quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

ANGOLA | Escolas primárias estão sem dinheiro

ENTREVISTA

André da Costa | Jornal de Angola

A menos de 15 dias do início do ano lectivo, gritos de desespero ouvem-se de diferentes direcções. Reclamam pais e encarregados de educação de cobranças feitas pelas escolas; também se queixam da falta de dinheiro nas instituições de ensino e nos Gabinetes Provinciais de Educação. André Soma, que responde por Luanda, deixa a ideia de que as escolas primárias, por exemplo, estão num dilema, por não terem dinheiro e não lhes ser permitido cobrar. No ano lectivo passado, segundo o responsável, as cobranças, feitas de forma ilegal, totalizaram 216 milhões e 500 mil kwanzas.

Existem ou não condições reunidas para o arranque do ano lectivo 2018 em Luanda, porque há escolas que se queixam da escassez de vagas?

Temos as condições possíveis para o arranque do ano lectivo, uma vez que ainda nos debatemos com falta de salas de aula e de carteiras. Precisamos, neste momento, de 63.463 carteiras, 829 quadros didácticos e 729 mesas com cadeiras para os professores.

Mesmo assim, as aulas arrancam no final do mês?

De facto, a abertura do ano acontece no dia 31 de Janeiro, no Cine Atlântico, às 10 horas, e vai ser orientada pelo Governador Provincial de Luanda.

Quantas novas escolas entram, este ano, em funcionamento?

Para este ano, entram em funcionamento sete novas escolas: três com 12 salas de aula (duas no município de Talatona e uma em Viana). Há ainda duas no Cazenga, com seis e 12 salas; outra com 12 salas, na Maianga. Existe ainda uma escola com 12 salas no município de Belas e outra com 15, no município de Kilamba Kiaxi.

Quantas escolas públicas tem a província de Luanda? 

Luanda tem 762 escolas públicas, 1.171 colégios privados e 1.497 escolas comparticipadas. Com a entrada em funcionamento destas sete novas escolas, vamos ter 769, para um total de 8.841 salas de aula, o que vai permitir albergar dois milhões, 240 mil e 177 alunos. Deste número, um milhão, 107 e 308 para o Ensino Primário, 829.665 no I Ciclo, ou seja, da 7ª à 9ª classe, e 303.204 alunos no II Ciclo do Ensino Médio.

Quais os dados estatísticos referentes ao funcionamento do ensino privado? 

Num universo de 1.171 colégios privados, temos  418. 540 alunos. Nas 1.497 escolas comparticipadas, temos 302.190 crianças. As escolas públicas são construídas pelo Governo da Província de Luanda e as Administrações Municipais. Existem escolas em construção. Provavelmente até Março, se  forem concluídas as obras, entram em funcionamento ainda este ano.

As escolas queixam-se da falta de professores para determinadas cadeiras. 

De facto, isto é verdade! No ano passado, a província de Luanda enquadrou mais de mil professores, mas do concurso público realizado em 2014. Continuamos com défice de professores, porque de 2014 a 2017 o Governo Provincial e as Administrações Municipais construíram escolas que precisam de novos professores.

Quantos professores a província de Luanda precisa exactamente? 

Precisamos de 4.424 novos professores, sendo 1. 946 para o Ensino Primário, 1.647 para o I Ciclo e 831 professores  para o Ensino Médio.

Está prevista alguma acção formativa ainda antes do ano lectivo?

Como estamos a duas semanas do arranque do ano lectivo, vamos realizar seminários de refrescamento dos professores, no período entre 22 e 29 deste mês. Estamos a trabalhar desde o dia 8 de Janeiro com 69 formadores do Ensino Especial, 60 para o Ensino de Adultos e 45 para o Ensino Primário, para capacitar outros professores.

Quantas crianças estão fora do sistema de ensino em Luanda?

No Ensino Primário, temos 61.700 crianças fora do sistema de ensino; no I Ciclo temos 19.987 e no II Ciclo 25.016 crianças. Isso totaliza 106.703 crianças fora do sistema de ensino. Para inserir estas crianças, precisamos de 1.406 salas para o Ensino Primário, 699 salas para o I Ciclo, 525 salas para o II Ciclo Gerais, vulgo Pu­niv,  101 salas para o Ensino Técnico Profissional e 15  para a formação de professores, totalizando 2.746 salas de aula.

Estas mais de 106 mil crianças fora do sistema de ensino são as que não estudam em escolas públicas ou as que passam o dia em casa?

Diante da escassez de salas de aula, alguns pais estão a matricular os filhos em escolas privadas, comparticipadas. Por esse facto, nós, Gabinete Provincial de Educação, admitimos uma modalidade de formação doméstica de crianças.

Como funciona a modalidade de formação doméstica?

O processo funciona da seguinte forma: uma pessoa com habilitações literárias aceitáveis pode ter até 30 crianças no seu quintal, a dar-lhes aulas de explicação. No final do ano lectivo, pode requerer ao Gabinete Provincial da Educação para que os alunos sejam examinados e depois são certificados.

Nunca registaram problemas com esse sistema de formação?

Tivemos alguns problemas nos municípios da Quissama e Viana, concretamente na comuna do Nguengue, onde às quartas-feiras alguns pais trocavam a escola pela pes­ca ou a lavra. Mas, depois de alguma conversa, a situação mudou.

Alguns encarregados de educação reclamam da cobrança de valores altos em colégios privados ...

Eu fico preocupado, porque só se estão a culpabilizar três colégios, quando, na verdade, acima de 90 por cento dos colégios aumentaram as propinas, porque o Ministério da Educação não forneceu uma tabela de preços a praticar. O Gabinete Provincial da Educação de Luanda trabalhou para que os colégios fossem classificados de acordo com as condições que apresentam, desde excelentes, boas, suficientes de leccionamento e assim termos a classificação. Informamos aos nossos dirigentes que os colégios estão organizados por classes e as propinas tinham que respeitar um tecto máximo, mas obtivemos tardiamente a resposta.

Como é feita esta classificação?

Um colégio classificado como sendo do tipo "A" deve ter piscina, autocarros, laboratórios, entre outras condições. Esse colégio só pode cobrar, por exemplo, o equivalente em kwanzas a 100 dólares, no máximo. O colégio com a classificação "B" só pode cobrar até 80 dólares e assim sucessivamente. Enviámos atempadamente a documentação a quem de direito e não se chegou a consenso. Como resultado, os proprietários aumentaram as propinas.

Portanto, os colégios subiram os preços sem um pronunciamento do Ministério da Educação?

O Ministério da Educação sabe que assim que termina o ano lectivo, os colégios começam logo a fazer as confirmações e matrículas. Entregámos a tabela de classificação dos colégios com os preços e só recebemos a resposta no dia 20 de Dezembro, a orientar como os colégios devem proceder com as cobranças. Mas  90 por cento dos colégios já tinha feito as confirmações e matrículas. Devíamos ter reagido no início do mês e não só no dia 20.

Diante dessa realidade, qual é a solução?

A solução é falar-se com as pessoas, para que se tome um rumo aceitável. Esse é um assunto que está em tribunal, pelo que não pretendo adiantar mais dados, porque existem acusados e acusadores.

Qual é a situação das escolas do KK 5000, do Kilamba e a do Sequele? São públicas ou privadas?

A escola do KK 5000 é comparticipada. É um assunto que foi já tratado, inclusive escrevemos para o Presidente da República, no ano passado. O KK 5000 tinha duas escolas, uma continua a ser pública e outra passou a  comparticipada. Quem deu a comparticipação foi o Governo da Província de Luanda. O Gabinete Provincial da Educação de Luanda não tem competência para dar uma escola a quem quer que seja. Quem gere a escola está a fazê-lo de forma legal. Semelhante situação é a escola do Sequele. Uma escola comparticipada tem regras.

Quais são as particularidades de uma escola comparticipada?

É uma escola construída pelo Estado ou por um privado e o Estado aparece com os professores, sendo a estrutura gerida por uma entidade privada. Nestas situações, o gestor não pode cobrar pela matrícula mais do que o equivalente em kwanzas a 50 dólares americanos.

Disse a pouco que as pessoas com quintal vasto podem aproveitar para fazer ensino doméstico. Pode detalhar?

As pessoas podem juntar até 30 alunos e leccionar, para requererem exames no final do ano. É uma espécie de explicação. O ensino é gratuito e obrigatório no primário.

Há reclamações de falta de água e luz eléctrica em escolas. Há condições para funcionar, sem se fazer cobranças?

A Lei 17/16, de 7 de Outubro, fala da gratuitidade e obrigatoriedade no Ensino Primário. A partir do Ensino Primário, os pais podem ou não pagar algum valor?  Nos outros níveis, podem ou não pagar? Quanto é que se deve pagar nas matrículas e inscrição? Ninguém sabe!

Perante esta situação, o que faz o Gabinete Provincial de Educação?

O Jornal de Angola levantou, em Janeiro do ano passado, o problema da cobrança nas escolas, situação que nos obrigou a fazer um levantamento dos valores cobrados, totalizando 216 milhões e 500 mil kwanzas, feitos de forma ilegal. O Jornal de Angola provou que as cobranças eram ilegais, porque nada estava escrito a respeito. No mesmo mês, escrevemos para as estruturas competentes, colocando os valores que podíamos cobrar no Ensino Primário, para que não tivéssemos problemas esse ano. Não obtivemos resposta.  Foi assim que, desde Outubro deste ano, proibimos cobranças nas escolas, porque, no ano passado, tive que explicar os dinheiros recebidos.

Como as direcções das escolas reagiram à proibição das cobranças?

Fomos mal entendidos por algumas pessoas do Ministério da Educação. Fomos tidos como indivíduos que estão a resistir a uma orientação. E qual é a orientação? Não sei, porque nenhuma orientação chegou a esta província. É assim que algumas pessoas foram dizendo que podem cobrar no Ensino Médio. Como o Ensino Médio pode cobrar, se estas escolas têm verbas do Orçamento Geral do Estado? Como ficam as escolas do Ensino Primário, que  não recebem nada?

As escolas públicas recebem ou não verbas do Estado?

Deveriam receber. No nosso estudo, sugerimos uma forma de trabalhar: Cada escola devia receber uma verba, de acordo com o número de sa­las de aula, o equivalente em kwanzas a 50 dólares por sala. Nas escolas primárias, caso a regra não vincasse, que entregassem pelo menos 20 mil kwanzas por mês, para trabalharem.  Temos consciência de que o barril de petróleo baixou e existem outros sectores para atender e não há dinheiro. Como não há dinheiro, orientámos os colegas a trabalhar com a Comissão de Pais e Encarregados de Educação e tem dado resultados. Por exemplo, no Cazenga há pais que colocaram ar condicionado em algumas escolas, que foram, inclusive, pintadas com a contribuição dos encarregados. As Comissões de Pais devem funcionar nas escolas e colocar de forma transparente as necessidades da  escola.  Temos escolas em Luanda muito bem organizadas pela Comissão de Pais.

Quem gere o dinheiro da Comissão de Pais?

O dinheiro deve ser gerido por um membro da Comissão de Pais. Acontecia que o dinheiro ficava com o director da escola, o que é errado.

Quantas escolas não têm energia e água?

Temos 225 escolas com energia eléctrica, 224 sem energia; 365 escolas com água potável e 374 sem água potável. Temos escolas do ensino Médio que recebem verbas directamente do Orçamento Geral do Estado. As escolas do I Ciclo não têm orçamento e dependem do Gabinete Provincial da Educação de Luanda. Temos escolas primárias que dependem das Administrações Municipais. O dinheiro cabimentado para o Gabinete da Educação é enviado para as escolas do I Ciclo, de acordo com a percentagem que nos chega.

Quanto é que cada escola recebe mensalmente?

Por exemplo, em condições normais, as 40 escolas que dependem do Gabinete Provincial da Educação deveriam receber, mensalmente, 100 mil kwanzas cada, isso quando o valor vem completo do Ministério das Fi­nanças. Suponhamos que as Finanças só enviem 67 por cento (há vezes que não envia nada, por falta de verbas), vamos dar quanto? Quem devia receber 100 mil acaba por receber 40 mil kwanzas.

Mas esse dinheiro é suficiente para gerir as escolas?

Temos consciência de que o dinheiro não chega. Mas é o que temos. Por isso, abrimos a possibilidade de os pais ajudarem as escolas mediante comparticipação. Nós, aqui, no Gabinete Provincial da Educação, temos, às vezes, problemas de verbas para aquisição de tinteiros e papel e fazer funcionar a máquina administrativa. Às vezes, eu próprio tiro 400 mil kwanzas do meu dinheiro para movimentar o trabalho (não estou a lamentar, porque ninguém me obrigou a dar e se dou é porque tenho outros rendimentos e quero ver o trabalho a andar), porque não há mesmo dinheiro.

Foto: Uma escola comparticipada é construída pelo Estado ou por um privado. O Estado aparece com os professores e a estrutura é gerida por um privado
Fotografia: Edições Novembro

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