Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
A
expressão soa melhor no original, em inglês: "Revolving doors". É de
portas giratórias que falamos quando falamos do fabuloso destino profissional
de Durão Barroso, escolhido para ser o presidente não executivo da Goldman
Sachs, o "banco do Mundo". É de portas giratórias que falamos quando
queremos identificar os caminhos seguidos por uma bem urdida teia que funde
interesses corporativos com agendas políticas. O "banco do Mundo"
para onde agora vai Durão Barroso, ou "a firma", como também é
desdenhosamente apelidado, tem, entre outras medalhas na lapela, a
responsabilidade de ter ajudado a maquilhar, durante anos, as contas públicas
da Grécia. Quando a coisa correu mal, Atenas caiu do Olimpo com o estrondo
conhecido.
A
contratação do ex-presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro de
Portugal só pode deixar boquiabertos os distraídos ou os ingénuos. No final do
ano passado, o "Corporate Europe Observatory", uma organização sem
fins lucrativos que se dedica à denúncia e divulgação de más práticas lobistas
em Bruxelas, publicou uma investigação interessante: depois de abandonar
funções, Durão Barroso assumiu um papel mais ou menos ativo em 22 organizações
diferentes. E nove dos 26 comissários da segunda Comissão Barroso que haviam
deixado o cargo em 2014 passaram pelas tais portas giratórias em direção a
corporações com links a grandes interesses económicos. No aparentemente
entediante mundo de Bruxelas, gere-se poder e criam-se leis e regulamentos que
afetam 500 milhões de pessoas, vulgo clientes.
Todos
temos direito a alimentar ambições profissionais, e a classe política não deve
ser impedida de ter um emprego uma vez fora do seu habitat natural. Mas há
casos gritantes como este de Durão Barroso, em que só nos é dada a oportunidade
de termos futuro porque tivemos um determinado passado.
Não
deixa, igualmente, de ser irónico que o mandato do ex-primeiro-ministro
português na presidência da União Europeia tenha coincidido com os anos negros
da economia no Velho Continente e que tenha sido precisamente um dos rostos
mais diabólicos do conjunto dos predadores financeiros que arrastaram países
para o fundo a escolhê-lo como empregador.
A
ironia (leia-se descaramento) consegue ser tão refinada, que essa mesma Europa
deambulante pós-Barroso que mobilizou a saída do Reino Unido esteja agora na
base dos motivos invocados pelo gigante Goldman Sachs para recorrer aos
serviços de Durão: "mitigar os efeitos negativos" do Brexit.
As
portas giratórias são um mistério da carpintaria. Não fecham. Só abrem.
Editor-executivo-adjunto
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