sábado, 25 de julho de 2015

PRESOS POR UM FIO



Martinho Júnior, Luanda 

“En la actual situación política del planeta, cuando la paz y la supervivencia de nuestra especie penden de un hilo, cada decisión, más que nunca, debe ser cuidadosamente elaborada y aplicada, de modo que nadie pueda dudar de la honestidad y la seriedad con las que muchos de los dirigentes más responsables y serios luchan hoy por enfrentar las calamidades que amenazan al mundo”. (Extracto da Mensagem do Comandante Fidel de Castro ao Primeiro-Ministro Tsipras, a 5 de Julho de 2015).
  
1 – Onde quer que seja, em que circunstâncias e conjunturas o forem, não haverá hoje decisão alguma por parte de dirigentes políticos honestos que se sintam responsáveis perante seus povos, que não tenha de levar muito em conta o estado em que se encontra a humanidade, que está a experimentar as enormes tensões existentes no quadro dum processo inquinado de globalização, (que entre outras coisas circunscreve o mundo a uma “aldeia global”), assim como os resultados cada vez mais evidentemente nefastos da acção humana sobre o próprio Planeta.

O teor da mensagem de felicitações do Comandante Fidel de Castro ao Primeiro-Ministro Tsipras, por altura do referendo que se levou a cabo recentemente na Grécia, eleva-se a uma fasquia que paira acima do que é político e alcança as esferas filosófica, antropológica, histórica e ambiental, o que é oportuno em relação à conjuntura do relacionamento recíproco da União Europeia para com a Grécia, sem perder de vista (muito pelo contrário), as tensões globais que cresceram com a última doutrina militar dos Estados Unidos da América.

A Grécia situa-se, sob os pontos de vista antropológico, histórico e físico-geográfico, num arco de tensões que actualmente se distendem desde o Báltico ao Mar Negro, atravessando a Europa do Leste e os Balcãs, chegando ao Cáucaso e à Ásia Central, deliberadas tensões que a hegemonia unipolar vai programando e movendo ao redor da Rússia, pelo que qualquer decisão por parte das autoridades gregas, em defesa das legítimas causas de seu povo, não pode alhear-se desse clima, nem deixar de agir com recurso a fórmulas preventivas, o que comprime o próprio campo de decisões, quando se colocam todos os elementos na profundidade dos tabuleiros geo estratégicos.

A Grécia tentou fixar-se na contradição em relação a uma das muitas coisas que pode produzir este capitalismo selvagem a que recorrem os poderosos cujas opções derivam para a hegemonia unipolar: a austeridade exercida como uma ditadura, ou uma forma de escravatura, sobre os povos, neste caso sobre o povo grego…

Levada a referendo, a austeridade, nos termos em que tem sido selvaticamente aplicada à Grécia, foi condenada por um convincente “não”, mas ao procurar-se evitar uma radicalização do processo (que sob os pontos de vista ético e moral até se afiguraria legítima), poderiam ser criadas condições para que o arco de tensões engrossasse agregando novas motivações, tendo em conta que a Grécia, além de permanecer no Euro, faz parte da União Europeia e da NATO.

A NATO reagiria face a uma eventual tentativa de saída da Grécia dessa Organização ou da União Europeia, podendo até chegar-se ao golpe de estado, ou mesmo a uma ocupação militar sem precedentes, atendendo que a Grécia é uma pedra sensível no Mediterrâneo Oriental e no que toca aos acessos ao Mar Negro.

A riqueza petrolífera grega, ainda por explorar e reconhecida como um enorme reserva, pesa também no subterrâneo dos posicionamentos geo estratégicos e das actuais decisões, mesmo que não seja evocada.
  
2 – Para o povo grego é tão legítimo quão urgente assumir a luta nesta conjuntura, procurando desmascarar as oligarquias europeias e fazendo tudo para se evitar chegar ao retrocesso em termos das conquistas sociais que agora estão em causa, em direcção a um similar do “regime dos coronéis”!

Num momento como este, a Grécia poderia (para alguns) desligar-se da União Europeia, até do Euro, mas ser-lhe-ia muito difícil na presente conjuntura internacional, fazê-lo sem sofrer graves consequências de retaliação por parte da NATO, até por que as emergências multipolares, que é preciso não esquecer cultivam também uma “economia de mercado”, teriam por outro lado muita dificuldade, como contrapartida, em lidar com uma situação dessa natureza.

A Rússia nada vai fazer para atrair no imediato a Grécia `sua esfera de influência, pois tem tudo a ganhar quando a Alemanha, por tabela a União Europeia, têm por dentro uma imensidade de problemas por resolver!
  
3 – O referendo grego abriu uma janela que está a pôr em causa o carácter desta União Europeia e da manobra daquelas oligarquias que dominam a representatividade e recorrem ao Euro para impor sua vontade sobre os povos, algo substantivo e prático que ainda a União Europeia não havia antes experimentado por dentro de suas próprias entranhas, que já vai muito para além de simples declarações e cria em cadeia muitas repercussões em toda a Europa.

Essa experiência não terminará apenas com soluções de compromisso, pelo que as questões que levanta prolongar-se-ão no tempo e no espaço, o que põe também em causa os processos de ditadura financeira e sócio-política, entre eles o crescendo neo fascista e neo nazi que tem vindo a medrar.

Sob ultimato, o actual governo grego não vai deixar de lutar, o que constituirá um severo embaraço para aqueles que tutelam os processos conjugados da União Europeia, do Euro e da NATO, para o póprio império.

A outra questão que entra em causa, é a demarcação entre a social-democracia decadente e um patamar à esquerda que tem sido tão difícil fazer medrar.

Em certo sentido o caso grego funcionou fugazmente como um inesperado “cavalo de Tróia”actuante sobre as causas profundas da crise por dentro da União Europeia, possibilitando agora aos PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha), a procurar o caminho das alternativas, pois é preciso não esquecer que também nesses países a dívida não pára de crescer.

A bipolaridade na União Europeia, entre o que representam a Alemanha e a França, entre o norte e o sul, não tem alternativa senão encontrar soluções, no mínimo soluções de compromisso, perante o risco de ruptura, algo que ultrapassou o raio de acção das simples declarações, tal como das promessas eleitorais do Syriza.

Nesse quadro o Syriza claudicou estrondosamente perante as suas próprias promessas eleitorais, algo previsível perante a correlação de forças e do seu próprio espaço de manobra…
  
3 – O espaço de luta está a ser reconfigurado na União Europeia, com uma margem de manobra inicialmente muito reduzida para aqueles que se identificam com os povos, uma margem de manobra que contudo tem agora a oportunidade para se alargar, até por que as oligarquias estão abertas ao neo fascismo e ao neo nazismo, conforme se pode verificar com o caso da Ucrânia.

O patamar da esquerda europeia, face à social-democracia, não pode esquecer-se da compressão que existe por via institucional, tendo em conta que as democracias representativas forjaram parlamentos sob domínio burguês.

As oligarquias, em alguns casos, poderão manobrar no sentido de criar divisões, algo que pode ocorrer em Espanha e na Itália, desviando dessa forma a atenção dos povos para outro nível de artificiosas manipulações.

A União Europeia está a articular os compromissos internos entre os do norte e os do sul, com as tensões e conflitos que se desenham a leste, que têm como ponto de atracção fulcral a Ucrânia, sob tutela dos falcões republicanos norte-americanos.

Presos por um fio, num marxismo à beira de intoxicação social-democrata, as oportunidades correntes de luta contrariam as vocações em direcção à guerra, mas têm imensas dificuldades em defender os povos, perante o peso das oligarquias agenciadas pelo império!

É necessário retirar aos falcões a possibilidade de se chegar ao terreno sangrento onde a aristocracia financeira mundial e as oligarquias vassalas se sentem à vontade, por que lhes é propício e lucrativo trilhar.

Entender isso pode contribuir para a gestação duma plataforma à esquerda, em ruptura com a órbitra social-democrata, que de outro modo seria muito mais difícil criar!

Creio que essa será a espectativa maior que se abre também a partir da mensagem do Comandante Fidel! 

Foto do recente encontro em Havana, entre o Presidente François Hollande e o Comandante Fidel de Castro.

Portugal. A MERCEARIA DOS DEPUTADOS



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

A elaboração das listas de deputados é um dos momentos mais confrangedores da política portuguesa. Pelo que revela da incapacidade de renovação dos partidos e do que nos espera no Parlamento, pelas lutas internas por um lugar em S. Bento, e pelo que demonstra da unidade em torno da liderança. Pena que o sumo se passe nos bastidores e que pouco transpareça para o público, porque a decisão do voto devia estar, também, assente na análise que pudéssemos fazer dos nossos parlamentares.

É por tudo isso que o espetáculo proporcionado esta semana pela distrital do Partido Socialista do Porto merece uma leitura um bocadinho mais aberta.

Primeiro, porque é a primeira vez que uma lista do Porto é chumbada pela direção nacional, com óbvias responsabilidades do líder José Luís Carneiro, que não soube consensualizar vontades, ou se soube não foi o que pareceu. E se não lhe facilitaram a vida, deveria ter sido ele a poupar António Costa aos avanços e recuos expostos na praça pública. A lista final será sempre olhada como um mal menor, feito de acertos negociados à última hora. No mínimo, é mau para quem lá consta.

Segundo, o que se passou no Porto é uma síntese perfeita das dificuldades do secretário-geral do PS em se afirmar, não só dentro do partido, como no país. Se António Costa não consegue convencer os seus, como é que vai convencer os outros?

O caos foi geral e público, ainda que no final os resultados até possam ser positivos. Anunciou cabeças de lista contra as distritais, colocou paraquedistas a mais, teve que refazer listas por conterem elementos envolvidos em casos judiciais, contentar seguristas e costistas e ferristas.

A escolha de Ferro Rodrigues, de resto, só se justifica pela sua vontade férrea de federar o partido. Sem estar aqui em causa a sua seriedade, não podia haver pior escolha para comunicar com o país.

Em vez de o partido estar constrangido por uma liderança forte que dita as regras para uma lista de deputados fortes, a olhar o futuro e a escolher os melhores, temos um partido unicamente interessado nas suas contas de favor.

Falta, agora, ver o processo na coligação PSD/CDS-PP, com a urgência de conciliar o partido de Paulo Portas com as necessidades de Passos Coelho, a influência, ou a sua perda, de Marco António Costa, a ambição de Luís Montenegro e o poder, aparentemente discreto, de Miguel Relvas.

Não é fácil, mas também aqui o PS corre o risco de levar uma lição.

Portugal. RICARDO SALGADO EM PRISÃO DOMICILIÁRIA - DOIS PESOS DUAS MEDIDAS




Ricardo Salgado ficou sujeito a prisão domiciliária e só poderá sair da residência que deu como morada mediante a autorização das autoridades e após comunicação ao juiz. O antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES) e Grupo Espírito Santo (GES) fica também proibido de contactar os outros seis arguidos do caso. Depois de quase 13 horas de interrogatório ao longo desta sexta-feira, dia 24, foi esta a medida de coação aplicada pelo juiz Carlos Alexandre.

Após ser constituído arguido no caso BES (era-o apenas no processo Monte Branco) há quatro dias — na passada segunda-feira, dia 20 — Salgado foi novamente ouvido esta sexta-feira pelo juiz Carlos Alexandre porque o Ministério Público considerou que lhe devia ser aplicada uma medida de coação superior, mais pesada, à que foi na altura decidida – o Termo de Identidade e Residência (TIR) – a mais leve prevista pela lei, aplicada a qualquer arguido, com pequenas diferenças dependendo da situação do envolvido.

O interrogatório de hoje de Ricardo Salgado terminou pouco depois do jantar, às 21h30, depois de quase 13 horas em que teve de responder às perguntas de Carlos Alexandre. Depois de ouvir a medida de coação proposta pelo Ministério Público e os argumentos da defesa do ex-líder do universo BES, o juiz decidiu, então, aplicar a medida de coação de prisão domiciliária.

À saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, Francisco Proença de Carvalho, principal advogado do Salgado criticou a medida de coação aplicada por Carlos Alexandre, descrevendo-a como “bastante desproporcional”. Na prática, apenas a prisão domiciliária com vigilância eletrónica ou mesmo a prisão preventiva seriam medidas mais pesadas aquela que foi aplicada esta sexta-feira a Ricardo Salgado. A defesa do ex-presidente do BES está a ponderar, por isso, apresentar recurso.

Ao final da tarde a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitira um comunicado que precisava que “Ricardo Espírito Santo Silva Salgado foi interrogado e constituído arguido pelo Ministério Público, no âmbito das investigações relacionadas com o denominado ‘Universo Espírito Santo’, que correm termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal no dia 20 de junho” adiantando então que “na sequência desse interrogatório, o Ministério Público, tendo em vista a aplicação de medida de coação diversa do termo de identidade e residência, apresentou um requerimento para que o arguido fosse presente ao Tribunal Central de Instrução Criminal”.

Até à data, confirmou a PGR, “foram constituídos seis arguidos no âmbito destas investigações”. Em causa estão suspeitas da prática de “crimes de falsificação, falsificação informática, burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal, corrupção no setor privado e branqueamento de capitais”. Sabe-se que Isabel Almeida, ex-diretora financeira do BES, e António Soares, da seguradora BES Vida, são dois desses seis arguidos.

Francisco Machado da Cruz, o contabilista do Grupo Espírito Santo (GES), e José Castella, o tesoureiro, invocaram a condição de arguidos para serem ouvidos à porta fechada aquando da comissão de inquérito ao caso BES, mas os seus nomes nunca foram confirmados pelo MP. A condição por eles invocada poderá aliás estar relacionada com investigações no Luxemburgo, onde as holdings do GES tinham sede, e não em Portugal.

A PGR confirma apenas que existem cinco inquéritos autónomos a correr sobre o BES.

A notícia do interrogatório de hoje começou por ser avançada pela revista Sábado e depois confirmada ao Observador por fonte da Procuradoria Geral da República (PGR), que adiantou que Ricardo Salgado estava a ser interrogado no âmbito das investigações do denominado “Universo Espírito Santo”, ou seja, devido a um ou mais desses cinco inquéritos autónomos.

O comunicado da PGR explicava ainda que “as investigações estão a cargo de cinco magistrados do Ministério Público do DCIAP” e que “está ainda constituída uma equipa multidisciplinar de seis magistrados de outras jurisdições, sendo que esta intervém apenas em questões específicas relacionadas, designadamente, com o arresto de bens/recuperação de ativos, questões cíveis e de insolvência”.

A Procuradoria relembrava também que “nestas investigações, o Ministério Público é coadjuvado por elementos da Polícia Judiciária e da Autoridade Tributária e Aduaneira” e que “trabalha também em estreita colaboração com as entidades reguladoras, como o Banco de Portugal e a CMVM”.

Há um ano era o Monte Branco

Este interrogatório a Ricardo Salgado acontece exatamente um ano depois do ex-banqueiro ter sido interrogado pelo caso Monte Branco, o processo que investiga a maior rede de branqueamento de capitais do país. O então ainda presidente do Grupo Espírito Santo (GES) foi na altura constituído arguido depois de ser interrogado no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), também pelo juiz Carlos Alexandre. Pagou uma caução de três milhões de euros para pode aguardar acusação em liberdade.

Seis dias depois foram conhecidas as contas semestrais do BES e o enorme “buraco” que levaria à queda do grupo financeiro e que acabou por acontecer a 3 de agosto.

Por causa da proximidade das datas, há confusão em relação aos dois processos. Mas Salgado só era arguido, até esta segunda-feira, em relação ao Monte Branco.

A investigação ao caso BES/GES por pare do Ministério Público começou em novembro do ano passado, após uma queixa-crime do Banco de Portugal. Na altura, foram feitas 41 buscas ao universo Espírito Santo, com 200 agentes da PJ no terreno acompanhados de 14 magistrados. Foram visitadas as casas de Ricardo Salgado e de ex-administradores do BES. Dependências bancárias, escritórios e a sede do Grupo também foram alvo da investigação.

Entretanto, já aconteceram mais três grandes buscas este ano. A 18 e 21 de maio. E a 17 de junho. Em todas elas o objetivo foi o arresto preventivo de bens para proteger os lesados da falência do GES, de modo a evitar a dispersão de património antes da conclusão das investigações. Ou seja, os bens arrestados, muito deles guardados pela PJ, estão avaliados em mais de mil milhões de euros, o valor total aproximado que pode ser reclamado judicialmente pelos lesados.

No comunicado emitido ao final da tarde desta sexta-feira pela PGR, lembram-se aliás os processos que existem da parte desses lesados. “Correm termos no DCIAP, neste momento, cinco inquéritos autónomos e 73 inquéritos, que se encontram apensos a um daqueles. Estes inquéritos apensos respeitam a queixas apresentadas por pessoas que se consideram lesadas pela atividade desenvolvida pelo BES e pelo GES”.

No último arresto, que envolveu também bens das habitações dos ex-administradores Amílcar Morais Pires e José Manuel Espírito Santo, foram levados das casas de Ricardo Salgado em Cascais e na Comporta barcos, carros, quadros, joias e até tapetes. Antes tinham sido arrestadas as residências da Quinta da Penha, Estoril Palácio Hotel, Quinta Patino, Herdade da Comporta, empreendimento turístico Quintas d´Algariya, em Portimão, Douro Atlântico Garden, em Vila Nova de Gaia, e Oeiras Golf Residence.

Na altura as buscas e os arrestos foram contestados pela defesa de Salgado por este não ter ainda ser constituído arguido.

Filomena Martins – Observador – Foto: Jose Sena Goulao/LUSA – Título com alteração PG

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