O
presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, disse hoje, em Luanda, que os
recentes entendimentos com a Fundação Sindika Dokolo são um exemplo da retoma
da geminação entre os dois municípios, estabelecida há duas décadas. Claro. Sai
daí (mais) uma medalha.
Rui
Moreira falava à agência Lusa ao concluir uma visita de dois dias a Luanda, a
convite (é claro) daquela fundação, que em Janeiro adquiriu a casa do cineasta
Manoel de Oliveira, no Porto, por 1,58 milhões de euros, para a transformar –
foi então anunciado – na nova sede da instituição para a Europa e num “espaço
de reflexão e aprendizagem para jovens artistas”.
“Temos
uma fundação angolana que resolve apostar pela primeira vez fora de Luanda, que
o faz no Porto, que adquire – não foi oferecido – um edifício que para nós tem
grande significado (…) para instalar lá uma fundação. Que melhor forma de
retomarmos estes vínculos que temos”, admitiu Rui Moreira.
Em
Julho de 2015, de visita a Luanda, o autarca tinha já admitido a necessidade de
apostar na vertente cultural para promover as relações entre as duas cidades,
cuja geminação foi estabelecida há 20 anos, mas que ficou estagnada.
“Esta
relação com a Fundação Sindika Dokolo é o melhor exemplo de uma cooperação
profícua”, assume o presidente da Câmara do Porto, pouco se importando com a
realidade que a circunscreve.
Durante
a visita a Luanda, o autarca reuniu-se com o patrono da fundação, Sindika
Dokolo, casado com Isabel dos Santos, filha do Presidente José Eduardo dos
Santos (no poder há 37 anos sem nunca ter sido nominalmente eleito), e também
com o novo governador da província de Luanda, Higino Carneiro.
O
facto, entre muitos outros, de Angola (para além de ter o merecido estatuto de
Estado corrupto) ser um dos cinco países do mundo que não muda de Presidente há
mais de 30 anos não preocupa, antes pelo contrário, o presidente da Câmara do
Porto.
A
Casa Manoel de Oliveira foi lançada em 1998, sem que tivesse sido formalizado
um acordo com o realizador para o uso da casa, o que acabaria por condicionar o
futuro do imóvel que ficou concluído em 2003, mas que nunca teve o uso para que
foi pensado.
Segundo
o autarca Rui Moreira, já decorrem reuniões entre a câmara, o arquitecto Souto
Moura, autor do projecto, e a fundação para definir um plano de reabilitação do
imóvel. O edifício deverá receber, entre outras valências, uma exposição
dedicada à arte Tchokwe – povo originário do interior norte de Angola e sul da
República Democrática do Congo -, cuja recuperação está a ser levada a cabo
pela Fundação Sindika Dokolo.
“O
arquitecto Souto Moura está entusiasmado com esta reabilitação, isto vai passar
por uma residência em que a arte Tchokwe vai ser o primeiro projecto. Portanto
é coisa para começar muito brevemente”, admitiu Rui Moreira.
Várias
peças de arte Tchokwe foram levadas de Angola durante a guerra civil entre 1975
e 2002, estando aquela fundação a liderar o processo para as fazer regressar ao
país, negociando com coleccionadores privados.
O
presidente da Câmara do Porto entregou, nesta visita, algum registos
fotográficos que constam do arquivo da autarquia sobre a arte Tchokwe,
transmitindo a disponibilidade do município para ajudar ao levantamento e à
realização de exposições conjuntas sobre o tema.
O
intercâmbio de residências artísticas e exposições culturais, entre Luanda e
Porto, é um dos aspectos a ter em conta na revisão do protocolo de geminação,
para impulsionar o relacionamento bilateral, reconheceu anteriormente o autarca
portuense.
A
colecção de arte da Fundação Sindika Dokolo, criada em 2003, em Luanda, é
composta por mais de 3.000 obras, entre pinturas, gravuras, fotografias, vídeos
e instalações, da autoria de 90 artistas de 25 países.
Em
2015, aquela fundação promoveu no Porto a exposição “You Love Me, You Love Me
Not”, uma das mais importantes da arte contemporânea na Europa.
Uma
lavandaria de elite na Invicta
Recorde-se
que o Executivo da Câmara Municipal do Porto, presidido por Rui Moreira,
distinguiu Sindika Dokolo com a medalha de mérito (Grau Ouro) por, consta,
patrocinar uma exposição assente na sua própria colecção de arte africana
contemporânea.
Só
faltará agora dar (e já não deverá demorar muito) o nome de José Eduardo dos
Santos ao Estádio do Futebol Clube do Porto. Aliás, há muita boa gente a
sugerir também que a Ponte da Arrábida passe a chamar-se Ponte Isabel dos
Santos.
Que
maior acto de benefício para a cidade do Porto em particular, e em geral para
todo o país, do que ser genro do presidente no poder desde 1979 sem nunca ter
sido nominalmente eleito? Ou marido de uma multimilionária que começou a ganhar
umas massas vendendo ovos nas ruas de Luanda?
Sindika
Dokolo nasceu no antigo Zaire, actual República Democrática do Congo, e foi
educado pelos pais na Bélgica e em França, tendo começado aos 15 anos a
constituir uma colecção de obras de arte, por iniciativa do pai, refere o texto
laudatório, bajulador e servil da autarquia.
“Em
Luanda, constituiu a Fundação Sindika Dokolo, a fim de promover as artes e
festivais de cultura em Angola e noutros países, com o objectivo de criar um
centro de arte contemporânea que reúna não apenas peças de arte contemporânea
africana, mas que, além disso, providencie as condições e actividades
necessárias para integrar os artistas africanos nos círculos internacionais do
mundo da arte”, acrescenta o panegírico submisso e de clara bajulação da Câmara
Municipal do Porto.
A
justificação apresentada por Rui Moreira, um cada vez mais visível apologista
da autocracia do seu amigo Eduardo dos Santos, para tão importante distinção a
alguém que não tem qualquer ligação à cidade é de ir patrocinar a apresentação
da exposição “You Love me, You love me not”.
Rui
Moreira diz ainda que “com este gesto de grande generosidade, Sindika Dokolo,
permite à cidade do Porto desenvolver um dos projectos mais relevantes no
âmbito da arte contemporânea da actualidade, ajudando a estabelecer uma ponte
singular entre a cidade e o mundo”.
Será
desta que o regime do MPLA retribuirá com a atribuição a Rui Moreira da medalha
da democracia e do Estado de Direito que Angola não é?
Nos
negócios, faceta que é muito cara a Rui Moreira, o marido de Isabel dos Santos
tem sucesso, mesmo quando as transacções são opacas. Há um ano, a revista
Forbes revelou que Isabel dos Santos, através de Sindika Dokolo, em parceria
com o Estado angolano, adquirira a joalharia suíça De Grisogono, uma marca
conhecida por ter como clientes grandes estrelas mundiais do cinema e da moda,
como Sharon Stone e Heidi Klum, num negócio pouco claro, que permitiria a
canalização dos diamantes angolanos para aquela joalharia.
Em
Novembro de 2013, Rafael Marques, em entrevista à Deutsche Welle, explicou que
“este negócio não envolveu um centavo da família presidencial, é em troca de
diamantes angolanos”, frisando que “temos aqui um processo em que os diamantes
angolanos estão a beneficiar directamente a família presidencial e não os
cofres do Estado”.
É
caro que, como diz Rafael Marques, “a elite angolana, para saquear o país à
vontade, precisa do apoio de Portugal. Mas Portugal tolera isso, porque é a
forma que encontrou de ser chamado para participar do saque de Angola”.
E
do ponto de vista da Câmara Municipal do Porto, o importante não são os milhões
de angolanos que passam fome mas, isso sim, os poucos membros do clã
presidencial que têm milhões e que, com isso, tanto compram joalharias,
jornais, medalhas ou… lavandarias.
Folha
8 com Lusa
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