sábado, 1 de agosto de 2015

ANÁTEMA FEUDAL – I



Martinho Júnior, Luanda 

1 – A carga ideológica com sinal feudal, que anima as doutrinas indexadas ao capitalismo não foi suficientemente avaliada (ou reavaliada) e o papel de indústrias como as de armamento, assim como as leituras relativas aos “entendimentos geoestratégicos” sobre a utilização dos recursos e meios de inteligência, bem como as actividades militares, qualquer que seja a barricada, constituem evidente prova disso.

Como não pode deixar de ser, a carga ideológica de raiz feudal que anima a “nova” doutrina militar de Obama, reflecte-se no tipo de configuração da “ameaça”, ao colocar a Rússia e o Emirato Islâmico no mesmo pé de igualdade e fugindo como sempre à adequada consciência sobre a essência dos fenómenos e dos problemas.

A doutrina militar de Obama, sendo um reaproveitamento da doutrina militar de Bush, nesses termos possui toda a carga de “guerra psicológica”, coisa que as sucessivas administrações de turno nos Estados Unidos, nunca abandonaram desde a IIª Guerra Mundial, nem com o fim da “Guerra Fria”.

É evidente que não há interesse algum em políticas que visem o desarmamento e a complexa sociedade norte-americana é nesse sentido outra evidência.

A repressão acentua-se sobre as camadas mais desfavorecidas da população residente nos Estados Unidos, a ponto de serem as comunidades de afrodescendentes e de latino-americanos, aquelas que mais sofrem, aquelas que enchem as prisões em maior percentagem.

É evidente que os processos dialécticos de raiz cultural prevalecem, de modo a que por via das manipulações seja mais fácil ao capitalismo tal qual ele é entendido pelos falcões, fazer-se sentir aglutinando os processos de consumismo, de mercantilização e de deriva neo liberal.

O recurso a conceitos ideológicos ultra conservadores, está garantido desde as superestruturas da aristocracia financeira mundial, até às periferias instrumentalizadas, cabendo aos “think tanks” a modelagem doutrinária com o fito de melhor amarrar a panóplia de alianças, de “parcerias” (que palavra tão capciosamente agradável)  e a aplicação dos seus conceitos e decisões.

O grau de alienação nas sociedades do século XXI é comparativamente maior em relação às sociedades da época da “Guerra Fria”.

Os “think tanks” representativos, tornam-se assim elementos imprescindíveis para o exercício do domínio que se concentra nos propósitos da hegemonia unipolar, que tem sua base antropológica e cultural nos ambientes anglo-saxónicos, tirando histórico partido do que foi um dia o império britânico.

O inglês tornou-se, a par do dólar no sistema financeiro global, a língua tida como a mais vantajosa nos contactos internacionais de todo o tipo.

Num mundo caótico, onde o campo das alienações tem húmus para crescer e se multiplicar, é fácil recorrer a mais uma alienação, ainda que ela no fundo discorra a partir de elementos de interpretação marcadamente próprios das trevas feudais.

Perante o pântano ideológico a que o capitalismo nos conduziu, ainda assim há necessidade de avaliar quem detém a carga agressiva e quem articula os meios disponíveis de forma defensiva e simultaneamente de forma tão apassivante ou persuasiva quanto lhe é possível, uma contradição que afinal garante a longevidade do próprio capitalismo tornado processo de hegemonia unipolar.

Quero com isto dizer que é muito difícil hoje defender-se a paz não redutora de democracia e de liberdade, mais ainda que no tempo da “Guerra Fria”, pelo que a honestidade e a responsabilidade dos políticos que enveredem por essa trilha, tem de recorrer a uma dose maior de criatividade, de inteligência e de efectiva argumentação, escapando ao anátema feudal que mentaliza os falcões e torna tão disponível ao domínio o uso de armas… e escapando às grilhetas neo liberais capazes de estrangular povos inteiros com a bancarrota, ou um regime coercivo e prolongado de“austeridade”.

O próprio Vaticano é expoente dessa situação: quando surgiu um Papa que com consciência crítica passou a condenar o capitalismo selvagem, como agora com o Papa Francisco, os “mídia ocidentais” controlados pela aristocracia financeira mundial e pelas oligarquias vassalas, deixam de ser “caixa-de-ressonância” da Igreja Católica Apostólica Romana, mesmo onde ela é “igreja dominante”…

… E no entanto, ter presente a configuração das forças dos vários campos, é um recurso indispensável para quem, num ambiente humano tão alienado quão hostil, ousa ainda lutar pela paz!

*Integrado junto ao texto: Quadro ilustrativo das 35 mais potentes forças armadas do globo. (clicar para ampliar)

PACTO MILITAR GRÉCIA-ISRAEL



Manlio Dinucci

Quando o governo Tsipras se instaurou na Grécia, soaram sinais de alarme em Israel: O partido Syriza, apoiador da causa palestina, pedia para pôr fim à cooperação militar da Grécia com Israel. Em face da brutal repressão israelense contra os palestinos, advertia Tsipras, “não podemos ficar passivos, porque o que ocorre na outra margem do Mediterrâneo pode acontecer na nossa margem amanhã”.

Sete meses depois, cessou o alarme: Panos Kammenos, ministro da Defesa do governo Tsipras, fez uma visita oficial a Tel Aviv, onde, em 19 de julho, assinou com o ministro israelense da Defesa, Moshe Ya’alon, um importante acordo militar. Para fazer esse deslocamento, Kammenos, fundador do novo partido de direita Anel, escolheu o momento em que a Grécia estava presa entre os tenazes da questão da dívida.

O “Acordo sobre o status das forças”, comunica o Ministério grego da Defesa, estabelece o quadro jurídico que permite ao “pessoal militar de cada um dos dois países ir participar em exercícios e atividades de cooperação”. Israel firmou um semelhante acordo com os Estados Unidos. Na agenda das conversações também esteve a “cooperação no campo da indústria militar” e da “segurança marítima”, em particular das jazidas offshore de gás que Israel, a Grécia e o Chipre consideram sua “zona econômica exclusiva”, rejeitando as reivindicações da Turquia.

Compareceu à mesa do encontro a “questão da segurança no Oriente Médio e Norte da África”. Fazendo eco a Ya’alon, que denunciou o Irã como “gerador do terrorismo cuja ambição hegemônica mina a estabilidade de outros Estados”, Kammenos declarou: “A Grécia também está no raio de ação dos mísseis iranianos; se apenas um consegue alcançar o Mediterrâneo, poderia ser o fim dos Estados desta região”. Em seguida, ele encontrou os dirigentes das forças armadas israelenses para estabelecer uma mais estreita coordenação com as gregas.

Ao mesmo tempo, o chefe da marinha militar helênica, o vice-almirante Evangelos Apostolakis, assinou com a contraparte israelense um acordo de cooperação sobre “serviços hidrográficos”, sem informações mais precisas.

O pacto militar com Israel, estipulado em nome do governo Tsipras, não é apenas um fato pessoal de Kammenos. Faz parte da estratégia dos Estados Unidos e da Otan que, na ofensiva para o Leste e o Sul, visa a integrar cada vez mais estreitamente a Grécia não só na Aliança mas também na mais ampla coalizão incluindo países como Israel, Arábia Saudita, Ucrânia e outros.

O secretário geral da Otan, Stoltenberg, declarou que o “pacote de salvação” da União Europeia para a Grécia é “importante para toda a Otan”, sendo a Grécia um “sólido aliado que dedica mais de 2% do PIB à Defesa” (nível alcançado na Europa somente pelo Reino Unido e a Estônia). Particularmente importante para a Otan é a base aérea e naval da Baía de Suda, em Creta, usada permanentemente pelos Estados Unidos e outros aliados nos últimos anos para a guerra contra a Líbia e as operações militares na Síria. Agora, essa base se torna utilizável, graças ao pacto com a Grécia, também por Israel, sobretudo para realizar ações contra o Irã.

Em tal quadro estratégico, recompõem-se os conflitos de interesses entre a Grécia e Israel, de um lado, e a Turquia, de outro. A Turquia, onde a Otan possui outras 20 bases e o Comando das forças terrestres, em nome da “luta contra o Isis” bombardeia os curdos do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) - verdadeiros combatentes anti-Isis - e, juntamente com os Estados Unidos e os “rebeldes”, se prepara para ocupar a faixa setentrional do território sírio. Faz isso invocando o Artigo 4º do Pacto Atlântico, considerando que estão ameaçadas as suas segurança e integridade territorial.

*Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações :Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ;Geocommunity Ed. Zanichelli 2013 ; Escalation. Anatomia della guerra infinita, Ed. DeriveApprodi 2005.

Revelar origem da dívida grega provocaria revolução financeira mundial, diz auditora



Vanessa Martina Silva, São Paulo – Opera Mundi

Membro da comissão que auditou parte da dívida pública grega, Maria Lúcia Fattorelli questiona, em entrevista exclusiva a Opera Mundi: é 'rídiculo' culpar Atenas pela crise europeia

A pressão realizada pelos credores europeus para que a Grécia aceitasse o acordo para um resgate financeiro foi, na verdade, uma tentativa de impedir que se conheçam as origens “ilegais e ilegítimas” da dívida, uma vez que isso provocaria “uma revolução no sistema financeiro mundial”. É o que defende Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal, em entrevista exclusiva a Opera Mundi. Ela fez parte das primeiras atividades da comissão internacional que realizou a auditoria da dívida grega, a convite da presidente do Parlamento grego, Zoe Konstantopoulou.

As conclusões iniciais a que o levantamento do qual Fattorelli fez parte chegou nas primeiras sete semanas de investigação revelam que “os mecanismos inseridos nesses acordos [de resgate do país] eram para beneficiar os bancos e não a Grécia. (…) A questão é: por que eles [troika] têm que jogar tão pesado?”. Ela responde: “Porque a Grécia pode revelar o que está por trás. A tragédia da Grécia esconde o segredo dos bancos privados. Ela poderia colocar a nu as estratégias utilizadas para salvar bancos e colocar em risco toda zona do euro, toda a Europa”, aponta a também fundadora do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” no Brasil.

Fattorelli explica que no mesmo dia em que foi criado, em 2010, o plano de suporte à Grécia, a Comissão Europeia criou uma empresa privada em Luxemburgo e os países europeus se tornaram sócios da mesma, colocando garantias na ordem de 440 bilhões de euros, e que um ano depois chegaram à soma de 800 bilhões. A empresa, explica Fattorelli, serviu para “fazer o repasse de papéis podres dos bancos para os países, utilizando o sistema da dívida”. Paralelamente, também no mesmo dia, o Banco Central Europeu anuncia um programa de compra de papéis no mercado para ajudar bancos privados: “Isso é um escândalo. É ilegal, mas é colocado como se isso tivesse sido feito para salvar a Grécia”, aponta a economista.

“Eles poderiam vir a público denunciando o que já foi descoberto, as regularidades que já foram apuradas. Todos nós gostaríamos que a Grécia reagisse agora diante dessa camisa de força do euro, desse poder dado ao Banco Central Europeu, das  instituições acima dos países e toda essa situação financeira de dependência”, comenta a auditora, fazendo referência ao fato de que o sistema do euro impede que os países-membros exerçam uma política monetária independente.

Questionada sobre a possibilidade de os termos do acordo com a Grécia serem uma “punição política” ao premiê grego e também um recado aos demais países em dificuldades na Europa, como Portugal, Irlanda, Itália e Espanha, Fattorelli observa que essa é a estratégia que vem sendo adotada desde 2010. "A Grécia foi colocada sob os holofotes da grande mídia no mundo inteiro como se fosse a responsável pela crise Europeia. Isso é ridículo, porque quando você olha o tamanho da economia grega, em comparação com a europeia, o PIB da Grécia é em torno de 3% do europeu. Então, como 3% pode abalar 97%? Isso é uma criação e é absurdo que ninguém questione isso”, afirma.

Reestruturação da dívida

Apontada por Tsipras como uma vitória nas negociações com os credores, a reestruturação da dívida é, na opinião da auditora, contra indicada caso não tenha sido concluída a auditoria da dívida.

Fattorelli explica que se for feita neste momento, o país “vai reestruturar grande parte de uma dívida que deveria ser anulada. Antes de reestruturar, deveria ser concluída a auditoria para que se analise o que realmente deve ser reestruturado. Agora, como está, vão empacotar tudo junto: a parte ilegal e a ilegítima”, esclarece.

Entre a dívida ilegal, ela aponta os quase 50 bilhões de euros usados para salvar os bancos nos últimos anos. “Isso não é dívida pública, isso é outra coisa. Deveria ser considerado um empréstimo aos bancos privados, não uma dívida pública do país”, destaca.

Perda da soberania

Após a assinatura do acordo por Tsipras, analistas e mesmo setores da esquerda grega avaliaram que a adoção das medidas caracteriza uma perda da soberania do país. Fattorelli discorda. Para ela, Atenas perdeu a soberania já em maio de 2010, quando foi assinado o primeiro pacote de resgate e a troika [conjunto de credores gregos formado por FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia] "passou a mandar lá".

"Inclusive, a lei vigente sobre esses acordos é a lei inglesa, não é a grega. Além disso, se a Grécia tiver que ir a algum tribunal, ficará submetida ou ao tribunal de Luxemburgo ou ao de Londres”, acrescenta Fattorelli, que considera essa situação jurídica "um abuso".

Ela avalia, no entanto, que a oportunidade que os gregos tinham agora de retomar as rédeas sobre os rumos do país foi perdida. “O país está à venda desde que foram criados o fundo de estabilização para salvar os bancos e o fundo de privatização. Ambos determinados pelo FMI em 2010”.

‘Sistema é inviável’

A crise grega abre a possibilidade de que se discuta a fundo a questão do sistema da dívida, defende Fattorelli. No país helênico, os "bancos privados criaram derivativos em cima de derivativos. Papéis podres que estavam inundando seus balanços. Ou seja, eles estavam quebrados, mas foram considerados grandes demais para quebrar e continuaram com seus patrimônios intocáveis” Mas, quem está assumindo esse ônus são os países “e é um ônus que não tem fim”, aponta.

“O último dado conhecido do volume de derivativos tóxicos divulgado pelo BIS (Banco Central dos Bancos Centrais), em 2011, informava que o montante chegava a 11 PIBs mundiais. Então eu questiono: esse salvamento vai resolver alguma coisa? Não! Será somente o adiamento até uma nova crise. E aí o que vai ser feito depois?”, questiona.

Na verdade, esse sistema “além de não ter lógica está comprometendo o emprego real, está comprometendo a indústria, o comércio. Ou seja, toda a economia real está comprometida, assim como a vida das pessoas”. Ela ressalta, no entanto, que isso não ocorre só na Grécia: “olha no Brasil, o que está acontecendo [com o ajuste fiscal levado a cabo pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy]. É o mesmo esquema, o mesmo sistema da dívida atuando”.

Argentina e Equador

Para um melhor entendimento da crise grega, Fattorelli a comparou à que foi vivenciada pela Argentina em 2000: “depois de cumprir todas as privatizações que o FMI queria, o fundo deu as costas ao país e deixou espaço aberto para os bancos privados oferecerem o acordo. Eles colocaram juros equivalentes ao crescimento do PIB e como consequência, hoje a dívida argentina já é um problema novamente e não significou nenhum benefício aquilo [o receituário do FMI]. Além disso, o país também não fez a auditoria”.

Em 2008, o presidente equatoriano, Rafael Correa, anunciou que não pagaria parte da dívida externa do país, após a realização de uma auditoria, da qual Fattorelli participou. A diferença do pequeno país sul-americano para a Grécia, Argentina ou mesmo o Brasil é explicada pela economista: “Correa conseguiu enfrentar o sistema porque, como o Syriza, chegou ao poder sem financiamento privado, não chegou lá atrelado aos interesses dos financiadores. Se olharmos no site do TSE [Tribunal Superior Eleitoral] do Brasil, quem financiou as campanha presidenciais e legislativas foram os bancos privados e as grandes corporações”, aponta.

Ela conta também que o processo completo no Equador durou um ano e quatro meses. Além disso, o relatório foi submetido a um crivo jurídico nacional e internacional para garantir sua legitimidade.  

Outro ponto é que o Equador, que diminuiu em 70% o valor devido aos credores, tinha, segundo Fattorelli, dinheiro para recomprar a dívida: "Fez a proposta e honrou".

“O problema da Argentina [de 2000] é que não fez auditoria, chegou ao fundo do poço e quebrou. Já a Grécia, quando o Syriza chegou ao poder, já estava quebrada e dentro da camisa de força da estrutura da zona do euro, em que não tem moeda própria. Nesse aspecto, a situação grega é até pior do que a Argentina, que tinha moeda própria”, acrescenta.

Solução possível

Apesar das conclusões de Fattorelli, ela não considera que o acordo feito por Tsipras era o único possível: “Eles poderiam criar uma moeda paralela temporária — solução apontada por economistas famosos, inclusive — até resolver a situação. Se adotassem isso, fariam um bem a toda a humanidade. Mas prosseguir com este modelo suicida não tem futuro”.

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A GRÉCIA E OS OUTROS: UM MAPA DOS PAÍSES MAIS ENDIVIDADOS


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Entre os países da União Europeia, a Grécia é de longe a que tem a dívida pública mais elevada. Este mapa elaborado pelo Vox.com, baseia-se nas estimativas do Fundo Monetário Internacional publicadas em abril: depois disto, a situação financeira da Grécia ainda se deteriorou mais.

O mapa mostra os níveis de diferença entre a dívida pública e o PIB para todos os países da UE. Observar as diferenças entre os países permite-nos compreender melhor as razões das suas diferentes orientações políticas. A grave situação de Espanha contribui, por exemplo, para explicar o sucesso do Podemos. Por outro lado, os países orientais da zona euro estão entre os menos endividados da UE: é também por isso que os seus Governos são dos que mantêm uma posição mais severa em relação à Grécia.

VOX europe

“É PRECISO ABRIR AS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA AO DEBATE PÚBLICO”




Para o sociólogo Antoine Vauchez, a crise grega destacou o papel da Comissão, do Banco Central e do Tribunal de Justiça europeus na aplicação estrita de regras económicas que governam a União e que se impõem aos cidadãos, aos eleitos e às nações sem poder ser discutidas.

Numa entrevista publicada no Libération e realizada por Philippe Dourouxo autor de Démocratiser l’Europe (Editora Seuil, 2014) denuncia a impossibilidade de existir um debate democrático sobre as orientações económicas no seio da União.

Desta forma, observa, “o projeto europeu inicial, o do projeto de Roma em 1957, era também um projeto político e não simplesmente um conjunto de regras comuns para unificar um espaço económico e monetário”.

Hoje em dia, por outro lado, o único verdadeiro Governo europeu é o do mercado único e da zona euro, que é regido pelas três instituições ditas “independentes”, o Tribunal da Justiça (TJUE), a Comissão e o Banco Central (BCE) europeus. Estas três instituições são compostas por personalidades não eleitas – ainda que os comissários europeus sejam aprovados pelo Parlamento – e, paradoxalmente, estão “na origem da capacidade política da Europa, mas sempre reivindicando a independência da ideologia e da diplomacia, consideradas como portadoras de “egoísmos nacionais”. Isto é um aspeto fundamental da União, afirma Antoine Vauchez,

“cada vez que se quer promover um “interesse geral” europeu, colocamo-lo nas mãos de uma instituição independente, longe do campo da política. E a crise do euro apenas aprofundou este sulco. Nesta política económica europeia, os membros dos Parlamentos, europeus ou nacionais, têm uma segunda função: por não poderem tomar iniciativas em matéria de leis europeias, estes são forçados a acompanhar o movimento, sem desempenhar um papel de equilíbrio na união cada vez mais estreita das economias.”

E mesmo quando, como na recentecrise da dívida grega, os ministros das Finanças e chefes de Estado e de Governo da área do euro intervêm, “a própria estrutura dessas negociações entre Estados favorece a posição daqueles que, como ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, defendem o reforço das regras desta constituição económica supranacional criada pelos ‘independentes’ ao longo dos anos”, afirma Vauchez.

Quanto ao Parlamento Europeu, este devia, após as eleições europeias de 2014, desempenhar a sua função no debate democrático europeu. No entanto Vauchez acredita que este “perdeu muito durante a crise”, uma vez que “não tem qualquer representante na Troika [BCE, FMI e Comissão Europeia] e, ainda hoje, nenhum parlamentar participou na elaboração dos planos de austeridade, em particular no da Grécia”.

O recurso do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras ao referendo sobre os planos de ajuda propostos pelo Eurogrupo é “uma forma de resposta à impossibilidade de fazer surgir uma divisão política transnacional em torno das políticas da União. “Desta forma”, estima o investigador francês, “ficámo-nos por uma lei económica bastante brutal, uma relação entre credores e devedores, entre os países do norte e do sul”. O facto de algumas pessoas terem acusado a consulta popular de ser uma “negação da democracia” “mostra até que ponto a votação não faz parte dos instrumentos dos compromissos políticos em Bruxelas”.

Se nenhum político europeu consegue sobressair neste contexto, é porque “as regras definidas pela Comissão ou pelo BCE paralisam qualquer vontade política. [...] Quando entram na cena europeia, os atores políticos são arrastados por linha vertiginosa do projeto europeu, que os leva a abandonar as suas prerrogativas em favor de instituições externas à cena política”. Existem formas de resistência a esta tendência, diz Vauchez, como o Tribunal Constitucional de Karlsruhe na Alemanha, o Podemos na Espanha ou o Syriza na Grécia. Mas o problema, sublinha, “é que essas expressões políticas são acusadas de não serem legítimas por não serem “europeias”, como se a legitimidade democrática nacional fossem anulada a nível europeu”.

De modo a corrigir esta lacuna, Vauchez propõe que o BCE e a Comissão tornem públicos os debates em que intervêm, organizando o que chama de “a expressão pública de desacordos e das discussões envolvidas”. A intervenção de atores externos, tais como partidos, representantes de sociedades civis, sindicatos com membros do conselho do BCE assegurariam a ligação com a sociedade.

Os instrumentos para garantir a proeminência da política sobre a economia existem, garante Vauchez, que afirma que “o Tratado de Lisboa prevê que os Parlamentos europeus possam unir-se para se opor a uma iniciativa da Comissão”, uma iniciativa que
foi utilizada em 2012 contra o projeto Monti-2 sobre a limitação do direito de greve. Uma coligação de Parlamentos nacionais ajudou a bloqueá-lo, mostrando que poderiam fazer frente à Comissão. Mas, para que possa existir uma política transnacional, é necessário que os partidos nacionais reconheçam esta responsabilidade europeia.

VOX europe – Liberation – imagem Michael Kountouris

LIÇÕES GREGAS




– A austeridade não é apenas um modelo de política económica, nem sequer conjuntural:   ela é um novo regime político e social, uma nova ordem.

Manuel Loff [*]

Um governo legítimo de um Estado-membro da UE que usa do euro como moeda, pergunta aos cidadãos se estão de acordo com as medidas que os seus parceiros lhes queriam impor. Uma maioria muito ampla de cidadãos, superando amplamente a base política que elegeu o governo, disse não. Dias depois, o mesmo governo disse-se ter visto obrigado a assinar um acordo que o obrigava a contradizer o essencial do seu compromisso eleitoral. Que lições podemos tirar?

1. A austeridade eurocrática adotou-se, mantém-se e impõe-se contra a democracia. Concebida como uma nova ordem económica anti-social, pensada desde o horror a todas as políticas promotoras da igualdade ou da simples distribuição da riqueza por via fiscal para garantir um mínimo de coesão social (a ilusão de que o Estado de Bem Estar poderia, um dia, humanizar o capitalismo ), a austeridade não é simplesmente a opção de governos nacionais, no âmbito de uma soberania económica que já não lhes resta. É, na prática, uma imposição europeia (Comissão, BCE, a Alemanha e os seus aliados), adotada num plano supranacional sem qualquer controlo democrático minimamente efetivo, e que, por isso mesmo, se apresenta como ungido de racionalidade técnica (esta ideia de que a austeridade é uma questão técnica, que não discutível no plano político), perante a qual os únicos decisores ainda sujeitos a um mínimo de controlo democrático (os governos nacionais) voluntariamente se declaram impotentes e/ou sem competência para cumprir os compromissos assumidos com os seus eleitores, ou sequer acatar as constituições dos seus próprios países. O euro e o Tratado Orçamental (2012), na forma como evidentemente violentam qualquer forma de autodeterminação dos povos dos Estados que fazem parte da União Económica e Monetária (UEM) dentro da UE e que, como a Grécia, queiram romper com a austeridade, revelaram-se a materialização de um colete-de-forças político que contraria toda a retórica de que até hoje nos quiseram convencer, a de uma construção europeia baseada na solidariedade, na partilha voluntária de recursos, na superação das disputas económicas, uma  união  europeia imaginada como base sobre a qual se teria construído a paz eterna no continente...

2 . Podemos regressar a outra Europa?   Um grande número daqueles que se mantêm fiéis à ideia (eu diria ilusão) de que a construção europeia foi, desde os anos 50, outra coisa muito diferente deste autoritarismo tecnocrático dos nossos dias, cujo preço é pago essencialmente pelos países do Sul, estão cada vez mais incómodos com esta nova ordem imposta por Berlim e Bruxelas, por Merkel/Schäuble, Djisselbloem e Juncker. Falo essencialmente de setores da socialdemocracia que já não sabem o que pensar da forma como os Hollande, os Gabriel, os Renzi (ou os Sócrates e os Papandreou) adotaram sem reservas as várias componentes (económicas, mas também políticas e culturais) do There Is No Alternative thatcheriano, sabendo bem que as partilham com toda a direita de que se dizem alternativa... Numa parte considerável da sociedade (sobretudo nessa classe média que se imagina cidadã de uma Europa laica, democrática e respeitadora dos Direitos Humanos), defende-se o regresso a um projeto europeuperdido, , como se Schäuble fosse (e não é) a antítese de tecnocratas como Schuman (o partidário de Pétain em 1940) e Monnet (horrorizado com o controlo parlamentar da política económica). Há que fazer uma reavaliação muito crítica dessa génese profundamente elitista da construção europeia, feita de  despotismo esclarecido , e desta conceção e gestão das políticas europeias sempre cheia de preconceito tecnocrático que entende como  populistatoda a crítica ao europeísmo rançoso e dogmático, que reivindica a soberania democrática onde ela, mal ou bem, ainda se se tem a sensação de se exercer: à escala nacional.

3. Uma lógica neocolonial e assimilacionista.   Voltaram ao debate público alguns dos impulsos essenciais em que se baseou no séc. XIX a dominação imperialista europeia: relações de domínio baseadas na dependência económica (o credor manda no devedor, fazendo-lhe crer que o faz para o bem deste); a naturalização de uma hierarquia de povos e de Estados, divididos entre os que são verdadeiros europeus e os que não passam de candidatos fracassados a sê-lo (os PIGS), que devem ser sujeitos a um processo de assimilação semelhantes aos que as potências coloniais sujeitavam os colonizados; uma relação neocolonial, sob a forma (assumida!) de protetorado económico. Quer-se reescrever toda a história da integração europeia como se a adesão da Europa do Sul tivesse sido resultado de uma ansiedade unilateral dos parceiros do Sul, como se as economias do centro da UE (alemã, francesa, holandesa, italiana, britânica, …) não beneficiassem enormemente da liberdade de circulação de capitais, bens transacionáveis e mão-de-obra barata oriunda de Portugal, da Espanha ou da Grécia (ou da Europa Centro-Oriental)! 

Do mesmo autor em resistir.info: Uma história em fascículos 

[*] Historiador.

O original encontra-se em www.publico.pt/mundo/noticia/licoes-gregas-1703110 

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ 

ALEXIS TSIPRAS: O ÚLTIMO “ESQUERDISTA” A VENDER-SE AOS BANQUEIROS




A chamada “esquerda radical” da Grécia é apenas a última de uma longa lista de “radicais” e “esquerdistas” a traírem o povo que neles votou e a cederem às exigências do capital financeiro imperialista internacional.

A única coisa surpreendente da capitulação de Alexis Tsipras à troika é toda a gente ter ficado surpreendida.

Na Grã-Bretanha, tivemos em 1931 a nossa própria versão da “crise” grega. E, tal como hoje, foi um político nominalmente de “esquerda”, o líder do Partido Trabalhista Ramsay Macdonald, que depois alinhou com os banqueiros contra a vulgar gente trabalhadora. Aconteceu um “golpe de banqueiros” que substituiu o governo trabalhista democraticamente eleito por um novo governo nacional aprovado pelo capital, que se mexeu para introduzir cortes radicais na despesa pública e reduziu o pagamento aos desempregados. O novo governo era dominado pelos conservadores, mas tinha os vira-casacas “socialista MacDonald ao leme e outro traidor trabalhista Philip Snowden como Lord do Selo Privado.

Os banqueiros londrinos disseram a MacDonald: “A causa do problema não foi financeira, mas política, e reside na total vontade de confiança no Governo de Sua Majestade entre os estrangeiros,” recorda o historiador A.J.P. Taylor, citando a biografia de Neville Chamberlain por Keith Feiling. Na campanha para as eleições gerais de Outubro de 1931, Philip Snowden (em breve “visconde Snowden”), dirigiu-se viciosamente contra os seus camaradas do Partido Trabalhista afirmando que o seu programa anti-austeridade era “loucura bolchevista.”

Tal como hoje Alexis Tsipras, MacDonald e Snowden disseram ao seu povo que não havia alternativa ao programa que aceitaram executar. Mas, tal como hoje, havia uma alternativa (há sempre uma), só que os banqueiros não a aprovaram.

Outra traição vergonhosa ao povo por um partido de “esquerda” aconteceu na Hungria em 1994. Os húngaros, fartos de quatro anos de queda do seu nível de vida desde o fim do “comunismo gulache”, votaram para o poder o Partido Socialista Húngaro, cujas principais figuras eram ex-comunistas. Os socialistas, segundo se acreditava, iriam moderar as reformas de “mercado” e preservar as melhores partes do antigo sistema. A sua vitória nas eleições lançou o alarme nos círculos de elite ocidentais: “Os comunas estão de volta na Hungria e tem que se fazer alguma coisa!”-

O primeiro-ministro Gyula Horn, que tinha atacado a ideia de privatização da energia, acabou por mudar de rumo sob enorme pressão do capital financeiro internacional e seus emissários políticos. No início de 1995, fez precisamente isso com uma curva em U. Demitiu os ministros genuinamente socialistas e nomeou um professor universitário fanaticamente neoliberal, Lajos Bokros, para realizar grandes cortes na despesa. Os socialistas e seus parceiros de coligação “Democratas Livres” lançaram grandes privatizações, incluindo no sector da energia que passou para as mãos de grandes empresas ocidentais. As pessoas da classe trabalhadora que em 1994 tinham votado em grande número nos socialistas foram bela e verdadeiramente traídas, mas os homens do dinheiro internacional esfregaram as mãos de contentes com os lucros que agora podiam conseguir na Hungria. Horn, apresentado como perigoso esquerdista pelos media pró-capitalistas em 1994, era agora saudado como grande “reformador” e o homem que punha a Hungria firmemente no caminho da adesão à UE e à NATO.

Os partidos socialistas francês e espanhol seguiram também idêntica trajectória nos anos 80. Em 1981, havia um enorme optimismo depois da eleição de François Miterrand como primeiro presidente socialista da V República. Os socialistas arrancaram realmente bem, lançando um grande programa de nacionalizações e aumentos de benefícios e pensões para a terceira-idade. Mas, em 1983, houve uma reviravolta e os socialistas franceses enterraram o socialismo e abraçaram a austeridade e a “modernização.” Aconteceu o mesmo abandono em Espanha, depois da eleição de Felipe Gonzalez em 1982 e na Alemanha, depois da eleição do SPD em 1998. Neste caso, o ministro das Finanças genuinamente socialista Oskar “Vermelho” Lafontaine foi demitido após menos de cinco meses no governo, para acalmar os poderosos poderes financeiros.

Na Grã- Bretanha, sabemos demasiado bem o que aconteceu após a eleição de Tony Blair e do “New Labour” em 1997, depois de 18 anos de governo conservador. Os “progressistas” do “New Labour” meteram o país numa guerra ilegal contra o Iraque ao lado dos neoconservadores hardcore americanos (assim como numa guerra ilegal contra a Jugoslávia socialista em 1999), enquanto internamente faltaram à renacionalização dos caminhos-de-ferro (uma promessa de Tony Blair quando na oposição) e prosseguiram políticas económicas neoliberais que a gente de dinheiro da City, de Wall Street e de Berlim e o bilionário magnata dos media Rupert Murdoch alegremente apoiaram.

De facto, podemos dizer que a história dos governos “esquerdistas” ou “progressistas” no poder na Europa dos últimos trinta anos tem sido a história de uma traição atrás da outra. O último revés, na Grécia, é mais uma prova de que devemos ter extremo cuidado com os rótulos. Ironicamente, têm sido por vezes políticos conservadores, que não se reclamam de ser de esquerda, quem tem defendido a soberania nacional e os interesses dos trabalhadores, melhor do que aqueles que dizem estar do lado “progressista”.

Charles de Gaulle, presidente da França entre 1959-69, é um caso desses. Sempre desconfiado do poder do dinheiro e do fundamentalismo de mercado, introduziu uma economia mista e um Estado-providência e presidiu à maior subida do nível de vida para as pessoas vulgares na história da França. “Era um homem que não se interessava pelos que tinham riqueza, desprezava o burguês e odiava o capitalismo”, foi este o veredicto do biógrafo de De Gaulle, Jean Lacouture.

De Gaulle não apenas não se interessava pelos que tinham riqueza, ele próprio não se interessava muito pela riqueza. Apesar de ocupar a mais alta posição do Estado durante dez anos, morreu na penúria – em vez de aceitar a pensão a que tinha direito como presidente na reforma e general, ficou apenas com a de coronel. O contraste entre De Gaulle e os políticos de carreira de hoje, obcecados com o dinheiro, não podia ser maior.

Lembremos que De Gaulle, o homem que “desprezava o burguês e odiava o capitalismo”, era chamado “conservador”, não “esquerdista radical”. De facto, os chamados “esquerdistas radicais” protestavam contra ele em 1968 com figuras dirigentes dessa “rebelião” que se tornaram entusiastas “intervencionistas liberais” pró-NATO nos anos 90 e 2000.

É também interessante comparar a posição assertiva que o muito criticado governo “conservador” da Hungria tem mantido contra a gente do dinheiro internacional, incluindo o FMI e a UE, com a forma como o primeiro-ministro de “esquerda radical” da Grécia capitulou. O governo de Viktor Orban foi atacado por Bruxelas por ter enfrentado empresas de energia estrangeiras, mas os cortes obrigatórios levaram a grandes reduções na conta dos combustíveis.

O “conservador” Orban fez indiscutivelmente mais para aliviar o sofrimento do povo húngaro do que o “esquerdista radical” Tsipras fez com os gregos. Com a sua maneira gaullista e dirigista, provou ser mais “socialista” do que os seus opositores socialistas, os quais, quando estiveram no poder, governaram o país apenas em benefício de Washington e Bruxelas e dos bancos estrangeiros.

Lembrando os que não se “venderam”

Um dirigente socialista que decididamente não traiu o seu povo foi Bruno Kreisky, chanceler da Áustria entre 1970-83. Kreisky tornou claro que não estava interessado em coligações com outros partidos que diluíssem a sua política socialista e foi recompensado com uma maioria clara nas três eleições. Kreisky pôs sempre o interesse da gente trabalhadora primeiro. Durante a campanha para as eleições de 1979, afirmou que preferia ter o governo com um défice do que as pessoas perderem os empregos. “Centenas de milhares de desempregados são mais importantes do que uns milhares de milhões de xelins de dívida,” declarou o grande socialista.

Outro “esquerdista” que pôs o seu povo em primeiro lugar foi o falecido Hugo Chávez. Ao contrário da maior parte dos dirigentes “progressistas” europeus, que começaram como radicais, mas se deslocaram inexoravelmente para posições neoconservadoras/neoliberais, o falecido presidente da Venezuela tornou-se mais socialista à medida que os anos passaram. Em 2009, disse “Cada fábrica deve ser uma escola para educar, como Che Guevara disse, para produzir não apenas tijolos, aço e alumínio, mas também acima de tudo o novo homem e mulher, a nova sociedade, a sociedade socialista.”

O preço de desafiar a gente do dinheiro internacional e não fazer o trabalho sujo com os trabalhadores pode ser elevado.

Salvador Allende, o presidente marxista do Chile democraticamente eleito pagou com a vida. Foi derrubado num golpe que levou ao poder o general Pinochet, que iniciou a reestruturação da economia do Chile em benefício do capital ocidental com a ajuda de economistas neoliberais da Universidade de Chicago.

Os “esquerdistas” que não se venderam eram todos homens de princípios, com profundo empenho no socialismo. Bruno Kreisky, por exemplo, passou tempo na prisão na Áustria nos anos 30 devido às suas convicções. Compare-se o seu firme empenhamento na causa socialista com as posições oportunistas de François Miterrand. Miterrand, de acordo com o seu biógrafo Philip Short, virou-se para o socialismo “menos por convicção do que por um processo de eliminação.” Trata-se de um homem que, ao fim e ao cabo, tinha trabalhado tanto para a França de Vichy, como para a Resistência e que tinha descrito os comunistas como “um sofrimento”. Foi fácil para Miterrand enterrar o socialismo em 1983, visto que não lhe tinha qualquer ligação ideológica forte.

Os acontecimentos dos últimos dias demonstraram o mesmo sobre o empenhamento de Alexis Tsipras para acabar com a austeridade. Os defensores do primeiro-ministro grego tentam manter que ele não tinha outra opção que não render-se, mas isso é claramente contrário à verdade. Podia e devia ter tornado claro que, a não haver concessões importantes da troika relativamente à dívida grega, levaria o seu país para fora do euro.

“Sobre a Declaração da Cimeira do Euro sobre a Grécia: primeiros pensamentos” – Yanis Varoufakis (@yanisvaroufakis), 14 de Julho de 2015 http://t.co/7TTsbOrkof

A ameaça de deixar o euro foi uma carta de trunfo que Tsipras recusou jogar porque pôs o “ser bom Europeu” acima do fim da austeridade e do sofrimento do seu povo. O primeiro-ministro grego podia também ter jogado com o medo das elites europeias de a Grécia se aproximar mais da Rússia e da China ameaçando retirar-se da UE e da NATO. Podia ter nacionalizado os bancos. Mas, não fez nada disso. Em vez disso, sorria e brincava com os inimigos do seu país enquanto concordava em fazer da Grécia uma colónia de facto da UE e do capital internacional.

A dimensão da traição de Tsipras ao povo grego é verdadeiramente chocante. Apenas 10 dias antes, os gregos tinham votado por maioria significativa “Oxi” às exigências da Troika. Agora, Tsipras concordou com ainda mais cortes do que os rejeitados, assim como colocar 50 mil milhões de euros dos activos nacionais do país num fundo de segurança de privatizações totalmente sob supervisão da EU. E isto da parte de um homem cujo partido tinha prometido na campanha eleitoral em Janeiro acabar com as privatizações. O acordo que Tsipras aceitou é tão duro que até o FMI o criticou.

O povo grego estava pronto para resistir, mas é evidente que Tsipras não estava.

Não se trata de as massas gregas não estarem preparadas para lutar pela sua existência, trata-se de a “esquerda” social-democrata as ter enganado ao render-se — Phil Greaves (@PhilGreaves01) 14 Julho, 2015

O jornal Daily Telegraph citou o estudante de 23 anos Marios Rozis. Todos estavam felizes no domingo; tinha sido uma decisão amadurecida contra a austeridade. Hoje, sinto que o referendo aconteceu para nada.”

O Partido Comunista Grego (KKE), para seu crédito, previu exactamente o que ia acontecer. Tinham argumentado que só podia haver fim para a austeridade com uma “verdadeira rotura” com a UE, a NATO, o FMI e as forças do capital e com a adopção de um sistema económico alternativo. Mas, claro, foram escarnecidos e desautorizados como dinossauros pela “esquerda moderna” pró-UE que achava que Tsipras e o Syriza tinham todas as respostas.

Agora, Tsipras, o “esquerdista radical” pediu ao Parlamento grego que aprove medidas mais extremas do que qualquer coisa que os governos conservadores na Grécia se tinham atrevido a propor. Da mesma forma que só um político republicano de direita como Richard Nixon podia “ir à China”, só um político “progressista” podia ter hipótese de fazer passar no parlamento grego estas propostas extremamente regressivas.

Aqueles que acreditam que a troika tentava ver-se livre de Tsipras falham num ponto importante: é melhor para os credores da Grécia que seja um “radical de esquerda” como Tsipras a tentar fazer passar estas medidas, do que uma figura da “direita”. De facto, o capital financeiro internacional gosta mais quando são os partidos nominalmente de “esquerda” que fazem o trabalho sujo para eles, porque os dirigentes desses partidos tentarão apresentar as “reformas” como algo de algum modo “bom para as pessoas comuns”.

Em última análise, a única coisa “radical” em Alexis Tsipras foi não usar gravata.

“Foi fachada” diz o veterano e premiado John Pilger de Tsipras e seus “camaradas”. Não eram radicais no sentido do cliché usual, nem eram “anti-austeridade”.

A lição que precisamos de tirar da traição verdadeiramente épica de Tsipras é nunca julgar os políticos pela aparência e não nos deixarmos ir pelos rótulos que os media dão aos partidos. Em vez disso, as questões que precisamos de colocar são: quão genuíno é o compromisso dos políticos com a causa e quão contraditórias são as posições que tomam?

A Grécia prova-nos que se pode ser pró-Euro ou anti-austeridade, mas não ambas as coisas.

Alexis Tsipras pôs o seu compromisso com uma moeda colonial acima de tudo o resto e, ao fazê-lo, será lembrado como mais um pseudo-esquerdista que alinhou com os banqueiros contra o seu próprio povo.

- Neil Clark é jornalista, escritor, radialista e autor de blogue. Escreveu para diversos jornais e revistas no Reino Unido, incluindo The Guardian, Morning Star, Daily e Sunday Express, Mail on Sunday, Daily Mail, Daily Telegraph, New Statesman, The Spectator, The Week, e The American Conservative. É convidado regular de RT e tem aparecido também na BBC rádio e TV, Sky News, Press TV e Voice of Russia. É co-fundador de Campaign For Public Ownership @PublicOwnership. O seu premiado blog encontra-se em www.neilclark66.blogspot.com. Usa o tweeter para política e assuntos mundiais @NeilClark66

O Diário - Tradução: Jorge Vasconcelos - Outros autores

DESEMPREGO BAIXA EM PORTUGAL ATRAVÉS DOS “ENGENHEIROS DOS NÚMEROS"




Os números do desemprego baixam. Baixam? Então não baixam! Baixam através da manipulação dos “engenheiros dos números” do governo e seus apaniguados – que se vendem por 10 reis de mel coado. Assim, nas tabelas, nas estatísticas, o desemprego baixa. Pois, convém. Vêm aí eleições. Passos e os seus até já declararam o fim da crise. No entanto a fome continua. A miséria continua. O desemprego em números inauditos também continua. Talvez tudo não passe de um mal maior que assolou Portugal: um presidente de República saído das entranhas do salazarismo fascista e um primeiro-ministro ressabiado e saudosista dos tempos de leite e mel da boa vida que era extorquida a Angola e o beneficiava, e o beneficiou. “Para Angola e em força”, terá pensado. Só que a Angola dele, atualmente, é aqui, em Portugal. Rodeou-se de uns quantos negreiros… e vá de explorar e ditar os que morrem, os que ficam na miséria, os que passam fome, os que se são excluídos se não se sujeitam e acobardam às tiranias impostas.

O emprego não pode nunca baixar como é propalado. Só aqui em baixo, em notícia, estão mais 300 sem emprego (Volkswagen), por mês regressam de Angola 500 emigrantes portugueses que lá estavam. E mais, e mais. E muitos mais.

O “paraíso” em Portugal, anunciado por Passos, Portas e direita dileta de Cavaco Silva, é fictício. Só para enganar os trouxas. Quanto mais fascistas mais mentirosos são. Ir na conversa enganosa deles significa nunca mais sairmos da cepa torta, num mais que previsível regresso ao passado florescido pela tal direita dita neoliberal mas que não se demove de abrir as portas ao salazarismo e ao fascismo.

Se é o que querem... Continuem a votar neles. Cá estaremos para sermos todos tramados.

Redação PG / MM

Fim de produção do Volkswagen Eos deixa 300 pessoas sem emprego

A Autoeuropa deixou de produzir o Eos da Volkswagen e houve trabalhadores afetados. O fim da produção do modelo Eos, na Autoeuropa, levou ao despedimento de 300 pessoas, alguns trabalhadores temporários e outros pertencentes a empresas fornecedoras. Esta paragem na produção do modelo da Volkswagen obrigou ao fecho de uma empresa, a Webasto, revela ao jornal i a comissão de trabalhadores de Palmela, António Chora.

A fábrica irá, a partir de dia 24 de agosto, começar a produzir 460 carros por dia, em vez dos 500 que eram fabricados diariamente. “Já ontem começou a ser testada essa produção reduzida. E é esse número que temos para fabricar até ao final do dia”, afirmou o responsável.

António Chora garantiu ainda que apesar de haver uma produção regular, poderá haver oscilações, já que as encomendas chegam mensalmente da Alemanha. “Este ano começámos por produzir 460, passámos para os 480, atingimos os 500 e agora vamos reduzir para os 460 veículos por dia”, explicou.

A Autoeuropa desdramatizou o fim da produção do Eos e garantiu que os trabalhadores da fábrica foram recolocados noutros pontos da linha de produção, para fazer face ao aumento de produção da segunda geração de MPV’s.

Notícias ao Minuto

TÃO ESPERTOS E SEMPRE TÃO ENGANADOS



Francisco Louçã – Público, opinião

Faça-me o favor de olhar para este gráfico (clique se quiser ampliar). É muito oficial e representa a evolução do PIB da zona euro, a partir de um ponto original que é o estado da economia quando começou a crise financeira (2007–2008). Verifica-se tristemente que, oito anos depois, ainda não recuperámos até ao nível inicial.

Mas o gráfico tem outro detalhe e é desse que lhe quero falar. Ele regista, ano a ano, as estimativas de crescimento das entidades europeias no momento em que foram formuladas. Por cinco vezes sucessivas, estas estimativas enganaram-se. Estiveram sempre erradas. Presumiram que a ligeira recuperação de 2010 ia ser um sucesso. Foi um fracasso. Anteviam que em 2011 a economia ia disparar. Caiu. Que em 2012 ia virar. Continuou a estagnação. Que em 2013 e em 2014 ia começar a fulgurante recuperação. Não saiu do mesmo.

E as previsões estivera erradas no mesmo sentido: eram sempre demasiado optimistas. O mesmo erro cinco vezes seguidas já não é distracção, é mesmo mania. Ou seja, a economia era gerida por gente com um enviesamento ideológico mais forte do que as suas competências técnicas. A consequência foi sempre a pior possível: como tudo ia correr bem, as medidas em vigor eram óptimas e não era preciso nada mais. No ano seguinte, correu mal, as medidas falharam, mas agora é que vai correr bem, não mexer em nada. E no ano seguinte outra vez a mesma coisa. Ou seja, as previsões foram um mecanismo para confortar a ideologia da austeridade e justificar a inacção.

Como é que Passos Coelho, coitado, não se havia de enganar nas contas?

NOVO BANCO, A GOLPADA DO BANCO NASCIDO DA VIGARICE BES AOS EMIGRANTES




Amélia Reis diz que os dados divulgados pelo Novo Banco visam pressionar os emigrantes. Amélia Reis representa a organização defensora dos emigrantes lesados. É importante ouvi-la. Ainda mais importante por sabermos que o “banco bom” vem do “banco mau” e que o espectro maligno do BES continua no agora chamado Novo Banco. Sabemos igualmente que a falta de honestidade de banqueiros e gestores é farta. 

Exatamente por isso ninguém pode confiar naqueles, nos bancos, nos banqueiros e nos gestores, por maiores prosápias com que possam estar artilhados. Aliás, a escola é exatamente a mesma do atual primeiro-ministro Pedro Passos Coelho – alguém, como já experenciámos e experienciamos, em quem não se pode confiar. A desonestidade é latente e alastra aos que ocupam os poderes que ditam a devassa de Portugal e de muitos mais países a nível europeu e global. Se estamos perante uma mega-associação criminosa... é o que mais parece.

Leia a notícia veiculada pela Lusa na TSF. Mais vale prevenir. Lembre-se que “o corno é sempre o último a saber”. O vigarizado também.

Redação PG

Novo Banco diz que quase um terço dos emigrantes lesados pelo BES já chegou a acordo

São 2.000 dos 7.000 emigrantes que subscreveram produtos comerciais aos balcões do BES e que agora reclamam a devolução das suas poupanças. Movimento que representa estes lesados diz que este anúncio serve para pressionar os outros.

Uma fonte do Novo Banco disse à Lusa que "a adesão à solução para os clientes emigrantes está a correr de forma muito positiva", sublinha a mesma fonte, adiantando que à data de sexta-feira, dia 31 de julho, a adesão se traduzia em "2.000 propostas a clientes assinadas", quase "um terço dos clientes", conclui a mesma fonte.

Segundo a mesma fonte, aos 7.000 casos correspondem aplicações num valor global de 720 milhões de euros.

O Novo Banco começou a apresentar aos emigrantes, há pouco mais de uma semana, uma solução comercial, para reaver o dinheiro, investindo nos produtos Poupança Plus, Top Renda e EuroAforro e aguarda agora a aprovação da maioria dos sete mil clientes para avançar.

Segundo a mesma fonte, a solução comercial teve de ser autorizada pelo Banco de Portugal e prevê a assinatura prévia dos clientes para que o Novo Banco e o Credit Suisse possam anular os veículos financeiros. Só depois será possível avançar com a proposta comercial que garante pelo menos 60% do capital investido, e liquidez se essa for a opção, assim como um depósito anual crescente a seis anos, que possibilita recuperar no mínimo 90% do capital investido.

Uma solução que, segundo Amélia Reis, uma das porta-vozes do Movimento dos Emigrantes Lesados, com sede em França, não agrada aos clientes.

Ouvida pela TSF, Amélia Reis diz que o anúncio feito este sábado não é inocente, o Novo Banco sabe que é dia de chegada a Portugal de muitos emigrantes e está a tentar forçar o acordo com a solução proposta.

A porta-voz do movimento diz ainda que o Novo Banco está a pressionar os lesados para que aceitem antes de 15 de agosto, quando o prazo fixado pelo banco vai até ao fim do mês.

Amélia Reis diz ainda que se mantêm as manifestações previstas para dia 10 de agosto em Lisboa, de 26 de setembro em Paris.

A situação dos emigrantes não é a única que o Novo Banco tem para resolver, depois da resolução do BES em agosto do ano passado. Segundo a mesma fonte, desde outubro do ano passado que o Novo Banco está a resolver situações que tinham como ativos subjacentes dívida sénior do BES que transitou para o Novo Banco.

Segundo os dados facultados à Lusa pelo Novo Banco, as soluções apresentadas desde Outubro envolveram um total de quase 14.000 clientes e um valor aplicado de 2.120 milhões de euros.

Ainda segundo a mesma fonte, em matéria de depósitos, e tal como o Expresso noticiou na semana passada, o Novo Banco ultrapassou pela primeira vez o BES, numa base comparável.

Um resultado que foi possível porque desde setembro do ano passado os depósitos aumentaram seis mil milhões de euros, quatro mil milhões em 2014 e cerca de dois mil milhões este ano.

Lusa, em TSF

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