sábado, 23 de dezembro de 2017

Angola | 11 DE NOVEMBRO DE 1975 – UMA EPOPEIA DECISIVA – VI

Martinho Júnior | Luanda
  
Em saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola, com uma atenção especial em relação a Cabinda.

Nota prévia:

A libertação de África dos mais retrógrados colonialismos e do “apartheid”, “de Argel ao Cabo da Boa Esperança”, durante a segunda metade do século XX, envolveu africanos, cubanos e internacionalistas de várias nacionalidades que, de armas na mão lutaram por um mundo melhor, mais justo, mais afim aos direitos humanos e procurando mais equilíbrio para toda a humanidade e respeito para com a Mãe Terra!

Essa ingente tarefa implicava em imensos resgates culturais, pois a opressão de séculos, tinha deixado os povos africanos num estágio de subculturas ultraperiféricas, remetendo-os para as trevas e irremediavelmente para a cauda dos Índices de Desenvolvimento Humano.

As narrativas históricas portuguesas têm feito tudo para fazer esquecer a saga da libertação em África, em Portugal desde o 25 de Novembro de 1975 até aos nossos dias, algo que tem especialmente a ver com os resíduos de assimilação e mentalidade retrógrada, inerentes até às doutrinas, filosofias e ideologias de que se servem os partidos que têm preenchido o “arco da governação”.

Todas as iniciativas editoriais cubanas sobre a sua e essa saga em África, jamais tiveram eco abrangente em Portugal, muito pelo contrário, são votadas ao completo silêncio, algo que tem que ver com a inibição à liberdade do próprio povo português!

Por essa razão só agora muitos dos segredos do fascismo e do colonialismo estão a ser expostos, como por exemplo o Exercício ALCORA , ou o papel da PIDE/DGS, da Aginter Press, das redes “stay behind” da NATO (e seus múltiplos contactos), do Le Cercle, do cartel dos diamantes e “lobby” dos minerais em países africanos, em conluios com as práticas neocolonialistas condensadas no regime de Mobutu.

A historiadora e investigadora espanhola Maria José Tíscar, em "A PIDE no Xadrez Africano - Angola, Zaire, Guiné, Moçambique (Conversas com o Inspector Fragoso Alas)", destapou mais uma parte desses segredos que fazem parte das culturas inerentes aos partidos do “arco de governação” em Portugal!

Se além do mais o movimento de libertação foi um acto civilizacional sem precedentes em relação ao todo do continente, foi também uma prova de internacionalismo, de solidariedade e de Não Alinhamento Activo, unindo os “deserdados da Terra”, dum lado e do outro do Atlântico Sul e multiplicando os Vietnames face à internacional fascista residual da IIª Guerra Mundial!

Essa epopeia pela libertação do homem, é incomparável a qualquer outra saga civilizacional anterior e pôs em causa todos os paradigmas de que se nutria e nutre a “civilização judaico-cristã ocidental”, sacudindo-a nos seus mais medievais alicerces!

Para trás fica de facto a barbárie e essa noção implica-se na lógica com sentido de vida de que se nutrem as convicções mais profundas e progressistas dos nossos dias!

A batalha de Cabinda foi uma pedra angular, tal como as do Ebo e de Quifangondo, na viragem dessa saga, passando-se da linha da frente progressista informal entre Dar es Salam e Brazzaville, para a Linha da Frente internacionalmente confirmada que isolou o“apartheid” no cone sul de África!

A derrota da internacional fascista raiz de colonialismo, neocolonialismo, “apartheid” e sequelas (entre elas as do etno-nacionalismo) foi abrangente: foram derrotados não só o colonialismo e o “apartheid”, mas também o neocolonialismo do regime fantoche de Mobutu, algo que mexeu com as ingerências e manipulações emanadas pela aristocracia financeira mundial (casas Rockefeller e Rothschield) por via dos “lobbies” dos minerais e energia, integrando o cartel dos diamantes (com implicação em muitas sequelas).

Os etno-nacionalismos agenciados, sem essa capacidade dialética e com horizontes estruturalistas curtos, mesmo que armados de doutrinas fundamentalistas, estavam por tabela condenados à fragilização e até ao desaparecimento.

O povo português tem sido mantido deliberadamente à margem do conhecimento do significado geoestratégico das vitórias do movimento de libertação em África, para melhor mobilizar vassalagem e vassalos, década após década, no manancial de assimilação e de mentalidade retrógrada, a fim de polvilhar os relacionamentos com as antigas colónias cujas independências foram arrancadas por uma longa luta com recurso às armas, recorrendo à esteira da inteligência económica neoliberal e à sua “providencial terapia”!

O significado geoestratégico da vitória em Cabinda enquadra-se numa contrastante dimensão progressista sem equivalência por parte de Portugal e constitui um marco da já longa história comum África-Cuba que se estende século XXI adentro, pois a Operação Carlota, na sequência das duas colunas do Che em África, prolonga-se nas vias da educação e da saúde, bem como de outros ramos humanos de saber e actividade, enquanto o subdesenvolvimento, a ignorância e o obscurantismo persistirem no continente-berço da humanidade!

20- A batalha de Cabinda, também conhecida por batalha de N´Tó, foi levada a cabo, tendo em conta duas probabilidades disjuntivas em relação à capital do país:

- No caso do MPLA perder em Luanda, garantia a seu tempo que, se não tivesse sido possível assegurar a independência a 11 de Novembro de 1975, se viabilizasse imediatamente a plataforma “boomerang” (de acordo com o formato de Cabinda) para se penetrar de novo no sul do país e assim poder corresponder, com as contramedidas para fazer face à derrota e à perda, em consonância com as guerrilhas que iriam surgir nessa eventualidade, espalhadas numa grande parte do território angolano; neste caso, apesar de tudo reforçava-se o flanco ocidental da linha progressista informal;

- Em caso de vitória com a proclamação da independência em Luanda, garantia a Angola a sobrevivência económica e financeira nos primeiros anos, algo que o Comandante Fidel assumiu como prioritário em termos geoestratégicos, passando a ser assim compreendido pelos pares africanos com o presidente Agostinho Neto à cabeça; neste caso permitir-se-ia a formação da Linha da Frente progressista formal contra o “apartheid”.

Defender o território obrigava à defesa das instalações petrolíferas da então Cabinda Gulf Oil Company (hoje Chevron), ou seja: os angolanos e os cubanos deveriam impedir a todo o custo que um tiro sequer fosse disparado dentro ou nas imediações, facto que seria por si uma pequena-grande vitória, dentro das vitórias maiores!

Quem era envolvido pelas contradições nunca seria assim o nascente estado angolano, mas aqueles que tardavam em reconhecer a sua existência e dimensão libertária!

Em Cabinda, nos dois anos decisivos da epopeia pela independência de Angola, estiveram enquanto jovens combatentes de fresca data mobilizados pelo MPLA, alguns dos principais quadros dirigentes do actual governo saído das últimas eleições e presidido pelo Presidente de Angola, João Lourenço!

A saga das batalhas por Cabinda (1974 e 1975), faz não só parte do seu currículum, mas da universidade de sua própria vida!

Da plataforma de Cabinda muitas outras geoestratégias se desenvolveriam concomitantemente face aos acontecimentos na conturbada região, mas as vitórias que estiveram na origem merecem como tal ser lembradas na epopeia maior “de Argel ao Cabo da Boa Esperança”, enquanto charneira decisiva atingindo a África Austral!

21- O “boomerang” libertário das horas decisivas, foi entendido como ninguém pelo comandante Ramón Espinosa Martin, conforme “La batalla de Cabinda”, cuja edição e tiragens, de forma contraproducente, não chegou aos lusófonos!

Os governos do após 25 de Novembro de 1975, ao mesmo tempo que escondiam os segredos da internacional fascista, “barravam”sobretudo o conhecimento e a experiência histórica cubana, também em função do seu papel na epopeia do movimento de libertação em África, de forma a que particularmente o povo português não desperte e continue a ser mais um dócil vassalo nas correntes de domínio da aristocracia financeira mundial!

O comandante Ramón Espinosa Martin foi capaz de integrar e comandar um ciclo sucessivo de operações desencadeado pelo comandante Fidel a partir de Cuba, com capacidade para se entrosar com Agostinho Neto, o MPLA e as FAPLA, que saíam da dimensão guerrilheira a quente e fazendo face à escalada dos acontecimentos!

Angolanos e cubanos deram provas de surpreendentes recursos humanos, capazes de se adaptarem aos desafios e exigências do momento, o que por si conferiu vantagens estratégicas na hora da verdade, no 11 de Novembro de 1975, numa epopeia decisiva e numa emergente luta contra os bastiões das trevas em África!

A 15 de Fevereiro de 2013, o livro “La batalla de Cabinda” foi apresentado em nova reedição em Cuba:

“El libro La batalla de Cabinda, del General de Cuerpo de Ejército Ramón Espinosa Martín, se presentó este viernes en la Sala Nicolás Guillén, en el Complejo Morro-Cabaña, sede permanente de la actual edición de la Feria Internacional del Libro.

Esta obra, de la Casa Editorial Verde Olivo, está estructurada en cinco capítulos y se enriquece con diecinueve anexos, todos los cuales permiten al lector tener una visión más completa de aquella épica jornada, los acontecimientos que le precedieron y la ayuda posterior brindada por Cuba al pueblo cabindano, explicó durante la presentación la editora Temis Tasende Dubois.

Su autor se convirtió con esta publicación en el primer jefe militar cubano que relata sus experiencias en una misión internacionalista y lo hace, además, dando voz a otros 13 participantes en la batalla, desde primeros oficiales hasta reservistas.

Ellos, como apunta el General de Ejército Raúl Castro Ruz en el prólogo del libro, nos narran los acontecimientos de las semanas previas y los días tremendos de los combates con la precisión del lenguaje militar y la lozanía, sencillez y modestia que caracterizan el testimonio de los héroes populares, agregó Temis Tasende.

Durante la presentación del libro, el alto jefe militar y miembro del Buró Político precisó que se trata de una reedición, la cual da una visión más completa de esos acontecimientos que tuvieron lugar en noviembre de 1975.

Modestamente hemos querido pasar recuento a las vicisitudes con las que transitamos todos los que tuvimos la oportunidad de ser partícipes de tal acción.

Para muchos de los cubanos y angolanos no es conocido el marco en que se decide, se crean las condiciones y ejecutan un conjunto de medidas que propiciaron el éxito de la guerra en el enclave de Cabinda”…

22- No prólogo do libro o comandante Raul de Castro reporta-se às decisões geoestratégicas em reforço da aliança da revolução cubana com o movimento de libertação em África, com foco nas horas decisivas em relação a Cabinda:

“De acuerdo con sus resultados, se conviene en que es necesario enviar un contingente de unos cuatrocientos ochenta instructores cubanos para crear centros de entrenamiento y formar en ellos alrededor de cuarenta unidades (batallones de infantería y baterías de artillerías).

El armamento y todos los suministros que requieran las unidades militares y las unidades que se organizarán en el ciclo planificado, serán aportadas por Cuba”.

(…)
“Ello explica el número de instructores enviados a la provincia, casi la mitad del total, y el refuerzo en artillería de diverso tipo”.)

“El 5 de noviembre de 1975 Fidel despide a las primeras tropas, en preparación para partir por vía aérea hacia Luanda.

Ese día se cumplen ciento treinta y dos años del sacrificio singular de Carlota.

La esclava africana encabezó en 1843 la rebelión de varias dotaciones de esclavos, que hizo estremecer a los amos y a las autoridades coloniales españolas en Cuba.

La decidida acción insurrecta fue finalmente ahogada en sangre por los apresurados refuerzos llegados a Triunvirato desde Matanzas: tropas de infantería y caballería comandadas por el gobernador de la provincia.

Carlota fue amarrada a cuatro caballos, que obligados a halar en direcciones diferentes martirizaron su cuerpo hasta descuartizarlo”…

A confrontação entre os atacantes e a defesa de Cabinda começaria finalmente a 8 de Novembro de 1975…

23- A 8 de Novembro de 1975, sob a falsa bandeira duma FLEC agenciada e de cariz etno-nacionalista, as Forças Armadas Zairenses, mercenários franceses e portugueses e os efectivos agrupados como FLEC, invadiram o então distrito de Cabinda com o objectivo de tomar a capital e colocar no poder as emanações subservientes aos interesses de Mobutu.

O ditador-fantoche de Kinshasa queria alargar o Baixo Zaíre, anexando território angolano!

Do lado das FAPLA e das FAR, além da formação apressada dos batalhões angolanos desde Outubro de 1975, foram feitos reconhecimentos intensivos em todo o território de Cabinda, inventariadas as linhas de penetração e desembarque e disseminados, já com a planificação defensiva prévia, os campos de minas nas áreas nevrálgicas, de forma a não dar espaço a qualquer tipo de improviso.

A planificação defensiva foi organizada, disciplinada, rigorosa, metódica e previa inovações, entre elas o emprego das metralhadoras 14,5mm (armas antiaéreas), para fogo rasante contra efectivos de infantaria e blindados ligeiros (Panhard AML-60 e 90).

A refrega principal ocorreu em N’Tó, a poucos quilómetros da capital e aí o inimigo sofreu perdas pesadas.

Em cerca de 72 horas a invasão foi escorraçada e a dizimada força atacante colocada para lá de 20 km da fronteira, fora de alcance da artilharia, dentro do território do Zaíre, completando a derrota da falsa bandeira da FNLA a sul, no seguimento do desastre de Quifangondo!

Angola, de acordo com as próprias palavras do presidente Agostinho Neto, era “trincheira firme da revolução em África” e o“apartheid” passaria a ser, desde o 11 de Novembro de 1975 e até ao seu colapso, confrontado como nunca o fora, assim como muitos dos resíduos remanescentes do Exercício ALCORA, da PIDE/DGS e da internacional fascista na África Austral!

Martinho Júnior - Luanda, 13 de Dezembro de 2017.

Ilustrações e fotos:
Foto de um dos teatros das confrontações; apresentação do livro “La batalla de Cabinda”; o general de corpo de exército Ramón Espinosa Martin assina uma dedicatória do livro sobre a batalha de Cabinda; mapa do território mais a norte de Angola; capa do livro “La batalla de Cabinda”.

A consultar de Martinho Júnior (além do sugerido nos dois números anteriores):
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma.html  
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_19.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_26.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – IV – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/12/angola-11-de-novembro-de-1975-uma.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – V – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/12/11-de-novembro-de-1975-uma-epopeia.html O Che e a sua poalha humana – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/10/o-che-e-sua-poalha-humana.html

A consultar (para além do sugerido nos dois números anteriores):
General de Cuerpo de Ejército Ramón Espinosa Martín – http://www.granma.cubaweb.cu/secciones/generales/art03.html
Mientras el mundo callaba los horrores del apartheid, Cuba luchaba por la libertad de Angola – http://radiomacondo.fm/2013/12/07/mientras-el-mundo-callaba-los-horrores-del-apartheid-cuba-luchaba-por-la-libertad-de-angola/

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