quinta-feira, 13 de agosto de 2015

ANGOLA PARA OS ANGOLANOS




Angola é nossa (o hino fascista-colonialista de Salazar dizia assim) menina-dos-olhos neste período tão conturbado em que o regime dominante vai abanando mas não cai. Pensando melhor até existem outros países da CPLP cujos regimes também andam a abanar ou constituem-se em grandes incógnitas quanto a democracia, justiça, liberdade, transparência. Acabam todos eles, para o PG, por serem meninas-dos-olhos e motivos de preocupação. Vejam bem: Brasil, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Moçambique, Timor-Leste. E Portugal. Mas agora é tempo de Angola que, fruto dos veraneios dos do PG, há dias e dias que não vê uma linha aqui para seu trato. Angola e outros. E outras nações. Tem sido a calamitosa redução de publicações no PG. Falha talvez grave para alguns que não nos perdoarão e não voltarão às visitas que se somam e somarão aos mais de quatro milhões.

Em Angola damos o trato que possa de algum modo trazer luz ao que por lá acontece. Luz fraca, mas é alguma. Fraca e sobretudo triste. Imagine-se que em Angola há mortes por fome. Já sabíamos mas é sempre útil relembrar o inadmissível num país onde as riquezas naturais abundam e pertencem aos angolanos, não a uns quantos ladrões de traseiros assentes nas cadeiras dos poderes.

Rafel Marques, outra tristeza. Notícia compilada a seguir à desgraça da má nutrição (fome). Outra tristeza por constatarmos que a realidade angolana com os crimes de Estado e de regime, com a devassa dos direitos humanos e constitucionais, etc., dá razão e força a Rafael Marques e aos outros Rafaéis para que sejam reconhecidos e admirados ao ponto de serem galardoados como defensores dos direitos dos angolanos. Justamente. Ora se o regime angolano fosse de facto democrático, transparente, honesto, cumpridor dos direitos humanos, etc., se Angola fosse de todos os angolanos, não seriam necessários Rafaéis nem galardões aos que se arriscam a ser empalados por defenderem o óbvio, o justo para os seus compatriotas e para eles próprios.

É sabido que quem não chora não mama. Já Salazar chorava imenso para mamar nas ex-colónias. Sobre Angola dizia-se que era nossa (de Portugal). Grande mentira!

Um mamão angolano que é ministro e dá pelo nome de Luís de Matos (se calhar tem vocação para ilusionista) choraminga que anda por aí uma campanha de difamação a Angola… A Angola não. Ao regime angolano, diga assim, senhor ministro. Afinal está a chorar tal qual Salazar. O que nesse governo do MPLA é uma grandessíssima vergonha, um nojo. Técnicas colonialistas em autoproclamados anticolonialistas. Se não vejamos: existe em Angola um regime autoritário, ditatorial? Sim. Assassinam opositores? Sim. Arrebanham riquezas aos fardos para a elite que dita? Sim. Mantêm nas prisões opositores que corretamente são presos políticos? Sim. Salazar e o colonialismo não fariam melhor. Que vergonha. Para quando o saneamento do esterco que existe dentro do MPLA? Esses, os causadores de os opositores existirem com justa causa. Existem e ainda bem, para acabar com estes abusos. Talvez que os próximos nos poderes façam o mesmo ou ainda pior (e lixem os angolanos) mas agora urge derrubar estes.
  
A seguir a Rafael Marques e ao ministro chorão da treta cai o Carmo e a Trindade nos gabinetes dos poderosos angolanos: vem aí o diretíssimo Folha 8. Ali chamam os bois pelos nomes. Há quem não goste. Pois. É natural. Uns defendem os regimes, outros combatem-nos. A quem está de fora compete perceber por que assim é e tecer as suas críticas ou não. Deixar tudo em banho-maria é que não convém.

Angola tem de vir a ser para os angolanos. Ponto final, parágrafo. 

Nos artigos compilados que se seguem existem outras abordagens, mas vão sempre parar ao mesmo: violação dos direitos humanos, presos políticos, etc. Esta é a realidade (infelizmente) não uma campanha urdida para difamar. Basta!

Embarquemos, sobre Angola.

Redação PG /MM

Mortes por má nutrição continuam a ser preocupação em Angola

As mortes por má nutrição diminuíram em centros especializados para o tratamento da doença, na província angolana do Cuanza Sul, no primeiro semestre deste ano, enquanto no Huambo, 84 crianças morreram devido ao problema.

A informação avançada pelo supervisor provincial do programa de nutrição do Cuanza Sul, Baptista Lopes, dá conta que no período em referência foram registados 36 óbitos, uma diminuição de 28 mortes comparativamente ao ano passado.

O técnico sanitário disse ainda que no primeiro semestre foram notificados 5.705 novos casos, dos quais 993 ficaram tratados.

Baptista Lopes salientou que as campanhas de sensibilização e palestras sobre nutrição, bem como a formação de pessoal de vigilância têm resultado na diminuição de casos e da mortalidade.

O responsável sublinhou que no mesmo período, as autoridades sanitárias administraram 75.603 doses de vitamina A, das quais beneficiaram 58.770 crianças e 16.833 parturientes.
Entretanto, na província do Huambo, 84 crianças menores de cinco anos morreram devido a má nutrição, um aumento de mais 16 casos comparativamente ao mesmo período do mês anterior.

Segundo a supervisora de nutrição, Cármen Adelaide, citada pela agência noticiosa angolana, Angop, foram registados de janeiro a junho 785 casos de má nutrição, causados sobretudo pelo desmame precoce e má alimentação das crianças, sobretudo nos meios rurais.

No mês em curso decorre em Angola uma campanha de sensibilização e mobilização sobre boas práticas de nutrição e a importância do ferro na alimentação das crianças, promovido pela multinacional Nestlé.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Rafael Marques finalista de prémio de direitos humanos no Canadá

Rafael Marques, jornalista e ativista angolano, é um dos quatro finalistas do Prémio Allard para a Integridade Internacional, anunciou a universidade canadiana de British Columbia.

"Com enormes riscos pessoais e sacrifício mas acima de tudo com coragem e liderança, os quatro finalistas do Prémio Allard em 2015 têm sido extremamente persistentes na sua luta pela transparência, responsabilização, pela aplicação da lei e contra a corrupção, declara Peter Allard na mensagem publicada na página oficial sobre o prémio ( http://www.allardprize.org/ ).

O prémio, de cem mil dólares, foi criado em 2013 e é financiado pelo antigo aluno da Universidade de British Columbia (UBC) Peter A. Allard, da província do Quebeque, para reconhecer esforços no combate à corrupção e defesa dos direitos humanos no mundo.

Os quatro finalistas são o jornalista angolano Rafael Marques, o antigo jornalista queniano e funcionário governamental para o combate à corrupção Jonh Githong, a organização Indonesia Corruption Group, que tem denunciado casos de corrupção política e judicial em Jacarta e, a título póstumo, Sergei Magnisky, o contabilista russo que denunciou inúmeros casos de fraude fiscal na Rússia e que acabou por morrer na prisão sem ter sido julgado.

Sobre Rafael Marques, a organização refere que se trata de um ativista de direitos humanos e jornalista angolano que tem dedicado a carreira a "sensibilizar o público sobre a corrupção do governo, o conflito relacionado com diamantes, a brutalidade do exército e a corrupção no sector petrolífero", em Angola.

O vencedor do Prémio Allard vai ser anunciado no dia 01 de outubro, durante as comemorações do centenário da UBC, no Canadá.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Campanha anti-Angola faz recurso à difamação

O ministro da Comunicação Social, José Luís de Matos, denunciou ontem em Luanda uma campanha de difamação realizada por grupos internacionais para desacreditar as instituições angolanas.

A existência de “lobbies” internacionais que tentam desacreditar as instituições do Estado angolano foi ontem denunciada em Luanda pelo ministro da Comunicação Social, José Luís de Matos. 

“Lobbies” internacionais que não estão satisfeitos com os avanços de Angola têm vindo, através de campanhas infames, a tentar desacreditar as instituições angolanas legalmente constituídas”, afirmou José Luís de Matos, na abertura da décima reunião ordinária do Conselho Consultivo do Ministério da Comunicação Social. O ministro denunciou as redes sociais que são aproveitadas para o serviço de desestabilização do país.

A continuação dos esforços no sentido de colocar os cidadãos ao corrente das acções e grandes realizações protagonizadas pelo Executivo angolano, liderado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, em prol do bem-estar de todos os angolanos, foi defendida por José Luís de Matos. Desta forma, acrescentou, “a sociedade está mobilizada para os grandes imperativos nacionais, designadamente a paz, a estabilidade política e social, o desenvolvimento económico e a democracia”.

O sector da Comunicação Social, dentro da conjuntura sociopolítica e económica do país, tem vindo a cumprir a sua missão de levar de forma responsável a informação séria, plural e isenta aos cidadãos, disse o ministro da Comunicação Social, que defendeu uma maior determinação e empenho por parte de todos os profissionais. 

“Os tempos que correm exigem à comunicação social determinação e empenhamento. Requer também criatividade e patriotismo na tarefa de divulgação do esforço colectivo da nação para a estabilidade sociopolítica, desenvolvimento económico e afirmação internacional”, disse o ministro da Comunicação Social.

“A Constituição da República garante o direito à informação e à liberdade de imprensa e de expressão, competindo ao Estado a materialização de uma imprensa plural, isenta, responsável e patriótica, cuja actuação contribui para a instauração de uma cultura de paz e convivência democrática”, explicou José Luís de Matos.

Falta de ética

Na sua intervenção, o ministro da Comunicação Social referiu as reclamações, por parte da opinião pública e da sociedade civil, contra a falta de ética e o respeito dos princípios deontológicos em alguns órgãos de comunicação social. “É esclarecedor o facto de a tónica principal da esmagadora maioria das deliberações do Conselho Nacional de Comunicação Social pender para a falta do rigor jornalístico e para a ausência de concisão e precisão das matérias abordadas”. José Luís de Matos concluiu que essa situação impõe que, definitivamente, se reconheça que não há jornalismo de qualidade quando se atropelam os padrões ético-deontológicos. 

“O jornalismo responsável não se compadece com a invasão da privacidade e muito menos tolera processos de intenções que atentam contra os mais elementares direitos de dignidade das pessoas”, salientou o ministro, que acrescentou: “Temos de cultivar o rigor e o profissionalismo no seio do nosso jornalismo”.

A investigação jornalística, disse José Luís de Matos, deve ser o apanágio para quem quer assumir esta nobre profissão. “O jornalista deve assumir-se, acima de tudo, como um servidor social. O jornalista não se deve prestar ao serviço de relações públicas e muito menos desempenhar papel de activista político. O jornalismo não se pode substituir aos tribunais. Antes, deve ser um instrumento ao serviço da Justiça e dos direitos humanos”.

O ministro da Comunicação Social apontou a formação e a educação dos jornalistas e da sociedade como uma das apostas do sector que dirige. “A solução deve ser a aposta na formação e educação dos jornalistas e da sociedade, para que os profissionais estejam à altura das expectativas que se esperam à sua missão”. Hoje, a sociedade exige cada vez mais dos profissionais da comunicação social, explicou José Luís de Matos. Neste sentido, informou, o Ministério da Comunicação Social vai prosseguir com determinação na aposta da potenciação da classe jornalística, refrescando e consolidando os seus conhecimentos e competências. 

“Temos de apostar cada vez mais no jornalismo responsável, investindo na construção de uma mentalidade social que prestigie o respeito dos valores patrióticos, éticos, morais, cívicos e culturais”, sustentou.

O Ministério da Comunicação Social vai prosseguir com o processo de revitalização e expansão pelo país da rede de difusão da Rádio Nacional de Angola e da Televisão Pública de Angola e aumentar a circulação dos conteúdos da Edições Novembro e da Angop, com vista a satisfazer as exigências informativas, educativas, culturais e recreativas dos cidadãos. A reabilitação e criação de novas infra-estruturas ao nível das províncias e municípios é outra medida importante a prosseguir, assim como a gestão rigorosa dos recursos colocados ao dispor do sector.

Antes de terminar a sua intervenção, o ministro da Comunicação Social apelou a todos os profissionais do sector, aos parceiros sociais e a toda a sociedade civil para trabalharem em conjunto em prol de uma comunicação social ao serviço de Angola. “Perante os desafios dos novos tempos e a conjuntura económica mundial, temos de fazer jus ao sentido de missão e ao sentimento patriótico que nos animam”.

Bernardino Manje – Jornal de Angola

Eurodeputados querem condenar a violação de direitos humanos em Angola

Em causa está a detenção dos 15 activistas, em Luanda, e de Marcos Mavungo, em Cabinda.

Um grupo de 20 eurodeputados de várias nacionalidades e quadrantes políticos escreveu ontem à chefe da diplomacia europeia a pedir uma condenação pública dos recentes acontecimentos em Angola, nomeadamente a detenção “sem acusação formal” de um grupo de activistas.

Na carta enviada à Alta Representante da União Europeia (UE) para a Política Externa, Federica Mogherini, os eurodeputados, incluindo portugueses, relataram os acontecimentos ocorridos a 8 de Agosto em Luanda, dia da realização de uma marcha promovida pelos familiares dos 15 jovens activistas que estão em prisão preventiva desde Junho.

“No dia 08 de Agosto, mães e familiares dos 15 jovens presos políticos detidos em Angola desafiaram a proibição das autoridades de uma manifestação devidamente notificada e prosseguiram com uma marcha pacífica em Luanda para exigir a libertação dos seus filhos e familiares”, escreveram os eurodeputados, explicando ainda que os jovens, detidos sob a presunção que estavam a planear um golpe de Estado, “ainda não foram formalmente acusados”.

No texto dirigido a Federica Mogherini, os parlamentares europeus referem que a marcha foi recebida com “extrema brutalidade policial”, indicando que vários manifestantes foram espancados pelas autoridades e atacados pelos cães das forças policiais.

Com base nestes dados, os eurodeputados instaram Federica Mogherini a expressar publicamente o descontentamento europeu relativamente à continuação da detenção dos jovens activistas, mas também face ao caso de José Marcos Mavungo, detido há vários meses em Cabinda pelo seu trabalho na área dos direitos humanos.

Os parlamentares perguntaram ainda na missiva se a Alta Representante vai condenar publicamente “a brutalidade policial e as restrições contra manifestações pacíficas” em Angola.

“Tendo em consideração que o direito de se manifestar pacificamente está consagrado na Constituição, esta repressão violenta representa uma escalada na repressão exercida pelas autoridades angolanas sobre os dissidentes políticos e activistas dos Direitos Humanos”, referem os subscritores, frisando que Angola e a UE estão vinculados por obrigação a respeitar os Direitos Humanos, nos termos do Acordo de Cotonou (protocolo celebrado entre a UE e o grupo de países África, Caraíbas e Pacífico – ACP em Junho de 2000).

Entre os subscritores da missiva figuram as eurodeputadas portuguesas Marisa Matias (Bloco de Esquerda) e Ana Gomes (Partido Socialista), que esteve há cerca de duas semanas em Angola.

Lusa, em Rede Angola

Advogado de defesa desagradado com interrogatórios dos três activistas

Segundo Walter Tondela, foram feitas perguntas já respondidas anteriormente pelos detidos em Calomboloca.

Domingos da Cruz, Luaty Beirão e Manuel Nito Alves, três dos quinze detidos, desde Junho, sob acusação de planear um golpe de Estado, foram ouvidos ontem pelo procurador Luciano Cachala, nas instalações da Polícia Fiscal, no Kinaxixi, em Luanda. O depoimento, que durou cerca de cinco horas, desagradou ao advogado dos activistas que alega terem sido repetidas perguntas já respondidas anteriormente pelos jovens.

“Não ficamos muito felizes com a posição do procurador porque eram perguntas que já tinham sido levantadas e eles já tinham respondido. Em primeira instância, não tinha necessidade de voltar a perguntar”, referiu Walter Tondela.

O advogado, que acompanhou o depoimento de Domingos da Cruz, não revelou quais foram as questões colocadas pelo procurador, alegando o impedimento legal: “Em função de segredo de justiça, não posso tornar públicas as perguntas e respostas”. Adiantando que espera uma resposta da procuradoria até ao início da próxima semana.

“Dizem que até amanhã ou até à próxima semana findam a instrução do processo. Pode ser que despachem a liberdade provisória pelo termo da identidade e residência ou caução”, diz esperançoso.

Walter Tondela, revelou ainda ao Rede Angola, que para além do pedido de habeas corpusentregue ao Tribunal Supremo pedindo a libertação dos activistas, dará entrada de outro pedido no Tribunal Constitucional.

“O Tribunal Supremo pediu que a procuradoria se manifestasse, mas até agora não responderam. Vamos dar entrada agora no Tribunal Constitucional e se houver alguma lentidão, vamos ter que recorrer aos tribunais internacionais”, adianta.

Os três activistas foram transferidos terça-feira da prisão de Calomboloca, no Bengo, para a 29.ª Esquadra, onde passaram a noite. Até ao momento, o RA não obteve a informação se os mesmos já regressaram à unidade prisional.

O depoimento dos três activistas teve início por volta das 8h de ontem e terminou às 13h. Nas redes sociais, diversas pessoas manifestaram apoio aos presos políticos. Alguns activistas estiveram na entrada da 29.ª Esquadra numa tentativa de poderem ver os presos, já que as visitas estão restritas aos membros da família.

“Ao se deparar connosco na entrada da 29.ª Esquadra, Luaty Beirão, com espírito elevado e sorriso nos lábios, levantou o punho com as mãos algemadas e perguntou-nos com voz firme: ‘como estão?’. Enquanto ele era levado para dentro da esquadra, rimos” e gritamos-lhe “de forma emocionada: ‘Estamos bem. Força, nosso irmão'”, descreveu na sua página no Facebook, o também activista Pedrowski Teca.

Desde a semana passada diversas pessoas têm sido chamadas para depor no processo número 718/15-10-DNIC, o mesmo dos jovens detidos sob acusação de tentativa de golpe de Estado e que encontram-se em celas isoladas, em diversas cadeias em Luanda.

Entre os convocados estão as activistas Laurinda Gouveia e Rosa Conde e ainda o membro da Comissão Política do Bloco Democrático, Filomeno Vieira Lopes, que disse ter sido interrogado naquilo que está a ser entendido como o início de um amplo processo de investigação a todos os membros apontados como fazendo parte de um suposto “Governo de Salvação Nacional”, alegadamente orquestrado pelo Movimento Revolucionário.

Segundo informação da Procuradoria-geral da República (PGR), os jovens detidos desde 20 de Junho – estudantes e licenciados – estariam a preparar um atentado contra o presidente José Eduardo dos Santos e outros membros dos órgãos de soberania, num alegado golpe de Estado, mas ainda não têm qualquer acusação formada.

Este caso tem sido alvo de interesse nacional e internacional, com vários pedidos públicos de organizações, artistas, escritores e activistas para a sua libertação.

De acordo com a PGR, os detidos em prisão preventiva são Henrique Luaty Beirão, Manuel Nito Alves, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Fernando António Tomás “Nicola”, Nelson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo (tenente das Forças Armadas Angolanas).

Rede Angola

CONSTITUIÇÃO ATÍPICA, PRESIDENTE VITALÍCIO

O Presidente vitalício de Angola e do MPLA, José Eduardo dos Santos, defendeu no dia 20 de Agosto de 2009, em Luanda a realização das eleições “presidenciais” angolanas num sistema parecido com o da África do Sul, que definiu como uma eleição “indirecta atípica”.

E assim aconteceu, acontece e acontecerá enquanto Angola não for de facto, não apenas de jure, uma democracia e um Estado de Direito.

Não importa que seja eleição “indirecta atípica”. O que importa é que José Eduardo dos Santos continue no poder, se possível durante toda a vida. Não seria o primeiro nem certamente o último.

“O que estamos a advogar agora é a eleição presidencial por sufrágio universal, mas num sistema que seja parecido com o da África do Sul”, declarou Eduardo dos Santos, defendendo a realização de um escrutínio directo e universal em que o Presidente é cabeça de lista do partido que o apoia, devendo a escolha popular ser depois ratificada pelo Parlamento, mas que não é uma eleição indirecta típica.

Ou seja: para além de as eleições se realizarem apenas e quando Eduardo dos Santos quer, e se quiser, é preciso que tudo se faça de modo a garantir que tudo ficará na mesma, como aliás acontece desde 1975 com o MPLA e desde 1979 com ele.

O dono do país, que respondia a perguntas de jornalistas, adiantou, no entanto, que a modalidade de realização das presidenciais dependeria da vontade da maioria.

E quem é essa maioria? É o MPLA. Aliás, como noutros tempos, dir-se-ia que o MPLA é o povo e o povo é o MPLA. E se assim é, se calhar nem valeria a pena haver eleições. Com elas ou sem elas, o povo continua a passar fome e o petróleo continua a chegar aos donos do mundo. Portanto…

“Evidentemente que sou presidente de um partido, sou presidente do MPLA”, frisou Eduardo dos Santos. E frisou bem, não fosse alguém esquecer-se.

A Constituição, como de resto tudo em Angola, foi também feita à medida e por medida e, é claro, aprovada pela tal maioria.

No meio de um discurso sisudo, Eduardo dos Santo não resistiu (ainda bem!) a contar uma anedota que, apesar de velhinha, continua a fazer-nos rir. Afirmou que “o Estado vai continuar a criar condições para que a imprensa seja cada vez mais forte, plural e isenta, responsável e independente”.

Como a audiência parecia não ter percebido o alcance da anedota, o chefe de Estado, do MPLA, do Governo, do país, pormenorizou: É preciso dar “expressão à realidade multicultural do país e contribuindo para a unidade da Nação e incentivando o surgimento e desenvolvimento da iniciativa privada nacional nos diferentes domínios da comunicação social”.

Regressado à sisudez soviética (atenuada em alguns pontos pela mão dos amigalhaços portugueses e brasileiros) onde aprendeu tudo o que sabe, Eduardo dos Santos disse que “hoje, neste acto histórico e solene, o povo angolano vai conquistar pela primeira vez uma Constituição genuinamente nacional que assinala o fim do período de transição em que vivíamos (desde 1991, com a abertura ao multipartidarismo) e instaura definitivamente um Estado democrático e de direito”.

Para os leitores menos habituados a esta linguagem figurativa do dono de Angola, importa fazer a tradução. “Constituição genuinamente nacional” significa que foi exclusivamente feita pelos angolanos de primeira e para os angolanos de primeira, ou seja os do MPLA.

“Estado democrático e de direito”, quer dizer um reino onde o clã Eduardo dos Santos dá total liberdade aos súbditos para seguiram o MPLA, bem como para perceberam a filosofia democrática do regime: “quero, posso e mando”.

Respondendo a críticas, com destaque para a UNITA, o maior partido da oposição que abandonou o Parlamento nos momentos de votação, Eduardo dos Santos disse que a Constituição “é fruto de um prolongado debate aberto, livre e democrático com todas as forças vivas da Nação”.

Tem razão. O debate foi aberto, livre e democrático. Todos puderam falar do assunto, propor alternativas e contestar. Todos aqueles que ainda não tinham percebido que esse debate era folclore e que a Constituição seria aprovada segundo as regras e interesses do regime…

O presidente lembrou ainda que esta Constituição “reafirma e consagra” entre os seus princípios estruturantes a democracia pluralista e representativa, o carácter unitário do Estado, a valorização do trabalho e o respeito pela dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa económica e empresarial, a justiça social, a participação dos cidadãos e o primado da lei.

Esta foi aquela parte tirada de outras leis fundamentais que ficam sempre bem, mas que não são para cumprir.

Se a existência de partidos é, só por si, sinónimo de democracia, se calhar o regime de Salazar também era democrático. Para haver democracia, julgam alguns peregrinos das causas humanas, é preciso que o poder não esteja na mão de uma só pessoa, é preciso que o poder legislativo seja eleito, que o poder executivo seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito, que o poder judicial seja independente, que o Povo saiba quem elege ou quem não elege. Nada disto é verdade em Angola.

Assim, o presidente da República é o “cabeça de lista” do partido mais votado, mesmo que só consiga – por exemplo – 25% dos votos (não será o caso do MPLA que é bem capaz de passar os 100%).

Além disso, o presidente escolhe o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica e o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas.

Melhor do que isto não se conhece. Nem mesmo Jean-Bédel Bokassa, também conhecido como Imperador Bokassa I e Salah Edddine Ahmed Bokassa, Idi Amin Dada ou Mobutu Sese Seko fizerem algo de semelhante.

Orlando Castro – Folha 8

Guiné-Bissau. OBVIAMENTE QUE O PR DEMITIA O GOVERNO, MAIS CEDO QUE TARDE




O presidente da Guiné-Bissau demitiu o governo. Já se estava à espera que assim acontecesse. A instabilidade que pode causar é inimaginável. Um governo com todo o apoio internacional e dos próprios guineenses – o mais importante – que foi eleito há pouco mais de um ano e que José Mário Vaz, o presidente da República, tem vindo a tudo fazer ao longo desse período para o demitir sem justa causa, não deixa construir perspetivas risonhas para o país e para os guineenses que se estavam a sentir realmente a iniciar um tempo de estabilidade e de desenvolvimento democrático, económico e social.

A seguir pode desfrutar de algumas das notícias de autoria da Agência Lusa e que retirámos de Notícias ao Minuto. São notícias de ontem e de hoje que não queremos deixar de fazer constar no Página Global. Neste período de veraneio temos reduzido bastante as nossas publicações mas na verdade a Guiné-Bissau merece a nossa especial atenção neste seu novo ato de “acarinhar” a instabilidade, sendo que desta vez o detentor dos “carinhos” é o presidente da República. Que quererá ele, Mário Vaz, para a Guiné-Bissau? Um novo entreposto de traficantes? Mais miséria prolongada para os guineenses? O tempo e os acontecimentos que se seguirem deverão revelar quais os objetivos daquele presidente, Mário Vaz.

Ficámos a saber que as reações em Timor-Leste, sobre a demissão do governo de Domingos Simões Pereira, são de desagrado. Ramos-Horta e Mari Alkatiri já se pronunciaram. Isto apesar de atualidade em TimorLeste também andar muito conturbada e cheia de “rabos de palha made in Xanana Gusmão".

A seguir, fiquem com as notícias da Agência Lusa, como referimos.

Redação PG

Ban Ki-moon tenta pessoalmente evitar instabilidade na Guiné

O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, envolveu-se pessoalmente nos esforços para evitar um novo episódio de instabilidade politica na Guiné-Bissau, anunciou a comunidade internacional no país, em comunicado.

Os representantes dos parceiros externos da Guiné-Bissau reconhecem "o envolvimento pessoal do secretário-geral das Nações Unidas, bem como os esforços feitos por outros parceiros de forma individual e coletiva", refere-se no documento divulgado na última noite.

A situação no país lusófono vai estar em debate numa reunião do Conselho de Segurança da ONU agendada para dia 28 de agosto, disse à Lusa fonte das Nações Unidas.

No comunicado são igualmente enaltecidas as iniciativas regionais do presidente do Senegal, Macky Sall (presidente da autoridade da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) e da União Africana.

"Os representantes da comunidade internacional juntam as suas vozes às de todos os outros que clamam e apelam ao diálogo como único meio para uma solução durável de qualquer diferendo político", lê-se.

O documento resulta de uma reunião realizada na segunda-feira, em Bissau.

Nesse encontro, a comunidade internacional reiterou a disponibilidade para financiar a Guiné-Bissau, tal como anunciou na mesa redonda de doadores realizada em março, com intenções de apoio de mil milhões de euros, mas refere que só a estabilidade permitirá aplicar os planos de desenvolvimento.

A tensão cresceu na última semana depois de veiculada a possibilidade de José Mário Vaz demitir o Governo, alegadamente por causa de dificuldades de relacionamento com o primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, e por discordar de algumas medidas do Executivo.

O primeiro-ministro, Domingos Simões Pereira, fez uma declaração ao país em que acusou Vaz de pretender derrubar o Governo e cujo teor a Presidência considerou "calunioso e ofensivo".

O chefe de Estado anunciou no domingo que em breve faria uma declaração ao país, mas a comunicação ainda não tem data nem hora marcada.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Situação política levou presidente a mudar de ideias

O Presidente da Guiné-Bissau que em julho foi ao Parlamento dizer que não pretendia derrubar o Governo, mudou de ideias depois de o primeiro-ministro "desdenhar" daquele discurso e querer manter em funções governantes a contas com a justiça.

Numa declaração à nação feita na última noite, antes de demitir o governo, José Mário Vaz referiu que "logo no dia seguinte" à sua intervenção na Assembleia, a 03 de julho, o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira "entendeu oportuno desdenhar do espírito reconciliador e apaziguador" com que o Presidente diz ter discursado.

A juntar a isto, a "remodelação profunda" do Governo, que Vaz apontava como uma possível solução para a crise de relacionamento entre ambos (que se agravava praticamente desde o início dos mandatos, há um ano), encalhou nos membros sob suspeita.

Ou o primeiro-ministro ou o Procurador-Geral da República, um dos dois "está a faltar a verdade" sobre o número de pessoas alvo de processo judiciais, referiu o chefe de Estado, que diz serem mais que as quatro pessoas que Simões Pereira lhe apontou.

"Não estava em condições de viabilizar a proposta de remodelação", acrescentou o chefe de Estado, que disse ter transmitido essa preocupação ao presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá.

O conteúdo dessa reunião foi alegadamente deturpado e revelado por Cassamá a 05 de agosto, dizendo que o Governo estava em perigo - gerando o debate público dentro e fora do país sobre a possibilidade de José Mário Vaz atirar o país para a instabilidade sem razões plausíveis.

"Como diz o ditado: uma pequena mentira, repetida mil vezes, transforma-se em grande verdade", referiu o Presidente da Guiné-Bissau.

"A conduta do presidente da Assembleia Nacional Popular é de uma irresponsabilidade sem precedentes na história da nossa democracia e das instituições do Estado", acrescentou.

Vaz lamenta ainda que Simões Pereira se tenha baseado naquela "pequena mentira" para acusar o chefe de Estado de tentar deliberadamente provocar uma crise para destituir o Governo.

"Esta crise revelou que vivíamos numa hipocrisia institucional com a qual não consigo coabitar. Não é intelectualmente honesto fingir não existir uma crise política", referiu, ao apontar para o desfecho - a demissão do Executivo.

Dentro e fora da Guiné-Bissau, ao longo da última semana, todas as forças políticas e entidades pediram estabilidade política, mas o Presidente José Mário Vaz considera que "todo este alarido visa, por um lado, desviar a atenção e manipular a opinião dos guineenses face à real situação difícil e incomportável" que o povo suporta "e, por outro, distrair o poder judicial".

"Para além da grave crise política suscetível de pôr em causa o regular funcionamento das instituições, no âmbito económico a situação é muito preocupante porque pouco ou nada se fez durante o primeiro ano de mandato", acrescentou no discurso ao país feito na última noite.

"Sempre que se fala neste sentido, evoca-se o pagamento de salários e o fornecimento regular de corrente elétrica", mas "o país não vive apenas com a satisfação destas duas necessidades".

José Mário Vaz negou ainda "qualquer intenção de ter uma participação ativa nas gestão dos fundos da mesa redonda de doadores", realizada em março, em Bruxelas, em que a comunidade internacional anunciou mil milhões de intenções de apoio aos projetos das novas autoridades.

Remeteu ainda para discussão no Conselho Superior de Defesa Nacional o apuramento de "todas as responsabilidades" acerca do regresso do contra-almirante guineense Zamora Induta ao país - que aponta como "matéria de natureza de segurança interna" sobre a qual o Governo falhou em informá-lo.

O Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, demitiu na quarta-feira o Governo liderado por Domingos Simões Pereira através de decreto presidencial.

A decisão foi divulgada pela rádio pública da Guiné-Bissau às 23:10 (00:10 em Lisboa) duas horas e meia depois de o chefe de Estado ter feito um discurso à nação em que referiu que uma remodelação governamental não chegava para resolver a crise política no país.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Crise política não afeta madrugada tranquila no centro da capital

A crise política, com o Presidente da República da Guiné-Bissau a demitir o Governo, não afetou a tranquilidade da madrugada no centro da capital, constatou a agência Lusa.

Em plena época das chuvas, as principais ruas que ligam à zona do Palácio da Presidência e à Praça dos Heróis Nacionais, logo em frente, estão desertas e sem trânsito.

Nalguns dias da última semana, diversas manifestações pacíficas têm juntado a população naquela praça (onde fica também a sede do PAIGC) para pedir estabilidade política para o país.

Por outro lado, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, general Biaguê Nan Tan, garantiu na segunda-feira que os militares vão continuar afastados da atual tensão política no país.

O general assegurou que, além de se afastarem dos assuntos políticos, os militares vão igualmente manter distância em relação a qualquer situação que possa pôr em causa a estabilidade do país.

Lusa, em Notícias ao Minuto

Ramos-Horta "consternado" quer que Timor congele apoio a Bissau

O ex-Presidente da República timorense, José Ramos-Horta, manifestou-se hoje "consternado" com a decisão do chefe de Estado guineense demitir o Governo, defendendo que Timor-Leste deve congelar de imediato a cooperação com a Guiné-Bissau.

"A decisão não me surpreendeu mas não deixo de ficar consternado perante a total incapacidade da liderança guineense de superar as diferenças políticas e sociais, fazendo o país recuar de novo, face aos progressos registados nos últimos 12 meses", disse à Lusa em Díli.

Ramos-Horta reagia à decisão do Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, demitir o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, segundo um decreto presidencial lido às 23:10 de quarta-feira (00:10 em Lisboa) na Rádio Difusão Nacional.

"É demitido o Governo chefiado por Domingos Simões Pereira", refere-se no único artigo do decreto presidencial.

A decisão foi divulgada pela rádio pública da Guiné-Bissau duas horas e meia depois de o chefe de Estado ter feito um discurso à nação, no qual referiu que uma remodelação governamental não chegava para resolver a crise política no país.

Para Ramos-Horta "se há um país em que não há razão para mudança de um Governo, a Guiné-Bissau é um exemplo", já que "tem havido progressos visíveis no plano social e económico, no ambiente político geral, no plano de segurança e no apoio internacional".

"Não me parece que países como Timor-Leste devam continuar a manter o mesmo nível de relacionamento com a Guiné-Bissau face a esta nova situação", disse Horta, que é enviado especial do presidente da República de Timor-Leste para a Guiné-Bissau e Guiné Equatorial.

"Como timorense tenho que aconselhar o Governo de Timor-Leste, como mínimo, a congelar de imediato a sua cooperação com a Guiné-Bissau até que o Presidente e o Governo reúnam para tomar medidas definitivas", afirmou.

José Ramos-Horta mostrou-se preocupado que a situação se agrave significativamente no plano interno, notando que o primeiro-ministro demitido "goza de grande legitimidade, sobretudo da camada jovem da população, pelos progressos havidos nos últimos 12 meses da sua governação".

"O país pode ficar cronicamente instável e isso significa afugentar os parceiros e investidores. E não sabemos o dia de amanhã, as próximas semanas e meses, como será o futuro agora da Guiné-Bissau", disse.

Lusa, em Notícias ao Minuto

"Demitir o Governo só descredibiliza o país internacionalmente"

Mari Alkatiri considerou hoje que a decisão do Presidente da República da Guiné-Bissau demitir o Governo só descredibiliza o país num momento em que ainda estava a procurar recuperar essa credibilidade.

"Qualquer estadista, num momento de desenvolvimento, de criação do Estado, deve saber sempre encontrar soluções por via do diálogo", disse em entrevista à Lusa.

"Demitir um Governo eleito depois de pouco mais de um ano de governação, ainda com o país a procurar credibilidade internacional, só descredibiliza, ajuda a descredibilizar o país", disse.

Alkatiri, um dos líderes timorenses que se envolveu diretamente no apoio de Timor-Leste à Guiné-Bissau antes das últimas eleições legislativas e presidenciais no país, considera que independentemente das razões do chefe de Estado, nenhuma é maior que a necessidade do Estado reentrar plenamente na comunidade internacional.

"O Presidente da República tem naturalmente as suas razões, mas não há nenhuma razão que supere a necessidade do próprio Estado afirmar-se, nenhuma razão que possa por em causa a necessidade do Estado afirmar-se com credibilidade a nível internacional", disse.

Alkatiri apelou diretamente "às forças de defesa e segurança" para "que se coloquem à margem disto e que procurem intervir para trazer de novo os políticos à mesa".

Mari Alkatiri comentava a decisão do Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, demitir o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, segundo um decreto presidencial lido às 23:10 de quarta-feira (00:10 em Lisboa) na Rádio Difusão Nacional.

Timor-Leste foi um dos países que mais se envolveu no apoio à Guiné-Bissau depois do último golpe de Estado, tendo canalizado mais de 10 milhões de dólares para o processo eleitoral e para apoio ao executivo.

Os principais líderes timorenses envolveram-se pessoalmente no processo com figuras como Xanana Gusmão, Mari Alkatiri e José Ramos-Horta a intervirem diretamente.

"Para nós é ainda mais chocante porque acreditamos que tudo iria mudar. Não pela nossa intervenção mas porque a população estava a viver com muito entusiamo essas mudanças", disse Mari Alkatiri.

"O facto de termos conseguido em conjunto com os guineenses, iniciar o processo de profissionalização das formas armadas e de segurança, já é um dado muito importante para a estabilização do país", afirmou.

Mari Alkatiri critica o facto de terem sido "políticos a tomar decisões desta forma", afirmando que deveria ter sido procurado uma solução de diálogo, e recordou as "lições" que Timor-Leste aprendeu depois das suas próprias convulsões internas, nomeadamente em 2006.

"Em Timor-Leste num curto espaço de tempo, passámos por experiências amargas em 2006. Mas aprendemos rapidamente a ultrapassar esta crise de querer o poder a todo o custo e passar a assumir uma postura de que o estado ainda está em construção e de que para se construir precisa de todos", disse.

Lusa, em Notícias ao Minuto

José Mário Vaz diz que remodelação não chega para resolver crise

O Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, anunciou hoje, num discurso à nação, que uma remodelação governamental não chega para resolver a crise política no país.

Na intervenção de cerca de 40 minutos lida aos jornalistas no Palácio da Presidência, pelas 20:00 (21:00 em Lisboa), o chefe de Estado não revelou se vai ou não destituir o Governo, mas manteve essa possibilidade.

"Mesmo que todos os membros do Governo fossem substituídos", numa remodelação, "a grave crise política que põe em causa o regular funcionamento das instituições não seria provavelmente ultrapassada, na medida em que a questão substantiva é a quebra mútua da relação de confiança com o próprio primeiro-ministro", referiu.

Desta forma, José Mário Vaz referiu que é ao PAIGC, que venceu as eleições de 2014, "que pertence o direito de governar, não podendo esse direito ser pessoalizado ou privatizado por um grupo de interesses instalado no seio do partido".

O Presidente da República acusou esse grupo de "ameaçar a paz social" e "ameaçar fazer o país mergulhar num caos e conduzi-lo a uma guerra civil, caso as instituições do Estado não se declinem perante a pessoa do primeiro-ministro".

"Se o custo da estabilidade governativa é a corrupção, o nepotismo, o peculato, saibam que considero esse custo demasiado elevado para ser pago", referiu.

Entre outros aspetos da governação, o Presidente questionou o destino de 85 milhões de euros detetados no saldo das operações financeiras do Estado nos últimos 12 meses.

"Em que é que foi gasto todo esse saldo", perguntou.

O chefe de Estado lamentou ainda nunca terem sido ouvidas as suas inquietações acerca de questões de "segurança nacional e gestão transparente da coisa pública".

Vaz condenou os excessos de linguagem da última semana por parte do presidente do Parlamento, Cipriano Cassamá, que acusa de ter deturpado uma conversa que ambos mantiveram, numa altura em que estavam em cima da mesa outras opções sem ser a queda do Governo.

Igualmente lamentou a imprudência do primeiro-ministro quando, de seguida, acusou o Presidente de querer derrubar o Governo, sem contactar o chefe de Estado.

Estas e outras declarações criaram "uma escalada de excesso de linguagem" e fizeram com que "as condições de normal funcionamento das instituições, já de si difíceis, se tornassem "praticamente impossíveis".

José Mário Vaz disse ainda acreditar que "a comunidade internacional vai continuar ao lado do Estado guineense, das suas instituições e do seu povo, sempre que as decisões de soberania sejam conformes à Constituição".

Lusa, em Notícias ao Minuto

STIGLITZ: COMO BANCOS TORNARAM-SE AMEAÇA GLOBAL




Nobel de Economia alerta: sob hegemonia do Ocidente, sistema financeiro bloqueia metas da ONU, sabota inovações dos BRICS e quer, agora, punir países que promovam mudanças sociais

Joseph Stiglitz – Outras Palavras - Tradução: Inês Castilho - Imagem: Carlo Giambarresi

A III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento reuniu-se recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência aconteceu num momento em que os países em desenvolvimento e mercados emergentes demonstraram capacidade para absorver produtivamente enormes volumes de recursos. As tarefas que esses países estão assumindo – investindo em infra-estrutura (estradas, geração de energia, portos e muito mais), construindo cidades onde um dia viverão bilhões de pessoas e movendo-se em direção a uma economia verde – são verdadeiramente enormes.

Ao mesmo tempo, falta no mundo dinheiro que possa ser utilizado produtivamente. Poucos anos atrás Ben Bernanke, então presidente do Federal Reserve (Banco Central) dos EUA, falou sobre o excesso de poupança global. Apesar disso, projetos de investimento com elevado retorno social estavam parados por falta de fundos. Isso continua sendo verdade hoje. O problema, à época e agora agora, é que os mercados financeiros do mundo — cuja função deveria ser intermediar eficientemente recursos de poupança e oportunidades de investimento — fazem, ao invés disso, má alocação dos recursos e geram riscos.

Há outra ironia. A maioria dos projetos de investimento de que o mundo emergente necessita é de longo prazo, assim como a maioria dos recursos disponíveis – trilhões em contas de aposentadoria, fundos de pensão e enormes fundos soberanos. Mas nossos mercados financeiros, cada vez mais incapazes de enxergar o longo prazo, atravancam o caminho entre as duas partes.

Muita coisa mudou nos últimos treze anos, desde que a I Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento ocorreu em Monterrey (México), em 2002. Na época, o G-7 dominava as políticas econômicas globais; hoje, a China é a maior economia do mundo (segundo o critério de poder real de compra das moedas), com poupança cerca de 50% superior à dos EUA. Em 2002, as instituições financeiras ocidentais eram consideradas mágicas em gerenciamento de riscos e alocação de capital; hoje, vemos que são mágicas em manipulação de mercado e outras práticas enganosas.

Ficaram para trás os apelos para que os países desenvolvidos honrassem seu compromisso de destinar ao menos 0,7% do seu PIB para ajuda ao desenvolvimento. Algumas poucas nações europeias – Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o Reino Unido, em meio a sua austeridade auto-infligida – cumpriram as promessas em 2014. Mas os Estados Unidos (que doaram 0,19% do PIB em 2014) encontram-se muito, muitíssimo atrás.

Agora, os países em desenvolvimento e mercados emergentes dizem aos EUA e aos outros ricos: se não vão cumprir suas promessas, ao menos saiam do meio do caminho e deixem-nos criar uma arquitetura de economia global que trabalhe também para os pobres. Não surpreende que os países hegemônicos, liderados pelos EUA, estejam fazendo de tudo para frustrar tais esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de Investimento em Infra-estrutura, para ajudar a destinar parte de seu excesso de poupança para onde os recursos são extremamente necessário, os EUA tentaram torpedear o esforço. O governo do presidente Barack Obama sofreu, então, uma derrota doída e altamente embaraçosa.

Os EUA estão também bloqueando os caminhos do mundo em direção a uma lei internacional sobre dívidas e finanças. Para que os mercados de títulos funcionem bem, por exemplo, é necessário que se encontre uma forma organizada de resolver casos de insolvência dos países. Hoje, essa forma não existe. Ucrânia, Grécia e Argentina são exemplos do fracasso dos acordos internacionais existentes. A grande maioria de países reclama a criação de um caminho para a reestruturação das chamadas “dívidas soberanas”. Washington continua a ser o maior obstáculo.

O investimento privado também é importante. Mas as novas disposições de investimento embutidas nos acordos comerciais que o governo Obama está negociando, com seus parceiros do Atlântico e Pacífico, sugerem que qualquer investimento direto no exterior terá agora, como contrapartida, uma acentuada limitação na capacidade dos governos de regular o meio ambiente, a saúde, as condições de trabalho e até mesmo a economia.

A posição dos EUA relativa à parte mais disputada da conferência de Adis Abeba foi particularmente decepcionante. Como os países em desenvolvimento e mercados emergentes abriram-se para as multinacionais, torna-se cada vez mais importante que eles possam tributar esses gigantes sobre lucros gerados pelos negócios ocorridos dentro de suas fronteiras. Apple, Google e General Electric têm revelado enorme capacidade de driblar tributos que excedam o que empregaram na criação de produtos inovadores.

Todos os países – tanto desenvolvidos como em desenvolvimento – vêm perdendo bilhões de dólares em receitas tributárias. No ano passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos divulgou informações sobre fraude e evasão fiscal em escala global, praticadas graças às regras tributárias frouxas de Luxemburgo, um paraíso fiscal. Talvez um país rico, como os EUA, possa arcar com o comportamento descrito no chamado Luxemburgo Leaks, mas os países pobres não podem.

Integrei uma comissão internacional, a Comissão Independente para a Reforma da Tributação de Corporações Internacionais, que examinou as possibilidades de reforma do sistema tributário atual. Num relatório apresentado à III Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento, fomos unânimes em afirmar que o sistema atual está quebrado, e que pequenos ajustes não o consertarão. Propusemos uma alternativa – semelhante ao modo como as corporações são taxadas dentro dos EUA, com lucros alocados a cada estado com base na atividade econômica ocorrida dentro de suas fronteiras. Os EUA e outros países desenvolvidos têm pressionando para fazer apenas pequenos ajustes, a serem recomendados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países mais ricos. Em outras palavras, os países de onde vêm os fraudadores e evasores fiscais, poderosos politicamente, deveriam conceber um sistema capaz de reduzir a evasão fiscal. Nossa Comissão explica por que as reformas da OCDE, ajustes num sistema fundamentalmente falho, são, na melhor das hipóteses, simplesmente inadequadas.

Os países em desenvolvimento e mercados emergentes, liderados pela Índia, argumentaram que o fórum apropriado para discutir tais temas globais é um grupo já existente dentro das Nações Unidas, o Comitê de Especialistas em Cooperação Internacional e Assuntos Tributários, cujo status e orçamento precisavam ser elevados. Os EUA opuseram-se fortemente: quiseram manter as coisas como no passado, com a governança global feita pelos e para os países desenvolvidos.

Novas realidades geopolíticas demandam novas formas de governo global, com mais voz para países emergentes e em desenvolvimento. Os EUA prevaleceram em Adis Abeba, mas também mostraram que estão no lado errado da história.

SÍRIA, RETÓRICA E VERDADE



Thierry Meyssan*

Desde há duas semanas que a imprensa internacional espalha rumores anunciando o início de uma operação militar norte-americana contra a Síria. Thierry Meyssan, que havia denunciado uma manipulação do general John Allen e dos seus amigos tendo em vista sabotar o acordo E.U./Irão, retoma aqui o absurdo desta proposição. Ele explica o porquê do apoio estratégico da Rússia e da China a uma Síria laica não ser negociável.

A 7 de julho, o New York Times anunciava a criação de uma zona de segurança na Síria, por Washington e Ancara, para abrigar refugiados sírios, actualmente estacionados na Turquia [1]. Pouco após, a Casa-Branca desmentia esta informação. Eu expliquei, num artigo precedente, que o New York Times havia sido intoxicado, ao mesmo tempo, tanto pelo general John Allen, enviado especial para a Coligação internacional anti-Daesh, e pelo governo interino turco [2]. Lembrei que Allen havia já participado em duas outras tentativas para sabotar a paz na Síria, em Junho de 2012 e em Dezembro de 2014, e que o presidente Obama tinha tentado, há quase três anos, fazer com que fosse preso, em Setembro de 2012.

Numerosos comentadores juntaram esta informação a uma outra, na qual o Pentágono se autoriza, agora, a apoiar os seus «rebeldes moderados», sempre que eles sejam atacados, qualquer que seja o seu atacante. Eles descortinaram, aí, o lançamento da muito esperada campanha da Otan contra a República Árabe Síria.

Esta interpretação é absurda, e estes elementos devem ser interpretados de modo diferente.

Declarações contraditórias e realidade no terreno

Acontece que a Coligação assumiu o compromisso de não atacar o Exército Árabe Sírio, mas, unicamente, o Daesh —e agora, também, a al-Qaida— na Síria.

Por outro lado, ela comunica os planos de vôo dos seus bombardeiros, e as missões das suas tropas terrestres, ao estado-maior do Exército Árabe Sírio com antecedência, por intermédio dos seus aliados curdos do PYG. Desta forma, a Coligação assegura-se, com antecedência, que os seus aviões não serão derrubados pelos aviões de caça sírios, e sim que eles contribuirão para os mesmos objectivos que o Exército Árabe Sírio, sem ter que entrar em mais coordenações.

Oficialmente, os Britânicos e os Franceses não participam nas operações em território sírio. No entanto, nós sabemos que isso é falso. Aliás, há meses que estas nações bombardeiam o Daesh na Síria. Há alguns dias, o ministro britânico dos Negócios Estrangeiros(Relações Exteriores-br) foi forçado, na Câmara dos Comuns, a admitir a verdade [3]. O seu homólogo francês, que não está sujeito às mesmas pressões políticas, continua a negar os factos. Além disso, os Britânicos colocaram 120 SAS no terreno para orientar os ataques aéreos [4]. Sendo esta missão particularmente arriscada, para estrangeiros que não conhecem o terreno, o Pentágono formou 60 «rebeldes sírios moderados» para os ajudar nisso. Entraram em território sírio 54, que foram imediatamente atacados pela al-Qaida.

É grotesco pretender que o Pentágono formou estes 60 combatentes com o objectivo de derrotar as centenas de milhares de soldados do Exército Árabe Sírio e de derrubar a República. A sua única função é a de participar na Coligação anti-Daesh, e a sua única missão é a de identificar os alvos terrestres para os bombardeiros.

É verdade, como observou o ministro dos Negócios Estrangeiros russo Sergey Lavrov, que este anúncio foi mal formulado. O porta-voz da Casa Branca deveria saber que seria mal interpretado, vista a vontade de uma parte dos Americanos, e de dirigentes franceses e turcos, em entrar em guerra aberta contra a Síria. Na prática, ele preferiu induzir em erro os adversários do acordo EUA / Irão.

De passagem, o Pentágono fez alusão a um episódio que ocorreu. Os seus 54 «rebeldes moderados» foram atacados pela al-Qaida e ele defendeu-os. Ora, no decurso dos últimos meses, a França, a Arábia Saudita e a Turquia tentaram reabilitar a al-Qaida na Síria (a Frente al-Nusra), para fazer dela uma alternativa aceitável ao Daesh. Contrariamente às conclusões de muitos comentadores, ao bombardear ao mesmo tempo tanto o Daesh, como a al-Qaida, o que é novo, o Pentágono, na realidade, fez o jogo da República Árabe da Síria, em conformidade com o seu acordo com o Irão.

Princípios geo-estratégicos

Agora cheguemos ao fundo. Esta polémica, habilmente fabricada pelo General Allen, no Aspen Security Forum (Fórum de Segurança de Aspen- ndT), e pela Turquia, visa fazer acreditar numa mudança radical na política dos EUA. Washington, depois de ter, durante muito tempo, hesitado em se lançar numa guerra aberta contra a Síria, finalmente teria se resolvido a isso. A Síria seria, em breve, bombardeada, tal como antes a Líbia, e, finalmente, teríamos nos livrado do presidente Bashar el-Assad.

Se fosse este o caso, teríamos entrado numa Guerra Mundial.

Com efeito, por quatro vezes já, a Rússia e a China opuseram o seu veto no Conselho de Segurança a projectos de resolução autorizando, ou preparando, um ataque contra a Síria. Ao oporem o seu veto, Moscovo e Pequim não se contentaram apenas em não apoiar estas resoluções. Elas entraram em conflito diplomático com os autores desses projectos. Afirmaram, pois, estar prontas a fazer a guerra, contra aqueles, se eles passassem unilateralmente à acção.

O primeiro veto, a 4 de outubro de 2011, surpreendeu Washington. O segunda, a 4 de fevereiro de 2012, convenceu-o a desistir de agir na Síria tal como na Líbia. A França, o Catar e a Turquia decidiram relançar a guerra, e, assim, apresentaram outros dois projetos de resolução a 19 de julho de 2012, e sobre a questão de crimes contra a humanidade, atribuídos à República, a 22 de maio de 2014. Ora, eles levaram com os mesmos vetos.

As declarações francesa, catari e turca, segundo as quais os diplomatas se empenham em convencer os seus amigos russos a deixar cair Bachar el-Assad, são afirmações estúpidas, e as recentes declarações de Barack Obama sobre uma mudança das posições da Rússia e do Irão não valem muito mais. Aliás, o Presidente dos E.U. visava, por si mesmo, adormecer os opositores ao acordo que negociou com o Irão.

Mas nós, não estamos falando, aqui, do Irão. Unicamente de duas potências, membros permanentes, do Conselho de Segurança, que são a Rússia e a China.

Os interesses russo e chinês

A posição de Moscovo e Pequim não é, nem uma bravata anti-ocidental, nem uma solidariedade entre ditaduras, já que é assim que os ocidentais qualificam os regimes desses Estados. É uma questão geo-estratégica que se inscreve em séculos de história. Será tudo, menos negociável.

A presença russa no Mediterrâneo e no Próximo-Oriente depende de um regime respeitador da diversidade religiosa em Damasco. Ela seria impossível no caso de uma tomada de poder pela Irmandade Muçulmana, ou qualquer ouro grupo islamista dessa área. Tal foi já o caso na época da Czarina Catarina II, que afirmava ver na Síria a chave do Próximo-Oriente para a Rússia, e mantêm-se sempre o mesmo com o Presidente Putin. Além disso, os russos, que são predominantemente ortodoxos e por tal pagaram, sentem-se solidários com os cristãos sírios, em maioria ortodoxos.

Claro, nem sempre a Rússia esteve à altura de defender os seus interesses. Assim, em 2005, ela recusou a proposta síria de ocupar o porto de Tartus, mais 30 quilómetros de costa, como base permanente para sua frota naval no Mediterrâneo —Damasco esperava, assim. prevenir a guerra que Washington havia começado a preparar, bem antes das “Primaveras” árabes— Mas, na altura, após o colapso da União Soviética, ela não tinha qualquer frota no Mediterrâneo. Agora, reergueu-se, restaurou o seu poder naval, e utiliza efectivamente o porto de Tartus.

Para se desenvolver o comércio chinês precisa de assegurar rotas continentais ligando a China ao Mediterrâneo. Na Idade Média, os chineses construíram a «Rota da Seda», ligando a capital da época, Xi’an, a Damasco. Os Omíadas, que fundaram a religião muçulmana, velaram pela protecção de outras religiões locais, Judaísmo, Mandeísmo e Cristianismo. Quando estenderam o seu poder na Ásia Central, até ao Xin Qiang, eles agiram idênticamente com as religiões do Extremo Oriente —Eles estavam, é claro, muito longe do sectarismo do Islão actual—. Ainda hoje, grupos de todas as religiões rezam, diariamente, na Grande Mesquita de Damasco, e um dos seus mosaicos presta homenagem a um pagode chinês. Para se desenvolver, a China actual tenta reconstruir «Rotas da Seda». Para tal, ela acaba de fundar o Banco Asiático de Investimento (AIIb).

Que ninguém se engane quanto a isto, o apoio estratégico de Moscovo e Pequim a Damasco não significa, de forma alguma, que eles irão enviar as suas tropas para defender o país contra os jiadistas que o sangram —Eles não o fizeram, e não o farão— ; eles apenas não deixarão que as potências ocidentais usem os seus próprios exércitos para destruir a República Árabe Síria.

Por seu lado, os Estados Unidos são a potência mundial dominante, porque constrangem a que o comércio global se efectue, principalmente, por via marítima e, com a ajuda do Reino Unido, tratam de proteger e controlar todos os oceanos. É por isso que Washington considera como essencial, para a manutenção do seu poderio, a sabotagem de quaisquer tentativas de estabelecimento de rotas continentais [5]. O caos no Iraque e a captura de Palmira cortam a via de comunicação pelo Sul, enquanto o caos na Ucrânia corta a via pelo Norte.

No conflito sírio, os Ocidentais e as potências do Golfo apoiam os Irmãos Muçulmanos, enquanto a Rússia e a China apoiam a República laica.

As ilusões da França, da Arábia Saudita e da Turquia

O governo turco, que não tem nenhuma sensibilidade política, tentou por duas vezes forçar os Estados Unidos a entrar em guerra aberta. A 11 de maio de 2013, denunciou um enorme atentado em Reyhanlı, que ele atribuiu aos serviços secretos sírios. Recep Tayyip Erdogan precipitou-se para o Presidente Obama afim de se queixar. Mas, este tinha sido avisado, com antecedência, pela CIA que o atentado que custou a vida a 51 Turcos, e que provocou 140 feridos, era uma encenação do Millî İstihbarat Teşkilatı (MIT), uma operação de falsa bandeira dos serviços secretos turcos. Depois disso, aliás, os responsáveis foram obrigados a demitir-se.

Erdoğan recidivou, quatro meses mais tarde, organizando, com a ajuda do Eliseu, o ataque químico da Ghutta de Damasco, a 21 de agosto de 2013. Eles foram imediatamente desmascarados pelo MI6 britânico, que se apressou a prevenir os seus amigos norte-americanos. No seguimento de uma hábil encenação, na Câmara dos Comuns, Londres e Washington deixaram Ancara e Paris com os seus crimes e as suas farsas.

Podemos questionar a capacidade da administração Obama em defender a sua nova estratégia de aliança com o clero xiita iraniano, ou a dos seus opositores norte-americanos em prosseguir a estratégia straussiana, de remodelagem do «Médio- Oriente Alargado» e de caos generalizado. Mas, seja como fôr, nunca, nem uns nem outros passarão de uma guerra por interpostos jiadistas para um conflito clássico. É absurdo imaginar que Washington se vai lançar numa Terceira Guerra mundial, contra a Rússia e a China, com o único propósito de substituir o presidente Bashar el-Assad pelos Irmãos Muçulmanos.

Thierry Meyssan* - Tradução Alva - Voltaire.net

[1] « Turkey and U.S. Plan to Create Syria ‘Safe Zone’ Free of ISIS » (Ing- «A Turquia e os E.U. Planeiam Criar "Zona Segura", Livre do DAESH, na Síria»- ndT), Anne Barnard, Michael R. Gordon & Eric Schmitt, The New York Times, July 27, 2015.
[2] “Clinton, Juppé, Erdoğan, o Daesh e o PKK”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Agosto de 2015.
[3] “O Reino Unido e a França bombardeiam o Daesh na Síria”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 24 de Julho de 2015.
[4] “SAS dress as ISIS fighters in undercover war on jihadis” (Ing- «Na guerra secreta aos jiadistas os SAS fardam-se como combatentes do E.I.»- ndT), Marco Giannangeli and Josh Taylor, Sunday Express, August 1, 2015.
[5] “The Geopolitics of American Global Decline” (Ing- «A Geo-política do Declínio Global Americano»- ndT), by Alfred McCoy, Tom Dispatch (USA),Voltaire Network, 22 June 2015.

Na foto: General John Allen, no Fórum de Segurança Aspen.

*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

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