sábado, 24 de março de 2018

VENCER ASSIMETRIAS – I

Martinho Júnior | Luanda

1- Em resultado dos longos processos coloniais, quer em África quer na América Latina, verifica-se:

- Que continuam a prevalecer os conceitos geoestratégicos da colonização, inerentes à chegada pelo mar dos colonizadores europeus;

- Que em resultado disso, nos países com fronteira marítima, as regiões de ocupação humana foram-se concentrando fundamentalmente junto ao litoral, ocorrendo povoamentos dispersos em função das linhas de penetração e havendo regiões onde ainda só pode haver intervenção, em resultado da muito baixa densidade populacional, na profundidade continental, junto dos limites territoriais;

- Que algumas questões de ordem físico-geográfico-ambiental concorreram também para a inaptidão colonial em combater as assimetrias, entre elas a existência de desertos e a de formações geológicas pouco atractivas para a agricultura e florestas plantadas pelo homem;

- Que as capitais, quase sempre as primeiras cidades a serem fundadas no território colonizado, se encontram no litoral, ou muito próximo dele, influenciando de muitos modos e até hoje, na continuidade da perspectiva geoestratégica colonial, pelo que as regiões de intervenção estão situadas à ilharga, diametralmente opostas;

- Que o conjunto desses fenómenos, determinaram acentuadas assimetrias nos territórios nacionais, que ancoram o subdesenvolvimento crónico herdado da colonização nos novos estados formados a partir dela;

- Que com as independências e o exercício das respectivas soberanias, necessário se torna de criar uma nova perspectiva geoestratégica, única forma de, combatendo as assimetrias, se poder levar a cabo a longa luta contra o subdesenvolvimento.

2- Quer Angola, quer a Venezuela enfermam ainda do “diktat” da geoestratégia colonial que perdurou durante séculos e até aos nossos dias, não tendo havido ainda suficientes capacidades para implantar uma geoestratégia nacional capaz de diminuir as assimetrias, ampliar as regiões de ocupação humana, diminuir o espaço das regiões sob intervenção e vencer o subdesenvolvimento crónico herdado do passado.

O território angolano, grosso modo um quadrado, tem nos triângulos leste e sul (Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico, Cuando Cubango, Cunene e Namibe), as suas maiores regiões de intervenção, com densidades populacionais ao nível de 5,58 habitantes por km2.

Essas 6 províncias possuem no total uma extensão de 747.901 km2, ou seja, 60% do território nacional, todavia, possuem 4.173.337 habitantes, apenas 16% da população angolana.

Angola possui 1.600km de costa e as seguintes fronteiras terrestres:

- Congo (a norte) – 231km;

- República Democrática do Congo (norte e leste) – 2.646km;

- Zâmbia (leste) – 1.427km;

- Namíbia (sul) – 1.065km.

O território venezuelano por seu turno, um imenso triângulo com base na costa do Mar das Caraíbas a norte (2.800 km) e vértice a sul (estado do Amazonas), possui as seguintes fronteiras terrestres:

- Colômbia (a oeste) – 2.341km;

- Brasil (a sul) – 2.137km;

- Guiana (a leste) – 789km.

As três províncias do sul (Apure, Bolivar e Amazonas), compõem o seguinte quadro:

- Área total de 494.645 km2, o equivalente a 53% do território nacional;

- População de 2.706.032, ou seja, apenas 8% do total nacional;

- Densidade média de 5,47 habitantes por km2 (muito similar às regiões de intervenção em Angola) e apenas o cômputo de 8% da população nacional.

3- Se levarmos em linha de conta os aspectos físico-geográficos-ambientais-hidrográficos da Venezuela, verifica-se em relação ao maior fluxo hidrográfico nacional (o Orinoco, com 2.100 km de extensão e um delta muito largo na foz):

- Que é fundamentalmente desde a sua margem direita até à fronteira a leste, correspondendo a toda a meseta geológica planáltica da Guiana (a mais antiga formação geológica da América), onde a densidade de ocupação humana é menor;

- Que a bacia do Orinoco perfaz um imenso arco em torno da Meseta da Guiana, contornando essa meseta, à excepção lógica da fronteira com a Guiana;

- Que é a sul, na região geográfica mais diametralmente oposta a Caracas (Estado do Amazonas), onde se regista precisamente a mais baixa densidade populacional da Venezuela;

- Que essa bacia é por conseguinte fundamental para melhor se discernir a limitação entre a região de maior ocupação humana e político-administrativa da Venezuela, a norte (421.800 km2, correspondendo a 47% do território nacional, com 92% da população, ou seja, 29.069.339 habitantes) e a região de intervenção a sul (Estados de Apure, Bolivar e Amazonas, a sul).

Em Angola, um fenómeno similar ocorre com o curso do rio Cuanza (960 km), inteiramente em território nacional, mas nascendo no fulcro da rosa dos rios angolana, a região central das grandes nascentes, fulcro onde nascem outros importantes rios:

- Que é nos triângulos leste e sul (a leste e a sul do Cuanza), que existe a menor densidade populacional e a malha político-administrativa é mais alargada, o que corresponde a uma imensa região para intervenção com 747.901 km2, ou seja 60% do território nacional, com 4.173.337 habitantes, apenas 16% da população total de Angola;

- Que o arco da bacia do Cuanza contorna o maciço de serras a ocidente, região planáltica e de altitude que possui habitat mais disperso e de maior densidade em termos de ocupação rural do território em Angola;

- Que é relativamente próximo de sua foz (estuário) onde se situa a capital, cuja província é a mais densamente povoada de Angola;

- Que é precisamente a sudeste da capital, na região mais diametralmente oposta a ela, situada a sudeste (Moxico e Cuando Cubango), onde se registam as mais baixas densidades demográficas.

4- Há portanto entre a Venezuela e Angola muitos aspectos similares relativos às assimetrias regionais:

- Sob o ponto de vista hidrográfico, ao delimitar as regiões de maior ocupação humana e as de intervenção, a valorização geoestratégica do Orinoco e do Cuanza são “plataformas” que se aproximam de tal modo que são referências comuns para uma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável, ao nível dum exercício saudável de independência e soberania de cada um dos países, com vista a esbater as assimetrias;

Sob o ponto de vista humano e tendo em conta as necessidades dessa geoestratégia vocacionada para a projecção dum desenvolvimento sustentável garante de independência, de soberaniae gerador duma cultura de inteligência, ao mesmo tempo eliminando assimetrias, as bacias dos dois rios são incontornáveis para ter basicamente em conta e fundamentar todas as projecções vocacionadas para o futuro.

(Para ver melhor clique nas imagens)

(Continua)

Martinho Júnior - Luanda, 23 de Março de 2018

Mapas:
- Os dois primeiros referem-se à orografia e à hidrografia dos territórios de Angola e Venezuela;
- Os 3 e 4 dão uma ideia sobre as regiões de ocupação e as de intervenção em ambos os países (densidade populacional);
- O 5º refere-se à limitação das regiões de ocupação com as de intervenção em Angola, publicado por Martinho Júnior no Página Global -  aqui: http://paginaglobal.blogspot.pt/2016/01/geoestrategia-para-um-desenvolvimento.html

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