado de jovens, sobretudo a jovens que se encontravam aqui nas ilhas, tentando demonstrar que a luta era possível e que era possível a independência nacional.

DW África: A mobilização de novos militantes era difícil, sobretudo numa altura em que se temia o comunismo?

CR: Foi sempre difícil porque se temia o comunismo, mas sobretudo porque se temia a PIDE! De cada vez que julgávamos ter um determinado grau de eficácia organizacional havia uma redada de prisões e, na verdade, ia abaixo a organização.

DW África: Além de Lisboa também passou por Argel. E, em 1970, surge a oportunidade de descer até à Guiné-Conacri e integrar a luta armada. Esse era o maior desejo de um combatente da liberdade naquela altura?

CR: Foi-se encontrando o caminho, caminhando. Havia, de facto, uma vontade muito grande da minha parte. Eu queria mesmo entregar-me a esta causa, fazer aquilo que estivesse ao meu alcance e aprender a fazer coisas que não sabia para ser útil a uma causa que eu acreditava que era necessária.

DW África: Foi professor na Escola-Piloto do PAIGC, em Conacri. Que ensinamentos e valores procurava transmitir aos seus alunos?

CR: O próprio trabalho político ensinou-me que o cerne principal da luta está efetivamente na superação constante, no estudo constante, naquilo a que, ao fim e ao cabo, se chama a educação. Por coincidência, comecei por ser professor mesmo antes de ir, porque exerci um ano aqui como professor.

Os jovens nessa época eram obrigados a fazer o serviço militar. Eles eram obrigados por lei a fazer a guerra colonial e, portanto, era preciso uma atitude política clara de rejeição dessa guerra. Era preciso fazer um trabalho político junto dos jovens que corriam esse risco.

Os representantes do regime colonial tentavam passar a mensagem que Portugal não tinha colónias, tinha era províncias ultramarinas. Tentavam esconder realidades como, por exemplo, a Lei do Indigenato, que permitia que os chefes de posto e os administradores recorressem ao trabalho forçado.

DW África: Acreditava então que a "arma da teoria" era tão importante quanto a luta armada?

CR: Absolutamente. Ou até mais importante, porque a luta armada, em princípio, é cronologicamente limitada. Felizmente que era vista apenas como recurso de última instância, como algo que apenas serviu para responder à violência do inimigo.

Os aviões bombardeavam as populações e deixavam tabancas, crianças e culturas agrícolas destruídas. Eles envenenavam os territórios com desfolhantes tóxicos. Há fotografias que documentam pessoas, incluindo crianças e mulheres, que ficaram com marcas de queimaduras. Portanto, era preciso mostrar que este era um povo que estava de pé na sua própria terra, disposto a dar resposta a provocações e a atos criminosos desse género.

Tentou-se demonstrar que os africanos nacionalistas é que eram os terroristas. Mas, numa das suas últimas intervenções, Amílcar Cabral refere-se ao ataque que as forças militares colonialistas fizeram à delegação das Nações Unidas que em 1972 visitou as regiões libertadas da Guiné-Bissau. E Cabral falou do terrorismo praticado sobre essa delegação.

DW África: Também vários grupos de jovens europeus, incluindo alguns alemães, chegaram a visitar as zonas libertadas. Como é que foram as reações perante esta sociedade "sui generis" que tinha sido aí criada?

CR: Era de facto uma inovação na época. Um grupo de homens, a quem as autoridades coloniais insistiam em apelidar de terroristas, aparecer tão preocupado com causas como a educação e a saúde. As zonas libertadas, do ponto de vista conceptual, são uma espécie de contribuição teórica de alguém que pensou o movimento de libertação nacional e que tentou demonstrar e ensinar que não se bate pela independência apenas para se ter ministros, uma bandeira ou um hino nacional. Como o próprio Cabral dizia, as independências só têm razão de ser se servirem para a melhoria das condições de vida das pessoas.

DW África: As Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), o braço armado do PAIGC, passaram por fases de esmorecimento moral. Aliás, quando António de Spínola chegou à Guiné vivia-se esta fase de desgaste militar e psicológico, que duraria até ao assassinato de Amílcar Cabral, em janeiro de 1973. Como é que viveu este período?

CR: Efetivamente. Não é por acaso que os principais aliados que as autoridades coloniais encontraram na época foram agentes da polícia francesa. Os franceses tentaram vários projetos de derrube e creio mesmo de assassinato de Sékou Touré [então Presidente da Guiné], cuja radicalização era, para eles, um desafio. Creio que isso também está relacionado com a aproximação dos franceses às autoridades portuguesas e à PIDE, na procura de elementos e na criação de condições para organizar o desembarque de Conacri [operação "Mar Verde"].

Os agentes da PIDE e da segurança militar portuguesa foram apoiados largamente por agentes da polícia francesa. Aliás, um dos projetos de assassinato de Cabral também envolveu um agente francês. E, naturalmente, o desembarque de Conacri só foi possível porque os que desembarcaram foram convencidos de que havia elementos que os apoiavam.

Foi essencialmente graças à reação das tropas do PAIGC que foi possível responder, em parte, contrariando os objetivos da tropa de desembarque, que consegue libertar alguns presos, mas não sem deixar de atacar o secretariado do partido.

DW África: Estava presente no porto de Conacri quando se deu a invasão portuguesa?

CR: Sim, já estava no porto de Conacri. Era um jovem recém-chegado, não era um recruta, mas quase. Era um subordinado. Mas já lá estava, assim como estava aquando do assassinato de Amílcar Cabral.

DW África: A invasão portuguesa de Conacri e a morte de Amílcar Cabral foram dois dos momentos que mais o marcaram durante a luta de libertação?

CR: Sim, de maneiras diferentes. O meu primeiro encontro com Amílcar Cabral marcou-me imenso. É algo que ainda hoje me suscita algum encantamento. Naturalmente a invasão de Conacri mobilizou-me, obrigou-me a amadurecer muito mais como combatente porque ajudou a demonstrar a natureza do inimigo. Mas sobretudo o assassinato de Cabral foi algo que buliu profundamente com qualquer um de nós, qualquer um que se tivesse entregue com sinceridade à causa da luta.

DW África: Estava em Libreville (Gabão) quando recebeu a notícia do 25 de Abril de 1974 em Portugal. Foi uma surpresa ou o PAIGC já contava que acontecesse alguma coisa, até porque tinha reforçado os ataques contra os quartéis portugueses?

CR: O PAIGC não desistiu de ir fazendo campanhas de mobilização junto das comunidades onde havia cabo-verdianos. E eu tinha ido [de Conacri] com uma mensagem de Aristides Pereira – já secretário-geral-adjunto ainda não eleito do PAIGC – junto do Presidente [Agostinho] Neto solicitando apoio para me deslocar nos locais onde houvesse concentrações de cabo-verdianos.

Vinha já de Ponta Negra, tinha estado com Lúcio Lara e com elementos militares, guerrilheiros do MPLA, na base de Dolizi, junto da fronteira com Cabinda. Quando regressava de Ponta Negra, ele recebeu a notícia do 16 de Março e que um destacamento militar nas Caldas da Rainha, comandado por Almeida Bruno, interpreta mal um sinal que ele julgou que tinha sido dado para o 25 de Abril e desata a marchar. E ouvi isso de Lúcio Lara vindo de Ponta Negra para Brazzaville.

Mas os que sabiam que o 25 de Abril podia não ser aquilo que se dizia tinham de continuar a luta. Porque uma coisa eram os objetivos da democracia em Portugal, outra coisa, embora tivesse de haver necessariamente alguma articulação, era o processo da independência - no caso concreto, de Cabo Verde, mas também em relação às outras colónias.

DW África: E depois de Libreville volta a Conacri?

CR: Volto a Conacri e encontro o Aristides Pereira, já com notícias do 25 de Abril. Entretanto já se tinham passado duas semanas. Encontrei-me com um grupo de camaradas na Holanda, onde já tínhamos também uma base de apoio importante. E decidimos que devíamos começar já a apalpar o terreno e que não devíamos esperar mais tempo. Lembro-me ainda do dia em que passei a fronteira em Lisboa. Na verdade, havia muita desorientação. E vim para Cabo Verde numa quarta-feira, num voo da TAP, na semana que se seguiu ao 19 de maio.

DW África: O que é que sentiu quando pisou Cabo Verde depois de tantos anos de luta e de vida na clandestinidade?

CR: Estava emocionado. Mas tinha a certeza de que era só uma questão de tempo até sermos independentes e que íamos conseguir que a maioria das pessoas abraçasse a causa da independência.

DW África: Quase quatro décadas depois da independência de Cabo Verde, a luta valeu a pena?

CR: Acho que os cabo-verdianos, de uma maneira geral, consideram que sim, que valeu a pena. E hoje a independência é um património, é um bem, é um valor que naturalmente é de todos nós.

Madalena Sampaio - Deutsche Welle

Representação da ONU na África Ocidental defende sinergias com a missão em Bissau




O representante da ONU para a África Ocidental, Mohamed Ibn Chambas, pretende "criar sinergias" entre a missão que dirige e a que está sediada na Guiné-Bissau para que a intervenção tenha um maior impacto.

Mohamed Ibn Chambas, deslocou-se a Bissau não só para transmitir o voto de confiança da ONU às novas autoridades eleitas, mas também para criar uma total sintonia entre o Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS) e a representação das Nações Unidas para a África Ocidental.

Segundo Ibn Chambas, “UNIOGBIS e UNOWA [sigla inglesa de Gabinete das Nações Unidas para a África Ocidental] são missões irmãs. As duas representações da ONU trabalham em áreas comuns como sejam a governação, a reforma do sector da defesa, luta contra o crime organizado internacional e desenvolvimento económico e social”.

Nomeado para as funções em setembro de 2014, Ibn Chambas, referiu que só trabalhando em sinergia é que as duas missões poderão ter um impacto maior no país e "fazer progredir o processo de construção das instituições e de consolidação do processo democrático”.

Mandato da UNIOGBIS prolongado até 28 de fevereiro de 2016

A visita de dois dias à Guiné-Bissau do representante da ONU para a África Ocidental, e que terminou esta sexta-feira (20.02), teve início um dia depois do anúncio da renovação do mandato da UNIOGBIS, por mais um ano, até 28 de fevereiro de 2016, pelo Conselho de Segurança da ONU.

Trata-se de uma resolução que por um lado, segue as recomendações do último relatório do secretário-geral da ONU, divulgado a 19 de janeiro, e por outro, reforça a missão da ONU em três áreas: apoio ao dialogo nacional de reconciliação, prestação de apoio técnico e estratégico para as autoridades nacionais e coordenação dos parceiros internacionais. E, pela primeira vez, estas áreas estão inseridas num parágrafo separado doutras tarefas da missão, destacando assim a sua importância.

O texto da resolução onusiana pediu ainda mais apoio internacional para a missão da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), referindo que a Nigéria, enquanto maior contribuinte, enfrenta dificuldades financeiras para continuar o trabalho.

O Conselho de Segurança entendeu também ser o momento de avaliar as sanções impostas à Guiné-Bissau depois do golpe de Estado de 2012. O organismo pediu na sua resolução que o secretário-geral submeta um relatório sobre estas sanções dentro de seis meses. Na resolução aprovada, compromete-se em rever estas sanções dentro de sete meses, quando estiver na posse do relatório.

Combate ao crime organizado e mais cooperação regional

Na sua visita a Bissau, Mohamed Chambas levou também na agenda preocupações relacionadas com o combate ao crime organizado e a cooperação regional. “Como no passado, a ONU sempre esteve envolvida no processo de estabilização da Guiné-Bissau e agora estamos a discutir com as autoridades o futuro do país. É util que possamos regularmente trocar pontos de vista e perspetivas por forma analisarmos como a nossa missão, a UNOWA, poderá apoiar os esforços da UNIOGBIS e das novas autoridades na Guiné-Bissau”.

Durante a sua estada na capital guineese, o representante das Nações Unidas para a África ocidental, reuniu-se com o Presidente da República, José Mário Vaz, com o presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, e com o primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, para além de ter mantido sessões de trabalho com os representantes da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e visitado a Unidade de Controlo do Crime Transnacional.

Reunião de doadores para a Guiné-Bissau aguardada com muita expetativa

Entretanto, o Conselho da Segurança da ONU, na sua reunião da passada quarta-feira (18.02) congratulou-se também com a conferência de doadores internacionais prevista para o próximo mês de março, em Bruxelas.

A este propósito, o secretário de Estado das Relações Exteriores de Angola disse recentemente em Luanda que o Governo angolano está empenhado em que esta conferência tenha resultados positivos.

As declarações de Manuel Augusto foram feitas no seu regresso a Luanda, proveniente do Gana, onde participou numa reunião preparatória sobre a conferência, prevista para 25 de março, na Bélgica. Segundo Manuel Augusto, Angola "está na linha da frente e convicto do sucesso da Conferência de doadores sobre a Guiné-Bissau".

A reunião no Gana serviu para a construção de uma parceria com a comunidade internacional, bem como para a exploração de formas eficazes de coordenação e harmonização, na execução das reformas estabelecidas pelo Governo da Guiné-Bissau, no ramo da defesa e segurança, recuperação económica e normalização da vida política e social.

O encontro reuniu representantes da União Africana, das Nações Unidas, União Europeia, Banco Mundial e Banco Africano de Desenvolvimento e uma delegação do Governo guineense, chefiada pelo primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira.

Braima Darame / Lusa - Deutsche Welle

Expropriação de terras é neocolonialismo em Moçambique, acusam camponeses




"O colonialismo português está de volta" é o título de um novo relatório sobre os negócios fundiários em Moçambique, centrado no Corredor de Nacala, no norte do país.

O documento resulta de uma pesquisa realizada pela União Nacional dos Camponeses de Moçambique (UNAC), e a Grain, uma organização não-governamental espanhola. O documento revela várias irregularidades e violações, como, por exemplo, nomes de empresas dúbias registadas em paraísos fiscais e ligadas às elites moçambicanas.

Constam do relatório também nomes da elite portuguesa. Para saber mais, a DW África falou com Vicente Adriano, investigador que trabalha para a UNAC.

DW África: Em que medida estes negócios com estas grandes empresas puseram em causa as atividades da população residente na área do Corredor de Nacala?

Vicente Adriano (VA): Penso que o impacto é extremamente importante. Primeiro é preciso saber que o Corredor de Nacala tem cerca de 4,5 milhões de camponeses. E se olharmos para uma área de 1,5 milhões de hectares, é evidente que ficam milhares de pessoas afetadas. Obviamente se olharmos para um único caso de investimento como da Agromoz estamos a falar de quase duas mil pessoas, se adicionarmos estas duas mil pessoas ao caso da Mozaco, e estamos a falar de 1500 pessoas, mas que poderão estender a outras quatro mil e quinhentas pessoas. Então, se olharmos em termos de impactos cumulativos, de facto, os números são preocupantes. Mas mais preocupante ainda são os problemas que se prendem com a insegurança alimentar que vai surgindo. Porque as famílias são expulsas para áreas marginais, em que não conseguem ter o mesmo nível de produtividade que tinham em áreas que foram usurpadas, com solos mais férteis e junto de cursos de água.

DW África: O relatório da UNAC fala em empresas dúbias, em paraísos fiscais e contas offshore que estariam ligadas às elites moçambicanas. Pode-nos dizer o nome destas empresas e dos membros das elites moçambicanas?

VA: Das empresas que são mencionadas no relatório, algumas é difícil identificar os acionistas, que tem a ver com o registo destas empresas, muitas vezes feito nas Ilhas Maurícias. Em tanto que sociedades anónimas, evidentemente que não podemos identificar os verdadeiros donos por detrás delas. No entanto, se for ver quais as empresas que têm maiores concessões ao nível do corredor de Nacala, vai constatar que há um envolvimento de pessoas do atual Governo ou que pertenceram ao Governo anterior, e que têm ligações e interesses nessas empresas. Este tipo de clientelismo é problemático. As terras acima de dois mil hectares só podem ser concedidas pelo Conselho de Ministros. No entanto, a experiência e o relatório mostram-nos que estas concessões têm sido feitas de forma arbitrária, sem ter em conta os interesses das comunidades locais. E muitas das vezes, a violação dos direitos humanos complica o assunto. Não podem ser resolvidas, porque as próprias entidades governamentais estão envolvidas. Fica uma situação como se diz na gíria popular, que não se pode ser juiz em causa própria. Então este é o grande problema que se tem hoje.

DW África: O relatório menciona também empresas portuguesas como o grupo Amorim, ou a Rio Forte, ou ainda empresários como Miguel Pais de Amaral. E fala de neo-colonialismo. É caso para tanto?

VA: A luta pela independência girou em torno de dois grandes ideais: um de libertar o homem e o outro de libertar a terra. A libertação da terra fez com que milhões de camponeses tivessem acesso a terras e ocuparam as antigas fazendas coloniais. Estamos a falar de antigas fazendas coloniais que foram ocupadas há mais de trinta ou quarenta anos. A lei de terras de Moçambique confere-lhes direitos sobre esta terra. No entanto, assistimos hoje ao regresso de muitas dessas famílias e empresas coloniais que enriqueceram no tempo colonial. Obviamente que hoje estão de volta às mesmas áreas. E são as mesmas áreas que foram exploradas no tempo colonial pelas grandes companhias que hoje estão a ser entregues às mesmas empresas. Obviamente que a estrutura e o modelo em torno desta exploração têm alguma similaridade com aquelas do tempo colonial. É preciso notar que a única conquista que muitos moçambicanos, que hoje estão no Corredor de Nacala fizeram, é exatamente a terra. E é essa mesma terra que lhes estão a tirar. E este é o argumento que circula nas comunidades: entra-se num processo de exploração, obviamente com um padrão de constitucionalidade, porque é por via legal que são concedidas estas terras.

DW África: A UNAC pretende entrar com alguma ação legal contra estas empresas que atuam de forma pouco clara?

VA: São questões que estamos a estudar, porque é preciso notar que são vários casos de empresas e que cada caso é um caso, tem as suas especificidades. Obviamente é uma questão estudada, mas é preciso notar que há dois procedimentos diferentes: primeiro, é o procedimento administrativo de resolução de conflito de terras, que é por via das autoridades governamentais locais. Segundo, é por vias legais quando não se encontra consenso ao nível administrativo. Estamos a trabalhar nessas duas abordagens, em última instância não se descarta essa possibilidade, desde que, de facto, estejam esgotados todos os mecanismos administrativos para resolver estes problemas.

Nádia Issufo – Deutsche Welle

UNIVERSIDADE JOHNS HOPKINS CELEBRA A LUSOFONIA




O departamento de português da conceituada universidade norte-americana Johns Hopkins aceita candidaturas até 31 de Março para o prémio Russel-Wood, que celebra o trabalho do historiador da cultura lusófona.

Os candidatos devem ser alunos da universidade e desenvolver um projecto de investigação relacionado com o mundo de expressão portuguesa. O prémio são cinco mil dólares e uma viagem ao Brasil.

Segundo o site da universidade, Russel Wood “era um especialista sobre o Brasil e mundo de expressão portuguesa reconhecido internacionalmente.”

Nascido no país de Gales, Wood estudou na Universidade de Oxford e mudou-se para os EUA em 1971 para aceitar uma posição no departamento de história da Johns Hopkins, onde se manteve até a sua morte, em 2010.

No seu livro “Um mundo em movimento: os portugueses na África, Ásia e América (1415-1808)”, que recebeu o Prémio D. João de Castro, da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, o historiador explora a noção do império português como o primeiro império global.

“Russell-Wood interessava-se pela forma como os portugueses lidaram com a exposição a uma vastidão de mundo que não tinha sido imaginada e aos seus diferentes povos, linhas, culturas, flora e fauna”, segundo um obituário do autor.

O historiador é ainda autor de “Fidalgos e Filantropos: A Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755″, que recebeu o prémio Herbert Eugene Bolton, e “Escravos e libertos no Brasil colonial”.

O programa de Português da universidade Johns Hopkins é dirigido pela brasileira Flávia De Azeredo-Cerqueira, oferece três níveis de português, cursos de literatura, cultura e história.

O prémio Russel-Wood é possível graças a um donativo da viúva do historiador, Hannelore Russell-Wood. Em 2013 e 2014 foram distinguidas as alunas Elena Michele Ostrom Crowe e Rosie Jane Peck.

Folha 8 Diário (ao)

Angola. Lavagem de dinheiro? Impossível. Exceções? Apenas (é claro) para a família real




Uma delegação chefiada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Rui Mangueira, e abençoada pelo “escolhido de Deus” (José Eduardo dos Santos), apresentou em Paris, em Fevereiro de 2014, ao Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI) o pacote legislativo relativo ao branqueamento de capitais aprovado a 28 de Janeiro pela Assembleia Nacional.

Orlando Castro

Escreveu-se mais uma brilhante página do anedotário nacional, com tradução em diversas línguas.

A delegação angolana era de peso: vice-governador do Banco Nacional de Angola, Ricardo Viegas de Abreu, directora da Unidade de Informação Financeira, Francisca Brito, o Director Nacional de Política de Justiça do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Itiandro Simões. Todos juntos e a uma só voz garantiram, para gáudio do humor internacional, que a lavagem de dinheiro tem os dias contados.

Dando prova da razoabilidade das suas acções, o GAFI avaliou com a parcimónia peculiar às regras de bem receber convidados a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões.

“Após ter sido realizada a última avaliação do Grupo de Acção Financeira Internacional, no passado mês de Outubro, no âmbito do Programa de Acção Relativo ao Branqueamento de Capitais, Angola comprometeu-se em aprovar também a Lei da Criminalização das Infracções Subjacentes ao Branqueamento de Capitais e a Lei Reguladora das Revistas, Buscas e Apreensões”, revelou o comunicado do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos.

E se o governo se comprometeu… cumpriu. Ou seja, já temos lei. Não é uma lei para ser cumprida, mas é uma lei. Dessa forma sempre se pode dizer que o país tem, de jure, uma lei. De facto não a vai cumprir, mas isso é uma questão marginal. Além do mais, ter este tipo de leis dá ao regime um ar sério e um vislumbre de democracia e Estado de Direito que é muito considerado nos areópagos internacionais.

Criado em 1999, o GAFI é um organismo intergovernamental que tem por objectivo conceber e promover, ao nível nacional e internacional, estratégias contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, sendo reconhecido internacionalmente como a entidade que define os padrões nesta matéria.

É claro que, mesmo que sejam remotas as hipóteses de acabar com o branqueamento de capitais, a lei não terá efeitos retroactivos. Será que os investimentos que têm sido feitos em Portugal, sobretudo pela família presidencial, Manuel Vicente, general Kopelipa etc. configuram actos de branqueamento de capitais porque os seus titulares não podem e não têm como explicar os biliões de dólares que ali são investidos? De maneira alguma. Desde logo porque há excepções à lei que são determinadas por quem pode, José Eduardo dos Santos.

A metodologia do regime angolano, embora mais sofisticada e pessoal, tem a sua génese nos mestres portugueses. Basta recordar que o Estado português (seja lá o que isso for), pela via dos seus escravos, assumiu as fraudes e crimes contíguos de banqueiros e outros políticos no caso BPN e, depois de uma vasta operação de branqueamento, voltou a vendê-lo aos privados amigos que, provavelmente, o compraram com o dinheiro roubado ao… BPN. Tudo em família, portanto.

Por outras palavras, Portugal nacionalizou os prejuízos e privatizou os lucros. E para isso, reconheça-se, não é preciso andar três anos a tirar uma licenciatura. Basta ser vigarista.

“A corrupção nos países em desenvolvimento entrava tudo, cria pobreza, cria miséria, impede as leis de concorrência de mercado, prejudica as empresas, aumenta os custos das empresas e os bens e serviços tornam-se mais caros”, afirma a procuradora portuguesa Maria José Morgado, defendendo que “o Estado tem que ter mecanismos dissuasores, mas não pode ser um Estado polícia nem totalitário, as instituições é que têm que funcionar, nomeadamente na prioridade das prioridades que é o combate à fraude fiscal associada à corrupção e ao branqueamento de capitais. E isso tem de funcionar sistematicamente, de forma a produzir resultados”.

A ser verdade esta tese que, contudo, não é aplicada em Portugal, alguém está a ver funcionar na prática no nosso país? É claro que não. As leis podem ser transpostas para o nosso ordenamento jurídico, mas daí até serem postas em prática vai uma distância abissal.

Por cá existe e continuará a existir uma total irresponsabilidade dos eleitos face aos eleitores, e as promessas de combate à corrupção são contornadas pelo poder de um clã que permite o branqueamento de capitais e por declarações de rendimentos e de interesses que não existem.

Para acabar com esta realidade, admitindo numa mera discussão académica que somos um Estado de Direito e uma democracia, deveria exigir-se uma fiscalização da parte do Parlamento (também ele, infelizmente, alfobre da corrupção) aos registos de interesses de deputados, membros do Governo, chefes das Forças Armadas, dignitários de altos cargos públicos e Presidente da República.

Os angolanos são, na generalidade e em teoria, contra a corrupção e gangrenas adjacentes e contíguas. Mas, bem vistas as coisas, como é que se pode ser contra algo que, em sentido lato, já é uma “instituição” secular?

Ao nível simbólico, abstracto, teórico, efémero, toda a gente condena a corrupção. Mas será corrupção o facto de quando alguém se candidata a um emprego lhe perguntarem pelo cartão do MPLA? E quando dizem que “se fosse filiada no MPLA teria mais possibilidades”? Ou quando se abrem concursos para cumprir a lei e já se sabe à partida quem vai ocupar o lugar?

A nossa actual estrutura de poder é, basicamente, a estrutura de poder colonial. Ou seja, existem leis que só obrigam os pilha-galinhas mas mantém incólumes os donos do aviário. Basta ver os exemplos da actual Constituição da República, assim como as leis da probidade pública, património público, branqueamento de capitais ou o decreto presidencial do investimento público.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pelo selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E o fazem, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto na cerimónia fúnebre em Honra do Jornalista moçambicano Carlos Cardoso. O sentimento, a realidade, aplicam-se que nem uma luva ao nosso país. Infelizmente.

Folha 8 Diário (ao)

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