sábado, 15 de julho de 2017

RACISMO | ACUSAÇÃO HISTÓRICA EM PORTUGAL



Alberto Castro*, Londres

Contrariando a percepção quase generalizada da inexistência do racismo na sociedade portuguesa, tal como acontece no Brasil, fruto de teorias lusotropicalistas que romantizavam e ainda seguem romantizando a excepcionalidade lusitana no seu relacionamento tido como harmonioso e exemplar com outros povos, o Ministério Público (MP) português fez hoje (11/07) história ao acusar agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) de práticas de racismo e tortura. 

De acordo com a imprensa local a acusação, sem precedentes em Portugal, surge após dois anos de investigação de uma unidade da Polícia Judiciária ao caso de violência policial contra seis jovens negros de um bairro periférico de Lisboa, ocorrido em fevereiro de 2015. Ao todo o MP acusa 18 agentes da PSP de crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada. Alguns policiais são igualmente acusados de falsificação de relatórios, de auto de notícias e de testemunho. Para o MP, que mandou arquivar todos os processos dos policiais contra os jovens, os crimes têm a agravante de terem sido motivados pelo ódio racial.

A acusação mostra que o país, que nas últimas décadas se vem modernizando e evoluindo em diversas áreas, fortalecendo as suas instituições e ganhando reconhecimento e elogios externos, também está evoluindo no reconhecimento de um tema até pouco tempo considerado tabu. Um tabu que novas gerações de jornalistas, historiadores, sociólogos, demais académicos e ativistas sociais ousaram desafiar e colocar na agenda midiática e, com ela, no debate público. No link abaixo as informações mais detalhadas sobre o assunto.

Por seu turno, na Inglaterra, a premiê conservadora Theresa May, ordenou ontem (10/07) um inquérito e mandou suspender imediatamente da função de whip (parlamentar responsável pela disciplina partidária da bancada nas votações e pelo respeito às normas parlamentares) a deputada Anne Morris, por uso de linguagem no seu entender "chocante e inaceitável" numa sociedade diversa como a britânica.

Em comentário feito num clube social londrino, a referida parlamentar usou a palavra "nigger" que, tal como "coloured", é vista como profundamente insultuosa por parte de africanos e afrodescendentes em países de fala não lusófona. De nada valeram seus pedidos de desculpa e a justificativa do uso do termo como uma imagem comparativa da desgraça e da melancolia do negro, caricaturada em narrativas do passado colonial e da escravidão, com o atual momento de incertezas vividas no Reino Unido em consequência do brexit.

Ainda em terras de Sua Majestade, a jornalista Kate Hopkins, conhecida por usar de linguagem incentivadora aos ódios racial, xenófobo e religioso, particularmente contra imigrantes e refugiados africanos e muçulmanos, foi demitida da estação de rádio londrina LBC, decisão que mereceu aplausos dos próprios colegas de profissão.  A demissão aconteceu em maio passado na sequência do trágico ataque terrorista na Arena de Manchester onde 22 pessoas, na maioria jovens, perderam a vida no final de um concerto da cantora estadunidense Ariana Grande. Na ocasião a jornalista publicou um tuíte defendendo para os muçulmanos a "solução final", um termo empregue pelos nazistas visando a aniquilação total do povo judeu.

Enquanto isso, no Brasil dito de "todos juntos e misturados", políticos, jornalistas, pastores evangélicos e demais fazedores de opinião usam e abusam impunemente de linguagens incendiárias como as de incentivo ao ódio político, religioso, racial e xenófobo como se viu, por exemplo, no tratamento dado aos médicos cubanos, aos imigrantes haitianos e no show de horrores que foi o impeachment de Dilma Rousseff.

*Artigo de Alberto Castro publicado originalmente em Afropress

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

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