sábado, 10 de março de 2018

O que está em jogo num encontro entre Trump e Kim?


Cúpula entre os chefes de Estado americano e norte-coreano anunciada para maio desperta esperanças quanto à distensão da crise intercontinental. Confira seis perguntas e respostas sobre a reunião histórica.

Nesta quinta-feira (08/03), uma notícia surpreendeu o mundo: o governo da Coreia do Sul anunciou que o presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, concordaram em se encontrar.

Após mais de um ano de tensões com o presidente americano, Kim propôs uma reunião a Trump e lhe ofereceu interromper o programa nuclear e de mísseis de seu país para iniciar uma negociação. O encontro histórico foi anunciado para maio. Confira o que está em jogo:

Quão importante seria um encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un?

O encontro de mais alto escalão entre um representante dos Estados Unidos e um da Coreia do Norte transcorreu há quase duas décadas, quando, em 2000, a então secretária de Estado americana, Madeleine Albright, reuniu-se em Pyongyang com Kim Jong-il, então líder norte-coreano e pai de Kim Jong-un.

Por diversas vezes, ex-presidentes dos EUA visitaram o país asiático, a fim de mediar conflitos. Em 1994 Jimmy Carter conseguiu evitar a ameaça de uma escalada militar, e em 2010 ajudou na libertação de um cidadão americano preso.

Bill Clinton esteve em 2009 na Coreia do Norte, numa missão semelhante, conseguindo trazer duas jornalistas de volta para seu país. Durante essa viagem, houve também um encontro direto entre o ex-presidente e o então líder Kim Jong-il. As fotos dos dois políticos lado a lado rodaram mundo.

Para Trump, há muito em jogo num encontro com o líder norte-coreano: um avanço no conflito estagnado seria seu maior êxito de política externa, em mais de um ano de mandato.

Para Kim, não é de se subestimar o elemento de prestígio: justamente ele, o provocador nuclear basicamente isolado, seria o primeiro dirigente norte-coreano a obter um encontro com um chefe de Estado americano.

O que aconteceu antes do anúncio da cúpula?

O ano de 2017 foi dominado por uma guerra verbal entre os dirigentes americano e norte-coreano, acompanhada por uma série de provocações militares. Em seu discurso de Ano Novo, Kim anunciou, por um lado, que seu país era agora capaz de atingir todos os Estados Unidos com seus mísseis.

Por outro lado, porém, voltou a adotar um tom mais brando em relação a Seul, após longo período de silêncio. Ele mencionou o possível envio de uma delegação norte-coreana para os Jogos Olímpicos de Inverno em Pyeongchang; e propôs um encontro preparatório entre representantes governamentais de ambos os lados.

A Coreia do Sul reagiu positivamente à oferta, e poucos dias mais tarde delegados do Norte e do Sul sentavam-se juntos para dialogar. O resultado foi uma ofensiva de charme sem precedentes durante os Jogos de Inverno, com desfile conjunto de ambas as Coreias sob uma bandeira neutra – tudo isso sob os olhos de Kim Jo-yong, irmã de Kim Jong-un.

Ela foi o primeiro membro da dinastia Kim a pisar em solo sul-coreano desde a divisão da península, sendo recebida diversas vezes pelo presidente Moon Jae-in.

Os temores de que a fase de distensão terminaria com o fim dos Jogos não se confirmaram. No início de março, uma delegação governamental sul-coreana, liderada pelo assessor de Segurança Nacional, partiu para Pyongyang em viagem oficial, pela primeira vez desde a posse de Kim Jong-un.

Logo em seguida, Seul divulgou que no fim de abril haverá um encontro entre Moon e Kim. O último encontro de cúpula entre as duas Coreias realizou-se em 2007, entre Kim Jong-il e o então presidente sul-coreano, Roh Moo-hyun.

O que exige e o que oferece a Coreia do Norte?

O assessor de Segurança Nacional da Coreia do Sul levou diversas mensagens a Trump. Segundo estas, Kim Jong-un estaria disposto a conversar sobre uma desnuclearização total de Península da Coreia, se a segurança de seu país for garantida.

Além disso, Kim assegurou que não haverá testes atômicos ou balísticos enquanto estiverem transcorrendo as conversas bilaterais entre seu país e os EUA. E declarou-se disposto a aceitar a manutenção dos exercícios militares regulares sul-coreano-americanos. Até então, Pyongyang impunha o fim dos treinos como pré-condição para o diálogo.

Como reagem China, Coreia do Sul e Japão?

Antes do anúncio do surpreendente encontro entre Kim e Trump, o ministro do Exterior da China, Wang Yi, se manifestara numa coletiva de imprensa à margem do Congresso Nacional do Povo, em Pequim, a favor de um intercâmbio entre os EUA e a Coreia do Norte.

O Ministério do Exterior chinês referiu-se a sinais positivos entre Washington e Pyongyang: "Estamos felizes de que a Coreia do Norte e os EUA tenham se decidido a dar esse passo", declarou o porta-voz do órgão, Geng Shuang.

Liang Yabin, politólogo da Escola Central do Partido em Pequim em contrapartida, considera os tons conciliadores ainda "superficiais": trata-se de uma "pausa" na crise, mas ainda não de uma "virada estratégica". Em artigo para um jornal da capital, ele argumenta: a Coreia do Norte ainda precisa de tempo até dominar o know-how para a miniaturização das ogivas de seus mísseis de longo alcance e para um reingresso seguro na atmosfera.
Trump, por sua vez, prossegue o especialista chinês, aplicaria uma estratégia calculista de política interna: em novembro realizam-se eleições para o Congresso nos EUA. Se ele conseguisse apresentar uma perspectiva de solução para a crise da Coreia, isso beneficiaria os candidatos de seu Partido Republicano.

Para o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, a conferência de cúpula anunciada é um "ponto de partida para uma península coreana livre de armas nucleares".

O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, saudou a mudança de curso da Coreia do Norte, a qual seria resultado tanto da cooperação entre os EUA e o Japão, quanto da pressão internacional sobre a liderança em Pyongyang.

Segundo noticiou o jornal japonês Asahi Shimbun, antes de sinalizar a disposição para o encontro, Trump teria combinado, em telefonema com Abe, continuar mantendo "pressão máxima" sobre a Coreia do Norte. O político japonês planeja um encontro com o americano ainda em abril.

Quão avançado está o programa nuclear e balístico norte-coreano?

A Coreia do Norte aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear em 1985, sob pressão da União Soviética. Sete anos mais tarde, Pyongyang e Seul declaravam a península coreana zona livre de armas atômicas. Pouco depois, porém, os norte-coreanos negaram aos inspetores da Organização Internacional de Energia Atômica (OIEA) o acesso a suas instalações nucleares.

Em 1994, no acordo básico de Genebra, o país declarou mais uma vez que renunciava a armas nucleares, mas em 2002 os EUA acusaram Pyongyang de continuar desenvolvendo-as. No ano seguinte, os norte-coreanos abandonaram o Tratado de Não Proliferação, e em 2005 admitiram oficialmente possuir armamentos nucleares.

De início, os especialistas se mostraram céticos, mas isso mudou com o primeiro teste nuclear, em 2006, desencadeando criticas por todo o mundo, até mesmo da China, aliada da Coreia do Norte. Seguiu-se uma espiral de sanções e novos testes.

Em 2012, o país alterou sua Constituição, autodeclarando-se potência nuclear. O último teste, até o momento, supostamente envolvendo uma bomba de hidrogênio, realizou-se em setembro de 2017.

Paralelamente ao programa de armas atômicas, a Coreia do Norte avançou na tecnologia de mísseis balísticos. De início dependente do apoio da União Soviética e da China, hoje o país é exportador de tecnologia balística. Ao longo dos anos, conseguiu desenvolver mísseis de alcance cada vez maior.

Pelo menos desde 2016 Pyongyang trabalha no desenvolvimento de mísseis intercontinentais com alcance de mais de 10 mil quilômetros, capazes de atingir o território dos Estados Unidos, com os quais realizou alguns testes.

No momento não há dados conclusivos sobre a confiabilidade e precisão dos mísseis intercontinentais norte-coreanos, nem sobre até que ponto o país está apto a instalar ogivas nucleares miniaturizadas nos sistemas portadores.

Que papel desempenham as sanções contra a Coreia do Norte?

Desde 2006 o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou 11 resoluções com novas sanções ou o endurecimento das existentes contra a Coreia do Norte. A última foi em dezembro de 2017, em resposta ao teste com um míssil intercontinental: a Resolução 2.397 restringe ainda mais os fornecimentos de petróleo vitais para o país, entre outros pontos.

Os Estados-membros da ONU estão autorizados a fiscalizar se navios em suas águas territoriais levam carregamentos de petróleo proibidos para a Coreia do Norte. Os "trabalhadores-hóspedes" norte-coreanos no exterior deverão ser enviados de volta a seu país, num prazo de 24 meses. Essa mão de obra emprestada é uma importante fonte de divisas para o regime.

Além disso, os EUA impuseram um grande número de sanções unilaterais. Na mais recente, em 23 de fevereiro, o Departamento de Estado aplicou medidas punitivas contra 55 navios, transportadoras navais e empresas comerciais norte-coreanas. Trump disse tratar-se das "sanções mais pesadas" já impostas. Os aliados China e Rússia criticam as medidas unilaterais, mas são obrigados a aplicar as impostas pela ONU.

Em novembro de 2017 o então ministro do Exterior da Alemanha, Sigmar Gabriel, declarou: "Precisamos aumentar ainda mais a pressão sobre a Coreia do Norte. Só assim se conseguirá uma solução pacífica e fazer o país compreender a necessidade de conversas. Como é sabido, as ofertas nesse sentido estão sobre a mesa."

Esther Felden, Rodion Ebbighausen, Hans Spross, Dang Yuan (av) | Deutsche Welle

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