terça-feira, 9 de maio de 2017

Portugal | FRACO COM OS RICOS, DURO COM OS POBRES


Parto de um caso concreto tentando sintetizar uma história com vários actos em poucas penadas.

Tiago Mota Saraiva | jornal i | opinião

Um trabalhador no desemprego decide recorrer a um dos “apoios do Estado” ao “empreendedorismo” antecipando o recebimento das prestações de subsídio para construir o seu negócio. Depois de passar por um périplo de meses de formações e condicionamentos, idas e vindas ao centro de emprego e decisões de quem pouco mais sabe do que exercer o seu poder sobre outrem, chega o contrato e o dinheiro – faz-me confusão tratar o adiantamento de um subsídio do desemprego para o qual o trabalhador já contribuiu durante anos de salário como apoio.

Nesta contratação, o Estado procura garantir que o posto de trabalho se mantenha e que a empresa não seja apenas um fogacho – o que me parece muito bem – mas, num pequeno artigo entre vários de legislação cruzada, retira ao trabalhador o direito de poder ter, cumulativamente, outro contrato de trabalho.

Neste caso concreto, quando se deu o cruzamento de dados através da duplicação de pagamentos da segurança social, não demorou um mês a chegar o despacho do centro de emprego (que não alertou o trabalhador para a nuance) exigindo a devolução do valor integral do financiamento – inclusivamente dos anos em que esteve apenas com o primeiro contrato. Passamos à segunda fase: justificação, contestação e recursos a que, alegadamente, o trabalhador tem direito. As primeiras respostas começam por repetir diplomas legais sem, de facto, atender aos argumentos e responder às perguntas.

Quanto mais alto se sobe na cadeia hierárquica do recurso, mais genérico, até atingir o nível do director que não está para responder. Acabou a história? Não. O director que não dá resposta manda o processo para execução fiscal de dívida na certeza que poucos serão os trabalhadores com capacidade financeira para o chamar a tribunal e que não temem perder o processo e, consequentemente, pagar custas e juros. Mas infelizmente este não é caso único, nem se restringe à cadeia hierárquica da Segurança Social.

Descreve um país subterrâneo de práticas feudais enraizadas, em que o trabalhador desempregado perde direitos e uma parte da estrutura do Estado é treinada para tratá-lo como estando a cumprir uma pena. Mais, descreve um país em que, de facto, a maioria dos trabalhadores não tem todos os direitos de recurso reconhecidos na lei.

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