segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Angola | 11 DE NOVEMBRO DE 1975 – UMA EPOPEIA DECISIVA – IV



Em saudação ao 11 de Novembro de 2017, 42º aniversário da independência de Angola, com uma atenção especial em relação a Cabinda.

Martinho Júnior | Luanda 

Nota prévia:
Os historiadores portugueses do após 25 de Novembro de 1975, da era spinolista no após Spínola, em relação a Angola, se fazem tudo para não evocar as fontes angolanas e cubanas em relação à batalha de Cabinda, deliberadamente esquecem e desde a década de 70, de consultar as fontes zairenses, por que dão cobertura “aos segredos que fazem parte do negócio”: os diamantes angolanos que também passavam pelo Zaíre, quer para serem canalizados para a DIALAP em Lisboa, quer para as Bolsas de Antuérpia!

Quando muito evocam os contactos “nebulosos” entre o general António Spínola e Mobutu na ilha do Sal, Cabo Verde, para raramente citar John Stockwell e o seu livro “A CIA contra Angola” e no entanto tinham uma forte comunidade sua residente no Zaíre e um “encarregado de negócios” dentro da Embaixada de Espanha em Kinshasa (ainda no tempo do fascismo do generalíssimo Franco), o embaixador António Monteiro, que se movia de tal maneira à vontade que, com o enquadramento do Exercício ALCORA, o colonialismo português chegou a dar o alarme sobre a iniciativa de ataque ao norte de Angola que estava a unir Mobutu a Kadhafi, antes do 25 de Abril de 1974!

É evidente que os governos portugueses do após 25 de Novembro de 1975, sempre quiseram não tocar nos expedientes de inteligência relativos ao Zaíre, mantidos secretos até hoje e isso não era só por causa do embaixador António Monteiro!... Então seria por quem mais e porquê?...

Um zairota-luso era conselheiro especial de Mobutu e proeminente figura acima do Centre National de Documentation, com uma carreira “super discreta” (protegida) e em ascensão contínua desde 1965 até ao colapso do regime: Jean Seti Yale, aliás João Nunes Seti Yale, filho de pai português e mãe zairense, nascido na Província do Equador e membro do núcleo duro do clã Mobutu.

Em 1973, 1974 e 1975 era impossível as filtragens dos serviços de inteligência zairenses não passarem por ele, que aliás teve interlocutores de peso a nível internacional até ao fim da era Mobutu, entre eles Maurice Tempelsman e Lawrence Devlin (um oficial da CIA ao serviço de Maurice), em Kinshasa, ou seja: a possibilidade de intervenção directa e ao mais alto nível do quadro do cartel de diamantes (De Beers e Anglo American), bem como do “lobby” dos minerais (clãs Rockefeller e Rothschield, da aristocracia financeira mundial), que foram sempre dando especial apoio aos vínculos do Partido Democrata dos Estados Unidos!

É claro que a um embaixador experiente como António Monteiro, essa personagem como todo o ambiente “pródigo” onde ela se mexia, não poderia ficar despercebida, até porque Jean Seti Yale, viria a possuir passaporte português (que mais tarde lhe dava acesso a toda a União Europeia) e desenvolveu negócios externos na Bélgica, na Suíça, na França e em Portugal (mais propriamente no Algarve, em Faro)!

Entre os negócios dele estavam o café, os diamantes e os transportes aéreos, quer dizer: ele assumiu uma quota-parte muito sensível dos interesses no café (daí a ligação de antigos fazendeiros do café no norte de Angola em apoio ao ELP e à FNLA), nos diamantes do clã Mobutu (com imensas ramificações de todo o género em Angola, em Portugal, na Bélgica e na Suíça), sendo de realçar dentro de Angola as redes clandestinas em direcção aos vales do Cuango e do Cuanza, bem como em direcção a Luanda, algo que seria reforçado quando Savimbi deslocou a sua retaguarda para o Zaíre (por colapso do “apartheid”), entre 1992 e 2002!

Assim o recrutamento dos mercenários em épocas distintas contra Angola, inclusive aqueles que foram utilizados a favor da FLEC na batalha de Cabinda, passou pelas suas mãos, tal como o recrutamento da força do Exército de Libertação de Portugal, com o coronel Santos e Castro à cabeça, conforme integração de efectivos em reforço da FLEC e da FNLA, nos ataques a Cabinda e norte de Angola (Quifangondo)!

Além do mais, esse tipo de gente, esteve por dentro do “verão quente” em Portugal, uma parte dele vivido depois do 25 de Novembro de 1975 (por exemplo, a embaixada de Cuba em Lisboa sofreu um atentado bombista que causou a morte de dois diplomatas,Adriana Corcho e Efrén Monteagudo, a 22 de Abril de 1976).

Durante o processo 105/83, alguns elementos mais me passaram pela mão, assim como pela mão dos outros meus camaradas e instrutores desse processo contra os traficantes internacionais que enxameavam em Angola na década de 80 e posso citar entre eles dois exemplos flagrantes:

- José Basílio Alves Pereira, que tinha residência fixa na cidade do Porto, em Portugal; ele fazia parte do apoio logístico à FNLA enquanto ela necessitou de Kasango Lunda e Tembo Aluma, em Bandundu e mesmo junto à fronteira com Angola (a leste do Cuango internacional, junto à Província angolana do Uíge) e por lá continuou enquanto pode por que por lá “os diamantes são eternos”…

- O Comandante dos Transportes Aéreos Portugueses, Artur Alves Pereira, que foi piloto da Força Aérea Portuguesa e mercenário declarado na guerra do Biafra, no quadro do apoio que o general Ojukwu teve do colonialismo português, do “apartheid” e de algumas redes “stay beind” da NATO e filiações do “Le Cercle”, a ponto de implicar a “retaguarda segura e discreta” do aeroporto de São Tomé!...

Por que razão os historiadores portugueses apagaram com uma borracha “total” o papel do Zaíre na desestabilização de Angola desde 1961, apesar das derrotas de Mobutu, de Holden e de Savimbi, particularmente no que diz respeito aos vínculos dos negócios feitos tráfico e dos sistemas de inteligência da ”civilização judaico-cristã ocidental” em Kinshasa?...

Quais as razões profundas dos sociais-democratas portugueses contribuírem para silenciar tudo isto?...

O que andou e anda a fazer o “arco da governação” do após 25 de Novembro de 1975 em relação a Angola?...

11- Em Angola há autores angolanos que se debruçaram sobre os acontecimentos de Cabinda, desde o 25 de Abril de 1974, até ao 11 de Novembro de 1975, quando ocorreu a batalha de Cabinda, em simultâneo às de Quifangondo e do Ebo!

Posso apontar dois livros editados recentemente pela Mayamba que dão corpo à apreciação sobre a batalha de Cabinda:

- “Anais da Conferência – Angola: Guerra de Libertação e Independência, Luanda, 25 e 26 de Agosto de 1976”;

- “História Militar de Angola”.

No primeiro desses livros há a intervenção de dois generais sobre a batalha de Cabinda: “A FLEC e a invasão de Cabinda”, de Maurício Zulu e “As FAPLA e a importância da defesa de Cabinda”, de Pedro Sebastião.

O 2º trabalho teve a coordenação de Miguel Júnior e Manuel Maria Difuila e esbateu-se em aspectos mais gerais da história contemporânea de Angola.

12- Na intervenção do general Maurício Zulu há um esforço para se fazer uma abordagem honesta sobre a particular situação em relação a Cabinda (pag.158 do livro):

“A História Militar de Angola pode ser incompleta se, porventura, omitirmos por negligência, ou por qualquer outra razão, as batalhas significativas que tiveram lugar em diferentes cantos do território nacional, como por exemplo a tentativa de invasão de Cabinda pela FLEC, no dia 8 de Novembro de 1975, vésperas da proclamação da independência e do nascimento da República Popular de Angola.

Devo adiantar que a guerra de Cabinda é uma das guerras que, em África, se desenrolou deforma quase discreta.

Ela não mereceu uma atenção particular, devido ao seu carácter separatista.

Assim, uma guerra sem testemunho é difícil que tenha arquivos.

Escrever sobre ela, necessita de uma coragem e de um espírito cauteloso, para não ferir sensibilidades.

De outra forma, é também abafar a verdadeira História Militar do nosso país, se minimizarmos estes acontecimentos.

Todavia, para uma melhor compreensão do tema em exposição, dividimos nos seguintes ponto:

- Situação geográfica de Cabinda;

- Breve historial da FLEC;

- A FLEC e a invasão de1975;

- Contextualização da invasão;

- Os intervenientes na invasão;

- Decurso da invasão e seu fracasso;

- Primeiro plano da FLEC (sem intervenientes);

- Segundo plano com intervenientes);

- Penetração e avanço dos batalhões.”

Sem levar em conta as necessárias distinções entre movimento de libertação nacional e etno-nacionalismos, o general Maurício Nzulu todavia adianta:

“Durante a luta de libertação, uma boa parte dos movimentos de libertação nacional de vários países passaram por Congo Léopoldville, infelizmente nenhum conseguiu obter êxitos neste país, por causa da ingerência do falecido presidente Mobutu nos assuntos internos destes movimentos.

Muitos compatriotas sofreram prisões, morreram e muitos foram, ainda, obrigados a fugir para outros países, pelo facto de tentarem denunciar a prática macabra de Mobutu.  


Apesar de a FLEC ter sido vista num ângulo separatista e sem ideal, o presidente Mobutu favoreceu o senhor N´Zita Tiago, vice-presidente da FLEC, para subjugar o senhor Ranque Franque, seu presidente naquela altura, a fim de tirar proveito do novo estatuto que poderia ter Cabinda depois da sua ocupação.

Noutro extremo, por razões de luta de interesses económicos, Cabinda independente seria um bem para a França, na sua estratégia de querer ocupar o Golfo da Guiné.

Era necessária a implicação de mercenários do grupo de Bob Denard, estacionado em Libreville (Gabão) naquele momento, para treinar os efectivos da FLEC e supervisionar a invasão”…

Por fim o general abordou a geometria variável da composição estrutural e organizativa de forças militares da FLEC na preparação da batalha de Cabinda, bem como o papel nefasto dos mercenários, subvertendo os propósitos da própria FLEC, em função dos seus próprios projectos financeiros, algo que contribuiu para o colapso da invasão:

“Os mercenários franceses, chamados de técnicos pela direcção da FLEC, naquela altura pertenciam ao grupo de Bob Dénard, um mercenário francês com reputação em golpes de estado.

Eram cinco: o major Michel, o chefe de grupo; o Jacques, que ficou a orientar o 2º batalhão; o Dominique (o mais perigoso) ficou com o 3º batalhão; o Roger, com o 4º batalhão e o Jean, que ficou com o 5º batalhão.

E assim, no momento do avanço, o plano de operação mudou, obrigando as forças da FLEC de penetrarem no território pelas estradas e não se infiltrando pelas matas como estava previsto, submetendo-se à orientação dos técnicos franceses”…

Os desentendimentos na cadeia de comando de operações da FLEC para a batalha de Cabinda com início a 8 de Novembro de 1975, vulnerabilizaram de várias formas a invasão:

“- Desentendimento político na direcção da FLEC;

- Falta de confiança dos dirigentes da FLEC nos seus chefes militares;

- Implicação dos intervenientes nos assuntos internos da organização, contradizendo a natureza da sua existência;

- Ausência de um comando centralizado de forças e desprezo de cooperação entre elas;

- Muitos outros factores políticos, endógenos e exógenos, pesaram na balança dos resultados da invasão”.

13- O general Pedro Sebastião sobre Cabinda estruturou sua intervenção em três partes:

- “A 2ª Região Política-Militar do MPLA no contexto das demais Regiões Militares;

- Os acontecimentos em Cabinda em vésperas da independência nacional;

- Conclusões”.

Em relação à primeira questão o general Pedro Sebastião evidencia Cabinda enquanto laboratório experimental do MPLA, facto a que não ficava despercebido a desfavorável conjuntura regional envolvente com o colonialismo português como inimigo, tal como Mobutu, com os e seus apêndices etno-nacionalistas directamente implicados no jogo operativo.

Na segunda questão ele detalha alguns episódios que vale a pena reportar (página 170):

“No nosso caso, Cabinda, a 1ª e a 3ª Regiões eram os destinos de um número crescente de jovens com uma sólida formaçãonacadémica e de militares que reforçavam assim a guerrilha.

Simultaneamente em Cabinda o poder colonial ensaiava uma série de manobras de diversão para branquear o rumo dos acontecimentos.

O então coronel Themudo Barata, governador do distrito de Cabinda e comandante das tropas portuguesas aí estacionadas, tentou uma espécie de coligação com o regime de Mobutu e as TE, para a tentativade criação de um movimento secessionista que posteriormente acabou por integrar-se na FLEC.

Acto contínuo, iniciaram acções contra todos os nacionais não naturais de Cabinda, o que obrigou uma acção enérgica dos guerrilheiros do MPLA, com a colaboração de alguns oficiais portugueses progressistas e antes mesmo da independência, com marchas sob o comando dos camaradas comandantes N´Dozi, N´Zagi, Delfim de Castro, Foguetão, Margozo, Kianda e outros, em viaturas retiradas ao espólio do exército português, com alguns elementos progressistas que engrossavam voluntariamente a coluna ao longo do trajecto do Mayombe a Cabinda, tomámos a rádio (Max Merengue), o aeroporto (Margoso), o comando do distrito (Foguetão)e disseminámos pela cidade de Cabinda uma série de guerrilheiros em residências privadas de militantes e simpatizantes, para que na eventualidade de uma contrariedade, pudéssemos responder com acções de guerrilha.

Preso o governador de distrito, foi posteriormente entregue a uma comissão do governo português que ali se deslocou expressamente e retirado para Luanda.

Messa altura o MPA era o único movimento de libertação em território de Cabinda”…

Esses foram os acontecimentos que ocorreram em 1974, muito antes da batalha de Cabinda que ocorreria em fiais de 1975.


14- Os testemunhos de Angola, assumidos com o movimento de libertação em África, são incontornáveis até hoje nos termos da independência e soberania do novo país, “de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste”, com “um só povo e uma só nação”!

Muitas correntes que confluíram para o quadro do 25 de Novembro de 1975, desde os spinolistas do após Spínola, até aos sociais-democratas dos partidos de contingência formados às pressas na esteira do derrube do fascismo e do colonialismo, absorveram doutrinas, filosofias e ideologias decorrentes do passado de trevas, inclusive dos enlaces com Mobutu e do “apartheid”, de forma a, entre outras questões subjacentes, “regerem” o tipo de abordagens e critérios dos historiadores de serviço, que se vão esquecendo deliberadamente do contraditório, para que a história seja uma vez mais um acto de conveniência e não um resultado objectivo de investigação, estudo e análise.

Como é óbvio, esse tipo de comportamentos têm vindo a viabilizar a exploração dos laços antigos com os etno-nacionalismos (garantindo as doutrinas que lhes interessam) e influem nos caudais de ingerência e manipulação ao longo dos tempos e muito particularmente nos enredos que se iriam desenvolver a 31 de Maio de 1991 em Bicesse e nos anos seguintes até aos nossos dias, com os “jogos africanos” inerentes ao capitalismo neoliberal!

Martinho Júnior - Luanda, 4 de Dezembro de 2017

Imagens:
Dois livros da Editora Mayamba que se referem à história contemporânea de Angola e aos acontecimentos relacionados com a batalha de Cabinda;
Fotos de Maurice Tempelsman e Jacqueline (Kennedy-Onassis); residência do Chefe da Antena da CIA em Kinshasa (Lawrence Devlin e Mobutu) associados à CIA no Zaíre e também correlacionados com os “apetites de Mobutu” sobre Cabinda; na última foto, Sei Yale, Vundwawe e Kpama Baramoto, membros do fulcro da elite do regime de Mobutu.

A consultar de Martinho Júnior (além do sugerido nos dois números anteriores):
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – I – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – II – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_19.html
Angola – 11 de Novembro de 1975 – Uma epopeia decisiva – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2017/11/angola-11-de-novembro-de-1975-uma_26.html

A consultar (para além do sugerido nos dois números anteriores):
EUA queriam neutralidade na guerra colonial portuguesa – http://ultramar.terraweb.biz/Noticia_DocumentosSecretos_EUA_GuerradoUltramar_19Set2011.htm
Themudo Barata guarda provas que explicam a situação de Cabinda – http://www.cabinda.net/ThemudoBarata.htm

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